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NEUROCIRURGIA – AULA 01 – HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 1. FISIOPATOLOGIA É a condição fisiológica mais temida porque umenta exponencialmente o risco de morbi-mortalidade. Pode ser consequente a várias doenças neurológicas: tumores, infecções, hidrocefalia, AVC e TCE. Encéfalo – protegido por uma caixa inelástica que é formada por: Crânio – LCR 8% Sangue – 12% Tecido encefálico – 80% Esses três componentes se comportam harmonicamente devido a inelasticidade da caixa craniana. O aumento de um dos elementos ou o aparecimento de um novo pode determinar deslocamentos de outras estruturas dentro da caixa craniana. HIC: Situação determinada pela descompensação do equilíbrio entre estes elementos. Aumento do líquor: Pode ser causado por hidrocefalia. Aumento de sangue: Pode ser causado por hematomas. Aumento de tecido encefálico: Edema cerebral. OBS: Neoplasias seriam um novo elemento. Nem sempre quando há aumento de um dos elementos nós teremos hipertensão intracraniana, isso devido a capacidade do sistema nervoso central de adaptação até certo ponto de acordo com o crescimento ou aparecimento de novo elemento. A essa capacidade de adaptação damos o nome de COMPLACÊNCIA CEREBRAL. 2. COMPLACÊNCIA CEREBRAL Capacidade da caixa craniana (sistema nervoso central) de suportar aumentos de volume sem aumentar a pressão intracraniana. Quando cresce um novo volume na caixa intracraniana, outras estruturas devem ser deslocadas para que esse volume possa ser absorvido sem aumentar a pressão intracraniana. A capacidade dessa absorção de aumento de volume vai ser maior quanto mais lento for o crescimento deste novo elemento. EX: Um paciente tem um meningioma ocupando uma parte enorme da cavidade intracraniana, e seu exame neurológico está normal. Ao mesmo tempo pode-se ter um paciente com um hematoma devido a um TCE, com tamanho muito menor que um meningioma, e exame neurológico alterado, às vezes em coma, isso porque o hematoma cresce muito rápido. Portanto: Quando um elemento existente aumenta muito rápido, ou um novo elemento aumenta muito rápido, a capacidade de complacência cerebral não consegue acompanhar esse aumento, e ocorre hipertensão intracraniana. Quando um elemento existente aumenta devagar, ou um novo elemento aumenta devagar, a capacidade de complacência cerebral acompanha esse aumento, e não ocorre hipertensão intracraniana. A curva de pressão x volume dentro da caixa craniana obedece a CURVA DE LANGFITT, onde por algum tempo, mesmo com aumento de volume, a pressão intracraniana se mantém a mesma. Ainda é possível manter aumentos leves de pressão com um volume maior, mas um dado ponto a pressão intracraniana começa a aumentar de maneira significativa mesmo com poucos volumes. 3. HERNIAÇÕES Quando temos aumento de um dos elementos, ou surgimento de novo elemento, pode haver desvios das estruturas encefálicas, e eles podem ser sutis ou intensos. Temos três cavidades dentro do crânio, sendo elas: Fossa anterior, fossa média, e fossa posterior. Fossa anterior: ponta do frontal até asa do esfenoide. Fossa média: Asa do esfenoide até occiptal tendo como limite inferior a tenda do cerebelo. Fossa posterior: Tenda do cerebelo ao forame magno. Portanto, a partir do momento que temos um crescimento dentro da caixa craniana, podemos ter deslocamento de estruturas cerebrais. Herniação uncal (transtentorial): Herniação do uncus (porção mais medial do lobo temporal) Quando há uma lesão ou crescimento no hemisfério, ou na base da fossa média, ela vai “empurrar” o uncus para junto da borda livre da tenda do cerebelo, que tem em sua porção medial o tronco encefálico (mesencéfalo), assim pode haver compressão do tronco encefálico levando a morte encefálica ou estado vegetativo persistente. Herniação subfalcina (herniação do giro do cíngulo): Ocorre herniação do giro do cíngulo por baixo da foice do cérebro Pode haver lesões ou compressões da artéria cerebral anterior, podendo trazer déficits motores dos membros inferiores. Herniação transforaminal (herniação das amígdalas cerebelares): Quando há lesão ou crescimento dentro da fossa posterior, elas podem herniar pelo forame magno, comprimindo o bulbo, podendo levar a morte encefálica ou estado vegetativo persistente. Herniações transcalvarianas: Só ocorre se o paciente tiver uma lesão traumática, ou lesão iatrogênica (EX: pós- operatório de craniotomia). 4. PRESSÃO DE PERFUSÃO CEREBRAL – PPC A pressão de perfusão cerebral é a pressão mínima que deve haver no capilar para que o sangue chegue ao tecido cerebral, para que haja trocas gasosas e chegada de nutrientes ao SNC. Portanto, a PPC é o que importa para manter o tecido cerebral vivo. A pressão intracraniana pode dificultar a perfusão do tecido cerebral A hipertensão intracraniana resulta em déficit da perfusão cerebral. PPC = PAM – PIC PAM: Pressão arterial média Pressão dentro do vaso para jogar o sangue para fora. PIC: Pressão intracraniana Pressão fora do vaso fazendo força contra a saída de sangue. Quando a PIC está muito elevada (hipertensão intracraniana), caso não haja aumento da PAM, a PPC fica negativa, e assim não há a troca sanguínea. Portanto, quando a PIC está elevada, a PAM deve aumentar para que a PPC continue positiva e continue havendo troca sanguínea. PIC adulto = 20 a 30 mmHg PAM adulto = 60 a 120 mmHg Portanto, a PPC normal varia de 50 a 70 mmHg, e o mínimo que se espera é de 50mmHg. 5. FLUXO SANGUÍNEO CEREBRAL – FSC É diferente da capacidade de outros órgãos de manter seu fluxo sanguíneo, porque o sistema nervoso consegue por si próprio controlar o fluxo sanguíneo dentro da caixa craniana. Pode-se ter um paciente chegando ao pronto socorro com pressão arterial de 20x10mmHg, consciente, conversando e sem estado neurológico alterado. Isso ocorre devido à capacidade do sistema nervoso de manter um fluxo sanguíneo sempre uniforme apesar das variações da pressão arterial sistêmica AUTO-REGULAÇÃO CEREBRAL. A auto-regulação cerebral consegue ser feita dentro de alguns limites de pressão arterial sistêmica, e também é variável de acordo com a quantidade de CO2, e de O2 no sangue arterial. Se há aumento de oxigênio, o cérebro faz vasoconstricção, porque ele entende que não há necessidade de mais O2, uma vez que a oferta está boa. Se há aumento de CO2, o cérebro faz vasodilatação, porque ele entende que há muito CO2 e é preciso fazer muitas trocas gasosas para que ele diminua. O sistema nervoso central é muito mais sensível a variações de CO2 do que de O2. Portanto, o FSC é mantido uniforme dependendo de: Variações da PAM (PA sistêmica) Variações de CO2 e O2 no sangue arterial Se a PA sistêmica está entre 50 e 150mmHg, o fluxo sanguíneo cerebral fica normal. Se a PA sistêmica está acima de 150mmHg, começa a haver edema cerebral por ruptura da barreira hematoencefálica. Se a PA sistêmica está abaixo de 50mmHg, há risco de isquemia e hipóxia cerebral. EX: Paciente teve acidente de trânsito e teve ruptura de artéria abdominal, perdendo muito sangue. Por mecanismos fisiopatológicos o sistema nervoso consegue sustentar sua pressão até certo ponto, porém quando a PA sistêmica cai abaixo de 50mmHg, o fluxo sanguíneo cerebral já não consegue ser mantido de maneira otimizada, havendo hipóxia e morte cerebral. O gráfico normal é para ser um “S”, porém quando há lesão e quebra da auto-regulação, deixa de ser um “S” e passa a ser uma reta, porque variações diretas da pressão arterial influemdiretamente no fluxo sanguíneo cerebral. Portanto, o que importa para manter a PPC, está intimamente relacionado a PIC e a PAM. Se há aumento da PIC e queda da PA sistêmica, há queda da PPC Quando há queda da PPC, o cérebro é avisado através da auto-regulação e ele dilata para aumentar o fluxo sanguíneo cerebral, o que leva a aumento de sangue na caixa craniana (aumento de um dos elementos), e isso aumenta a PIC. A melhor alternativa para interromper esse ciclo vicioso é tratar a causa da hipertensão intracraniana. 6. SINAIS E SINTOMAS De maneira geral, se o paciente ainda tem bom nível de consciência e é uma hipertensão intracraniana que está evoluindo progressivamente, como por exemplo no crescimento de um tumor cerebral, ele vai apresentar: Cefaleia Náuseas e vômitos Rebaixamento do nível de consciência Déficit visual progressivo Comprometimento e edema do nervo óptico. Além disso, o paciente grave em condição de hipertensão intracraniana e que está em estado de coma (verdadeiro ou induzido) pode apresentar TRÊS SINAIS muito característicos de hipertensão intracraniana, que são chamados de TRÍADE DE CUSHING (IMPORTANTE!): Hipertensão arterial Bradicardia Alterações do ritmo respiratório Se o paciente estiver intubado, não haverá esse elemento. Todo paciente com quadro de hipertensão intracraniana DEVE ser mensurado na escala de coma de Glasgow MUITO IMPORTANTE PARA A PROVA!!! A escala varia de 03 (crítico) a 15 (orientado). Paciente com Glasgow de 8 para baixo deve ser intubado porque está em risco iminente de desenvolver insuficiência respiratória. Outra situação muito importante é o paciente que chega ao pronto-socorro com quando sugestivo de hipertensão intracraniana apresentando ANISOCORIA (pupilas com tamanhos diferentes). É preocupante quando uma pupila está mais dilatada que a outra. Lesões que crescem na convexidade, ou principalmente no lobo temporal podem empurrar a parte medial do lobo temporal para junto do tronco e da borda livre da tenda do cerebelo (herniação transtentorial/uncal). Quando a porção medial do lobo temporal empurra o tronco, entre eles haverá o III par craniano (oculomotor), e as fibras mais periféricas (parassimpáticas) serão pressionadas, perdendo a miose pupilar, ou seja, o paciente começará a apresentar midríase pupilar no lado que está sendo pressionado Isso ocorre, por exemplo, quando há um hematoma no lobo temporal empurrando o uncus causando um efeito de massa. Portanto, a condição que está causando a hipertensão intracraniana será IPSILATERAL a pupila dilatada. Logo em seguida é comprimido o tronco na altura do mesencéfalo, pegando o trato corticoespinhal, que cruza na decussação das pirâmides (bulbo), e o paciente vai começar a apresentar déficit de força no lado CONTRA-LATERAL a pupila com midríase (e da condição que está causando a hipertensão intracraniana). Após isso o paciente entra em coma por compressão definitiva do mesencéfalo, e pode ir a óbito caso não seja tratado rapidamente. 7. MONITORIZAÇÃO DA PRESSÃO Dado que a PPC depende da PIC e da PAM, é preciso monitorar essas duas pressões. A PAM pode ser medida através da sua fórmula, basicamente encontrando a pressão arterial sistêmica do paciente, porém na UTI existem monitores específicos através de punção de artéria radial por exemplo. A PIC é monitorada através de procedimento invasivo, com a colocação de cateter no crânio, que pode ser de 3 formas: Espaço subdural: Logo abaixo da dura-máter. Intraparenquimatoso: Dentro do parênquima encefálico Intraventricular: Dentro do ventrículo É o melhor local para a colocação do cateter, porque sua medida além de ser mais fidedigna, permite métodos terapêuticos para melhora da hipertensão intracraniana, ou seja, permite a drenagem de líquor. OBS: Muitas vezes na situação de hipertensão intracraniana não temos um ventrículo patente, ou seja, muitas vezes ele está colabado pelo edema cerebral. Existem critérios bem estabelecidos sobre quando devemos fazer a monitorização intracraniana, mas não é em todo paciente que devemos colocar o cateter, isso, por que: Nem toda UTI tem os cateteres. O cateter quebra a barreira hematoencefálica, aumentando o risco de infecção do SNC, e devemos pensar que esse é um paciente que está acamado, com imunidade suprimida, que já possui cateter para urina, cateter para acesos venoso central, cateter arterial.. 8. TRATAMENTO Em primeiro lugar, um paciente com Glasgow 8 ou menos deve ser intubado, e deve estar dentro de uma UTI. Esse paciente deve receber uma tomografia cerebral realizada. Caso a tomografia cerebral esteja alterada, a sua PIC deve ser monitorizada, e deve tentar otimizar a PPC, para que ela seja mantida no mínimo em 50mmHg. A partir de então vamos considerar hipertensão intracraniana quando a PIC estiver acima de 20mmHg. Se a PIC se elevar acima de 20mmHg, devemos realizar intervenções, e elas podem ser de 1ª, 2ª ou 3ª linha. 1ª LINHA DE INTERVENÇÃO: Cabeceira elevada 30 graus (até 45): Acima de 45 graus dificulta o fluxo sanguíneo cerebral, e abaixo de 30 graus dificulta o retorno venoso, portanto em 30 graus facilita o retorno venoso pela jugular e melhora o FSC. Sedação: A sedação diminui a demanda de oxigênio que o cérebro está exigindo. PaCO2 entre 35 a 38: Pressão de CO2 moderadamente baixa. Saturação O2 acima de 90%: Saturação de O2 alta. Drenar líquor: Apenas se o catéter for intraventricular. OBS: NUNCA drenar líquor lombar do paciente com hipertensão intracraniana Para não causar herniação das amigdalas cerebelares pelo forame magno. Se tiver feito todos os procedimentos acima, e mesmo assim a PIC estiver acima de 20mmHg, ou voltou a subir acima de 20mmHg, deve realizar uma tomografia NOVAMENTE (para verificar se não houve complicação da condição prévia que estava causando a hipertensão intracraniana). Caso realize novamente a TC e tenha algo que se possa fazer cirurgicamente, DEVE ser feito. Caso não tenha, vamos para a 2ª linha de tratamento. 2ª LINHA DE INTERVENÇÃO: Hiperventilação um pouco mais intensa (PaCO2 entre 30 a 35). Manitol: É um agente hiperosmolar, ou seja, vai circular no sangue arterial puxando líquido intersticial, o que ajuda na diminuição do edema. Coma barbitúrico: É usado o tiopental, um sedativo que faz o paciente entrar em um rebaixamento muito grande do nível de consciência, fazendo com que a demanda de oxigênio necessária para sustentar o SNC seja mínima. OBS: Precisa ter cuidado com manitol, porque ele abaixa a pressão intracraniana rapidamente, porém ela pode retornar aumentando muito rápido. Além disso, o manitol é hiperosmolar, e por diminuir o edema cerebral, ele vai aumentar muito a perda de volume, causando hipovolemia, o que diminui o fluxo sanguíneo cerebral, podendo levar a isquemia. Se tiver feito todos os procedimentos acima, e mesmo assim a PIC estiver acima de 20mmHg, ou voltou a subir acima de 20mmHg, deve realizar uma tomografia NOVAMENTE (para verificar se não houve complicação da condição prévia que estava causando a hipertensão intracraniana). Caso realize novamente a TC e tenha algo que se possa fazer cirurgicamente, DEVE ser feito. Caso não tenha, vamos para a 3ª linha de tratamento. 3ª LINHA DE TRATAMENTO: Solução salina hiperosmolar: Parecido com manitol, mas não é tão agressivo quanto, e pode ser usado por mais tempo. Hiperventilação um pouco mais intensa ainda (PaCO2 < 30 mmHg): Vai haver vasocontricção diminuindo o conteúdo sanguíneo intracraniano Cuidado com isquemias! Craniectomia descompressiva: Quando há lesão unilateral e o edema é enorme, trazendo risco de compressão do tronco ou do outro hemisfério, é feita a descompressão, ou seja, retira uma larga porção óssea do hemisfério atingido, abrir a dura máter, e deixar o cérebro inchar para fora, sem que haja comprometimento do hemisfério contra-lateral. Hipotermia moderada (32 – 35 graus): Quase não é usado mais.
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