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1 2 Escola E Ensino dE gEografia: o dEsafio dE Ensinar-aprEndEr na “sociEdadE da informação” Maria Edivani Silva Barbosa1 Universidade Federal do Ceará-UFC edivanisb@yahoo.com.br Dennys Silva Nogueira (UFC) denys350@hotmail.com Introdução No contexto contemporâneo, é necessário repensar o papel da escola e do en- sino de Geografia, tendo em vista os desafios e obstáculos impostos pela “sociedade da informação”. Os profissionais da educação têm diante de si um grande desafio, que é o de ensinar ao “novo” aluno inserido numa sociedade onde os espaços de aprendizagem foram democratizados. Os conhecimentos que antes eram de domínio da escola, agora são dis- ponibilizados instantaneamente na Internet, na televisão, nos jornais, nas revistas, enfim, através dos textos que circulam socialmente, concorrendo assim com a escola e o professor, principais detentores do conhecimento na escola tradicional. Diante dessa realidade, quais são os obstáculos que se apresentam aos alunos e aos professores de Geografia? Sem a pretensão de apresentar respostas prontas para tal questionamento, pro- pusemos neste trabalho discutir sobre a Geografia escolar face à nova estruturação social. Nossa reflexão perpassa sob algumas perspectivas disciplinares diferenciadas, cujo objetivo principal é ter uma noção aproximada da realidade que envolve a sociedade atual e que acaba interferindo na escola, no processo ensino-aprendizagem, na relação professor-aluno, enfim, no ensino de Geografia. Refletir sobre a Geografia escolar é compreendê-la no contexto político, econômico, social e cultural no qual a escola, o professor e o aluno estão inseridos. É necessário repensar 1. Profa. Ms. e Doutoranda em Educação Brasileira, pela Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Ceará. Este trabalho é resultado da pesquisa do Projeto de Doutorado que está em fase inicial. Como professora do departamento de Geografia, também desenvolvo a pesquisa com a referida temática nesta instituição, tendo como pesquisador o aluno bolsista do Projeto de Graduação pela COPAC – Coordenadoria de Projetos e Acom- panhamento Curricular, da UFC. as metodologias, os recursos didáticos, os conteúdos, mas, sobretudo, analisar o compor- tamento do aluno que a cada dia se diferencia daquele conhecido pela escola tradicional. Na tentativa de construir um aporte teórico-metodológico que fundamente essa temática realizamos leituras que nos ajudaram a pensar sobre a escola, a sociedade, o aluno e a Geografia do século XXI. Essas leituras estão fundamentadas em TEDESCO (2008), CASTELLS (2007), LIPOVETSKY (2009) e CALLAI (2001). O primeiro discute a crise do sistema educacional dando ênfase ao “défice de socialização” da sociedade contemporânea; o segundo apresenta uma discussão sobre o surgimento dos mass-media, sua influência na cultura e no comportamento social; o terceiro discute sobre o indivíduo e a insatisfação existencial em virtude da abundância de materiais proporcionada pela sociedade do hiper- consumo; e por fim, CALLAI (2001) que em seu texto intitulado A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o ensino, apresenta elementos importantes para pensarmos as aulas e os conteúdos de Geografia, o papel do professor e as possibilidades de tornar a Geografia em um ensino que leve à cidadania. A pesquisa de campo foi realizada durante os dois semestres do ano de 2010, em 13 escolas localizadas em diferentes bairros de Fortaleza. Para analisar o espaço escolar aplicamos um questionário para quantificar e ver a disponibilidade dos recursos didáticos utilizados no ensino de Geografia. Para conhecer as metodologias e as técnicas de ensino fizemos observações e realizamos entrevistas junto aos professores. Analisamos o com- portamento dos alunos em sala de aula e durante os horários de socialização. Dessa forma, analisamos o espaço escolar, os materiais didáticos, o comportamento dos alunos e o am- biente em que ocorre esse ensino nas escolas públicas do município de Fortaleza-CE, pro- curando identificar as principais dificuldades enfrentadas pelos professores na atualidade. Desenvolvimento da temática Já se tornou lugar comum afirmar que o fracasso da Geografia escolar está associado às más condições de trabalho e aos baixos salários dos professores, à formação acadêmica desqualificada, o baixo prestígio social desse profissional, à falta de infraestrutura das es- colas, entre outros fatores. A proposta aqui é refletir sobre outros aspectos que somados a estes também têm influenciado no processo ensino-aprendizagem, como por exemplo, o “défice de socialização” da sociedade contemporânea, a ausência da família e a democra- tização do conhecimento proporcionado pelos mass-media. Na escola tradicional a instrumentalização para o acesso as informações era de responsabilidade da escola que dominando os códigos da leitura e da escrita, mantinha o controle, sobre o que ensinar, quando ensinar, por que ensinar, como ensinar. O ensino se- qüencial e hierarquizado, característico dessa escola, considera o desenvolvimento cognitivo das crianças e dos jovens, mas hoje isso tem se colocado como um obstáculo à organização do trabalho pedagógico. Segundo Tedesco (2008, p.42), na sociedade pós-moderna 3 4 todos – saibam ou não ler – têm acesso à informação. Por outro lado, a televisão não dis- crimina momentos nem sequências na difusão da informação. Pela sua própria natureza, a programação televisiva é de caráter geral e, consequentemente, revela todos os segredos da vida adulta, sem respeitar nem idades nem sensibilidades. Por isso, o aparecimento da televisão traz consigo uma estrutura de comunicação que provoca o desaparecimento da “infância”. Coloca as crianças perante informações adultas e infantiliza os adultos, suprim- indo as exigências tradicionais para o acesso à informação. O argumento de Tedesco nos revela uma variável importante para pensarmos o planejamento pedagógico: o enfraquecimento da curiosidade. Ora, se no planejamento da escola tradicional, a curiosidade era considerada um elemento constitutivo no planejamento das aulas, o que fazer diante deste enfraquecimento - a curiosidade? Cotidianamente as crianças e os jovens, sem seguir qualquer sequência didática, são submetidos aos sons, as imagens, e aos textos os mais variados possíveis, que revelam o tempo inteiro a complexidade do espaço geográfico local, nacional e global. Os programas televisivos abordam conteúdos geográficos de forma instigante, mexem com a emoção dos telespectadores jogando nas telas do pequeno ecrã, imagens reais de cidades, países, regiões, lugares exóticos, revelando assim toda a complexidade da cultura, da economia e da política desses lugares. A capacidade que a televisão tem de quebrar as sequências na difusão das infor- mações também são questionadas por Manuel Castells que se apoiando em estudiosos do assunto revela que, a TV apela à mente associativa/lírica, não envolvendo o esforço psicológico de recuperar e analisar a informação [...]. É por isso que Neil Postman, importante estudioso dos media, considera que a televisão representa uma ruptura histórica com a mente tipográfica. En- quanto a imprensa favorece a exposição sistemática, a TV é mais adequada à conversação casual. Para fazer uma melhor distinção, e nas suas próprias palavras: ‘A tipografia tem uma maior tendência para a exposição: uma capacidade sofisticada de pensar de forma concep- tual, dedutiva e seqüencial; valoriza muito a razão e a ordem; é avessa à contradição; tem uma grande capacidade de distanciamento, de objectividade e de tolerância ao tempo de resposta’. No que se refere à televisão ‘o entretenimento é a supra-ideologia de todo o discurso televisivo. Não importa o que seja representado nem de que ponto de vista, a presunção abrangente é quea TV está lá para nosso divertimento e prazer’ [...] a televisão tornou-se o epicentro cultural das nossas sociedades; e a modalidade de comunicação da televisão é a de um medium fundamentalmente novo, caracterizado como sedutor, simulador sensorial da realidade e de fácil comunicabilidade, na linha do modelo do menor esforço psicológico (CASTELLS, 2007, p. 437,438). Conforme observamos, trabalhar com o ensino de Geografia tornou-se um grande desafio para os professores na sociedade pós-moderna. Estes devem buscar propostas pe- dagógicas inovadoras, estimulantes e criativas consideradas as transformações de ordem psicológica e sociológica vivenciadas pelos indivíduos na contemporaneidade. Primeiro é preciso tomar consciência de que passamos por um profundo processo de transformação social. “Não de trata de uma das muitas crises conjunturais do modelo capitalista de de- senvolvimento, mas do aparecimento de novas formas de organização social, econômica e política” (TEDESCO, 2008, p.18). Portanto, é preciso repensar o papel da escola nessa nova estruturação social; discutir qual a finalidade do ensino de Geografia; como deve ser a relação professor-aluno; e com quais conteúdos devemos trabalhar. Inserir novas metodologias e novos recursos também já não satisfaz ao indivíduo que vive rodeado de instrumentos audiovisuais, mergulhado em meio ao turbilhão de informações divulgadas através de textos, imagens e sons. Atingimos a um grau de bana- lização das coisas, inclusive do conhecimento, que o habitual irrita, causa insatisfação ao indivíduo que vive imerso numa sociedade do excesso. Para Lipovetsky (2009, p. 137), “a banalidade aborrece; para usufruirmos ao máximo das coisas, precisamos do não habitual, de surpresa, de um certo grau de inesperado”. O descontentamento e a apatia dos alunos em sala de aula e o sentimento de decepção dos professores ao terem seus planejamentos frustrados, diante do comportamento indiferente dos alunos, são reveladores desse fenô- meno. Então, o que se espera da escola e do ensino de Geografia? Para Callai (2001, p.134) precisamos refletir com base na seguinte perspectiva: O mundo tem mudado rapidamente e com ele devem mudar também a escola e o ensino que nela se faz. [...] Uma educação para a cidadania tentando romper com a mesmice da escola. Desenvolvendo uma prática que seja aberta à possibilidade de questionar o que se faz, de incorporar de fato os interesses dos alunos, e de ser capaz de produzir a capacidade de pensar, agindo com criatividade e com autoria de pensamento. Ao discutir esta postura, questionam-se as propostas prontas, implantadas nas escolas, até porque elas não têm conseguido entrar em definitivo na vida das escolas.[...] O ensino de Geografia, bem como dos demais componentes curriculares, tem que considerar necessariamente a análise e a crítica que se faz atualmente à instituição escola, situando-a no contexto político social e econômico do mundo e em especial do Brasil. No que se refere ao professor, exige-se cada vez mais uma formação acadêmica qualificada e contemplada pelos diversos saberes considerados fundamentais na formação de um “bom” professor, a citar: o saber científico, o saber didático-pedagógico, o saber da experiência, o saber técnico, entre outros. Mas afinal, o que é necessário saber para lidar com o indivíduo da sociedade pós-moderna? Vivemos a era da escola “total” na qual se exige do professor o domínio das mais diversas áreas do conhecimento. Assim, podemos presumir que atribuir tantas funções ao professor no desempenho do seu of ício é pressupor a ausência da família e de outras instituições na responsabilidade de educar. Como traba- lhar com esse “novo” aluno privado de referências, de regras e punições? Ao apresentar as características da educação na sociedade do hiperconsumo, Lipovetsky (2009, p.173-175) nos lembra que 5 6 a educação de tipo tradicionalista e autoritário foi substituída por uma educação psicologi- zada, “sem obrigação nem sanção”, voltada para o desabrochar da criança, a sua satisfação completa, a sua felicidade imediata. Já não “dominar” nem punir, mas fazer tudo para que a criança não se sinta insatisfeita ou infeliz, fazer tudo, também, para evitar conflitos esgo- tantes com ela e, não chegar à situação desconfortável de dizer “não”. [...] Uma das características desta educação é a sua tendência para privar as crianças de regras, de contextos ordenados e regulares necessários à estruturação psíquica, promovendo uma forte insegurança psicológica, personalidades vulneráveis que já não dispõem de disciplina interior, de esquemas estruturantes que no passado permitiam ao indivíduo fazer frente às adversidades da vida [...] É nessa perspectiva que refletimos sobre o ensino de Geografia. No dia-a-dia o pro- fessor tem se deparado com a dúvida, a insegurança e a incerteza do seu fazer pedagógico. Por mais preparado e qualificado que seja ele tem se deparado com situações extremamente desagradáveis que causam desconforto em sala de aula. A indisciplina tomou conta das salas de aula dificultando o trabalho dos docentes. Estes profissionais precisam dominar certos conhecimentos, como por exemplo, a psicolo- gia social, para tentar compreender o comportamento dos alunos na sala de aula e que se reflete no aprendizado. Todavia, o desenvolvimento de tantas competências e habilidades não tem respondido as expectativas de uma aprendizagem significativa. É comum escu- tarmos daqueles encarregados pela educação que os professores não têm autoridade para lidar com os alunos, em outras palavras falta domínio de classe. Mas como reverter essa situação se esse aluno vem de um contexto familiar desprovido de autoridade e de regras? A desagregação das famílias e a perda de autoridade parental conduzem as crianças e os jovens a escolherem os seus próprios modelos de referência, o que comumente vai de encontro à regulação proposta pela escola. Para Lipovetsky (2009, p. 169): “À medida que se dissolve a regulação familiar e comunitária, os indivíduos sentem a necessidade de se autodefinir, de construir a sua identidade escolhendo os seus modelos de referência [...]. Dessa forma, o diálogo na escola fica dif ícil ou quase impossível, pois quando a família fica isenta da responsabilidade de educar, as crianças e os jovens ficam à mercê da cultura mediática, dificultando, assim, o pensar e o fazer pedagógico, pois o que é divul- gado pelas mídias normalmente não condiz com os valores e preceitos apregoados pela escola. Então, a tensão se estabelece entre a escola, o aluno e a família, ficando o ensino e a aprendizagem consequentemente prejudicados. No contexto da “sociedade da informação”, a crise do sistema educativo tradicional, do ponto de vista pedagógico, também se manifesta na impossibilidade de manter a vigência das categorias características da escola tradicional, ou seja, a sequência e a hierarquização. [...] A sequência clássica no acesso ao conhecimento está posta em questão, quer pela neces- sidade de aprendizagem e de formação permanente, quer pela difusão de informação geral sem discriminação de idades, levada a cabo pelos mass-media; por sua vez, a hierarquização é posta em questão pelo acesso universal à educação, a ruptura dos vínculos de autoridade, e a dissociação entre ascensão educativa e ascensão social (TEDESCO, 2008, p. 30) Daí surge a preocupação com o ensino de Geografia que historicamente tem se caracterizado por práticas extremamente sequenciais e hierarquizadas. Essas características estão presentes na estrutura curricular dos cursos de graduação, onde os profissionais se formam; nas práticas cotidianas da educação básica, com a organização do ensino em série; nos artefatos culturais, como por exemplo, o livro didático; no planejamento pedagógico, por meio das unidades de ensino por bimestres e semestres,enfim, no cotidiano da sala de aula. Antes da democratização do conhecimento (proporcionado pelos mass-media), só se aprendia Geografia nas aulas de Geografia. Diante dos novos desafios pedagógicos, o papel dos professores em sala de aula é redefinido. A estes não cabe apenas transmitir conhecimentos, pois as mídias e outros canais disponibilizam as informações de forma universal e instantânea, uma característica peculiar da sociedade contemporânea. Os professores do século XXI são os mediadores que disponibilizam os instrumentos para o aluno realizar a leitura e interpretação do mundo. Os professores devem despertar no aluno o senso crítico necessário para selecionar e utilizar as informações para que ele não se perca em meio a esse “dilúvio” informacional. Nesse processo, a escola e os professores não podem negligenciar os textos que circulam socialmente como o jornal, as letras de música, os anúncios na TV, pois não considerá-los surge como “sintoma de recusar a experiência do aluno como cidadão fora do espaço aca- dêmico” (MENEZES; TOSHIMITSU; MARCONDES, 2007, p.9). O aluno contemporâneo não precisa necessariamente estar em sala de aula porque ele [...] aprende a cada dia, por meio das informações que recebe constantemente, e quando vai à escola tem dados adicionais, além dos que recebeu na véspera em sala de aula. O magistério ocorre dentro da escola, com o professor, e fora dela, com a mídia. E esses dois setores nem sempre, ou raramente, colaboram um com o outro. Na maior parte dos casos, eles se opõem, se negam, a mídia disseminando ou dizimando o que o professor ensina (BUARQUE, 2008). Esse aprendizado ocorre através das imagens paradas ou em movimento, por meio dos textos nos quais os fenômenos, os fatos, os conceitos e as noções básicas de Geogra- fia são divulgados de forma aleatória. A televisão como meio de socialização não tem a preocupação didática de organizar aquilo que é divulgado. As mensagens simplesmente são jogadas e fica na responsabilidade dos cidadãos elegerem as mensagens que desejam receber. Diferente do aluno da escola tradicional que aprendia “isso”, depois “aquilo”, o aluno da escola contemporânea aprende tudo a qualquer hora, em qualquer tempo e de qualquer maneira. O ensino tradicional de conteúdo fragmentado e dissociado da realidade dos edu- candos contribuía tão somente para informar sobre a localização de lugares como cidades, países, regiões, e, sobretudo, apresentar dados populacionais, econômicos, políticos e 7 8 culturais. A Geografia tradicionalmente tem sido estigmatizada como uma disciplina de cunho “decorativo”, um saber mnemônico, enfadonho, que exige do professor o domínio dos conteúdos para repassá-los aos alunos, de quem se espera capacidade para memorizar os dados apresentados em sala de aula. O Movimento de Renovação da Geografia das décadas de 1970-1980 trouxe uma grande contribuição à Geografia escolar, que se viu contemplada com uma produção do conhecimento fundamentada na teoria social marxista. As propostas de renovação perpas- sam pela escolha do conteúdo a ser ensinado, que deveriam superar a visão fragmentada do saber, até então organizado em itens sem sentido e desvinculados da realidade socioe- conômica e cultural do educando. Contudo, compreendemos que essa renovação pouco influenciou as práticas cotidianas da sala de aula da educação básica. Embora a produção do conhecimento tenha despertado para outros caminhos epistemológicos e metodológi- cos, grande parte dos professores apresenta dificuldades em trabalhar a Geografia como matéria de ensino. Essas dificuldades, a priori, dizem respeito as técnicas, aos conteúdos e aos métodos utilizados. Porém, na atualidade, a grande queixa dos professores está focada no aluno. O que esse aluno espera do ensino de Geografia? Conforme observamos nas escolas, através do comportamento dos alunos, é que eles vão à escola, permanecem em sala de aula, mas o que menos interessa são os conteúdos de Geografia. Não são poucas as queixas de professores que reclamam por terem seus planeja- mentos frustrados pela indisciplina em sala de aula. O “novo” aluno privado de regras e punição, que chega à escola com “défice de socialização”, não tem paciência para escutar o professor. É comum este utilizar boa parte do horário da aula para acalmar os ânimos dos alunos “indisciplinados”. Nesse espaço de tempo o professor se esforça e perde energia em situações extremamente desagradáveis e que se tornaram corriqueiras, como alunos exaltados por serem repreendidos e cobrados pelas obrigações que lhe são inerentes, alunos que xingam os colegas de classe, outros depredam o patrimônio da escola. Estaria no rol de competências do professor ensinar a respeitar o professor, os colegas e a preservar o patrimônio da escola? Segundo Tedesco (2008, p. 110), “a família socializava para o êxito escolar, no sentido em que era responsável pela formação do núcleo básico da personalida- de, de que a preparação para o desempenho escolar era uma das componentes principais”. Como já foi citado, pautamos nossa análise em 13 escolas públicas do município de Fortaleza, localizadas em diferentes bairros. Dentre eles: Benfica, Centro, Damas, Granja Portugal, Henrique Jorge, Jockei Club, Padre Andrade, Parangaba, Parque Araxá e Parquelândia. Constatamos que a maioria das escolas detém boa infraestrutura e quantidade de materiais didáticos significativa. Contudo, o que percebemos foi uma grande dificuldade em construir um ambiente adequado de aprendizagem em sala de aula. Alunos inquietos, dispersos, indiferentes ao que é proposto é comum na maioria das salas de aula de Geografia. As tecnologias e inovações utilizadas, quando são utilizadas, já não estimulam os alunos à participação. Os materiais didáticos ficam guardados, sem utilização ou são subutilizados. Por desânimo ou ausência de uma capacitação técnico-profissional, o professor torna-se refém do livro didático, o que contribui ainda mais para a desqualificação das aulas de Geografia. Isso nos remete a uma indagação: por que mesmo com uma boa formação e um número diversificado de materiais didáticos, e em bom estado de conservação, eles não apresentam o resultado esperado? Não seria esta uma reivindicação dos professores das décadas anteriores? Muitos educadores alegavam que o ensino de qualidade só era possível com a implantação de uma boa infraestrutura. No entanto, o que verificamos na maioria das escolas são laboratórios de informática equipados, mas sem a utilização adequada; os globos, os mapas e os projetores são esquecidos nos armários das secretarias e bibliotecas. Verificamos que alguns professores possuem formação recente, alguns possuem pós-graduação (especialização e mestrado) e mesmo assim, com pouco tempo de magistério, encontram-se desestimulado pela realidade encontrada nas escolas. Na busca de encontrar uma justificativa para a falta de êxito do trabalho escolar, em especial, no trabalho com a Geografia elencamos dois fatores fulcrais: o primeiro nos remete a questão da sobrecarga de funções que o professor hoje é impelido a desempe- nhar. A ele são atribuídos papéis diferenciados como o de professor, psicólogo, amigo, pai, mãe. Esse dado nos revela uma importante questão, o “colapso” da família, conforme já mencionamos. Segundo Tedesco (2008, p.37), isso tem dificultado o processo ensino- aprendizagem. Para este autor o “défice de socialização” apresentado pelas crianças e os jovens contemporâneos tem tornado o trabalho do professor penoso, uma vez que este assume um papel impossível de se cumprir, que é a substituição dos pais no processo de socialização. Na sociedade tradicional os filhos antes de ingressarem na escola eram pre- parados no seio da família, para posteriormente serem incorporados em novos setores do mundo objetivo da sua sociedade, dentre estes a escola.Ao discutir sobre a família e o seu papel no processo de socialização Tedesco faz a seguinte assertiva: [...] Um dos problemas mais sérios que enfrenta, actualmente, a formação do cidadão é o que podemos chamar de “défice de socialização” que caracteriza a sociedade actual. Vive- se um período em que as instituições educativas tradicionais – em especial a família e a escola – estão a perder a capacidade de transmitir, eficazmente, valores e modelos culturais de coesão social. [...] A socialização primária – que normalmente se dá no seio da família – costuma ser a mais importante para o indivíduo. Através dela adquire a linguagem, os esquemas básicos de interpretação da realidade e os rudimentos do aparelho legitimador. [...] é importante notar que a socialização primária implica algo mais que uma aprendizagem puramente cognitiva. Efectua-se em circunstâncias de enorme carga emocional [...] há bons motivos para crer que, sem esta adesão emocional aos adultos significativos, o processo de aprendizagem seria dif ícil ou quase impossível (TEDESCO, 2008, p.35-37). 9 10 Com isso queremos chamar a atenção para o papel que a família deve desempenhar. Como entidade socializadora que é não tem se encarregado da formação moral e cultural dos seus filhos, e tem deixado de lado essa função muitas vezes em nome do ritmo de trabalho imposto pela sociedade capitalista, causando um afastamento relacional entre os membros da família, e com isso o papel de educar que os pais tinham na sociedade tradicional, hoje recai sobre os professores. O professor tem sido acusado constantemente de ser um dos principais respon- sáveis pelo fracasso da Geografia escolar, mas na análise desse discurso esquece-se das condições de trabalho em que esse profissional está inserido, dentre estas podemos citar a carga horária excessiva, a baixa remuneração, baixo prestígio social, escolas localizadas em áreas extremamente vulneráveis à violência, e, sobretudo, a ausência total da família. O que quereremos dizer com tudo isso é que, se no passado, a crítica ao ensino de Geografia pesava sobre as metodologias empregadas, os conteúdos fragmentados desvinculados da realidade dos alunos, na atualidade, devemos superar essa visão, pois a melhoria no ensino de Geografia, assim como dos outros componentes curriculares, não depende da simples capacidade de os professores dominarem os conteúdos, as técnicas e os métodos de aprendizagem, como querem alguns estudiosos. A escola, os educadores, a família e a sociedade de um modo geral devem discu- tir coletivamente qual o papel que cada um desempenha nesse processo. As mudanças educativas dependem da interação de múltiplos fatores que atuam de forma sistêmica. Historicamente os fatores de mudança no sistema educativo e, em especial, no ensino de Geografia, estiveram concentrados no aumento salarial dos docentes, na reforma dos conteúdos, na reforma institucional, na instrumentalização técnica dos professores e das escolas, na infraestrutura, etc. Nada disso pode ser descartado, mas somado a outros fatores para que juntos as instituições possam apresentar respostas positivas à sociedade. Considerações Finais As questões levantadas até aqui são caminhos que apontam para pensarmos o ensino de Geografia na educação básica. Vivemos uma crise nesse ensino que a cada dia aparece como um componente insignificante na estrutura curricular da educação básica. O descrédito começa na sala de aula, quando os alunos se deparam com as mesmas aulas ditadas pelo livro didático. Comumente as críticas recaem sobre os conteúdos fragmentados, as metodologias de ensino fundamentadas apenas nas aulas expositivas, o livro didático como único recurso didático utilizado na sala de aula. Enfim, são práticas que historica- mente têm contribuído para estigmatizar a Geografia como uma disciplina enfadonha e simplória. Porém, nem só estas circunstâncias contribuem para o marasmo das aulas de Geografia. Se estabelecermos um comparativo entre o que acontece fora e dentro da escola, na atualidade, podemos perceber que na primeira situação imperam a velocidade, a abundância de materiais e o excesso de informação. É nesse contexto que vive o aluno da “sociedade da informação”. Portanto, não podemos desconsiderar esse fato.O aluno do século XXI não se satisfaz com o habitual, ele precisa encontrar significado naquilo que lhe é apresentado. As razões para estar na escola e estudar Geografia devem ser construídas em casa, quando a família participa da formação de sua identidade. Os cursos de licenciatura em Geografia precisam atentar para tais questões senão corremos o risco de ter esse componente curricular substituído por outra área de conheci- mento. Percebo que a universidade está distante da escola básica e desconhece a realidade que a envolve, mas é preciso parar para discutir sobre escola, educação e sociedade. REFERÊNCIAS BUARQUE, Cristóvan. Formação e invenção do professor no século XXI, Out. 1998. Dis- ponível em:<http://www.reescrevendoaeducacao.com.br>. Acesso em: 15 dez. 2009. CALLAI, Helena Copetti. A Geografia e a escola: muda a geografia? Muda o ensino? Re- vista Terra Livre. São Paulo. n. 16, p.133-152, 1º semestre/2001 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsu- mo. Lisboa: Edições 70, 2009. MENEZES, Gilda; TOSHIMITSU, Thaís; MARCONDES, Beatriz. Como usar outras lin- guagens na sala de aula. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2007. TEDESCO, Juan Carlos. O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania na sociedade moderna. Vila Nova de Gaia/PT: Fundação Manuel Leão, 2000.
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