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Universidade Federal de Santa Maria Centro de Ciências Sociais e Humanas Departamento de Ciências Econômicas Caderno Didático da Disciplina História do Pensamento Econômico (HPE) (em desenvolvimento) AULA 03 Professora: Daniela Dias Kühn 2015/I UNIDADE 2 – FISIOCRACIA Objetivo: Identificar as principais características e pensadores da escola fisiocrática, bem como a crítica realizada a esses estudos. 2.1 – Caracterização do sistema A partir da reorganização social ocorrida durante o mercantilismo, há o desenvolvimento da chamada primeira e reconhecida primeira escola de pensamento econômico: a fisiocracia. A escola fisiocrática teve início em 1756 e discutiu a economia do período até 1776, quando foi superada pelos pioneiros da Economia Política Clássica que explicaram o processo de reprodução do capital na sociedade, a partir da lógica instituída na Revolução Industrial, configurando o novo modo de produção reconhecido como capitalismo. A fisiocracia pode ser considerada uma reação ao processo mercantilista. Foi uma escola francesa que discutiu e apresentou a intervenção do governo francês na economia, chamando a atenção para a agricultura como a principal atividade econômica. É considerada a primeira escola econômica tanto por liberais como por marxistas. A ideia da atividade agrícola como a atividade geradora de toda a riqueza social permitia dois elementos importantes no contexto político da época. Primeiro justificava o atraso da França em relação ao processo de industrialização e, em segundo lugar, porque justificava a cobrança de um alto imposto dos produtores agrícolas. A interpretação fisiocrata para o funcionamento da sociedade indicava que existe uma regra natural (da natureza) para os processos de reprodução social. Sob o ponto de vista contextual, é importante ressaltar que essa escola estava associada à nobreza e muitos dos seus pensadores são membros da corte. Sendo assim, há uma preocupação política em não descontentar essa classe social. A escola fisiocrática considera que há uma ordem natural para a reprodução do capital e como a agricultura consegue gerar um produto excedente, seria principal atividade produtiva. A única geradora de riqueza. Há uma preocupação em desqualificar a emergente atividade comercial como a atividade geradora de riqueza. A principal atividade então é a agricultura (junto com a pecuária, a pesca e a mineração). Essas atividades são as únicas capazes de criar um produto líquido excedente. A ideia de uma ordem natural permite também a interpretação de que intervenções nessa ordem são ruins ao processo de reprodução. Neste sentido, a escola apresenta que os governos não devem interferir na reprodução social. O ideal é que haja uma liberdade no comércio interno e no comércio externo. Quando um dos pensadores da escola diz “Laissez faire, laissez passer”, então a percepção é de que o Estado não deve intervir na Economia. Dentro da escola fisiocrática, há a manutenção da figura do rei como uma autoridade que não deve ser contestada, que naturalmente tem o poder de decisão e deve ser respeitado socialmente. Há uma necessidade da realização de reformas para a compreensão do novo ambiente social que se forma na França, e na Europa a partir do século XVIII, mas não há a necessidade de revolução. Outra consequência importante da análise fisiocrata e da percepção da agricultura como a única atividade capaz de gerar excedentes é a justificativa da alta tributação aos proprietários de terra, visto ser esta a atividade geradora de riquezas. A percepção fisiocrata ao não concentrar sua análise na produção industrial emergente, pode ser considerada uma última tentativa de resistência e manutenção das organizações não capitalistas frente ao novo modelo de produção que se desenha. Essa percepção também apresenta o fluxo de circulação da moeda como análogo ao fluxo de circulação do sangue nos seres vivos. Os fisiocratas são os primeiros pensadores que consideram a hipótese do trabalho como gerador de valor social, ainda que se trate daquele trabalho associado à atividade agrícola. A seção a seguir apresentará os principais autores da escola fisiocrática, bem como suas obras e seus esforços argumentativos. Richard Cantillon (1680-1734) é considerado por alguns autores como o pai da Fisiocracia, pois a partir de seus estudos foi que se desenvolveram as análises sobre os fluxos de riquezas nas sociedades. 2.2 – O Tableau Économique O principal autor do grupo de pensadores fisiocratas foi François Quesnay. A formação de Quesnay era na área da Medicina e sua função era exercida diretamente no Palácio de Versalhes. Seu “Quadro Econômico” (Tableau Économique – publicado em 1758) buscava evidenciar a circulação da riqueza na França, enfatizando a importância da atividade agrícola, como fonte de riqueza. Neste sentido, não se considerava mais exatamente a necessidade de extração dos metais preciosos das colônias, nem havia um foco específico no saldo da Balança Comercial. A partir da pioneira reunião das informações disponíveis sobre a reprodução social na França, Quesnay trata de identificar as três classes sociais que permitem a geração e o fluxo de riquezas na sociedade: os agricultores, os proprietários de terra e os artesãos (reconhecidos como uma classe estéril, ou seja, sem a capacidade de geração de riqueza). Segundo a análise os agricultores/ fazendeiros geravam a riqueza, a partir da atividade natural, e em seguida, ao comprar bens manufaturados e pagarem o arrendamento das terras, faziam com que o dinheiro/moeda circulasse na sociedade. Considerando que a moeda na sociedade fluía como o sangue no corpo humano, é apresentada a ideia de que a intervenção nesse fluxo é desnecessária, pois poderia gerar “doenças”. Quesnay apresentou uma ideia de Sócrates para justificar a sua crença na agricultura como geradora de riqueza social. Antes de Quesnay, porém, outro importante autor britânico, William Petty, tratou de salientar a importância dos estudos quantitativos para a análise do processo de reprodução social. Seus estudos buscaram alguns dados quantitativos da sociedade da época para descrever os fluxos de comércio e moeda. Seus estudos são considerados os percussores em relação à própria escola fisiocrática e a Teoria Quantitativa da Moeda (TQM) desenvolvida posteriormente. Anne Robert Jacques Turgot (1727 – 1781) tem sua obra associada à escola fisiocrática, entretanto pode ser considerado um autor de transição entre a Fisiocracia e a explicação liberal que será apresentada por Adam Smith. Apesar de defender o absolutismo, Turgot apresenta uma série de relações importantes para as relações teóricas apresentadas posteriormente pelos economistas clássicos. Ele apresenta a importância da relação entre salário e subsistência, discute a noção de equilíbrios de mercado dentro de uma sociedade. 2.3 – Críticas ao modelo fisiocrata A escola fisiocrata acaba sendo criticada a partir da percepção de que não é apenas através da agricultura que a riqueza pode ser gerada na sociedade, principalmente numa sociedade que cada vez mais está associada a outras atividades como o comércio, a indústria e, de maneira incipiente, à atividade financeira. Com o desenvolvimento do processo capitalista de produção não é possível identificar as demais atividades produtivas como estéreis. A aposta nos fazendeiros “capitalistas” como a explicação para a geração de riqueza social acaba se demonstrando incompleta. A ideia de que a natureza determinava a lei natural e geral de reprodução social fez comque os fisiocratas, por exemplo, tivessem uma predileção pela vida no campo em detrimento dos ambientes urbanos que acabaram se desenvolvendo e sendo o espaço por excelência de reprodução do capital, no sistema capitalista. Uma análise mais apurada dos dados apresentados acabou por revelar que a verdadeira classe estéril era a nobreza e não a classe dos industriais e dos comerciantes. Considerando o processo de transformação ocorrido no período mercantilista, a tentativa de reação representada pela escola fisiocrática, que culmina com a percepção da “verdadeira” classe estéril, está completo o quadro social em que prosperará o modo capitalista de reprodução social, analisado e descrito pela primeira vez por Adam Smith. Referência: BRUE, capítulo 3 (Pág. 33-45). PETTY (Pág. 209 – 247). Questões sugeridas: 1. Qual a importância de William Petty para a escola fisiocrática? 2. Comente os aspectos principais da análise fisiocrata, bem como a justificativa para que seja possível, dentro dessa vertente teórica, a identificação de um setor capaz de gerar excedente na economia. 3. Quais são as classes sociais identificadas por Quesnay em sua obra? Comente brevemente a participação social de cada uma. 4. Que críticas podem ser feitas à interpretação fisiocrata? 5. Por que a escola fisiocrata é importante se considerarmos o processo histórico do pensamento econômico?
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