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Imaginação Sociológica

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Lição 02 / 1
Índice
1.Introdução
2.Imaginação Sociológica
3.Origens da imaginação sociológica
4. Conclusão
5. Referências
Professor Rafael Alves Rezende
Sociologia Geral
Lição 02
Imaginação Sociológica
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1. Introdução
Esta semana falaremos de um tema extremamente interessante e bastante importante à sociologia, que é a
imaginação sociológica. Você verá que a maioria das pessoas não faz ideia de como o contexto em que
estão inseridas afeta sua vida mental e física. Na verdade, nem percebem que suas vidas fazem parte de um
contexto histórico, político, econômico e não se dão conta do complexo meio em que estão envolvidas, e por
isso não conseguem distinguir a origem de seus problemas.
Falaremos também dos fatos históricos que originaram a imaginação sociológica e por que alguns intelectuais
resolveram estudar a sociedade, acreditando que era imprescindível a compreensão da realidade social e da
lógica do seu funcionamento.
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2. Imaginação Sociológica
Assim como a esmagadora maioria das pessoas não percebe a força gravitacional exercida constantemente
sobre seu corpo, também a esmagadora maioria não se dá conta da influência de forças sociais sobre seu
cotidiano. O sociólogo americano C. Wright Mills (1916 -1962) argumentou que a imaginação sociológica é
uma forma de pensamento singular. Ela possibilita que as pessoas percebam como suas ações e potenciais
são afetados pelo contexto histórico e social no qual vivem. Desenvolvendo a imaginação sociológica, o
indivíduo poderá fazer uma análise clara e interessante do contexto que o envolve, baseando-se em evidências
e não em simples opiniões desprovidas de valor científico. Sendo uma habilidade refinada de percepção da
realidade, a imaginação sociológica não é tão fácil de desenvolver; a aquisição de tal habilidade demanda
esforço e estudo, através da leitura das obras de grandes pensadores e de um esforço constante de
interpretação da realidade social.
Os fatos nos parecem óbvios e sua interpretação também; temos a impressão de que as coisas são como
deveriam ser. Mas o que acontece na verdade é que alguém interpretou a realidade antes de nós e nos fez
acreditar em sua versão; nós, como seres pensantes, temos a escolha de acreditar em sua interpretação ou
de questioná-la. A maioria das pessoas prefere não questionar, e aceitar o mundo como já interpretado;
preferem acreditar no professor, no pai, na mãe, no padre ou pastor de sua igreja, no diretor de sua escola.
Como essas pessoas estão em posição de autoridade, acreditam que sua visão da realidade está
correta.
Você já pensou que essas pessoas em posição de autoridade podem estar completamente enganadas sobre
a realidade?
Para que não sejamos facilmente enganados, a sociologia nos oferece uma ferramenta chamada imaginação
sociológica; no entanto, para usar a ferramenta é necessário que você a desenvolva em seu próprio
cérebro
Veja como C. Wright Mills explica a respeito da Imaginação Sociológica:
Quando uma sociedade se industrializa, o camponês se transforma em trabalhador; o senhor
feudal desaparece ou passa a ser homem de negócios. Quando as classes ascendem ou
caem, o homem tem emprego ou fica desempregado; quando a taxa de investimento se eleva
ou desce, o homem se entusiasma ou desanima. Quando há guerras, o corretor de seguros
se transforma no lançador de foguetes; o caixa de loja, em homem do radar; a mulher vive só,
a criança cresce sem pai. A vida do indivíduo e a história da sociedade não podem ser
compreendidas sem compreendermos essas alternativas.
E, apesar disso, os homens não definem, habitualmente, suas ansiedades em termos de
transformação histórica (...). o bem-estar que desfrutam, não o atribuem habitualmente aos
grandes altos e baixos da sociedade em que vive.
Raramente têm consciência da complexa ligação entre suas vidas e o curso da história
mundial; por isso, os homens comuns não sabem, quase sempre, o que essa ligação significa
para os tipos de ser em que estão se transformando e para o tipo de evolução histórica de
que podem participar. Não dispõem da qualidade intelectual básica para sentir o jogo que se
processa entre os homens e a sociedade, a biografia e a história, o eu e o mundo. Não
podem enfrentar suas preocupações pessoais de modo a controlar sempre as transformações
estruturais que habitualmente estão atrás deles (...).
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O que precisam (...) é de uma qualidade de espírito que lhes ajude a perceber o que está
ocorrendo no mundo e o que pode estar acontecendo dentro deles mesmos. É essa
qualidade que poderemos chamar de imaginação sociológica. (Mills, 1965 [1959]: 9-11)
Fig.01 - Imaginação Sociológica
Ou seja, apesar de viver em sociedade, a maioria das pessoas não percebe a conexão existente entre sua
vida e os acontecimentos sociais. Possuir a imaginação sociológica seria como decifrar um mapa da
sociedade, como vê-la em raio-x, percebendo as verdades ocultas ao olhar desatento da massa.
Segundo Jean Baudrillard, eminente sociólogo e filósofo francês, a aquisição desta habilidade é difícil porque
“cada micro-universo [está] saturado, auto-regulado, informatizado, isolado na sua pilotagem automática”; ou
seja, o ambiente em que vivemos já nos é dado e interpretado antes mesmo que possamos avaliá-lo por nós
mesmos. Somos quase que proibidos de usar nosso próprio cérebro, já que as pessoas em posição de
autoridade exigem que acreditemos na interpretação delas.
Como exercício intelectual, pare suas atividades por alguns instantes e tente perceber como a realidade social
em que você vive afeta sua vida individual; perceba que seu gosto por futebol é devido ao fato de você ter
nascido no Brasil, e que esta preferência seria por basquete ou baseball se você tivesse nascido nos Estados
Unidos, ou por rugbi se tivesse nascido na Austrália. Qual o motivo de você ter escolhido esse time para
torcer? Por que você gosta de um estilo de música e odeia outro? Faça uma reflexão sobre sua existência
social e quais os elementos culturais que o influenciam.
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3.Origens da imaginação sociológica
A imaginação sociológica nasce quando três revoluções modernas levaram o ocidente a refletir sobre a
sociedade de outra perspectiva, de uma maneira inteiramente nova. A sociedade europeia passava por
momentos de grandes transformações econômicas, culturais, políticas depois do fim da Idade Média; a Igreja
Católica havia perdido boa parte de sua influência ao longo dos séculos XIV e XV; os senhores feudais foram
perdendo seus servos, que se tornavam comerciantes independentes. O antigo sistema desmoronava,
enquanto um novo sistema se estabelecia; no entanto, ninguém sabia que novo sistema era esse. Ele estava
sendo construído à medida que a sociedade europeia se recompunha do desmoronamento do sistema antigo.
Era um momento de transição, de muitas incertezas; não havia um plano estabelecido, e por isso as pessoas
se sentiam inseguras, pois as relações sociais, em muitos casos, não eram regidas por padrões estáveis.
Um momento de tantas incertezas gerou três importantes revoluções que marcaram a sociedade
ocidental, e mudaram sua perspectiva: a primeira foi no campo intelectual (revolução científica), abrindo
caminho para novas interpretações da realidade, além da interpretação oficial da Igreja; a segunda revolução
foi no campo político (revolução democrática), quando certas regiões européias se transformaram em
nações e o povo, sob o comando da burguesia, lutou por direitos políticos na direção da sociedade; a terceira
revolução foi no campo tecnológico (revolução industrial), mas afetou toda a configuração da sociedade
europeia, sua lógica de existência e veio transformar a cultura ocidental na cultura de massa, a qual
estudaremos em aulas futuras.
Analisemos essas três revoluções:
Revolução científica (1550):
Fig.02 - Método científico: buscar evidências ao invés de suporIniciou-se em pleno Renascimento cultural na Europa e encorajou a visão de que conclusões possíveis sobre o
funcionamento da sociedade devem se basear em evidências sólidas e não em opiniões ou especulações.
Estabeleceu-se métodos de investigação da realidade, que são importantes para evitar que qualquer
especulação seja vista como verdadeira.O cerne da ciência, ou do método científico, é o uso de evidências
para demonstrar um ponto de vista particular.
Revolução democrática (1750):
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Fig.03 - Revolução francesa
Transformação ocorrida na Europa, em oposição aos governos despóticos lá existentes, sugerindo que as
pessoas são responsáveis pela organização da sociedade e que a intervenção humana pode solucionar
problemas sociais. Antes da revolução democrática as pessoas pensavam que a ordem social era uma esfera
determinada por Deus, e que o ser humano deveria aceitá-la passivamente. A Revolução Americana e a
Revolução Francesa ajudaram a derrubar essa ideia, demonstrando que a sociedade poderia sofrer
mudanças maciças em curtos espaços de tempo e que as pessoas poderiam controlar a sociedade. Então,
se era possível mudar a sociedade através da intervenção humana, então uma ciência da sociedade poderia
desempenhar um papel importante, ajudando a encontrar maneiras de superar problemas sociais.
Revolução Industrial:
Fig.04 - Revolução industrial
Teve início por volta de 1780, gerando uma nova gama de problemas sociais que atraíram os pensadores e
intelectuais que buscavam compreender tais fenômenos e suas consequências a curto e longo prazo.
Como resultado do crescimento da indústria, grandes massas populares migraram do campo para as cidades,
enfrentaram longas jornadas de trabalho em fábricas e minas apertadas e perigosas, perderam a fé em suas
religiões, reagiram à sujeira e à miséria de suas existências provocando greves, crimes, revoluções e guerras.
Os intelectuais, que buscavam compreender a realidade social, tinham agora uma espécie de ‘laboratório’ da
realidade: uma sociedade européia em profunda transformação.
Depois destas e de outras revoluções acontecidas na Europa, o Ocidente nunca mais foi o mesmo. A
sociedade adquiriu uma nova configuração, mais complexa, mais problemática, mais livre das tradições, e os
sociólogos precisavam analisar, interpretar essa nova sociedade, que possuía elementos da antiga Europa,
mas que havia dado novo significado a tais elementos e criado um novo modo de interação social. Assim
surge a imaginação sociológica.
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4. Conclusão
Após essa rápida olhada na história do ocidente, espero que você tenha compreendido a importância de uma
análise social mais refinada. Em todo caso, se nós não utilizarmos nossos cérebros para interpretar a
realidade social que nos cerca, corremos o risco de viver a vida de uma maneira que não foi escolhida por
mim, e seremos presas fáceis de governantes mal intencionados. Timothy Leary, polêmico estudioso da mente
humana e das relações sociais, deixou-nos a seguinte reflexão antes de morrer:
Ligar-se, sintonizar-se e libertar-se! Chegou a hora de acionar a chave interna para
força máxima! Ouçam, ou vocês vão passar o resto de suas vidas como figurantes mal
pagos em algum documentário barato, preto-e-branco e amador, ou vão se tornar os
produtores dos seus próprios filmes.
Espero que a Sociologia possa ajudá-lo a fazer escolhas de maneira mais inteligente e estratégica, e possa
libertar sua mente de controles que impedem uma interpretação mais clara da realidade.
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5. Referências
LEARY, Timothy. A experiência psicodélica. (versão eletrônica)
Robert Brym... [et al.]. Sociologia: sua bússola para um novo mundo. São Paulo: Thomson
Learning, 2006

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