Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
ESTUDOS DO LETRAMENTO: DISCUSSÃO DE CONCEITOS Bryan Rafael Dall Pozzo Orientadora: Terezinha Marcondes Diniz Biazi Resumo As transformações que estão ocorrendo em nossa sociedade com o advento das novas tecnologias de informação e com o processo de globalização apontam para a necessidade de discutir novos termos que estão surgindo nos estudos da linguagem e que sugerem uma reinterpretação das práticas pedagógicas de sala de aula. Diante disso, esta pesquisa tratará de discutir conceitos que atualmente estão sendo construídos na área dos Estudos do Letramento, dentre os quais citamos: alfabetização e letramento (KATO, 1986; SOARES, 2003); letramento autônomo e letramento ideológico (STREET, 1993), letramento crítico (MCLAUGHLIN E DEVOOGD, 2004; JORDÃO 2007; MONTE MÓR, 2007) e multiletramentos (COPE E KALANTZIS, 2000). Palavras-chaves - alfabetização; letramento autônomo; letramento ideológico; letramento crítico, multiletramentos. Abstract The transformations that are occurring in our society with the advent of new technologies of information and with the process of globalization show the necessity of discussing new terms that are being developed in the area of the studies of language and that suggest a new reinterpretation of the pedagogical practices in the classroom. In view of that, this research will discuss concepts that at present have been constructed in the area of Literacy Studies, which are: beginning literacy and literacy (KATO, 1986; SOARES, 2003); autonomous literacy and ideological literacy (STREET, 1993), critical literacy (MCLAUGHLIN E DEVOOGD, 2004, JORDÃO, 2007; MONTE MÓR, 2007) and multiliteracies (COPE E KALANTZIS, 2000). Key-words: beginning literacy; autonomous literacy; ideological literacy; critical literacy; multiliteracies. Introdução As transformações que ocorrem em nossa sociedade com o advento das novas tecnologias de informação e com o processo de globalização apontam para a necessidade de discutir novos termos que surgem nos estudos da linguagem e que sugerem uma reinterpretação das práticas pedagógicas de sala de aula. Diante disso, esta pesquisa tratará de discutir conceitos que têm sido construídos na área dos Estudos do Letramento desde a década de 1980, dentre os quais citamos: alfabetização e letramento (KATO, 1986; SOARES, 2003); letramento autônomo e letramento ideológico (STREET, 1984); letramento crítico (MCLAUGHLIN E DEVOOGD, 2004; JORDÃO 2007; MONTE MÓR, 2007) e multiletramentos (COPE E KALANTZIS, 2000). Assim, este artigo, primeiramente abordará as questões relacionadas à diferenciação entre alfabetização e letramento. Em seguida, discutiremos sobre os modelos de letramentos, definidos como letramento autônomo e ideológico. Na sequência, trataremos do letramento crítico e então multiletramentos. Para finalizar, traçaremos as considerações finais acerca do que foi discutido. Desenvolvimento Os conceitos de alfabetização e de letramento costumam se mesclar, se superpor e se confundir em nosso cenário nacional de educação. De acordo com Soares (2004, p. 4), “embora a relação entre alfabetização e letramento seja inegável, além de necessária e até mesmo imperiosa [...] há a necessidade de reconhecer e nomear práticas sociais de leitura e de escrita mais avançadas e complexas que as práticas do ler e do escrever resultantes da aprendizagem do sistema de escrita” (p. 8). Em nosso país, a alteração do conceito de alfabetização para o conceito de letramento acontece a partir do censo demográfico nacional de 1950. Uma pessoa alfabetizada, anteriormente ao censo de 1950, era reconhecida como aquela que declarasse que sabia ler e escrever, o que era interpretado como saber escrever o próprio nome. O processo de alfabetização era sinônimo de uma aprendizagem inicial dos códigos, símbolos e regras da escrita. Em outros termos, a alfabetização era um processo de aquisição do sistema fonológico, alfabético e ortográfico da língua adquirido por meio de uma prática escolar sistemática e explícita. A partir do Censo de 1950, os resultados do Censo passam a ser analisados com base nos anos de escolarização da população, em função dos quais se avalia o nível de alfabetização funcional. Esse critério censitário considera implicitamente que os anos de aprendizagem escolar proporcionam ao indivíduo não apenas o desenvolvimento da capacidade de ler e escrever, mas também a capacidade de realizar práticas sociais que demandam o uso da escrita e da leitura, tais como, ler e redigir um bilhete. Pode-se identificar, portanto, uma extensão progressiva do conceito de alfabetização para o conceito de letramento, embora não nomeado explicitamente como letramento pelos censos demográficos do país realizados ao longo das décadas (SOARES, 2004). Diante disso, podemos perceber a razão pela qual o conceito de letramento em nosso país se encontra enraizado no conceito de alfabetização, sendo que nisso surgem confusões acerca da distinção entre letramento e alfabetização. Para Soares (2004), esses termos não são sinônimos, mas existe sim uma conexão entre eles, pois o conhecimento dos símbolos e códigos da escrita é requisito inicial para o letramento. O termo letramento, segundo Kleiman (1995), tem suas origens no século XVI, quando a escrita começou a ser utilizada nas sociedades industrializadas, passando de forma significativa a transformar as relações dos indivíduos com seus meios e a ter papel fundamental nas práticas sociais e profissionais que envolvem a língua escrita. Conforme Soares (2004), a palavra literacy foi dicionarizada apenas a partir do final do século XIX, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Apenas em meados da década de 1980, que o conceito de letramento, ou seja, o domínio das habilidades de leitura e de escrita necessárias para inserção no mundo do trabalho passou a integrar as discussões acadêmicas na França (illettrisme) bem como nos Estados Unidos e na Inglaterra. Ainda, de acordo com a autora, nesses países desenvolvidos, os fenômenos da alfabetização e do letramento são tratados como duas questões autônomas e não se estabelece uma relação de interdependência entre eles. Isso se deve ao fato de que a escolarização básica nesses países é compulsória, ou seja, toda a população tem acesso à aprendizagem básica do sistema da escrita, denominada alphabétisation, na França, reading instruction, nos Estados Unidos e beginning literacy, na Inglaterra, o que difere da questão do illettrisme ou illiteracy, que vem a ser a baixa competência dos cidadãos em dominar a leitura e a escrita para fins sociais e profissionais. Diante disso, cada um desses fenômenos, a alfabetização e o letramento nos países desenvolvidos, são entendidos distintamente e são analisados a partir de suas especificidades contextuais. Já, no Brasil, o termo letramento, como derivação da palavra inglesa Literacy, surgiu com a publicação da obra de Mary Kato, em 1986, intitulada No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, em que a autora afirma que a tarefa da escola é tornar o indivíduo funcionalmente letrado para responder às demandas sociais de uso da escrita, sendo um, “[...] sujeito capaz de fazer uso da linguagem escrita para sua necessidade individual de crescer cognitivamente e para atender às várias demandas de uma sociedade que prestigia esse tipo de linguagem como um dos instrumentos de comunicação” (1986, p.7). Ainda em 1988, outra publicação acadêmica nacional é lançada, Adultos não Alfabetizados: o avesso do avesso, de autoria de Leda Verdiani Tfouni, na qual a autora, na introdução, conceitua alfabetização e letramento. Na década de 1990, asdiscussões teóricas e metodológicas acerca do fenômeno letramento são intensificadas com duas publicações: uma de Angela Kleiman, com a obra, Os significados do Letramento, em 1995, na qual apresenta vários estudos sobre letramento desenvolvidos no país; e outra com o lançamento, em 1998, do livro Letramento: um tema em três gêneros, de Magda Soares, no qual ela discute o termo letramento em três diferentes textos. Primeiramente, ela apresenta um texto de teor informativo e crítico, destinado ao professor que busca entender a questão do letramento. Em um segundo momento, ela oferece um texto de cunho didático para provocar reflexões no professor. E, por fim, com um texto analítico e argumentativo, a autora focaliza no leitor-profissional que objetiva avaliar e medir o Letramento (GARRIDO, 2008). Assim, a partir de 1990, verificamos a intensificação de pesquisas sobre letramento na literatura acadêmica no Brasil, para estabelecer a distinção entre alfabetização e letramento para a esfera docente do país e também para discutir propostas de trabalho com ensino da leitura e da escrita que visavam ao letramento escolar. Dentro desse contexto de investigação acadêmica, temos Soares (2002) que estabelece a seguinte diferença entre os termos alfabetização e letramento: “(...) um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da escrita (SOARES, 2002, p.39)” . No que concerne aos estudos sobre o termo letramento, recorremos aos estudos de Kleiman (1995, p.03), em que a pesquisadora entende letramento como um conjunto de “práticas e eventos relacionados com uso, função e impacto social da escrita” e também Soares (1998, p.72), que explica que o “letramento é o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais”. Dentro dessa perspectiva, letramento para as autoras, é a habilidade em lidar com a escrita e a leitura para atuar nas diversas instâncias de interação social que envolve textos escritos. A seguir, passamos a discutir dois modelos de letramentos, cunhados por Street (1984), presentes nas práticas escolares no que se refere ao uso da escrita e leitura: o modelo autônomo e o modelo ideológico. Na perspectiva desse pesquisador britânico, o modelo autônomo de letramento é relacionado ao processo de alfabetização, como um processo de desenvolvimento de habilidade de aquisição da escrita, na qual o indivíduo adquire as tecnologias da escrita e da leitura, dissociadas de um contexto sócio-histórico. Assim, Street (1993, p. 5), conceitua o modelo autônomo como um “letramento em termos técnicos, tratando-o como independente do contexto social”. O letramento autônomo, então seria uma habilidade obtida no contexto educacional, tendo como resultado um avanço cognitivo, porém, ele apenas instrumentalizava o aluno para utilizar a escrita, de forma passiva, dentro de um contexto escolar limitado a uma mera prática escolar. Como exemplo de uma prática neutra e apassivadora de escrita, podemos citar a famosa e tradicional prática de redação “escreva sobre suas férias”, após o retorno das férias escolares. Segundo Marcuschi (2001), o modelo autônomo de letramento valoriza unicamente o desenvolvimento da habilidade da escrita, como prática autônoma e dicotômica, desconsiderando a existência de qualquer especificidade entre a linguagem oral e escrita, [...] em especial dos anos 50 aos anos 80, particularmente entre os sociólogos, antropólogos e psicólogos sociais, encontramos a posição muito comum (prontamente assumida pelos linguistas) de que a invenção da escrita trazia uma “grande divisão” a ponto de ter introduzida uma nova forma de conhecimento e ampliação da capacidade cognitiva (em especial a escrita alfabética). Era a supremacia da escrita e a sua condição de tecnologia autônoma, percebida como diferente da oralidade do ponto de vista do sistema, da cognição e dos usos (MARCUSCHI, 2001, p.26). Em contrapartida ao modelo autônomo, Street (1993) apresenta o modelo ideológico de letramento que propicia uma visão mais ampla e mais crítica de ensino da leitura e da escrita. Não devemos entender essa segunda concepção de letramento como uma negação da anterior, mas para o autor, no processo de aquisição da escrita estão embutidos as relações de poder e de forças culturais inerentes ao contexto escolar, fatores que o letramento nessa perspectiva busca apreender. Para Street (1993), o modelo ideológico de letramento propõe o letramento como uma prática social, não como uma habilidade de caráter meramente técnico, e defende que a aprendizagem da leitura e escrita está associada às questões identitárias e culturais, e também relacionada às questões de poder e de ideologia. Nessa perspectiva, as práticas de letramento não devem ser alienadas e descontextualizadas de seu contexto sócio-histórico. Kleiman (1995) considera que a leitura e a escrita fazem parte de atividades sociais, tais como ler um manual ou pagar contas, portanto, deve- se encarar a leitura e a escrita não só como atividades com um objetivo somente nelas mesmo (como propõe o modelo autônomo de letramento), mas como atividades que servem a um propósito social. A partir do início dos anos 90, ocorre o aprofundamento das pesquisas relacionadas aos Novos Estudos do Letramento, ou new literacy studies (STREET, 1995), o que revelou a necessidade de perspectivas de letramento que desenvolvessem uma consciência mais crítica em relação aos usos sociais da linguagem. Dentro dessa nova visão, surge o letramento crítico, critical literacy que, conforme Cervetti, Pardales e Damico (2001) explicam, está fundamentado na teoria crítica social, nos estudos de Paulo Freire e, mais recentemente, nas teorias pós-estruturalistas. A teoria crítica social visa oferecer um comportamento crítico em relação às ações e às dominações sociais existentes e seus teóricos postulam que as desigualdades encontradas na sociedade devem ser expostas ao questionamento e que, portanto, a linguagem dos textos, sejam orais ou escritos, tem papel fundamental nesse processo de esclarecimento, de emancipação e de formação da criticidade dos indivíduos. Nesse sentido, a teoria do letramento crítico é fortemente influenciada pela teoria crítica social já que considera o texto como um meio para a compreensão das forças ideológicas e de poder com vistas à emancipação e transformação do indivíduo. O letramento crítico também se sustenta a partir da pedagogia crítica e libertadora de Paulo Freire que tem como questão fundamental a educação do indivíduo por meio da linguagem para atingir a transformação, a mudança e a emancipação do sujeito. Adicionalmente, há convergência entre a teoria do letramento crítico e as teorias pós-estruturalistas, pois para tais teorias o foco de análise está em questionar o poder e a ideologia que permeiam os discursos nas diversas práticas sócio- discursivas. Diante dessa conceituação epistemológica, o termo „crítico‟ no conceito de letramento crítico prevê que todo texto apresenta representações da realidade moldadas ideologicamente pelas práticas sociais e que o leitor deve conscientizar-se das representações embutidas nos textos para aprendera posicionar-se e situar-se em relação a eles (CERVETTI; PARDALES; DAMICO, 2001). Podemos dizer que o letramento crítico tem como objetivo efetivamente incluir o indivíduo no mundo para que possa agir dentro e sobre seu contexto local e global, permitindo seu empoderamento com vistas a uma sociedade mais justa e democrática. Pesquisadores que compartilham dessa concepção são, dentre outros, Withers (1989), Gee (1996), Bayham (1995) McLaughlin e DeVoogd (2004) e Luke (2004). Withers (1989) explica que há a necessidade da educação pelo letramento crítico, ou seja: “[...] Encontramos-nos já bastante à frente do estágio de aceitar a condição básica de letramento - a habilidade de ler e escrever o próprio nome – como a norma básica suficiente para a população em geral. Assim como também ultrapassamos o estágio de reivindicar o acesso ao letramento funcional para todos – um conjunto de habilidades que permitem compreender textos simples e também produzir textos simples em casa, nas ruas e nos locais de trabalho. O que passamos a perceber é a necessidade pelo „letramento crítico‟... o direcionamento dessas habilidades para a formação de uma visão crítica de todas as coisas que nos rodeiam enquanto trabalhamos, aprendemos, convivemos em sociedade – e que nos ajude a compreender, comentar e, principalmente, ter controle sobre as nossas vidas...” (WITHERS, 1989, p. 76). A esse respeito, Gee (1996) coloca que ser criticamente letrado significa ter habilidade em confrontar Discursos e analisar como eles competem entre si no que diz respeito às relações de poder e de interesse. Bayham (1995), por sua vez, relaciona o termo ao engajamento de indivíduos em práticas sociais em que a linguagem seja o instrumento para que se desenvolva um posicionamento crítico. Para este autor, o letramento crítico é um objeto de ação para o desenvolvimento da visão crítica, para a percepção dos objetivos das instituições e das organizações que se sustentam através da linguagem. Citamos ainda Lankshear e Knobel, em 1998, que apresentam a seguinte definição: O letramento crítico é um comprometimento discursivo, uma forma de vida, um modo de estar no mundo. Assim, as práticas de letramento crítico são um apelo para teorizar o mundo e a linguagem/textos/inscrição/letramento em relação ao mundo: deve-se desenvolver um entendimento do mundo social como “um campo irregular” e tornar-se consciente de como a linguagem e os usuários da linguagem estão comprometidos em criar, manter ou desafiar esse campo e as representações que o sustentam. O campo, evidentemente, não é estático, mas está sempre em processo de construção e reconstrução,(...). (LANKSHEAR e KNOBEL, 1998, p.08) 1 Ao se tratar da habilidade da leitura, os autores McLaughlin e DeVoogd (2004, p. 01) defendem que a leitura ancorada na teoria do letramento crítico desperta o indivíduo “para fazer questionamentos sobre quais vozes estão representadas no texto, quais vozes estão ausentes, e sobre quem ganha ou perde quando faz a leitura de um texto. 2” Luke (2004, p. 01) também explica que a habilidade da leitura sustentada pela teoria do letramento crítico, é uma prática que “envolve mais que uma primeira e simples leitura de um texto, é avançar no texto apesar das dificuldades com as quais se depara, é fazer perguntas complexas sobre o que esta lendo, é ler o texto em todas as suas dimensões - nas entrelinhas, no que está por detrás do texto e no que está além dele, buscando entender como o texto estabelece o poder e como utiliza o poder sobre nós, sobre os outros, em nome de quem e em nome de quais interesses 3 . Discutindo acerca do tema, Green (2001, p. 01) defende o ensino por meio do letramento crítico. Para ele, letramento crítico conduz ao aprofundamento de idéias e conhecimentos em todas 1 Critical literacy is a discursive commitment, a form of life, a way of being in the world. Hence, practices of critical literacy are a call to theorizing the world and language/texts/inscription/literacy in relation to the world: to developing an understanding of the social world as an "uneven playing field", and becoming aware of how language and language users are implicated in creating, maintaining or challenging this playing field and the representations that support it. The field, of course, is not static, but always in the process of being made and remade,(...). (LANKSHEAR e KNOBEL, 1998, p.08) 1 Tradução nossa. 2 As a consequence, students reading from a critical stance raise questions about whose voices are represented, whose voices are missing, and who gains and who loses by the reading of a text (MCLAUGHLIN E DEVOOGD, 2004, p. 01). Tradução nossa. 3 “involves second guessing, reading against the grain, asking hard and harder questions, seeing underneath, behind, and beyond texts, trying to see and „call‟ how these texts establish and use power over us, over others, on whose behalf, in whose interests.” (LUKE, 2004, p. 01). Tradução nossa. as áreas dos estudos curriculares. O pesquisador afirma que “o indivíduo criticamente letrado é alguém que sabe que há mais de uma versão disponível... 4”, ou seja, o leitor criticamente letrado tem a consciência que pode depreender uma multiplicidade de sentidos de um texto, já que entende que o texto não é ideologicamente neutro. Corrroborando com Green (2001), Luke, O‟Brien and Comber (2001) e Vasquez (1996) advogam que o letramento crítico não deve ser reservado somente para estudantes do nível secundário de estudos ou acadêmicos, mas pode e deve ser ensinado também para estudantes do nível primário, usando todos os tipos de textos. Para criar um estado de letramento crítico em sala de aula, os autores sugerem algumas estratégias, tais como: Justapor textos sobre um mesmo tópico para enfatizar as perspectivas dos textos; Trabalhar com predições e pressuposições, buscando expor as pressuposições subjacentes nos textos; Examinar ou criar finais alternativos em textos com o objetivo de contrastar valores implícitos e expectativas sociais; Utilizar textos do cotidiano, tais como, propagandas de brinquedos e contratos legais, para demonstrar que não são textos neutros que requerem simples decodificação e resposta. Eles são produtos ideologicamente construídos que devem ser interpretados para problematizar como a identidade social e as relações de poder são estabelecidas ou negociadas nesses textos. Ensinar os alunos a criar questões que problematizem o texto, que demandem interpretação sobre questões referentes à linguagem, texto e poder bem como fornecer aos alunos perguntas com maior nível de reflexão e criticidade, tais como: Como seu entendimento do texto é influenciado por seu ambiente social e formação? Como o texto está posicionando você como leitor? O uso de voz passiva ou ativa posiciona você como leitor, de algum modo em particular? Que visão de mundo ou que valores o texto apresenta? Que pressuposições o texto faz em relação aos seus valores e suas crenças? Que perspectivas no texto são omitidas? A quem, ou a quais interesses o texto está servindo? A proposta pedagógica do letramento crítico é bastante recente nos meios acadêmicos o que tem levado os pesquisadores da área de línguas estrangeiras (inglês) no Brasil e no exterior a buscar 4 The literate individual is someone who knows that there is more than one version available. (GREEN, 2001, p. 01). Tradução nossa. aprofundamento sobreesses estudos. No Brasil, podemos citar estudos desenvolvidos por Jordão (2007), Menezes de Souza (2007) e Monte Mór (2007). Nessa mesma direção, no âmbito internacional, encontramos trabalhos que focalizam no letramento crítico, entre eles, a revista on- line de publicação semestral „Critical Literacy: Theories and Practices5‟ e os projetos „metodologia dos espaços abertos para o diálogo e o questionamento 6‟ e „aprendendo a ler o mundo a partir de outros olhares 7‟, ambos implantados por educadores britânicos. Além da proposta pedagógica do letramento crítico, os estudos sobre novos letramentos têm seu escopo ampliado nos últimos anos, em decorrência das recentes mudanças nas relações do homem com o mundo, ocasionadas pelo surgimento das novas tecnologias da comunicação. Assim, surge uma nova pedagogia para que os indivíduos possam aprender a dominar e a interagir com esses avanços tecnológicos, a pedagogia de multiletramentos ou multiliteracies (COPE E KALANTZIS, 2000). O termo multiletramento foi utilizado pela primeira vez em 1996, com a publicação do artigo “A Pedagogy of Multiliteracies: Designing Social Futures”, na revista Harvard Educational Review, pelos pesquisadores Bill Cope e Mary Kalantzis e outros estudiosos da educação de línguas, conhecidos por „The New London Group‟. O grupo é composto por pesquisadores renomados de nacionalidades americana, inglesa e australiana, entre eles, citamos, David Bond, Courtney B Cazden, Bill Cope, Norman Fairclough, James Paul Gee, Mary Kalantzis, Gunther Kress, Joseph Lo Bianco, Carmen Luke, Sarah Michaels, Martin Nakata, Denise Newfield, Richard Sohmer e Pippa Stein. O grupo entende que uma pedagogia direcionada para os multiletramentos é fundamental em nossa sociedade atual, uma vez que as interações humanas mediadas pela tecnologia sofrem mudanças constantes tanto local quanto globalmente. As propostas de trabalho do grupo estão voltadas para os estudos semióticos dos textos, envolvendo as diferentes formas de produzir, veicular e consumir textos. Como os pesquisadores do grupo explicam, “multiletramentos foi o termo escolhido para marcar duas mudanças importantes em nossa sociedade contemporânea, ocasionadas pela ordem global emergente, e, que estão intimamente inter-relacionadas, que são: o surgimento de uma multiplicidade de canais de comunicação e media, e a crescente diversidade cultural e linguística (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p.62). 8” A primeira mudança está relacionada com os 5 Disponível em: < http://www.criticalliteracy.org.uk/journal >. Acesso: 12 nov. 2010. 6 Disponível em: < http://www.osdemethodology.org.uk>. Acesso: 12 nov. 2010. 7 Disponível em:< http://www.throughothereyes.org.uk>. Acesso: 12 nov. 2010. 8 Multiliteracies - a word we chose to describe two important arguments we might have with the emerging cultural, institutional, and global order: the multiplicity of communications channels and media, and the increasing saliency of cultural and linguistic diversity (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p.62). Tradução nossa. múltiplos modos de produzir sentidos decorrentes da dinamicidade do uso das novas tecnologias para comunicação, onde o textual está integrado ao visual, ao áudio, ao espacial e ao movimento. Podemos encontrar a integração dessas múltiplas linguagens na mídia de massa, na multimídia e na hipermídia eletrônica o que requer uma reestruturação no modo como usamos a linguagem (THE NEW LONDON GROUP, 1996). Os significados hoje passam a ser construídos de maneira multimodal, podendo vir da internet, dos vídeos, da multimídia ou dos textos escritos do cotidiano como de lojas e de placas, pois, como apontam Cope & Kalantzis (2000, p.29) “em um profundo sentido, toda construção de significado é multimodal.” A outra mudança é resultado das diferenças culturais e linguísticas da nossa sociedade cada vez mais globalizada. Segundo os pesquisadores do grupo, Lidar com as diferenças linguísticas e culturais tornou-se central para a pragmática de nossas vidas profissionais, cívicas e privadas. Uma efetiva cidadania e um trabalho produtivo requerem que possamos interagir efetivamente usando múltiplas linguagens, em múltiplos „ingleses‟ e padrões de comunicação que cruzam fronteiras nacionais, culturais e comunitárias (THE NEW LONDON GROUP, 1996, p.63 ) 9 . Temos como fenômenos de nosso tempo, a crescente diversidade linguístico-cultural e a possibilidade de conexão global entre os indivíduos, que ampliam nossas formas de comunicação em nível local e global. Assim, é necessário o desenvolvimento de habilidades para dominar as múltiplas linguagens que surgiram em decorrência das novas tecnologias para a comunicação em massa. Com tal necessidade de aprendizado para se relacionar com as novas tecnologias multiinterativas surge então a concepção de uma pedagogia direcionada para o desenvolvimento de multiletramentos. Segundo Rojo (2004, p. 31), o termo multiletramento “significa que compreender e produzir textos não se restringe ao trato do verbal oral e escrito, mas à capacidade de colocar-se em relação às diversas modalidades de linguagens – oral, escrita, imagem, imagem em movimento, gráficos, infográficos etc. – para delas tirar sentido”. Assim, desenvolver o multiletramento é ter o aprendizado ampliado “para o campo da imagem, da música, das outras semioses que não somente a escrita” (ROJO, 2009, p. 107). Também citamos Dionísio (2006) que igualmente coloca que ser multiletrado exige a capacidade de atribuir significados a mensagens multimodais: 9 Dealing with linguistic differences and cultural differences has now become central to the pragmatics of our working, civic, and private lives. Effective citizenship and productive work now require that we interact effectively using multiple languages, multiple Englishes, and communication patterns that more frequently cross cultural, community, and national boundaries (THE NEW LONDON GROUP, 1996). Tradução nossa. A noção de letramento como habilidade de ler e escrever não abrange todos os diferentes tipos de representação do conhecimento existentes em nossa sociedade. Na atualidade, uma pessoa letrada deve ser uma pessoa capaz de atribuir sentidos a mensagens oriundas de múltiplas fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir mensagens, incorporando múltiplas fontes de linguagem. (Dionísio, 2006, p. 131) Para Cope & Kalantzis (2000, p. 06), a pedagogia de multiletramentos é fundamental, visto que as práticas sociais passam a ser reconfiguradas em função das intensas mudanças sociais, o que exige que os aprendizes de língua da atualidade aprendam a lidar com “os canais multimodais de significação agora tão importantes para a comunicação” para que então possam exercer uma cidadania plena. Para tanto, a proposta pedagógica do grupo é a de que a educação por meio das línguas busque focalizar no desenvolvimento de multiletramentos, para promover um ensino que seja para inserir e ascender o indivíduo social e profissionalmente na atual sociedade globalizada (COPE; KALANTZIS, 2000). Para tal, segundo os autores, há necessidade de avanços pedagógicos em direção a um trabalho eficiente de leitura e produção textual que esteja em consonância com esse mundo interativo, dinâmico e globalizado. Considerações finais Como consequência da utilização das novas ferramentas de tecnologiae comunicação, surgem novas necessidades de aprendizagem de diferentes habilidades e competências em nosso contexto social. Diante deste cenário, temos a transformação da comunicação e da educação, o que implica estudos e mudanças nas teorias e práticas pedagógicas de ler e escrever. Por essa razão, os estudos do letramento no Brasil, que se inicia com a utilização do termo letramento por Mary Kato, em 1986, avançam para dar conta das necessidades de letramento que surgem nas novas práticas sociais e na utilização da linguagem pela sociedade. Desse modo, pesquisadores da educação de línguas vêm discutindo estudos e abordagens pedagógicas dentro da área de novos estudos de letramento. Dentre elas, citamos uma abordagem para o desenvolvimento do letramento crítico que busca olhar para questões de leitura e produção de sentidos num contexto sócio-histórico e dentro das relações de poder. O letramento crítico pode auxiliar os alunos a analisarem as relações entre linguagem, poder, identidades e desigualdades sociais presentes em nossa sociedade globalizada. Também discutimos o desenvolvimento de multiletramentos, que focalizam na multiplicidade e na interrelação de linguagens que os textos impressos, visuais e auditivos apresentam na comunicação midiática, conhecimentos necessários para uma efetiva participação em nossa sociedade multiinterativa. Portanto, conforme colocado na introdução de nossa pesquisa, os novos estudos do letramento vêm oferecer ao professor a possibilidade de uma reconfiguração de sua prática pedagógica de sala de aula, de um ensino de linguagens que corresponda às novas exigências sociais de interação em nível local e global. Referências bibliográficas CERVETTI, N.; PARDALES P.; DAMICO, G. A tale of differences: comparing the traditions, perspectives, and educational goals of critical reading and critical literacy, 2001. Disponível em: <http://www.readingonline. Acesso em: 18 nov. 2010. COPE, B.; KALANTZIS, M. (eds.) Multiliteracies: literacy learning and the design of social futures. London: Routledge, 2000. GARRIDO, V. B. Práticas de letramento. Dissertação de Mestrado em Educação. Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, 2008.133 p. JORDÃO, C. M. O que todos sabem... ou não: letramento crítico e questionamento conceitual. Revista CROP – Publicação da Pós-Graduação em Letras na Universidade de São Paulo (FFLCH/USP),vol. 12, p. 21-46, 2007. KATO, M. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1986. KLEIMAN, A. & SIGNORINI, I. (Org.). Os significados do letramento. Campinas/ SP: Mercado das Letras,1995. LANKSHEAR, C. KNOBEL, M. Critical Literacy and New Technologies. Paper presented at the American Education Research Association San Diego, 1998. Disponível em: http://www.geocities.com/c.lankshear/critlitnewtechs.html. Acesso em: 15 dez. 2010. MARCUSCHI,L. A. Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e eventos comunicativos. In: SIGNORINI, I.(org.). Investigando a relação oral/escrito e as teorias de letramento. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2001. MCLAUGHLIN, M. DEVOOGD, G. Critical Literacy as Comprehension: Expanding Reader Response Critical Literacy Helps Teachers and Students Expand Their Reasoning, Seek out Multiple Perspectives, and Become Active Thinkers. Journal of Adolescent & Adult Literacy, vol. 48, 2004. Disponível em:<http://www.questia.com/googleScholar>. Acesso em: 15 Out.2010. MENEZES de SOUZA, L. Editor‟s Preface. Critical Literacy: Theories and Practices, vol. 1, n. 1, p. 4-5, July 2007. Disponível em: http://www.criticalliteracy.org.uk/journal/table. Acesso em: 01 nov. 2010. MONTE MÓR, W. Investigating critical literacy at the university in Brazil. Critical Literacy: Theories and Practices, vol. 1, n. 1, p. 41-51, July 2007. Disponível em: http://www.criticalliteracy.org.uk/journal/table. Acesso em: 07 nov. 2010. ROJO, R. H. R. Linguagens Códigos e suas tecnologias. In: Brasil. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Departamento de Políticas do Ensino Médio. Orientações curriculares do ensino médio. Brasília, 2004. ______________. Letramentos Múltiplos: escola e inclusão social. São Paulo: Parábola, 2009. SILVA, M. E. Um estudo etnográfico de uma alfabetizada e sua relação com o letramento. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação da UnB, 2002. 123 p. SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2ed. B.Horizonte: Autêntica, 2002. __________. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação, Abr., n. 25, 2004. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/>. Acesso em: 10 Out.2010. STREET, B. V. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press,1984. TFOUNI, L. V. Adultos não alfabetizados: o avesso do avesso. São Paulo: Pontes, 1988. NEW LONDON GROUP .1996. A pedagogy of multiliteracies designing social futures. Harvard Educational Review, 66(1), 60-92. s/n. Connecting Practice and Research: Critical Literacy Guide. Literacy Gains, 2009. Disponível em: www.edugains.ca/resourcesLIT/. Acesso em: 18 nov. 2010.
Compartilhar