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1 Doenças Infecciosas dos Animais Domésticos Diarreia Viral Bovina André Felipe Breda DIARRÉIA VIRAL BOVINA (BVD) Trata-se de uma doença que tem como agente causador os vírus do gênero Pestivírus da família Flaviviridae. Os vírus dessa família possuem genoma RNA fita simples. É citopático em células de vertebrados. É caracterizada como uma enfermidade aguda transmissível marcada por leucopenia severa, febre alta, depressão, diarreia, erosões no trato gastrointestinal e hemorragias. Posteriormente foi descrita a Doença das Mucosas, que possui a mesma característica da BVD, porém com alta mortalidade e baixa morbidade. Descobriu-se então que tratava-se de uma doença apenas de animais persistentemente infectados (PI). Existem quatro principais formas da doença: doença aguda leve (gastrentérica, respiratória), doença aguda severa (gastrentérica, respiratória e hemorrágica), doença das mucosas e BVD crônica. As maiores consequências da infecção pelo BVDV parecem estar relacionadas com perdas reprodutivas. Os isolados de campo do BVDV apresentam uma grande variabilidade antigênica, devido à presença de regiões hipervariáveis na glicoproteína E2. Os isolados são divididos em dois grupos BVDV-1 e BVDV-2. Os do genótipo 1 abrangem a maioria das cepas presentes em vacinas, além de terem virulência baixa a moderada. Os do genótipo 2 foram inicialmente isolados de surtos de BVDV aguda, mas incluem também isolados de virulência baixa e moderada. O BVDV infecta naturalmente uma variedade de ruminantes domésticos e silvestres, além de suínos. Os bovinos são considerados seus hospedeiros naturais. Os isolados de BVDV podem ser divididos em citopáticos (cp) e não-citopáticos (ncp). Os isolados ncp se constituem nos BVDV “verdadeiros” e são responsáveis pela maioria das infecções naturais e pelas infecções fetais persistentes. Já os isolados cp se constituem em uma minoria, não sendo capazes de produzir infecções persistentes e são isolados quase que exclusivamente de animais com a DM. O surgimento dos isolados cp se dá em animais PI após mutações, recombinações ou rearranjos genéticos dos isolados ncp, levando a expressão da proteína NS3, uma vez que o ncp expressa apena a proteína percursora NS23. Trata-se de um vírus cosmopolita, já se teve relatos em várias espécies silvestres, porém a relevância epidemiológica desses achados permanece incerta. Alguns países já 2 Doenças Infecciosas dos Animais Domésticos Diarreia Viral Bovina André Felipe Breda possuem programas de erradicação do BVDV. No Brasil, a infecção tem sido descrita desde o final dos anos 60. Os bezerros PI se constituem nos principais reservatórios e fontes de disseminação do vírus. Esses animais excretam o vírus continuamente em altos títulos em secreções e excreções. O vírus é transmitido entre animais principalmente por contato direto e indireto. A transmissão iatrogênica e por sêmen contaminado, também pode ocorrer. O epitélio do trato respiratório superior, orofaringe e tecido linfoide regional parecem ser os sítios primários de replicação após a infecção pela via oro-nasal. As consequências e a severidade da infecção aguda pelo BVDV dependem de uma série de fatores como cepa viral, status imunológico do animal, status reprodutivo e ocorrência de infecções secundárias. De acordo com as consequências clinico-patológicas e epidemiológicas, pode-se dividir a infecção pelo BVDV em duas principais categorias: infeção aguda de animais não-prenhes e infeção aguda de fêmeas prenhes. A infeção aguda de animais não-prenhes ocorre em maioria nos animais imucompetentes, sendo assintomática, porém podendo cursar com quadros febris leves. Alguns isolados de maior virulência podem provocar um período febril curto, acompanhado por sialorréia, hiperemia e descarga nasal, tosse e diarreia. Período de incubação entre 3 e 7 dias seguido e hipertermia transitória e leucopenia. Vírus é detectado no sangue entre 4 e 6 dias após a infecção e pode persistir por até 15 dias. Leões ulcerativas na mucosa oral podem estar presentes. O tecido linfoide se constitui em importante sítio de replicação viral. A enfermidade geralmente é autolimitante, cursando com alta morbidade e baixa mortalidade. No entanto, mortalidade considerável, pode, ocasionalmente, ocorrer em animais jovens, principalmente associada com o BVDV-2. O BVDV é também imunossupressor, podem predispor os animais infectados a infecções com outros patógenos. Até o final dos anos 80 a importância maior do BVDV era atribuída as consequências da infecção transplacentária, como perdas reprodutivas, produção de animais PI e DM. As lesões encontradas em infecção aguda hemorrágica e DM eram praticamente idênticas exceto por dois ponto: a presença do vírus citopático e as taxas de morbidade e mortalidade. Enquanto a patogenia da DM exige necessariamente presença de vírus dos dois biótipos (cp e ncp), forma severa de BVD aguda apresenta apenas um biótipo do vírus, geralmente ncp. 3 Doenças Infecciosas dos Animais Domésticos Diarreia Viral Bovina André Felipe Breda A infecção de fêmeas prenhas soronegativas é frequentemente seguida de transmissão transplacentária do vírus ao embrião ou feto. As consequências da infecção do bezerro dependem do estágio de gestação em que ocorre a infeção, do biótipo e da cepa do vírus. Podem ocorrer reabsorção embrionária, abortos, mumificação fetal, natimortos, nascimento de bezerros fracos e inviáveis ou o nascimento de animais PI. A ocorrência de malformações fetais é um achado muito comum em rebanhos infectados e geralmente acontece quando a infeção ocorre entre os 100 e 150 dias de gestação. As malformações principais podem ser encontradas no sistema nervoso central e nos olhos, podendo observar-se, ainda, aplasia tímica, braquignatismo, retardo de crescimento e artrogripose (é uma doença congênita rara que se caracteriza por múltiplas contraturas articulares e pode incluir fraqueza muscular e fibrose). O estabelecimento da infecção persistente ocorre quando o feto é infectado entre 40 e 120 dias de gestação. Nesse período os fetos infectados desenvolvem imunotolerância ao vírus infectante e seu organismo jamais consegue erradicar o vírus. Animais PI com o BVDV representam o maior reservatório do vírus na natureza e, por isso, são considerados mantenedores do vírus na natureza. A maioria dos animais PI morre nos primeiros meses de vida. Fêmeas PI que atingem a idade adulta e ficam prenhes geralmente produzem bezerros PI. 4 Doenças Infecciosas dos Animais Domésticos Diarreia Viral Bovina André Felipe Breda A doença das mucosas é uma enfermidade gastrentérica fatal, desencadeada quando um animal PI (portador de BVDV ncp) é superinfectado com um BVDV cp. É o BVDVcp que determina o desenvolvimento da DM e geralmente se origina do BVDVncp do próprio animal PI, resultando na expressão da proteína NS3. Outra fonte de BVDVcp são as vacinas vivas modificadas, e também outros animais PI já com o vírus cp em seu organismo. A DM é invariavelmente fatal, ocorre principalmente em animais com seis meses a dois anos de idade e caracteriza-se por febre, leucopenia, diarreia, inapetência, desidratação, lesões erosivas nas narinas e na boca e morte dentro de poucos dias. Os achados de necropsia incluem erosões ulcerações no trato gastrintestinal, particularmente nas placas de Peyer. A “arranhadura de gato” é patognomônica no esôfago. As placas de Peyer apresentam-se edematosas, hemorrágicas e necróticas. O conteúdo intestinal é escuro e aquoso e observa-se enterite catarral ou hemorrágica. Na DM crônica, os sinais clínicos são inespecíficos(inapetência, perda de peso e apatia progressiva). Deve-se suspeitar de infecção pelo BVDV sempre que houver uma ocorrência de perdas embrionárias, abortos, malformações fetais, nascimento de animais fracos ou morte perinatal. Além disso, casos de doença entérica e/ou respiratória com 5 Doenças Infecciosas dos Animais Domésticos Diarreia Viral Bovina André Felipe Breda componentes hemorrágicos (melena, petéquias em mucosas, serosas etc.), erosões e ulcerações no trato digestivo também são sugestivos de infecção. O teste padrão de diagnóstico é o isolamento do agente em cultivos celulares seguido por identificação por Imunofluorescência (IFA) ou Imunoperoxidase (IPX), pois maioria das amostras é ncp. Células de origem bovina, particularmente primárias, são muito susceptíveis ao vírus. Além do isolamento, antígenos virais podem ser demonstrados em tecidos (fetos abortados, placentomas, fragmentos de tecidos coletados na necropsia) por IFA e IPX. Um teste de ELISA de captura de antígeno, destinado a detectar proteínas virais no soro de animais PI, apresenta boa especificidade e sensibilidade e pode ser realizado para um grande número de amostras. Isolamento do vírus ou detecção de RNA viral por PCR no leite tem sido utilizado para identificar rebanhos leiteiros infectados. O diagnóstico sorológico geralmente é realizado pela técnica de soroneutralização (SN) ou ELISA. A identificação de soropositividade de um animal indica apenas exposição prévia ao agente. Em termos de controle ou erradicação, o diagnóstico de BVDV deve ser focado na detecção dos animais PI. O isolamento viral e/ou detecção de antígenos no plasma e/ou em biópsias de orelha por ELISA/IPX são os métodos de eleição. O controle da infecção pelo BVD pode ser efetuado com ou sem o uso de vacinas, dependendo do histórico do rebanho, do risco de introdução do agente e de outros fatores epidemiológicos. O controle com vacinação é indicado para rebanhos com alta rotatividade de animais, rebanhos com sorologia positiva, com histórico de doença clínica ou reprodutiva, e com confirmação virológica de BVDV. O controle sem vacinação é indicado para rebanhos fechados, sem o ingresso frequente de animais e, consequentemente, de baixo risco. Rebanhos extensivos de gado de corte geralmente se enquadram nessa categoria. Esse tipo de controle é também indicado para rebanhos cujos parâmetros reprodutivos e clínicos não registrem eventos sugestivos da infecção pelo BVDV. Rebanhos com sorologia negativa e cujo ingresso de animais seja raro ou eventual também não apresentam grande risco de introdução do agente. Em rebanhos suspeitos de possuir animais PI ou com histórico de casos clínicos suspeitos de BVDV, o controle deve enfatizar a identificação e remoção desses animais.
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