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Educação e desenvolvimento: marcas históricas na busca de uma educação emancipadora no campo Luiz Carlos do Carmo¹ Rosa Cristina Porcaro² ¹Estudante de Graduação em Cooperativismo - UFV ²Professora do Departamento de Educação – UFV Resumo: O objetivo deste artigo é analisar a Educação do Campo no Brasil e refletir se a cultura camponesa tem sido valorizada ou se mantém, em sua essência, marcas de modelos desenvolvimentistas. Para tal, foram utilizados conceitos acerca da Educação do Campo e da Educação Rural, apontando suas diferenças conceituais e históricas. A metodologia utilizada foi a análise documental e a pesquisa bibliográfica, considerando que esses são passos intermediários para outras pesquisas científicas. Através desse artigo, percebeu-se uma grande evolução na legislação a respeito da Educação do Campo. Porém, esta ainda carrega marcas históricas do esquecimento por parte dos governantes. A visão urbanocêntrica cria certas barreiras na busca de uma educação emancipadora que respeite as culturas locais. Palavras–chave: desenvolvimento, Educação do Campo, Educação Rural, visão urbanocêntrica Abstract: This article objective is to analyze the Field Education in Brazil and to reflect the if the Field Culture has been valued or if it is still having the field essential marks of models of development. Through this aim, it was used different concepts around education in the field and the countryside one, pointing up their conceptual and historical differences. The methodology used were the documental analyze and the bibliography research considering them as intermediate steps to other scientific researches. Through this article it were realized that a big evolution in the Brazilian legislation in the direction to the Field Legislation. Even though, this is still having the historical marks of forgetfulness in the rulers´ sight. The urban centered vision make up many troubles in the search of an emancipatory education, which respect the local cultures. Keywords: Development, Field education, Countryside education, urban centered vision. Introdução Ao tentar entender os rumos tomados pela educação no campo brasileiro, se faz necessário a apresentação de uma pequena contextualização dos momentos históricos que influenciaram as decisões políticas referentes a essa temática. Uma das maiores influências sofridas pelo campo foi a Revolução Verde, ocorrida entre as décadas de 60 e 70, que tinha como premissa o aumento em escala na produção agrícola, e como o principal argumento o fim da fome no mundo. No entanto, a partir do momento em que esse pacote tecnológico para modernização da agricultura foi implantado, o campo começou a ser modificado e a falta de acesso à alimentação só tem aumentado. A década de 90 ficou marcada pela abertura de mercado e pelo neoliberalismo, onde o Estado não tinha como papel a intervenção na economia. Nesse sentido, o campo, que historicamente é tido como um local atrasado, acabou passando por grandes dificuldades, como, por exemplo, o êxodo rural - migração do homem do campo para cidade em busca de melhores condições de vida. Nesse contexto, no decorrer dos anos, os movimentos sociais passaram por grandes lutas na busca de uma educação que respeitasse as particularidades culturais e regionais desses. Assim, o movimento por uma educação do campo para o campo vem sendo alvo de estudos e debates por vários pensadores, o que gerou importantes mudanças. Atualmente, várias literaturas tratam dessa temática. No entanto, é importante trazer aspectos que possam servir de reflexões sobre o modelo educacional brasileiro, suas limitações e as diferentes visões que existem sobre a Educação do Campo, a Educação Rural e a Educação Urbana. Consideramos, então, a educação como a chave para mudanças comportamentais, sociais e econômicas, sendo a única capaz de transformar as pessoas em agentes de suas próprias mudanças. Nesse contexto, os ganhos que a educação pode trazer ao meio rural são indiscutíveis, mesmo que, na maioria das vezes, essa não seja condizente com a realidade local. Dessa forma, o objetivo desse ensaio teórico é trazer visões que vão além da dimensão econômica e destacar a importância de se preocupar com as perspectivas culturais, políticas, sociais e ambientais. Assim, trazemos uma reflexão acerca da Educação do Campo, questionando-nos: “o modelo de educação voltado para o campo é condizente com suas reais necessidades, ou se preocupa essencialmente com modelos desenvolvimentistas?” Para tentar trazer resposta a essa pergunta, o percurso metodológico adotado foi baseado na pesquisa documental e/ou bibliográfica. Assim, apresentamos uma contextualização das mudanças ocorridas ao longo do tempo nas legislações brasileiras, que influenciaram ou influenciam na educação no campo. Material e Métodos A metodologia utilizada para a análise do tema foi a pesquisa bibliográfica e/ou documental. Para Marconi e Lakatos (2003), a pesquisa bibliográfica é um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. Para a discussão dos problemas ora propostos, foram consultadas as seguintes fontes documentais: a) o portal do Ministério da Educação; b) a Lei Diretrizes e Bases 61/71 e 96; c) a Constituição Federal de 34/46 e 88; d) o Plano Nacional de Educação 2001; e) algumas bibliografias sobre a temática estudada. De acordo com os problemas levantados, buscou-se selecionar o material coletado, identificando dados que possam confirmar, refutar e/ou produzir reflexões sobre a relação entre a educação e as questões de desenvolvimento socioeconômico, bem como a evolução da valorização da Educação do Campo. Resultados e Discussão A palavra desenvolvimento vem sendo utilizada em várias perspectivas: econômica, social, política, sustentável e outras. Quando ouvimos essa palavra, sempre nos remetemos a uma ideia de melhoria. No entanto, muitas vezes equipara-se desenvolvimento a crescimento, que por sua vez pode ser excludente. Nesse sentido, o que a educação tem a ver com o desenvolvimento? A priori, a educação tem sido considerada como a chave para a transformação da sociedade, ou seja, um requisito básico para atingir o tão sonhado desenvolvimento. Embora essa concepção pareça não ser ruim, o modelo educacional tradicional se configurou de forma excludente, o que acarretou, historicamente, em grandes desigualdades sociais. Desde o século XIX, existia o interesse da elite em vistoriar o tempo da classe trabalhadora, para que esses pudessem ficar mais tempo a serviço do capital. Para que isso ocorresse, Bruno (2011) destaca que era fundamental que o controle da produção de capacidade de trabalho ficasse sob o domínio do capital mediatizado pelo Estado. Assim, a educação dita pública foi condicionada, não para o desenvolvimento da inteligência e da autonomia intelectual dos filhos de trabalhadores, mas para atender às necessidades de determinadas especialidades, da nova tecnologia, das novas estratégias de controle social e, acima de tudo, das necessidades oriundas do novo quadro disciplinar que se tornou dominante. BRUNO (2011, p.547) Com isso, percebe-se que o sistema educacional, baseado em ideais desenvolvimentistas, privilegia uma pequena parcela da população, ao mesmo tempo em que negligencia oportunidades à grande maioria das camadas mais pobres. Essas concepções foram se alterando ao longo do tempo e obteve-se grande ganhos com novas leis e planos educacionais, com o objetivo de garantir acesso de todos a uma educação de qualidade.Para entender como se deu o processo de evolução da Educação do Campo, é importante levantar os avanços e/ou retrocessos nas legislações, ao longo do tempo. A Constituição Federal de 1934 previa, em seu artigo 121º §4º, a fixação da população no campo e a atenção para a educação rural. No entanto, essa lei vigorou oficialmente por apenas um ano. A Constituição de 1946, por sua vez, estabeleceu que a educação é um direito de todos e deve ser baseada nos princípios da liberdade. Além disso, garantiu a gratuidade do ensino primário e o desdobramento do ensino para as áreas rurais. Em 1961, a Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) estabeleceu, em seu Art. 161º, que os poderes públicos deveriam ajudar as entidades de ensino rural, para adaptar o homem ao seu meio e conter o êxodo rural. Já a LDB de 1971, numa visão evolucionista, elucidou que a educação deveria estar ligada ao mercado de trabalho, à produção e a modelos desenvolvimentistas. A Constituição de 1988 foi clara em seu Art. 210º, ao aclarar que os conteúdos seriam fixados para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Dessa forma, a educação passou a ser concebida como um direito social de todos e um dever do Estado, onde os segmentos educacionais passariam a ter metodologias pedagógicas próprias, caso quisessem. Isso, de certa forma, fortaleceu a educação no campo, pois propiciou a valorização de suas especificidades. Ainda, dentre os benefícios para a Educação do Campo, a LDB/96 assegura, no Art. 23º, §2º, que “o calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei”. Dessa forma, a escola pode adequar suas atividades pedagógicas para momentos estratégicos, o que, consequentemente, diminui a evasão escolar, já que vários alunos abandonam os estudos pela necessidade de trabalhar em época de colheita. Destaca-se também o Plano Nacional de Educação (PNE/2001), que destacou o merecimento de um tratamento diferenciado para as escolas rurais, “numa clara alusão ao modelo urbano, a organização do ensino em séries, a extinção progressiva das escolas unidocentes e a universalização do transporte escolar.” (HENRIQUES, et al., 2007, p. 17). Essa recomendação é questionável a medida em que, ao acabar com as turmas unidocentes, transfere os alunos para estudar na cidade, em vez de aumentar o número de docentes nas escolas das comunidades rurais. Cabe ressaltar que a LDB/96 sofreu uma atualização através da Lei 12.796/2013, que não contempla de forma específica a educação do campo, tendo mudanças mais significativas na educação infantil. Por fim, O Plano Nacional da Educação (PNE) para o decênio 2011 – 2020 recém sancionado pela presidente Dilma, destina 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação, e tem como principal ganho para a Educação do Campo, a promessa de “desenvolver tecnologias pedagógicas que combinem, de maneira articulada, a organização do tempo e das atividades didáticas entre a escola e o ambiente comunitário, em prol da educação do campo e da educação indígena”. Conclusões Apesar dos grandes ganhos ocorridos com algumas políticas educacionais, em nosso país, principalmente no que se refere à Educação do Campo, nota-se que a mesma ainda não tem conseguido superar a visão evolucionista de desenvolvimento e tem atuado, por diversas vezes, em uma ótica produtivista. É importante ressaltar os vários ganhos alcançados na educação, através de pressões por parte dos movimentos sociais, das ONG’s e da sociedade civil como um todo. Porém, os problemas vão muito além da percepção econômica de desenvolvimento contida nos propósitos de algumas leis. Nota-se que os problemas mais crônicos são enfrentados, diariamente, por quem sente na pele o descaso com a educação pública por parte dos órgãos responsáveis. De acordo com a metodologia proposta neste recorte teórico, as pesquisas documentais realizadas apontam limitações no que tange ao apoio à Educação do Campo que, em muitos casos, é negligenciada em função de visões urbanocêntricas, na qual consideram que existe um modelo ideal, onde o campo, um local ‘atrasado’, deve chegar. Apesar de se tratar de um tema recente de estudos, existe um grande arcabouço teórico acerca da Educação do Campo. No entanto, é interessante que ocorram outros estudos para que se possa apontar possíveis caminhos e reflexões mais aprofundadas sobre essa temática. Literatura citada BRASIL. Assembleia Legislativa. Constituição (1934). Constituição D.O. de 16 de julho de 1934. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Brasília, DF, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição34.htm. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Constituição (1946). Constituição D.O. de 18 de setembro de 1946. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Brasília, DF, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao46.htm. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Constituição (1988). Constituição D.O. 05 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Lei (1961). Lei nº 4.024, de 20 de outubro de 1961. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4024.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Lei (1971). Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5692.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Lei (1996). Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014. BRASIL. Assembleia Legislativa. Plano (2001). Plano nº 10172, de 09 de janeiro de 2001. Plano Nacional de Educação. Brasília, DF, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10172.htm. Acesso em: 29 abr. 2014. BRUNO, Lúcia. Educação e desenvolvimento econômico no Brasil. Universidade de São Paulo, Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 48 set. - dez. 2011. HENRIQUES, Ricardo; MARANGON, Antonio; DELAMORA, Michiele; CHAMUSCA, Adelaide. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Cadernos SECAD, Brasília, Fevereiro de 2007. MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos da Metodologia Científica. 5. ed. São Paulo: Editora Atlas, 311 p., 2003.
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