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Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Elisabetta Recine | Juliana Rochet | Luiza Torquato | Andrea Sugai | Gabriela Cunha Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição Universidade de Brasília Brasília | 2016 Mulheres do Recanto. Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo. / Elisabetta Recine... [et al.] - Brasília: Universidade de Brasília, Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição, 2016. 130 p. : il. ; 23 cm. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-64593-39-8. 1. Educação alimentar. 2. Educação nutricional. 3. Mulheres. 4. Espaço social alimentar. 5. Metodologia participativa. I. Recine, Elisabetta. II. Rochet, Juliana. III. Torquato, Luiza. IV. Sugai, Andrea. V. Cunha, Gabriela. CDU 613.2:37 M 956 Dedicatória Grupos conduzidos por e para mulheres são nosso refúgio psíquico, onde descobrimos quem somos e o que podemos nos tornar como seres integrais e independentes. Em algum momento em nossas vidas, cada uma de nós precisa de um território livre. Um pequeno território psíquico, você tem um? Gloria Steinem Outrageous Acts and Everyday Rebellion Agradecimentos Em um projeto como esse são muitos os agradecimentos a serem feitos. Desde a primeira atenção que possibilita que a ideia vire realidade até o desenrolar dos encontros, a flexibilidade e a disponibilidade para que algo novo possa acontecer. Apoena / Instituto Pró-Educação e Saúde – Proeza Kátia Ferreira Neide Silva Zenaide Soares Projeto Saúde e Educação Integral Professora Dra. Lenora Gandolfi Faculdade de Medicina | universidade de Brasília À Alynne, Antônia, Aurenice, Carine, Claudete, Edipaula, Elisângela, Elizabete, Graciele, Lucelia, Luiza, Maria das Graças, Maria Severina Marilene, Mauricelia, Orliene, Rosa, Thamires e Zilda que reorganizaram suas rotinas e compartilharam suas histórias e saberes para que nossas tardes fossem de encontros, descobertas e muita alegria. Sumário Apresentação 7 O projeto 10 A organização deste material 11 Introdução 13 A alimentação no contexto contemporâneo: tramas teóricas e abordagem educativa 20 O olhar sobre o território 22 As mulheres como sujeitos da ação 26 Recantos da Educação Alimentar e Nutricional: percursos e relatos 31 O Recanto das Emas 32 Relatos: quem são elas, quem somos nós e como nos relacionamos 36 Abordagem metodológica 45 Qualidades dos processos 67 Afeto e cuidado 68 Escuta e ação presente 74 A capacidade de diálogo 76 Diálogo de saberes 82 Considerações finais 84 Apêndice I Programa das oficinas 91 Apêndice II Caderno de receitas 101 Referências bibliográficas 117 Apresentação 8 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Por várias tardes de sextas-feiras, mulheres, mães, filhas, do- nas de casa, bordadeiras e costureiras, cuidadoras da alimenta- ção da família, estudantes e educadoras/pesquisadoras se en- contravam para conversas revigorantes e prazerosas ao redor da mesa. Brincavam, dançavam, trocavam receitas, compartilhavam histórias, experiências e conhecimentos, dividiam quitutes, sucos e chás. Os encontros eram norteados pelo seguinte princípio: an- tes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo... Em parceria com um grupo de mulheres do Recanto das Emas, região administrativa do Distrito Federal, temos a alegria de compartilhar neste livro e vídeoa um pouco dos preciosos mo- mentos que vivenciamos. Os encontros realizados durante os anos de 2014 e 2015 confirmaram o que Paulo Freire sabiamente já havia anunciado: ao educar, ao partilhar e conviver com essas mulheres, fomos transformadas e transformamos. Tanto o livro quanto o vídeo têm como objetivos apresentar o processo de ensino-aprendizagem e as repercussões da ação de Educação Alimentar e Nutricional desenvolvida com dois grupos de mulheres da cidade do Recanto das Emas. Ambos são frutos de um projeto de pesquisa desenvolvido por educadoras/pesqui- sadoras do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (OPSAN/UnB), mediante fi- nanciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científi- co e Tecnológico (CNPq). Esperamos que as reflexões aqui apresentadas contribuam para a redução de algumas lacunas registradas na literatura de Educação Alimentar e Nutricional e estimulem novas possibilida- des, encontros, trocas e transformações. a Momentos das oficinas e depoimentos das mulheres foram registrados em um vídeo, busque por “A mulher e as dimensões do espaço social alimentar: um instrumento para abordagens participativas em EAN” em http://ecos-re- denutri.bvs.br/tiki-index.php?page=EAN ou http://ideiasnamesa.unb.br/index. php?r=bibliotecaIdeias/view&id=392 10 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo O projeto A iniciativa começou em 2012, quando as educadoras/pes- quisadoras do OPSAN/UnB elaboraram um projeto de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) com mulheres para a Chamada Pública nº 027/2012 do CNPq e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O objetivo da Chamada era selecionar propostas para o direcionamento de apoio financeiro a projetos que promovessem o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação em EAN, para subsidiar programas e projetos na área de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). As ações deveriam considerar a indissociabilidade entre a produção, o abastecimen- to e o consumo biológico e simbólico-cultural de alimentos para a promoção da alimentação adequada e saudável. O projeto A mulher e as dimensões do espaço social alimentar: um instrumento para abordagens participativas em EAN foi um dos projetos aprovados pela Chamada Pública. O objetivo da pro- posta era desenvolver e implementar abordagens participativas de EAN a partir da identificação e da caracterização dos saberes, das escolhas e das práticas alimentares domiciliares, estabeleci- das no espaço social alimentar de um grupo de mulheres. A intenção da equipe de educadoras/pesquisadoras era com- preender o contexto e as dinâmicas da alimentação na perspec- tiva de gênero e realizar uma ação de EAN que fosse planejada e executada com a participação ativa das pessoas envolvidas, à luz do Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional para as Políticas Públicas (MREAN), publicado em 2012. Assim, por meio de um conjunto de oficinas, as diferentes dimensões do espaço social alimentar foram abordadas, discutidas e registra- das em imagens, sons e documentação cartográfica. 11 A organização deste material O presente livro, fruto de dois anos de trabalho, divide-se em cinco momentos: introdução; diálogos teóricos; relatos da expe- riência; destaques das qualidades do processo de ensino-apren- dizagem e considerações finais. Apresenta-se, inicialmente, um breve relato dos caminhos teórico-metodológicos delineados para a condução da ação de EAN. A finalidade desta seção é reve- lar a trajetória percorrida para a realização do projeto, justifican- do os recortes e as escolhas efetuadas. A segunda parte expõe as discussões teóricas relacionadas à alimentação no contexto con- temporâneo. Nela, são abordadas noções do território e espaço social alimentar, bem como, a questão de gênero. O terceiro mo- mento detalha as dinâmicas utilizadas nas ações e apresenta os relatos das oficinas. O quarto, revela o que chamamos de “quali- dades do processo de ensino-aprendizagem”, onde destacamos aspectos considerados importantes para a realização de estraté- gias educativas e participativas em alimentação e nutrição. São elas: “escuta e a ação presente”; “afeto e cuidado”; “diálogo de saberes” e “capacidade de diálogo”.Por fim, as considerações finais apresentam uma síntese do que vivemos e aprendemos. O vídeo exibe alguns registros audiovisuais coletados duran- te as oficinas, assim como depoimentos sobre o significado da experiência para os grupos de mulheres do Recanto das Emas e para as educadoras/pesquisadoras. Por fim, disponibilizamos, no apêndice, os roteiros das ofici- nas, algumas receitas compartilhadas com os grupos e outros materiais utilizados no projeto. Introdução 14 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo A progressiva incorporação da Segurança Alimentar e Nutri- cional (SAN)b no campo das políticas públicas vem demandando e impulsionando um redimensionamento, tanto conceitual como prático, da Educação Alimentar e Nutricional (EAN). Da aborda- gem original, na década de 1930, centrada nos aspectos bioló- gicos da alimentação e em uma visão conservadora de ensinar às camadas mais pobres da população a se alimentarem “cor- retamente”, às inúmeras iniciativas de promover o consumo de alimentos alheios à cultura alimentar nacional, como a soja, na década de 1980, a Educação Nutricional, como nomeada à época, foi questionada pelos princípios da educação popular e participa- tiva. Na ocasião, foram reconhecidos os limites da promoção de práticas alimentares saudáveis de forma prescritiva, limitada a aspectos científico-biológicos, sem o reconhecimento das dife- rentes dimensões que afetam o comportamento alimentar. A compreensão de que a efetividade da promoção de práticas alimentares saudáveis demandava, entre outros aspectos, que fossem implementados programas e ações com metas, recursos e indicadores para monitoramento, fez com que o tema começas- se a ser incorporado nos documentos oficiais brasileiros. A partir de 2003, observa-se um reforço nas iniciativas públicas da EAN no âmbito dos restaurantes populares, bancos de alimentos e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). b SAN é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares pro- motoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Fonte: Brasil. Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional - SISAN com vistas em assegurar o di- reito humano a alimentação adequada e dá outras providências. Brasília, DF, n. 179, 18 set. 2006. p. 1.: Diário Oficial da União; 2006 [10/11/2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/L11346. 15 Em termos de políticas públicas, a EAN já estava prevista na primeira versão da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), do Ministério da Saúde, de maneira transversal às dife- rentes diretrizes e, mais especificamente, na diretriz de “Promo- ção de práticas alimentares e estilos de vida saudáveis”.3 Já no texto revisado da PNAN, lançado em 2012, a EAN está contex- tualizada no campo da prática da promoção da saúde, onde se estimula o “desenvolvimento de habilidades pessoais por meio de processos participativos e permanentes que considerem as realidades locais”. A nova edição também explicita a importância de as ações de educação estarem aliadas à regulação de alimen- tos, ao incentivo à criação de ambientes promotores de saúde e à pactuação de uma agenda integrada de EAN intra e interseto- rial. A publicação ainda aponta a necessidade de superação de limitações, como: (i) o foco na dimensão biológica; (ii) a baixa ar- ticulação entre a informação e a prática e entre o saber popular/ tradicional e o científico, e (iii) a frágil presença das dimensões culturais e sociais.4 Atualmente, em termos normativos, a EAN também está pre- sente na Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS); no Plano de Ações Estratégicas para o enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil; na Estratégia Interseto- rial de Prevenção e Controle da Obesidade; na Política Nacional de SAN5 e no Plano Nacional de SAN,6 que possui uma diretriz específica relacionada à “Instituição de Processos Permanentes de EAN, Pesquisa e Formação nas áreas de SAN e Direito Huma- no à Alimentação Adequada (DHAA)”. Quatro dos seis objetivos dessa diretriz se relacionam diretamente com à EAN. São eles: (i) assegurar processos permanentes de EAN e de promoção da alimentação adequada e saudável, valorizando e respeitando as especificidades culturais e regionais dos diferentes grupos e et- nias, na perspectiva da SAN e da garantia do DHAA; (ii) estru- turar, divulgar e integrar ações de EAN nas redes institucionais de serviços públicos e mídia institucional, de modo a estimular 16 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo a autonomia do sujeito para a produção e para as práticas ali- mentares adequadas e saudáveis; (iii) promover ações de EAN no ambiente escolar e fortalecer a gestão, a execução e o controle social do PNAE, articulados junto ao Conselho de Alimentação Escolar, com vistas à promoção da SAN e; (iv) estimular a socie- dade civil organizada a atuar com os componentes da alimenta- ção, da nutrição e do consumo saudável. Além disso, entre os anos de 2011 e 2012, foram realizados encontros, atividades integradoras, oficinas e uma consulta pú- blica para buscar consensos e maior profundidade nos conceitos e métodos para a prática de EAN. Esse processo resultou na ela- boração participativa do Marco de Referência de Educação Ali- mentar e Nutricional para as Políticas Públicas (MREAN). O do- cumento, lançado em 2012, apresenta um conceito de EAN mais amplo e explicita princípios norteadores para as práticas.7 A demanda por resultados das ações de EAN são decorren- tes das consequências dos modos de vida e do sistema alimen- tarc atual, que oferece alimentos de alta densidade energética, baixo valor nutricional e altas concentrações de sal, açúcares e gorduras (principalmente hidrogenadas), a preços relativamen- te baixos, promovidos por meio de estratégias de marketing agressivas, que visam a fidelização de consumidores ainda na infância.8 Esses alimentos favorecem o comer sem atenção, a homogeneização de hábitos, o isolamento social, demandam o uso intensivo de energia, água e recursos para a sua produção, armazenamento e distribuição, trazendo consequências perver- sas à saúde humana, animal, ambiental, à sociobiodiversidade c Compreende-se sistema alimentar como o processo que abrange desde o acesso à terra, à água e aos meios de produção, as formas de processamento, abastecimento, de comercialização e distribuição; a escolha e o consumo dos alimentos, incluindo as práticas alimentares individuais e coletivas, até a gera- ção e a destinação de resíduos.7 17 e à cultura. Além disso, as dinâmicas familiares em relação à alimentação estão profundamente alteradas com a redução pro- gressiva das refeições realizadas em casa e a presença crescente de alimentos e/ou refeições semi ou pré-preparadas.9-10 O padrão alimentar hegemônico tem gerado prevalências cada vez maiores de excesso de peso e obesidade e aumentado o risco e prevalência de Doenças Crônicas Não Transmissíveis. A Pes- quisa de Orçamento Familiar (POF/IBGE) de 2008/2009, que atua- lizou tanto as informações antropométricas como as de consumo alimentar da população brasileira, apontou que a prevalência de excesso de peso nas crianças de cinco a nove anos alcançou o patamar de 33,4%. Isso significa que uma em cada três crianças estão acima do peso. Nos adolescentes (10 a 19 anos), a preva- lência foi de 20,5% e, na faixa de 20 anos ou mais, de 49% - quase metade da população adulta.11 Esse cenário,configurado, por um lado, por relativos avanços institucionais e valorização social da EAN e, por outro, por um quadro preocupante de modificação dos padrões alimentares e do aumento persistente de excesso de peso, requer o avanço nas estratégias de promoção da alimentação adequada e saudável, tanto nos aspectos estruturais como nos relativos à EAN. Contu- do, evidencia-se atualmente um hiato entre as formulações das políticas públicas relacionadas à Educação Alimentar e Nutricio- nal e as ações desenvolvidas em âmbito local. As intervenções ainda são preponderantemente baseadas no modelo biomédico tradicional, com abordagem reducionista e focada na recupe- ração e prevenção de doenças. Além disso, é comum o uso de estratégias pedagógicas verticalizadas, como palestras e outros métodos expositivos, com transmissão unidirecional de informa- ções e conhecimentos, havendo insuficiência de evidências de resultados e de impacto das ações. 18 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Nesse contexto, existe o desafio de adotar o MREAN no pro- cesso de planejamento e desenvolvimento das ações para que seja possível qualificar as estratégias de EAN. De acordo com o Marco, no contexto da realização do DHAA e da garantia da SAN, a EAN é um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, interseto- rial e multiprofissional, que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis. A prática de EAN deve fazer uso de abordagens e recursos educacionais proble- matizadores e ativos que favoreçam o diálogo junto a indivíduos e grupos populacionais, considerando todas as fases do curso da vida, as etapas do sistema alimentar e as interações e signi- ficados que compõem o comportamento alimentar.7 A prática de EAN deve ser baseada nos seguintes princípios: sustentabilidade social, ambiental e econômica; abordagem do sistema alimen- tar na sua integralidade; valorização da cultura alimentar local e respeito à diversidade de opiniões e perspectivas, considerando a legitimidade dos saberes de diferentes naturezas; a comida e o alimento como referências; a valorização da culinária enquanto prática emancipatória; a promoção do autocuidado; a educação enquanto processo permanente, gerador de autonomia e parti- cipação ativa dos sujeitos; a diversidade nos cenários de prática; a intersetorialidade; e o planejamento, a avaliação e o monitora- mento das ações.7 A partir desse horizonte, os pressupostos orientadores do projeto “A mulher e as dimensões do espaço social alimentar: um instrumento para abordagens participativas em EAN” foram: (i) o escopo de ações deveria abranger, sempre que possível, as diferentes dimensões e etapas do sistema alimentar e os deter- minantes do comportamento alimentar; (ii) o objetivo principal da 19 ação seria a promoção da alimentação adequada e saudáveld; (iii) as práticas alimentares a serem referidas deveriam ser as que privi- legiassem o consumo de alimentos locais, oriundos da agricultura familiar, produzidos de maneira sustentável e que contribuíssem para o estabelecimento de circuitos curtos de produção e consumo, que tendem a ser mais saudáveis e a gerar processos econômicos e sociais virtuosos; (iv) a alimentação deveria ser considerada como uma prática social resultante da integração das dimensões biológi- ca, sociocultural, ambiental e econômica e; (v) a abordagem utiliza- da precisaria dar voz às mulheres, sujeitas do processo e conhece- doras da situação local, e (vi) as estratégias educativas deveriam ser condizentes com as necessidades e realidades apresentadas. Conferir vida a tais pressupostos requer uma abordagem inte- grada, capaz de contemplar os comportamentos, os valores e os saberes envolvidos nas escolhas, nas preferências, nas formas de preparação e no consumo dos alimentos, tanto na dimensão indivi- dual quanto coletiva. Uma vez demonstrados, de forma sucinta, os aspectos históricos que abrangem a EAN no país e os pressupostos adotados para as ações, serão apresentados, a seguir, os elementos contextuais que conduziram o projeto. d Por alimentação adequada e saudável compreende-se “a realização de um direito básico, com a garantia do acesso permanente e regular, de forma so- cialmente justa, a uma prática alimentar adequada aos aspectos biológicos e sociais dos indivíduos, de acordo com o curso da vida e as necessidades ali- mentares especiais, pautada no referencial tradicional local. Deve atender aos princípios da variedade, equilíbrio, moderação, prazer e sabor, às dimensões de gênero e etnia, e às formas de produção ambientalmente sustentáveis, livres de contaminantes físicos, químicos, biológicos e orgânicos. Fonte: Brasil, Polí- tica Nacional de Alimentação e Nutrição, Ministério da Saúde, Brasília, outubro 2011. Disponível em: http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/pnan2011.pdf 20 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo A alimentação no contexto contemporâneo: tramas teóricas e abordagem educativa A alimentação é uma atividade social que se desenvolve em um espaço de complexidades, no qual se cruzam condicionantes biológicos, ecológicos, tecnológicos, sociais, étnicos, econômi- cos, e simbólicos, dentre outros. Segundo Poulain,12 [...] Se o homem tem necessidade de nutrientes: de glicí- dios, de lipídios, de proteínas, de sais minerais, de vitaminas, de água... que ele encontra nos produtos naturais que fazem parte de seu meio ambiente, ele somente pode ingeri-los e in- corporá-los na forma de alimentos, ou seja, de produtos natu- rais culturalmente construídos e valorizados, transformados e consumidos, respeitando um protocolo de uso fortemente socializado (p.19). Nesse sentido, as práticas alimentares estão relacionadas a uma maneira dinâmica de compreender as diferentes expressões da subjetividade, da identidade e da cultura alimentar das pesso- as e grupos, bem como as variadas relações entre as pessoas e os espaços que ocupam. Os saberes e as práticas alimentares possuem uma dimen- são subjetiva e cultural. Desse modo, mapeá-los e analisá-los, compreendendo os modos de pensar e agir de diferentes grupos sociais, faz parte de um processo de escuta e de compreensão de lógicas que orientam e dão sentido às dimensões sensoriais, cog- nitivas e simbólicas da alimentação e que resultam no compor- tamento alimentar objetivo. Além disso, constrói a possibilidade de encontro e de diálogo entre os conhecimentos da população e o planejamento, e a implementação de políticas públicas e as ações de EAN. Tais ações e políticas devem ser pensadas a partir de uma perspectiva participativa e inclusiva, capaz de respeitar e valorizar a diversidade de expressões da identidade e da cultu- 21 ra alimentar da população, reconhecendo e difundindo a riqueza dos alimentos, das preparações, das combinações e das práticas alimentares locais e regionais. Assim, é necessário ressaltar a importância da proteção da diversidade cultural e alimentar, tanto associada às questões so- cioambientais, quanto aos bens e serviços produzidos no contex- to da economia local e regional. Esse aspecto ganha particular relevância se considerados os dados das Pesquisas de Orçamen- tos Familiares (POF/IBGE),9 que indicam tendência de substitui- ção de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta brasileira por alimentos ultraprocessadose. Tal conjuntura traz à tona uma série de questões teóricas e práticas, que dizem respeito ao reconhecimento das identidades, das diferenças e dos valores localmente atribuídos à alimen- tação, às suas repercussões na saúde e, consequentemente, à geração de demandas para as políticas públicas de alimentação e nutrição. Nesse sentido, um outro ponto fundamental é conhecero território onde serão implementadas as respectivas ações. e Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas), derivadas de constituintes de alimentos (gorduras hidrogenadas, amido modificado) ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão (corantes, aromatizantes, real- çadores de sabor e vários tipos de aditivos usados para dotar os produtos de propriedades sensoriais atraentes). Técnicas de manufatura incluem extrusão, moldagem, e pré-processamento por fritura ou cozimento. Exemplos: biscoitos, sorvetes, guloseimas em geral, cereais açucarados, sopas, macarrão e tem- peros ‘instantâneos’, molhos, salgadinhos, refrescos e refrigerantes, bebidas lácteas adoçadas e aromatizadas, produtos congelados, embutidos. Fonte: Brasil. Guia Alimentar para a População Brasileira. Ministério da Saúde. [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2014 [24 de agosto de 2015]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2014/novembro/05/Guia-Ali- mentarpara-a-pop-brasiliera-Miolo-PDF-Internet.pdf 22 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo O olhar sobre o território Localizar significa mostrar o lugar. Quer dizer, além disto, reparar no lugar. Ambas as coisas, mostrar o lugar e repa- rar no lugar, são os passos preparatórios de uma localização. Mas é muita ousadia que nos conformemos com os passos preparatórios. A localização termina, como corresponde a todo método intelectual, na interrogação que pergunta pela situação do lugar.13 De acordo com Raffestin (1993), citado por Santos,13 o território é uma construção conceitual a partir da noção de espaço, mas que dela se distingue. Com isso, o autor pretende fazer uma diferenciação entre algo já dado, o espaço – na condição de natureza – e o território – um construto que contém os objetos espaciais, naturais e construídos para a (re)produção de uma identidade étnico-sócio-cultural. Como aponta Sá,14 podemos considerar que a noção de terra se refere à base material, ao espaço ambiental onde um grupo humano se estabelece e desenvolve o seu modo de vida. O con- ceito de território, por sua vez, acrescenta à necessidade de se compreender o modo pelo qual um grupo humano se estabelece social e culturalmente nesse espaço, de acordo com as formas coletivas que permitem a reprodução do seu modo de vida e de sua identidade cultural. Assim, a noção de território abarca a re- lação complexa que existe entre a terra, enquanto espaço mate- rial, e os processos sociais, a dimensão cultural e simbólica, os valores éticos, espirituais e afetivos. A noção de território ganha ainda mais complexidade quando se refere à alimentação. Destaca-se não apenas a relação com- plexa que existe entre a terra enquanto espaço material/produ- tivo dos alimentos, mas também dos elos que permeiam todos os processos sociais, aos quais a alimentação se faz presente.12 Um olhar atento e cuidadoso sobre o território pode contribuir 23 para construir identidades; revelar subjetividades; coletar infor- mações; identificar problemas, necessidades e positividades dos lugares; tomar decisões e definir estratégias de ação nas múlti- plas dimensões, não apenas do processo de saúde-doença-cui- dado, 15 mas também do processo saúde-cuidado-alimentação. A potencialidade do conceito de território para o campo da saúde coletiva vem sendo reafirmada no decorrer dos anos. O território se articula fortemente com a Vigilância e a Promo- ção em Saúde, de modo a subsidiar uma prática baseada na realidade social e histórica, que contempla a formulação de políticas e o pensar e agir para o desenvolvimento dos siste- mas locais de saúde. 15 O território se constitui também como um conceito central para se pensar práticas de saúde em ali- mentação e nutrição e diferentes propostas de EAN, que con- siderem a complexidade das diferentes realidades, espaços e processos sociais. Essa abordagem acaba por viabilizar o território como uma categoria de análise, como um caminho metodológico de apro- ximação da realidade, visando a construção de uma perspec- tiva mais profunda sobre os saberes e as práticas alimentares locais. Trata-se de uma ferramenta teórica e metodológica que facilita compreender a dinâmica espacial dos lugares e das populações, os múltiplos fluxos e as diversas paisagens que emolduram o espaço da vida cotidiana. Sobretudo, pode revelar como os sujeitos, individuais e coletivos, produzem e (re)produzem socialmente as suas condições de existência – o trabalho, a moradia, a alimentação, o lazer, as relações so- ciais, a saúde e a qualidade de vida.15 A perspectiva do território também está intimamente rela- cionada com um processo permanente de criação e (re)criação dos espaços sociais alimentares. É no espaço social, como se refere Poulain12, que se desenvolvem os conhecimentos e as 24 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo práticas alimentares, onde se articulam as dimensões psico- lógica, fisiológica e social. Assim, o espaço social alimentar é um conceito amplo, que compreende várias dimensões inter- ligadas. A primeira dimensão corresponde ao conjunto de escolhas que levam um grupo humano a selecionar, adquirir ou conservar os seus alimentos, integrando um conjunto de ações da produ- ção à coleta/colheita.12 A segunda dimensão corresponde ao con- junto de estruturas tecnológicas e sociais que, da coleta/colheita até a cozinha, permitem que o alimento chegue ao indivíduo e seja reconhecido como algo comestível. A terceira dimensão re- laciona-se ao espaço culinário, representado pela cozinha, onde a sociedade pode codificar e construir sua identidade alimentar e transformá-la em algo comestível. A quarta dimensão envolve o conjunto de rituais que permeiam o ato alimentar de acordo com a cultura dos grupos sociais (número de refeições realiza- das, formas, horários, locais, regras). Por fim, a última dimensão está relacionada à temporalidade alimentar, aos ciclos temporais socialmente determinados (curso da vida, estações, festividades). Desse modo, entre o habitat natural e a mesa onde é consumi- do, o alimento segue uma trilha social e por ela sofre uma série de transformações. Essas etapas ou cadeias reúnem sujeitos sociais e econômicos que atuam desde a produção, transformação, fabrica- ção, distribuição até o consumo dos produtos alimentares. A pers- pectiva sociológica amplia a noção de etapas e cadeias, ao incluir os sujeitos dos domicílios que, além de comprarem os alimentos po- dem plantar, pescar, colher e participar da transformação culinária, da organização das relações e das condições de consumo.12 Assim, para Poulain,12 o sistema alimentar pode ser compa- rado a canais ou circuitos por onde os alimentos se deslocam. A cada etapa desse circuito, diversos sujeitos sociais mobilizam co- nhecimentos e decisões de quais alimentos farão parte da mesa 25 familiar e de outras comunidades. Independentemente de qual via de abastecimento surja, os alimentos se deslocam, em sua maior parte, para os espaços domésticos nos quais serão reali- zadas atividades de seleção, de estoque, de transformação e de consumo. Por sua vez, também podem se deslocar para os locais considerados como de transição, como os locais de trabalho e lazer, dentre outros. Nesse sentido, para compreender a dimensão sociológica do sis- tema alimentar é imprescindível levar em consideração que esses alimentos não passam por esses circuitos sozinhos. Eles transitam por meio dos indivíduos, que estabelecem a logística dos circuitos ou canais, e que consideram as relações entre os alimentos e os comensais. Diante disso,as representações das necessidades e de- sejos do outro e de seus papéis sociais determinam as decisões.16 Assim, tomar conhecimento desse espaço/território é es- sencial quando se decide desenvolver ações de EAN, espe- cialmente com mulheres donas de casa. Essa perspectiva não apenas permite compreender quais são os alimentos que en- tram no circuito da aquisição e por quais lógicas de consumo e de escolhas são decididos quais alimentos serão comprados, mas também possibilita a identificação de quem prepara/cozi- nha e em que contextos físicos, temporais e sociais os alimen- tos serão consumidos. A partir da identificação dos motivos da escolha, é possível, por exemplo, atuar para introduzir aborda- gens educacionais problematizadoras, ativas e (co)participati- vas, que visem contribuir para a realização do Direito Humano a Alimentação Adequada (DHAA), para a valorização da cultu- ra alimentar local e familiar, para a sustentabilidade e para a geração de autonomia. Mais além, por meio da problematiza- ção compartilhada do espaço social alimentar local, é possível estimular as mulheres a buscarem hábitos alimentares que consideram importantes para a saúde e qualidade de vida. O ambiente familiar, nesse contexto, é o espaço social onde se 26 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo expressam os saberes, valores, escolhas e práticas por meio da interação dos seus integrantes e destes com os territórios e circuitos sociais construídos.17 E, sendo as mulheres as res- ponsáveis por 80% das atividades que envolvem a alimentação nos domicílios, compreender e problematizar seu papel como sujeito central das práticas alimentares é fundamental. As mulheres como sujeitos da ação Análises referentes às profissões apresentadas por sexo de- monstram que a força de trabalho das mulheres alcança, atual- mente, 50%.19-20 A pesquisa de estatísticas de gênero, realizada em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que 46,4% das famílias brasileiras são comandadas por mulheres. Nas famílias constituídas pelo responsável sem cônju- ge e com filho(s), as mulheres foram maioria na condição de res- ponsável (87,4%).22 Destaca-se que as famílias que têm mulheres como responsáveis principais tendem a apresentar maiores índi- ces de insegurança alimentar.23 Se, por um lado, essa análise confirma a participação efetiva das mulheres enquanto força de trabalho nas sociedades con- temporâneas, também revela a jornada dupla de tarefas: em casa e no ofício.24 Entretanto, essa dupla jornada de trabalho é qua- se invisível, pois é gerada a partir de traços culturais enraizados na sociedade e tange a individualidade de cada um no âmbito da família.25 Um exemplo é a naturalização do papel da mulher en- quanto responsável pela alimentação do lar. Outro aspecto é que pela divisão histórica do trabalho por gê- nero, a mulher é responsável principal pela definição das práti- cas alimentares no domicílio, dedicando importante parcela do seu tempo para garantir a alimentação da família e da comunida- 27 de.24-26 Essas questões são importantes quando consideramos o papel das mulheres na produção, na distribuição e no preparo dos alimentos no contexto domiciliar e coletivo e, por conseguinte, na garantia da SAN, bem como da Soberania Alimentar e do DHAA.27 Ademais, pesquisadores salientam a importância das mulheres, historicamente, na garantia da sobrevivência de conhecimentos e práticas tradicionais, como a preservação e o manejo das semen- tes crioulas, do plantio e dos modos de preparo dos alimentos, favorecendo a conservação da agrobiodiversidade e da cultura.27 A análise dessa dinâmica social demanda resgatar e conside- rar as elaborações feministas, desde o início deste movimento, organizadas no início do Século XX, na perspectiva acadêmica, jurídica e política.19,28 Entre elas está o conceito de gênero en- quanto noção social distinta do ser homem/mulher biológico.29 Também está presente o princípio da negação das diferenças, que se constitui como uma marca em nossa civilização e se pres- ta ao exercício da dominação e da opressão.25 Esses conceitos conduziram a uma releitura e a um entendimento do próprio con- ceito de opressão, que, no caso das mulheres, não se restringe à desigualdade de riqueza e status, mas que inclui o que se chama de imperialismo cultural.25,28 Ou seja, a condição de normalidade é ainda estabelecida pela imagem do homem guerreiro e caçador e, portanto, poderoso e detentor de bens materiais e imateriais.30 Encontra-se esse mecanismo de perpetuação de desigualdades, principalmente, em superestruturas sociais como a família, a escola e as religiões. Contudo, é primariamente no âmbito familiar “que cabe o papel de reprodução da dominação e da visão masculina; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem” (p. 100).30 Uma das formas práticas para alterar essa perspectiva é a promoção de ações educativas que possam, a médio e longo prazo, dissolver a estrutura da dominação31 e da visão masculina.30 Nesse contexto, problematizar o tema nas 28 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo ações de EAN, abordando a complexidade da alimentação em refe- rência à história e à organização sociocultural de grupos familiares é de fundamental importância. Esses traços de complexidade e emaranhamento de questões remetem aos avanços conceituais da sociologia do século XX, que trabalhou com a noção de ser social como definida por uma rede de interdependência que não pode ser explorada a partir de uma visão positivista, mas a partir de uma concepção dialética do pro- blema social, onde cada ser é indivíduo e coletividade ao mesmo tempo.32-33 Assim, a implementação de ações socioeducativas e de pesquisa/análise que venham a ser implementadas com mu- lheres em sua relação com a alimentação familiar deve conside- rar essa complexidade. A importância de garantir a representação das mulheres, como sujeitos de direito, em programas relevantes da Política de SAN, em processos de participação e controle social, em instâncias decisó- rias e em estudos que pretendem fomentar reflexões sobre as suas responsabilidades na alimentação e nutrição da família também fo- ram reforçadas na Carta Política do Seminário Mulheres Construin- do a Soberania e a Segurança Alimentar e Nutricional na Atividade Integradora da 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (4ª CONSAN) - Salvador/BA (2011):27 “[...] Faz-se necessário dar visibilidade ao papel da mu- lher, como um sujeito político preponderante na construção da política nacional de Segurança Alimentar e Nutricional”. As mulheres têm uma participação central na produção da alimentação saudável, com base na agricultura familiar e camponesa, responsável por 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa. [...] Que as políticas públicas incorporem um novo conceito de família em uma perspectiva da diversidade das relações de gênero e orientações sexuais, contribuindo para a valorização e reconhecimento de novos modelos familiares, que diferem do modelo patriarcal, o qual reforça o papel de invisibilidade 29 da mulher na família e no espaço doméstico, impossibilitando a sua autonomia; [...] Que o Estado promova uma cultura de direitos huma- nos com a realização de Educação Inclusiva, não sexista, não racista e não homofóbica/lesbofóbica. Além disso, que imple- mente medidas que ampliem a participação das mulheres nas instâncias decisórias, técnicas e de controle social sobre as políticas públicas de Segurança Alimentar e Nutricional e de promoção de direitos e da autonomia das mulheres.” A Cartado Encontro Temático A atuação das Mulheres na construção da Soberania e Segu- rança Alimentar e Nutricional, realizado em julho de 2015, re- força a necessidade de superação das desigualdades de gêne- ro nas ações estatais, nas pesquisas e análises econômicas.34 O documento ainda enfatiza que é fundamental ampliar o acesso das mulheres às políticas públicas, à informação adequada sobre saúde e às ações de EAN, que devem tratar o tema da alimenta- ção de forma integral, considerando todas as suas dimensões:34 “[...] Ainda persiste o desafio da superação das desigual- dades das relações de gênero, raça e etnia para a garantia da soberania e da segurança alimentar e nutricional, visto que o desenho de diversas ações estatais, nas esferas municipal, estadual e federal, bem como de pesquisas e análises socio- econômicas, na sua maioria, ainda se pautam em referenciais do universo masculino, que invisibilizam a participação femi- nina e subestimam a atuação das mulheres. [...] É preciso também ampliar o acesso das mulheres às políticas públicas por meio, inclusive, de ações de busca ati- va, rompendo o círculo vicioso da exclusão de grupos mais vulnerabilizados. [...] Garantir às mulheres o acesso à informação adequada, clara e suficiente sobre as características, qualidade e riscos à saúde dos produtos alimentícios disponíveis no mercado de consumo. 30 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo [...] Promover estratégias de educação alimentar e nutri- cional para desestimular o consumo de alimentos ultrapro- cessados e estimular o consumo de alimentos agroecológicos da agricultura familiar e camponesa, indígena e quilombola e tratar o tema de forma integral com todas as suas dimensões (educação, saúde, produção, consumo, entre outros).” Além desses aspectos, faz-se também necessário criar espa- ços de reflexão sobre as mulheres que não desejam ocupar, com exclusividade, as responsabilidades pela alimentação e nutrição da família, res(significando), assim, o espaço e o ato de cozinhar para si e para os familiares. Recantos da Educação Alimentar e Nutricional: percursos e relatos 32 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Uma vez contextualizados os elementos que orientaram o projeto, convidamos os leitores a conhecerem os locais onde as ações foram desenvolvidas, o perfil das mulheres do Recanto e as atividades realizadas nas oficinas. O Recanto das Emas Os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) 2015 informam que a Região Administrativa Recanto das Emas (RA XV) foi criada em 1993 pela Lei nº 510/1993 para aten- der o programa de assentamento do Governo do Distrito Federal.35 Essa região administrativa está localizada a 25,8 km de Brasília e tem uma área territorial de 101,48 Km2. O número estimado de domicílios urbanos é de 41.434 e a média de moradores por domicílio urbano, é de 3,50 pessoas. A população é composta por 51,15% de mulheres. Do total de habitantes, 27,26% situam-se na faixa de 40 a 59 anos; 21,81% na faixa de 25 e 39 anos; 21,12% possuem até 14 anos; 20,62% localizam-se na faixa entre 15 a 24 anos e 9,18% são idosos. Os homens representam 70,44% dos responsáveis pelos domicílios.35 Em relação à origem, 50,75% do contingente populacional é nascido no Distrito Federal, enquanto 49,25% são constituídos por pessoas de outros estados, destes, 67,95% são naturais do Nor- deste. Em relação ao grau de instrução, 2,26% declararam ser analfabetos. A maior parcela da população (38,48%) tem ensino fundamental incompleto; 23,03% possuem o ensino médio com- pleto e 5,52% possuem nível superior completo. Quanto à ocupa- ção, 49,55% dos moradores têm atividade remunerada; 15% são estudantes, 8,57% encontram-se desempregados e 8,45% são considerados do lar. O setor de serviços absorve cerca de 90% dos ocupados. A renda domiciliar média apurada corresponde a 3,49 Salários Mínimos (SM), e a renda per capita é de 1,02 SM.35 33 Na região, praticamente todas as construções são perma- nentes (99,12%); 96,98% dos domicílios são casas e 69,43% são moradias próprias. Quase a totalidade dos domicílios conta com o abastecimento de água e com o fornecimento de energia pela rede geral. Em relação ao esgotamento sanitário, 91,70% dos do- micílios drenam seus esgotos pela rede geral de coleta.35 O projeto A mulher e as dimensões do espaço social alimen- tar: um instrumento para abordagens participativas em EAN foi desenvolvido em dois locais no Recanto das Emas, reunindo dois grupos diferentes de mulheres. O primeiro foi a organização, sem fins lucrativos, denominada Proeza: Pró-Educação e Saúde, criada em 2003, que promove a inclusão social e econômica de mulheres por meio do ensino e treinamento de técnicas de fabri- cação de produtos que possam ser posteriormente comercializa- dos. Já participaram das atividades promovidas pela organização mais de 650 mulheres. As atividades ensinadas (bordado e corte e costura) são apresentadas não apenas como recurso para am- pliação da renda familiar, mas também como instrumentos de autoconhecimento e de recuperação emocional. O segundo local de encontro faz parte do Projeto Saúde e Educação Integral da Universidade de Brasília (UnB), que realiza ações educativas com crianças e adolescentes, de 1 a 16 anos, em escolas da região. O projeto oferece aulas de reforço esco- lar, cidadania, dança, música, educação artística, saúde bucal, alimentação saudável, higiene corporal e conservação do meio ambiente. As mães e avós levam as crianças e contribuem com a organização das atividades da escola. 35 36 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Relatos: quem são elas, quem somos nós e como nos relacionamos Os dois grupos, compostos integralmente por mulheres, fo- ram constituídos por donas de casa, mães, cuidadoras, estudan- tes, professoras e bordadeiras, que aceitaram se reunir uma vez por semana no Recanto das Emas. Ocorreram oito encontros para cada grupo. O primeiro grupo As oficinas do primeiro ciclo aconteceram entre abril e julho de 2014. Esses encontros ocorreram em um espaço destinado ao bordado, à costura e ao diálogo sobre temas do cotidiano. Esta- vam presentes, além das mulheres, suas filhas e/ou netas que participavam de atividades paralelas. Éramos Andrea, Elisabetta, Juliana, e Luiza. A primeira oficina foi precedida por visita ao lo- cal com o intuito de conhecer o ambiente, estabelecer contatos iniciais com os responsáveis pelo espaço e levantar as primeiras impressões e necessidades do grupo. Nessa visita, de sensibili- zação e planejamento para o encontro seguinte, buscamos iniciar a criação de um vínculo entre todas nós. Conversamos informal- mente sobre alimentação, necessidades, características do gru- po e do modo de vida no Recanto. A partir desse contato, foi possível iniciar uma conversa sobre as expectativas com relação às atividades que seriam realizadas nas oficinas. Essas expectativas foram trabalhadas, e temáticas e abordagens condizentes com as características e as necessi- dades locais foram pensadas entre as mulheres e a equipe de educadoras/pesquisadoras. O planejamento das ações ocorria semanalmente, visando trabalhar pedagogicamente o tema ou 37 tópico identificado como prioritário pelas mulheres nas conver- sas. Desta maneira, o grupo experimentou construir estratégias para tratar os assuntos identificados, sempre com curto espaço de tempo para a elaboração e preparação do encontro posterior. O que acontecia em uma oficina era subsídio para o planejamen- to da próxima e, no fim de cada encontro, realizava-se uma ava- liação, quando novas demandas eram detectadas. Um aspecto relevante do processo foi aimprevisibilidade relacionada aos te- mas demandados pelos grupos e, consequentemente, relaciona- da à maneira de se construir o conteúdo e explorá-lo durante a dinâmica dos encontros. Essa forma de trabalhar, que se mostrou natural e oportuna, diferencia-se daquelas fundadas no planejamento antecipado de temas considerados relevantes, à priori, apenas pelos profissio- nais. Essa outra perspectiva, possibilita que a separação tácita do estudioso e do grupo em estudo se dissolva a partir dos primei- ros contatos. Esse processo, proveniente da dinâmica de aproxi- mação entre todos os participantes do projeto, exigiu, por parte das educadoras/pesquisadoras, não somente um conhecimento técnico no campo da alimentação e nutrição, mas também um conhecimento qualificado das teorias sobre as relações intragru- pos. Dentre elas as relações de gênero. Sem essas ferramentas, as intervenções poderiam se tornar simplistas e tangenciar a re- alidade das mulheres cuidadoras da alimentação familiar. O roteiro de cada oficina era elaborado de forma participativa. Nele constava as atividades que seriam desenvolvidas, quem as facilitaria, os materiais necessários e os objetivos e resultados pretendidos. As oficinas tinham como fio condutor a identificação constante das prioridades e interesses do grupo, e a utilização de diferentes técnicas de ensino-aprendizagem, ativas e lúdicas. O intuito permanente era mobilizar não apenas a expressão falada, mas também a escrita, a imagética, a simbólica, e assim, fomen- tar o envolvimento e a participação das mulheres. Também fo- 38 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo ram elaborados, durante as oficinas, esquemas gráficos e mapas para dar uma forma palpável às trocas que ali aconteciam - sobre o cotidiano, as histórias de vida, as preferências, os aprendizados. Os encontros eram abertos, ora com movimentos para rela- xar/despertar o corpo, ora com danças circulares que ocorriam na sala de balé das crianças, ao lado da sala de costura. As ofi- cinas eram encerradas com um lanche coletivo relacionado ao tema trabalhado no dia. Nesse momento, chegavam as crianças que faziam balé na sala ao lado e era uma grande confraterni- zação. As receitas eram previamente preparadas pela equipe e impressas para serem guardadas em um caderno de receitas. Esse caderno foi especialmente decorado com pano de chita e uma flor de crochê no primeiro dia de encontro. Ele possibilitou a criação de uma linha de memória das temáticas trabalhadas e do processo. Durante as oficinas, as mulheres também eram incen- tivadas a trazer suas próprias receitas para trocar com o grupo e registrar sentimentos, pensamentos e aprendizados no caderno. Para a identificação do espaço social alimentar e, consequente- mente, das lógicas ou camadas que o definem, utilizamos a técnica da cartografia afetiva em algumas oficinas, quando elaboramos ma- pas que representavam os pontos de vista e desejos das participan- tes. Rolnik, explicita o objetivo de um mapeamento afetivo:36 [...] O que se quer é mergulhar na geografia dos afetos e, ao mesmo tempo, inventar pontes para fazer a sua travessia: pontes de linguagem (p. 66). 39 Dessa forma, o grupo de educadoras/pesquisadoras buscou perceber algumas das relações invisíveis que aconteciam entre as mulheres e os espaços sociais alimentares que constroem e ocupamf. O que as agradam? Onde compram seus alimentos? Como adquirem? O que é possível adquirir? Por que escolhem certos alimentos? Como preparam os alimentos? Quais as suas preferências e memórias? Como gostariam que fossem? Dentre outros questionamentos. Durante as oficinas, as participantes foram estimuladas a re- fletirem livremente sobre essas perguntas, expressando os seus pontos de vista e posicionamentos sobre o ambiente físico, sobre os seus afetos, saberes e práticas alimentares. Também foi in- centivado que elas expressassem livremente as relações entre o ambiente onde residem e os diferentes atores envolvidos, po- sicionando essas relações nos mapas. Dessa maneira, um dos objetivos dos encontros foi cartografar os afetos, os sentimentos e os desejos, as escolhas e os seus motivos, as práticas e os sa- beres alimentares no ambiente vivido. f A cartografia afetiva procura evidenciar as relações multidimensionais dos indivíduos com determinado espaço geográfico e social. Para o grupo aqui re- tratado, a cartografia é o veículo de reflexão da situação atual e esperada do espaço alimentar. Experiências semelhantes têm sido realizadas para propor- cionar, por exemplo, a ressignificação do espaço social por diferentes grupos, como o relatado na oficina “Como eu vejo: mapeamento afetivo da escola Canu- to de Val” elaborado por Oliveira, B.; Alves S,B.C.; Nascimento, H. Relatório da Oficina de mapeamento afetivo da EMEF Canuto do Val. Cidade Escola Aprendiz. 2012. Disponível em: http://cartografaveis.files.wordpress.com/2012/10/ofici- na_como-eu-vejo.pdf. 42 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo A seguir, são apresentados alguns temas desenvolvidos pelas educadoras e as educandas durante as oficinas: Locais de compra de alimentos (a depender do grupo, também foi proposta a reflexão sobre os locais e os programas de distribuição de alimentos e refeições); Produção de alimentos no Recanto das Emas: quem produz, o que produz, canais de acesso à alimentos locais; Alimentos comprados, alimentos difíceis de serem encontrados, “alimentos que eu gostaria de comprar mas não posso”; Preço de alimentos e orçamento familiar; “O que é isso? Alimentos que eu conheço, gosto/não gosto, alimentos que minha família gosta/não gosta”; “Como preparo as refeições; as minhas receitas; o que eu acho sobre cozinhar”; Dinâmica familiar: “quem me ajuda, como as responsabilidades são ou não são compartilhadas”; “A alimentação e o meu corpo, a minha saúde”; “Minhas memórias: como era a alimentação na casa de minha família”; “Como você prepara os alimentos? Me ensina as suas receitas e técnicas e eu te ensino as minhas”; Alimentação e celebrações: comidas especiais em casa e fora de casa; “O que eu gostaria de mudar?”: sugestões sobre a produção, a comercialização e o acesso aos alimentos e refeições no Recanto das Emas; “Eu me comprometo a...”: ações pactuadas para interferir no espaço social domiciliar e do Recanto das Emas; Alimentação em outras culturas e países. 43 O segundo grupo Posteriormente, o processo foi desenvolvido com um segun- do grupo de mulheres que frequentava um espaço comunitário pertencente à Igreja Presbiteriana e ao Projeto Saúde e Educação Integral, da Universidade de Brasília (UnB). Este segundo ciclo de oficinas ocorreu em 2015, durante os meses de março a maio. Éramos Andrea, Elisabetta, Gabriela, Juliana e Luiza e, em alguns momentos, também contamos com o apoio de Giovanna e Marí- lia. Seguimos a dinâmica do ciclo anterior, na qual elaborávamos um roteiro de trabalho a cada encontro, diante das demandas e das necessidades identificadas nas conversas com o grupo. Da mesma forma, os lanches realizados no fim de cada en- contro tinham receitas que eram previamente preparadas por nós, educadoras/pesquisadoras, e impressas para serem guar- dadas no caderno de receitas – que também havia sido preparado no primeiro dia. Conforme fortalecíamos nossos vínculos, já não mais conversávamos apenas sobre as nossas preparações, pois as mulheres do grupo também compartilhavam suas receitas preferidas e preparavam suas especialidades para todas expe- rimentarem. Algumas receitas surpreenderam: “abacate salga- do?”, muitas nos perguntaram. Depois do estranhamento inicial, até as crianças, que chegavam para a hora do lanche, gostaram e houve promessasde repetirem a preparação em casa. O último dia foi especial: todas trouxeram um prato para a comemoração - bolo de milho, tapioca com coco ralado, café, suco de uva e de laranja, torta salgada de verdura e outros quitutes. Ao indagarmos sobre os ingredientes utilizados na cozinha de cada residência, estávamos em busca da forma de preparo das refeições no cotidiano da casa. Com isso, alguns temas surgiam. Identificamos, por exemplo, que havia um consumo exacerbado de óleo vegetal na maior parte das residências. Então, estabele- 44 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo cemos metas conjuntas para alcançar uma redução. O desafio foi motivador e, a cada encontro, voltávamos ao tema anteriormente identificado, abordando dificuldades, desafios, vitórias, reflexões, que expressavam envolvimento e interesses crescentes. Outro aspecto importante foi revelado no decorrer dos encon- tros: as oficinas também eram momentos de relaxamento e de dedicação pessoal. Assim, as extensas e exaustivas jornadas de mães, esposas e donas de casa eram deixadas de lado por um momento e, ali, ao redor da mesa de conversa, essas mulheres tinham a atenção voltada totalmente para elas. Nesse contexto, foram compartilhadas sensações de cansaço e revelados alguns desejos/vontades que foram deixadas de lado para que pudes- sem garantir a plenitude de suas famílias; trabalho de cuidado muitas vezes não reconhecido pela naturalização do papel da mulher como cuidadora. Também foi evidenciada ao longo das oficinas a importância de dar abertura para a fala, da escuta sensível e do respeito mútuo. Tais procedimentos permitiram que os temas de reflexão e debate sobre alimentação fluíssem delas, o que gerou uma forte motivação para a participação. Ressalta-se que essa forma de trabalhar requereu domínios de conteúdo e formas de condução específicas e qualifi- cadas por parte da equipe. Os frutos colhidos ao final do trabalho comprovam a força da proposta educativa dialógica e confirmam sua natureza política e de transformação social.31, 37-39 45 Abordagem metodológica O grupo de educadoras/pesquisadoras optou por trabalhar com a pesquisa-ação, um dos tipos de pesquisa da abordagem qualitativa que articula o pesquisador, o campo de pesquisa e, consequentemente o pesquisado. Esse modelo é baseado em uma relação dialética entre pesquisa e ação, que, na vida social, tem caráter de conscientização e, portanto, de transformação da realidade. Nele, os sujeitos, ao pesquisarem sua própria prática, produzem novos conhecimentos e, ao fazê-lo, apropriam-se e os ressignificam, produzindo novos compromissos, de cunho crítico, com a realidade em que atuam.43-45 Durante as oficinas, foram utilizadas as seguintes técnicas meto- dológicas de natureza qualitativa: história de vida, entrevista e grupo focal. A escolha dessas técnicas, justifica-se pela importância atri- buída aos aspectos subjetivos e identitários presentes nos saberes e nas práticas alimentares e pela forma como estes aspectos estão relacionados com os contextos socioculturais específicos.40-41 Essas diferentes técnicas revestiram-se de um duplo papel. Ao mesmo tempo que geraram informações que permitiram a aproximação em relação aos saberes, práticas e valores das mu- lheres, foram também oportunidades de resgate e de reflexão sobre a realidade e os valores das educadoras/pesquisadoras. Reflexões estas, capazes de orientar e de impulsionar a definição de novos caminhos e práticas. A história de vida é considerada uma das técnicas que trabalha com o relato de vida, ou seja, com a história contada por quem a vivenciou.40-41 Ao utilizarmos essa técnica no decorrer das oficinas, desejávamos compreender as ideias, as percepções e as ações con- forme elas eram autorrelatadas e autointerpretadas pelas mulheres individualmente. Por meio dos depoimentos, pôde-se caracterizar a prática social do grupo. Nesse sentido, as histórias de vida, por mais 46 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo particulares que sejam, constituem também relatos de práticas so- ciais, narrativas sobre as formas como cada pessoa se insere e atua no mundo e no grupo do qual faz parte. Assim, a narrativa de vida teve, no decorrer do trabalho, uma função descritiva e analítica, pois, quando ouvíamos as mulheres, tínhamos a oportunidade de conhecer e refletir sobre determinado assunto.42 Com essa abordagem, o grupo pôde se observar e se modificar mutuamente, em uma relação dinâmica. Ao longo dos encontros, sessões de grupo focal eram re- alizadas. Essa é uma técnica de entrevista direcionada a um grupo organizado a partir de determinadas características identitárias, visando a obtenção de informações qualitativas orientadas por um determinado quadro teórico de referên- cia. A intenção das educadoras/pesquisadoras era apresentar tópicos/perguntas que possibilitassem que as mulheres ex- pressassem as suas opiniões, sentimentos, saberes e ideias e compartilhassem suas realidades e as relações envolvidas en- tre elas, seus familiares e seus espaços sociais alimentares. Para complementar as atividades, durante os encontros, eram realizadas dinâmicas diversas que fomentavam o envol- vimento e a participação de todas, dentre as quais destaca- -se a criação de mapas afetivos desenhados e descritos pelas próprias mulheres. Essa prática pôde trazer à tona questões teóricas e práticas, objetivas e subjetivas, que diziam respeito ao reconhecimento da identidade, da diferença e dos valores localmente atribuídos, gerados pela unidade familiar e pela comunidade, e as suas possíveis repercussões nas condições locais para a promoção da alimentação saudável. Ao final das oficinas foi realizada uma análise da percepção das educandas e das educadoras/pesquisadoras sobre a ação educativa por meio de entrevistas individuais semiestrutura- 47 das. Isso possibilitou uma avaliação também participativa dos resultados e caminhos percorridos ao longo do processo. Foi possível perceber que as atividades permitiram que as mulheres analisassem suas questões e definissem algumas possibilidades de ação que ultrapassaram as fronteiras estri- tas da nutrição, explorando outras dimensões e perspectivas da vida relacionadas ao reconhecimento da identidade e dos valores localmente atribuídos, gerados pela unidade familiar e pela comunidade, e as suas possíveis repercussões nas condi- ções locais para a promoção da alimentação saudável. Dessa forma, as relações com a comida, saúde, família e ambiente puderam ser ressignificadas, propiciando a ação e o protago- nismo. 50 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Depoimentos das mulheres educandas e educadoras/pesquisadoras sobre a açãog Para as educandas, os encontros foram vistos como um mo- mento para retirar o peso da rotina, relaxar, se distrair, se di- vertir, conhecer pessoas, fazer amizades, trocar aprendizados e despertar a consciência: GEANI: “Foi bom porque é um momento de distração. Ali teve tudo, teve o momento da comida, teve o momento da con- versa, teve o interesse de perguntar se a gente queria comer uma alimentação mais adequada [...] foi ótimo, foi bom.” DIANA: “Foi muito bom. Eu gostei muito. Eu nunca tinha participado de nada assim parecido. [...] Foi muito gratificante a gente aprender, a gente se confraternizar, conhecer pesso- as novas, se reunir, foi muito bom!” MARIANA: “Foi muito bom, muito interessante. Pra gente é um divertimento, né, uma coisa que... quando eu não venho, eu sinto falta. Parece que fica faltando alguma coisa. [...] A gente tira aquele peso do dia a dia, né, fica mais tranquila, relaxa mais, esquece um pouco da correria.” LÚCIA: “É muito difícilvir coisas para cá. Quase não apa- rece pessoas para fazer oficinas. E é legal porque melhora a imagem do lugar, das pessoas, as pessoas têm mais consci- ência. [...] As pessoas deveriam ter mais consciência de tudo que está acontecendo ao seu redor. [...] Eu acho que quando você tem um curso desse, abre a sua mente.” Para elas, a forma como os conteúdos foram conduzidos e o fato das educadoras/pesquisadoras se interessarem em fazer o melhor, de abordar a prática e demonstrar carinho e atenção fo- ram aspectos marcantes e muito apreciados. g Os nomes das mulheres foram alterados para preservação das identidades 51 ZAIRA: “As pessoas que fizeram as oficinas são pessoas legais. Nossa! Se pudesse conviver mais. [...] A mensagem que queria deixar é que vocês continuem fazendo o que fazem. Consegue passar muito bem, o jeito como vocês passam, que vocês ensinam para as pessoas... Porque, além de ensinar, vocês trazem e mostram...” GEANI: “O que eu achei legal foi o trabalho de vocês, se disponibilizar para fazer esse trabalho, pensando em ajudar as pessoas. Porque, hoje em dia, geralmente as pessoas só quer viver da ganância e passa por cima de qualquer pessoa. Não pensa nas outras pessoas.” RENATA: “Eu achei as pessoas muito legais, muito com pa- ciência, uma paciência que só Deus mesmo para dar; uma sa- bedoria, uma educação... [...] Aquele carinho de trabalhar com a gente, eu gostei demais. E eu achei muito bonito ali vocês, tipo unindo as pessoas, unindo, além de trabalhar, conver- sando, sabendo da nossa vida mais um pouco, gostei demais, nossa... [...] E vocês trazem uma felicidade, parece que estão tão, assim, felizes, cheias de amor. E o que eu achei, assim, incrível é a paz que vocês trazem pra gente, como que a vida não seja esse mundo que nós vivemos, um mundo de terror, que nós temos com tanta tribulação, aí vocês vêm com aquela paz, passa uma paz pra gente. [...] Você percebe uma dedica- ção além da alimentação, eu achei o mais bonito foi isso, foi mesmo o carinho e a maneira que vocês trataram a gente.” As atividades (disponíveis no apêndice) e os materiais utilizados nas oficinas também foram muito bem avaliados. Pode-se verificar que as preferências por um momento ou outro estiveram muito re- lacionadas com a utilização prática dos aprendizados no cotidiano. Então, as que costumam usar grande quantidade de produtos ultra- processados, por exemplo, tiveram maior afinidade pela oficina que mostrava a composição desses produtos; já as que tinham dificulda- des em criar novas possibilidades na cozinha, gostaram das ativida- des em que foram trabalhadas novas preparações e novos métodos de preparo. Isso reforça a importância de se identificar demandas e necessidades e de conhecer o grupo e suas prioridades para o 52 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo planejamento das ações, assim como, demonstra a relevância de processos ativos e participativos, que integram o conhecimento e a aplicação, e envolvem a comunidade. BÁRBARA- “As atividades? Maravilhosas! Principalmente a dança, as brincadeiras, as conversas, as coisas que vocês fala- ram para a gente. [...] Aquela turma de mulheres, tudo ali, e ai a gente esquece tudo, né, fica ali brincando, conversando, rindo....” ELOÁ: “O que mais me interessou foi aquele dia que vocês levaram o hambúrguer, o miojo®, a quantidade dos óleos, do sal que tinha [...] Porque muitas vezes, a gente pega e faz um miojo® para uma criança na hora do almoço e na janta, achando que faz bem. Mas, não faz porque tinha muito óleo, conservante...” RENATA: “A atividade que eu gostei mais foi daquele mapa. Deu para mostrar um pouco da nossa vida. [...] Como eu falei, a panificadora aqui, que tem qualidade mesmo, oh a distância, muito longe.” OLGA: “Eu gostei do tempero, feito na penúltima aula. Amei! Para colocar num bifezinho... hummm... O sal de ervas é uma delícia, todo mundo gostou.” CAMILA: “A gente até se divertiu, e ainda mais naquela parte da viagem... Nossa! Adorei aquilo ali... Imaginar como seria ficar sozinha em casa por uma semana sem ninguém, sem filhos, sem marido, só você, né. Essa foi a parte que eu gostei muito. Espero que se realize um dia... Ver como vai ser aquela coisa de você ficar só por uma semana, pensar mais em você, cuidar mais de você, né.” GRAZIELA: “Eu gostei mais das frutas secas, você acredi- ta? Eu achei mais legal. [...] Eu ainda não experimentei aqui, só lá mesmo, nunca vi pra vender. Essas coisas vende mais é em feira e aqui quase não tem esse tipo de coisa.” LÚCIA: “Aquela atividade do último encontro também foi legal, foi ótimo. Porque a gente pensa nas nossas vontades. A gente chega a voar pensando nos sonhos.” 55 Também pôde-se perceber pelos relatos das mulheres que os aprendizados proporcionados pelas oficinas iam desde como preparar comidas diferentes e mais saborosas, higienizar e con- servar melhor os alimentos e se alimentar de forma mais saudá- vel à buscar a realização de sonhos, ter amizades, conviver e lidar melhor com as pessoas, ter mais amor e dedicação ao próximo. GEANI: “Eu sentia que aprendia algo mais. Não é porque a gente já está numa certa idade que nunca vai aprender. A vida, até no dia da sua morte, é um aprendizado. [...] A gente apren- de a lidar melhor com as pessoas, vê a educação que a pessoa tem, a facilidade que aprende a tratar a gente bem, é um mon- te de coisas.... É um conjunto de aprendizado. Sobre educa- ção, sobre a vida, sobre higiene, sobre comida, sobre bebida, sobre a relação de uma pessoa com a outra, tudo isso.” CAMILA: “Aprendi o jeito da gente poder fazer as verduras/ legumes pras crianças que não gostam de comer, porque elas ficam catando tudinho do prato. Deu pra gente entender bas- tante como lidar com a situação.” LÚCIA: “Abriu o olhar tanto para mim, como para as outras pessoas. A MARIANA que bota um litro de óleo em uma sema- na, gasta quatro litros de óleo em um mês, ela disse que teve mais um pouco de consciência. A GRAZIELA disse que apren- deu mais a fazer comida mais natural para os filhos dela. Foi uma coisa muito boa.” RENATA: “Eu aprendi a ter mais amor com as pessoas, ter mais dedicação com as pessoas. A gente tem que ser mais unido, mesmo sendo diferente, mas tem que ter união. ” 56 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo A respeito das transformações estimuladas pelas oficinas, as mulheres destacaram que realizaram mudanças no processo de preparação da comida, para que ela ficasse mais saudável, va- riada, e, ainda assim, saborosa; que melhoraram a higienização; aumentaram o consumo de frutas, hortaliças, alimentos frescos e naturais; que diminuíram o consumo de alimentos ultraproces- sados e o uso de óleo, sal e açúcar; que diminuíram a frequência dos lanches feitos fora de casa, e, algumas, passaram a cultivar hortas caseiras. DIANA: “Aqui em casa eu tô sempre controlando, ‘ah, isso fica muito tempo na prateleira do mercado, não é saudável’. Eu sempre busco tomar mais sucos naturais, comer mais as coisas naturais... no lanche das meninas, eu coloco mais suco, evito salgadinho, evito essas coisas que fazem mal.” TÂNIA: “Antigamente, eu não ligava muito para verdura não. Se tinha verdura eu comia, se não... agora eu já sei, eu aprendi a fazer verdurinha gostosa, agora eu já gosto.” ZAIRA: “A coisa que eu mais faço hoje em dia, que eu co- loco em prática é o chá. Eu tenho até umas plantinhas ali em cima, eu lavo as folhas, coloco numa garrafa. Aí eu coloco a água [...] fica uma delícia. Eu só faço chá agora, só assim.” CAMILA: “No caso do Toddy®, a gente costumava por um copo de leite e três colheres de Toddy®. Ficava doce, melado. Agora, eu coloco uma colher e já tá bom.” MARIANA: “Aprendia maneirar mais no açúcar... estou tomando até suco sem açúcar. O meu filho ali não gosta, eu falei, ‘não, vai tomar sem açúcar, que sem açúcar faz bem pra saúde’. [...]. Eu gastava dez quilos de açúcar em um mês. Esse mês eu usei só um.” LÚCIA: “Antes eu passava uma vez no mercado, agora eu passo duas, três vezes para ver se tem fruta fresca, verdura, essas coisas, entendeu?” 57 ELOÁ: Eu chegava a usar até quatro latas de óleo por mês. Agora eu cheguei a usar uma e meia. Aprendi a diminuir pra saúde da gente. E a comida continua gostosa.” ELOÁ: Mudou a alimentação da casa, porque pra gente se alimentar bem, os filhos também, a gente tem que se alimen- tar também, né. Porque não adianta a gente querer que o filho faz uma coisa se a gente mesmo não faz, não gosta. [...] A gente aprendeu que um alimento saudável é bom para a família. Então, os lanches ficaram para de vez em quando ou, então, quando a gente vai, a gente toma um açaí, uma coisinha mais leve.” Nos últimos encontros, cada mulher foi convidada a refletir sobre aspectos da vida que mereciam maior atenção e cuidado, sobre vontades e sonhos e, por fim, foi sugerido que elas regis- trassem alguns compromissos pessoais e familiares que gosta- riam de assumir. Pôde-se verificar que esses compromissos es- tavam relacionados tanto ao cuidado com a alimentação e saúde física, quando à saúde mental, espiritual e sentimentos em re- lação ao próximo e ao meio ambiente, demonstrando a intenção de continuar refletindo, transformando a sua realidade e a das pessoas ao redor. BÁRBARA- “Os meus compromissos era agradecer mais a Deus, orar. Pedir a Deus para dar mais forças para a gente, e eu poder ter mais tempo para mim... que eu comecei a ter, que já fiz uma viagem... descansei muito. [...] Bordar mais [...] As caminhadas até agora não fiz... Ah!! Mas vou começar na semana que vem, vou começar na hidroginástica!” DIANA: “O meu compromisso era falar pros meus filhos que eu os amava, era fazer ginástica, uma caminhada, [...] e introduzir mais saladas nas minhas refeições... Eu tenho cumprido direitinho. Só a caminhada que não... Eu sei que é bom para o corpo e para a mente, mas eu ainda não consegui me adaptar... Falta organizar a rotina.” 58 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo OLGA: Uma coisa que precisa mudar é [...] a gente não tem aquele negócio de sentar juntos para as refeições, é todo mundo separado, um come na escada, outro come lá no com- putador, outro no sofá olhando a televisão, às vezes a comida acabou: ‘uai, cadê a comida?’ É porque estava olhando para a televisão. [...]. Eu ainda não tenho a cozinha, não tenho mais a mesa, mas quando tiver eu vou praticar... todo mundo vai sentar na mesa junto. A hora da refeição é hora de comer.” RENATA: “Aqui tem supermercado, mas são tudo caro, você entra aí só dá para comprar as coisas que faltam. Tá faltando, as- sim, um mercado mesmo, um verdurão, uma qualidade melhor. [...] Porque aí a dona de casa, ‘ah, amanhã eu compro; ah, depois eu compro’, aí passa cinco, dez dias comendo errado. Não é nem o di- nheiro, o dinheiro tem, está faltando é onde comprar, porque, pra ir caminhando com as crianças é longe.” As oficinas e o processo educativo também foram muito bem avaliados por nós, grupo de educadoras/pesquisadoras, uma vez que permitiram que constatássemos o quão importante e pode- roso é investir em um processo aberto, problematizador e ali- mentado pela realidade e não por pressupostos. O encontro com as mulheres do Recanto permitiu a troca de conhecimentos, de experiências e de ideias que transformaram a vida de todas. “... Foi um momento muito importante de partilha, de troca de experiência, de conhecimento, uma abertura para o femi- nino, em uma abordagem inovadora que experimentou novas formas de lidar com a realidade, lidar com essas mulheres, que eram sujeitos de pesquisa, mas que eram muito mais do que isso também. Eram uma parte de todas nós. Os encontros eram permeados por diferentes sensações. Às vezes, quando terminávamos o dia nos sentíamos aliviadas, porque o processo era bem intenso. Já em outras ocasiões, as oficinas eram tão reveladoras, impactantes e emocionantes que geravam grandes reflexões e saíamos maravilhadas, animadas ou inquietas com as questões que emergiam. 59 “É como se abrisse um portal, uma perspectiva diferente pra mim, e você sabia que tinha alguma coisa ali pra ser olha- da com cuidado. E você via aquelas pessoas e a forma como elas se relacionam com o mundo, com a vida, e me faziam às vezes refletir, ‘porque é assim’, ‘porque que tem que ser assim’, ‘o que pode ser diferente?’” “De alguma forma, quando você faz pesquisa com pessoas, você tem uma troca, sempre vale a pena. [...] É sempre uma coisa nova e parece que eu sou outra pessoa a cada encontro, que eu tenho outros interesses, que eu tenho um olhar diferente [...] Isso eu vou lembrar a cada pesquisa que eu começar.” A imprevisibilidade inerente ao processo aberto e participativo gerou muitas inquietações. Por vezes, não era possível saber o que o grupo demandaria no dia, aonde o projeto chegaria ou os resultados que seriam atingidos. Durante todo o tempo, nos lem- brávamos mutuamente que era necessário ouvir, ser sensível às demandas e confiar no processo. “Teve um momento que eu olhava e falava, a gente não está chegando a lugar nenhum, que projeto é esse? Para que serve isso que a gente está fazendo? [...] Teoricamente, tá! É maravilhoso. Mas, na hora que você está vivendo, gera uma série de inseguranças. Você não sabe aonde vai chegar. [...] Então, era sempre um momento da gente olhar para trás e pensar para frente e respeitar a decisão original do projeto, que era: ‘não tem pacote, a gente vai fazer o que se apresentar para ser feito, e isso vai chegar em algum lugar e vai ser bom’. E ainda bem que isso se confirmou.” “Você tem que vivenciar o processo de escuta, de sensibili- dade, do imprevisível, que isso para mim gera muita ansiedade. Como eu venho da clínica, você sentar e aguardar o que o outro vai te demandar.... Isso parece inconcebível para gente que fica planejando demais. Então, essa experiência para mim foi boa para mostrar que dá para se fazer isso, e ouvir a contrapartida. Então, isso, para mim, foi um ganho impressionante.” 60 Mulheres do Recanto Antes de saber o que eu como, deixa eu contar como eu vivo Avaliamos que um ponto fundamental em termos de equipe foi a atuação multiprofissional e interdisciplinar, uma vez que, nosso grupo era composto por nutricionistas de áreas distintas, uma doutora em política social e uma estudante de ciências sociais. As ciências humanas trouxeram outro olhar para o projeto, que tem muito a contribuir com o fazer EAN. Nesse contexto, também ressaltamos a importância da valorização do conhecimento da comunidade e os saberes de diferentes naturezas, e, enquanto educadores/pesquisadores, estarmos mais inseridas no campo e na comunidade, associando pesquisa, ensino e extensão. Em relação às atividades desenvolvidas, apresentamos algu- mas impressões. Optamos por descrevê-las a seguir para que, a partir desses relatos, os interessados e envolvidos com ações de EAN possam refletir e vislumbrar possibilidades. Por exem- plo, destacamos o dia em que foram levadas as amostras com a quantidade de açúcar, gordura e sal em produtos ultraprocessa- dos. Essa estratégia foi uma forma prática e acessível de tratar o tema, que instigou as mulheres a se interessassem pelo assunto e ficarem motivadas a mudarem algumas rotinas de casa. “Deu para perceber várias coisas de um jeito muito prático e acessível para qualquer pessoa, e coisas que, às vezes, a gente não repara. Porque a gente sabe, a gente lida, a gente mexe com alimentos, mas
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