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A Regra Fundamental da Escrita em Psicanálise

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� PAGE \* MERGEFORMAT �1�
ESCRITA LIVRE E FLUTUANTE: 
A REGRA FUNDAMENTAL DO ESCREVER EM PSICANÁLISE�
ESCRITA LIBRE Y FLOTANTE: 
UNA REGLA FUNDAMENTAL DE LA ESCRITURA EN PSICOANÁLISIS
FREE AND SUSPENDED WRITTEN: 
A FUNDAMENTAL RULE OF WRITING IN PSYCHOANALYSIS
Ana Cláudia Santos Meira�
Resumo
Este artigo propõe uma reflexão acerca das dificuldades observadas na escrita de trabalhos científicos na formação analítica, mais precisamente no início do processo de construção do texto. Busca oferecer, como ferramenta para dar conta de algumas destas dificuldades, as mesmas regras fundamentais que Freud propôs como guia na análise de um paciente: a associação livre e a atenção flutuante, exercidas agora em uma escrita livre e flutuante.
Palavras-chave: Escrita psicanalítica, formação analítica, trabalhos científicos, regra fundamental.
Sobre Escrever em Psicanálise
A escrita tem acompanhado a psicanálise desde seu nascimento. Foi através do registro escrito que Freud sistematizou a teoria que até hoje embasa a Formação psicanalítica, e foi através da publicação dos textos que ele assegurou a transmissão de suas idéias para além de seu tempo. 
Aquele que foi agraciado, em 1930, com o Prêmio Goethe de Literatura não se utilizou da escrita somente como forma de inscrição, senão que fez nesta atividade um intenso investimento amoroso; foi-lhe instrumento de exame, elaboração, autoanálise, comunicação, posicionamento, intercâmbio e reconhecimento. Freud escreveu incansavelmente e deixou um legado de vulto para quem, hoje, busca constituir-se como analista. Logo, as sociedades psicanalíticas – que se fundamentam em pilares que, já naquela época, ele indicava – não poderiam relegar a segundo plano a atividade que lhe foi tão cara. A escrita, mais especificamente a escrita de trabalhos científicos, afortunadamente, segue compondo – ao lado dos seminários, da supervisão e do tratamento – a estrutura da Formação.
Todavia, parece que nem o fascínio de Freud pela escrita, nem o reconhecimento do indiscutível valor deste ofício para a psicanálise têm o efeito de atrair aqueles que – ainda que absolutamente envolvidos e investindo no trabalho analítico – têm de escrever sobre sua clínica ou sobre os pressupostos que lhe são alicerce teórico. Longe disto, com alguma freqüência, observamos a escritura de trabalhos ser sentida pelos analistas como pesado fardo, percebida como árdua tarefa ou vista como desnecessária. Cabe, então, indagarmos: Por que tamanho distanciamento entre os sentimentos que revestem a clínica e a escrita em psicanálise? Por que é difícil escrever sobre aquilo que é seu fazer diário?
Sobre Conflitos, Angústias e Sintomas
Tão complexo e extenso como o trabalho empenhado no exercício de escrever, é a possibilidade de investigação desta temática, desde seus diferentes vértices. Por isso, neste artigo, este exame será circunscrito à fase inicial da estruturação de um texto. O estudo mais minucioso de outros elementos igualmente incluídos na produção científica estará sob o foco de nossa atenção em outra ocasião.
Escrever um trabalho não é – nem de longe – tarefa fácil. Requer tempo, concentração, esforço, renúncia, empenho, mas, acima de tudo, demanda um enfrentamento com inúmeras condições que não são da ordem do concreto ou do conhecimento objetivo. A escrita – particularmente a escrita em psicanálise – exige muito mais, pois movimenta aspectos emocionais. Além de todo o manejo com os princípios teóricos, com o saber e os conceitos já documentados pelos autores e que dividirão espaço com nossas próprias percepções, imagens, relatos, impressões e conclusões, o empreendimento da escrita requer movimentação de energia psíquica entre as três instâncias – id, ego e superego. Quem sabe seja justamente por isso que tem sido amiúde acompanhada de uma carga de sofrimento que – talvez descubramos – não precisava estar ali.
Elaborar um trabalho é processo demorado. Leva-se no mínimo algumas semanas em suas diversas etapas, desde a escolha do assunto a ser explorado, do caso clínico a ser apresentado, dos autores a serem citados, a leitura de textos, livros, artigos, a seleção de suas idéias, a escrita, a re-escrita, até as várias revisões e, finalmente, a entrega. Assim, não são poucos os momentos em que esta tarefa pode levar à angústia aquele que lhe pôs em marcha.
Por vezes, o analista, pode angustiar-lhe optar por um tema e eleger, dentro dele, um foco específico; aflige-o pensar todo o trabalho que tem pela frente, reservar um tempo – em meio a tantas outras prioridades – para a produção; pode custar-lhe começar a escrever, selecionar o referencial teórico, dar um ordenamento mínimo ao material. Toma-lhe a sensação de insuficiência e de incapacidade; falta-lhe domínio do conteúdo, das letras, da teoria, do caso; invade-lhe a insegurança sobre como escrever, como o texto será recebido... Ou seja, são incontáveis os impasses que a escrita impõe e que são provocadoras de um desconforto emocional que se tende a evitar.
O início de uma atividade desconhecida, frente ao inusitado de cada trabalho, já desperta expectativas, incertezas, temores, fantasias e apreensão; o início de um texto não é diferente. Às vezes, sentado diante de uma folha vazia – a primeira página do que virá a ser sua versão final – as palavras não vêm, o silêncio se impõe, o analista se cala e falta-lhe o que dizer. Seu mundo interno, porém, está repleto de sentimentos, impressões, registros, lembranças, idéias; está povoado de conteúdos, daquilo que foi vivido em sua clínica e que está guardado, esquecido, reprimido em seu psiquismo. Todavia, não sai nada; nada vai para o papel.
A folha em branco está aberta a todas as possibilidades, e isso tanto estimula quanto angustia e imobiliza. A constatação de não ter nada, o enfrentamento com o vazio e a sensação de impossibilidade de preenchê-lo adequadamente e com propriedade obstruem os próprios recursos que o analista poderia empregar na produção e acabam por fazê-lo estacionar ali.
Pela intensidade de sentimentos que cercam o escrever, o analista pode acabar por ignorar a capacidade analítica que já adquiriu, de tolerar estes estados, e vê ser edificada em si uma série de reações. Assim, não surpreende quando, por demanda da Formação, um trabalho escrito é solicitado ou exigido, e nos deparamos com resistências equivalentes às que são levantadas no analisando. Como ele, o analista pode por instantes bloquear, paralisar, estancar, frente à desestabilização de estar diante do nada, só de uma folha...
Bem, as expensas de seus esforços, o trabalho deve ser feito; então, o analista prossegue. Tão pronto logra os primeiros parágrafos, outro grau de censura se apresenta e se faz ver na dificuldade de continuar a escrever, de organizar o texto, de dar um ordenamento, de buscar autores, de relatar o caso. Na composição de um trabalho, várias páginas já estão escritas, mas estão ainda espalhadas, os pedaços estão separados, há trechos que parecem não se encaixar de forma alguma, diversas citações de autores destacadas de livros e revistas... ou seja, sobra material; entretanto, falta o texto.
A censura vem para lembrar o tempo todo que o processo de escrita erige novas resistências em cada etapa desta tessitura, a cada novo conflito mobilizado. Também aí pode o analista paralisar, diante do caos que se apresenta à sua frente, e que muitas vezes reflete seu estado interno com relação ao material já produzido. Se fica tomado pela angústia gerada por tal estado, ele pode se defender ou produzir linhas de fuga: adia a tarefa, vê-se impedido de eleger um assunto, protesta, esquiva-se do texto, escreve outras coisas, nega a data de entrega, e o tempo disponível para escrever parece simplesmente inexistir. E ainda assim ele sofre! Segue, a duras penas, preenchendo folhas de modo mecânico e sofrido, resultando em um processo e em um texto carregados de qualidades negativas. 
Agora, coloquemo-nos a pensar: ele não está – com o paciente,na clínica – na mesma posição frente ao vazio, na espera receptiva daquilo que virá? Exatamente no mesmo lugar de não saber e de desordenamento? Ao referir-se à fala do analisando na sessão, Freud (1912/1981, p. 1655) já descrevia:
Aqueles elementos do material que já puderam ser sintetizados em uma unidade se fazem conscientemente disponíveis ao médico; o restante, ainda incoerente e caoticamente desordenado, parece a princípio haver sucumbido ao esquecimento, mas emerge prontamente na memória enquanto o analisando produz algo novo, suscetível de ser incluído na síntese realizada e continuá-la.
Se, por um artifício da imaginação, visualizarmos este analista perante seu paciente no consultório e diante do papel na escrita, poderemos identificar importantes semelhanças entre uma e outra atividade. Na escrita de um trabalho, aquilo que vivemos na clínica deve ser transposto para outro registro, o do papel. O que até então era da ordem da vivência – sensação, afeto, impressões, fantasias – vira letra, palavra, frase, texto. Vai tomando forma e tessitura, na medida em que evolui.
O analista esquece que, com muito mais habilidade e facilidade do que tolera os meandros da escrita, ele sustenta o caos do paciente, sua história desconectada, seu relato aparentemente sem sentido, a ausência de compreensão, porque acredita que o sentido está todo ali, para ser desvelado ou para ser construído.
Então, qual a saída? Indo além no cotejo entre as atividades de analisar e de escrever – se concordarmos a respeito desta parecença – podemos encontrar na própria psicanálise algumas estratégias para que o processo de escrita transcorra de forma mais leve. Proponho pensar sobre como cada um investe seu escrito e sua relação com ele. Vamos em busca de descobrir o que está obstruído e, tal como na análise, descortinar o motivo das resistências, dos conflitos e sintomas, o que será o primeiro passo na direção de, compreendendo como sente a exigência de um trabalho escrito, reformular e olhar com outros olhos para o texto já desobrigado do que ele carregava de projeções. 
Por isso, para uma reflexão sobre a escrita de trabalhos em psicanálise, nada mais natural do que buscar em Freud o ponto de apoio, mais precisamente nas recomendações técnicas que ele foi formulando em seus trabalhos. Muitos outros autores ocuparam-se deste tema, mas aqui faço a opção de buscar algumas respostas naquele que tanto ensinou sobre ocupar o divã e a escrita para, a partir de uma releitura, direcionar o foco de luz neste outro objeto: a escrita do analista.
Associação Livre e Atenção Flutuante na Clínica e na Escrita
Convidamo-lo agora a abandonar-se à associação livre – isto é, a manifestar tudo aquilo que lhe acuda a seu pensamento, abstendo-se de toda repressão final consciente. Agora bem: o paciente tem que se obrigar a comunicar realmente tudo o que sua autopercepção lhe ofereça, sem ceder às objeções críticas que tendem a rechaçar algumas de suas ocorrências por carecerem de importância, de conexão com o tema tratado ou de todo sentido (FREUD, 1925/1981, p. 2780). 
É com esta orientação que Freud convida àquele que ingressa na análise a entregar-se ao processo que o levará à geração de material a ser escutado, explorado, analisado e elaborado. 
No tratamento, o paciente é, de certa maneira, chamado a abandonar a crítica sobre as idéias que lhe ocorrem e a acompanhar a seqüência de pensamentos que emergem sem opor-se a eles. Com isso – avalia Freud (1901/1981, p. 723) – “vemo-nos de posse de uma quantidade de material psíquico que logo constatamos estar claramente ligado à idéia patológica que foi nosso ponto de partida” e que guarda ligação com outras novas idéias.
Em conformidade com a regra fundamental da psicanálise, Freud (1912/1981, p. 1657) indica que também “o analista deve colocar-se em posição de utilizar, para a interpretação e para a descoberta do inconsciente oculto, tudo o que o paciente lhe forneça”. Seu próprio inconsciente – como um órgão receptor à totalidade do que vem – pode, então, reconstruir o inconsciente do analisando, a partir de seus derivados e do que lhe é comunicado nas associações livres.
A regra da atenção flutuante para o analista pode ser assim expressa: 
Ele deve evitar toda influência consciente sobre sua capacidade de prestar atenção e abandonar-se por completo a sua memória inconsciente. Ou, em termos puramente técnicos: deve escutar a pessoa sem se preocupar se está se lembrando ou não de suas palavras (FREUD, 1912/1981, p. 1655, grifo do autor).
Pela atenção flutuante uniforme, Freud (1912/1981) sugere que o analista acolha tudo o que escuta, sem tentar guardar nada em especial e sem um esforço excessivo da atenção. Deste modo, evita o perigo de, por uma retenção deliberada, concentrar voluntariamente a atenção com certa intensidade e começar, sem perceber, a selecionar o material que lhe é apresentado, conforme seu interesse, expectativas ou objetivos. A escolha e discriminação de tal ou qual conteúdo, informação, dado ou concepção é exatamente o que Freud (op. cit) alerta que se evite: se nos deixamos conduzir por nossas esperanças ou tendências, corremos o risco de falsificar a percepção sobre os eventos psicológicos e nunca descobrir nada além daquilo que já sabíamos. Se isso não deve ser feito na sessão, por certo, não deve ser feito na escrita.
Se pensarmos na atividade clínica, as regras da associação livre e da atenção flutuante fazem todo o sentido para o analista. É com base nelas que ele trabalha e são elas que constituem uma boa parte da comunicação no encontro analítico. Quando, contudo, o mesmo analista que está convicto do valor da aplicação destas duas condições tem que se dedicar à escrita de um relatório, uma monografia, um teórico-clínico ou um artigo, estas orientações podem não ser percebidas como úteis.
Considerando a confluência das duas atividades – que, ademais, são levadas a cabo pelo mesmo analista – é possível estimar que as regras da análise valem também para a produção científica: uma escrita livre e flutuante. Ao aplicar equivalente orientação às idéias que lhe irrompem enquanto escreve, o analista deixa que surjam e o surpreendam as mais notáveis imagens sobre o trabalho que vai tomando corpo. Logo, é acertado afirmar que ele poderia escrever, em um primeiro tempo, sem pensar, ou dito de outro modo, pensando livremente. Não é a isso que se propõe a clínica? O papel é receptivo a tudo neste início, e será possível, mais adiante, reformular, mexer, ordenar, arrumar, completar. Porém, só se pode fazer este refinamento se o conteúdo estiver disponível, o que equivale a dizer que ele esteja impresso em superfície concreta e não mais na imaterialidade do pensamento. Se o analista puder confiar-se a este convite à produção livre de material que – antes de mais nada – é interno, seu texto vai, pouco a pouco, sendo construído, e o branco da folha vai ganhando conteúdos e contornos.
Os conselhos de Garth Wilkinson, destacados na obra de Freud (1920/1981, p. 2463), parecem ser precursores da associação livre aplicada à escrita: “Elege-se um tema e imediatamente depois de escrever o título, já podemos considerar a primeira ocorrência que acuda a nosso pensamento como o passo inicial no desenvolvimento do tema, ainda que a palavra ou frase de que se trate nos pareça estranha ou alheia a nós”. O poeta e médico, já em 1857, promete: seguindo este método, logramos penetrar “até o coração mesmo das coisas, como que guiados por um instinto infalível” (FREUD, op.cit, p. 2463). Esta técnica traz à superfície, segundo Wilkinson, as mais profundas tendências inconscientes, dando-lhes expressão. Para tanto, porém, a reflexão e a vontade devem ser invariavelmente postas de lado. Todavia, na escrita em psicanálise, esta possibilidade nem sempre é facilmente desfrutada.
Aqui vale destacar a indicação encontrada em um breve ensaio, com o qual Freud teve contato em sua juventude, que abrangia apenas quatro páginas e meia, da autoria de Ludwing Börne,escrito em 1823. Intitula-se “A Arte de Tornar-se um Escritor Original em Três Dias” e termina com as seguintes frases:
Vou expor agora o método prometido. Tome umas quantas folhas de papel e durante três dias a fio anote, sem falsidade ou hipocrisia, tudo o que lhe ocorra. Escreva o que pensa de si mesmo, de sua mulher, da guerra contra os turcos, de Goethe, do processo criminal de Fonk, do Juízo Final, de seus superiores, e, ao cabo de três dias, ficará maravilhado pelas idéias originais e inauditas que acudiram a seu pensamento. Esta é a arte de tornar-se um escritor original em três dias (FREUD, 1920/1981, p. 2464).
Se puder escutar a mesma indicação quando se dedica a preencher as primeiras folhas de papel, o analista se surpreenderá não só com a quantidade, mas também com a riqueza e qualidade daquilo que pensa, observa na clínica e apreende de sua vivência.
Então, mais uma vez, cumpre interrogarmo-nos: se aprendemos na análise pessoal, na supervisão e nos seminários que a indicação desta atitude de liberdade em transitar com nossos pensamentos é a mais frutífera neste percurso para dentro das regiões mais recônditas do inconsciente, por que a escrita de trabalhos na psicanálise – que também é uma forma de dar expressão ao que era pensamento – é-nos sofrida? 
Freud (1925/1981, p. 2780) já supunha que “a associação livre não é realmente livre”. Com efeito, sabemos que comunicar e relembrar a regra fundamental não é suficiente, pois igual força se põe em cena na contramão do desejo de produzir. Na escrita não é diferente. 
Refletindo sobre os sonhos, o próprio Freud (1901/1981) nos oferece recurso semelhante ao de Wilkinson: a melhor forma de efetuar uma investigação é anotar, sem qualquer crítica ou condenação, tudo aquilo que, a princípio, pareçam associações ininteligíveis. Se é útil para o sonho, não há dúvidas de que é para a produção científica.
Entretanto, Freud (1900/1981) reconhece que a opção por uma atitude de espírito de liberdade, necessária perante idéias que parecem surgir espontaneamente, bem como o abandono da função crítica que normalmente atua contra elas não são facilmente assimilados por alguns. Os pensamentos involuntários – ainda que sejam muitas vezes os mais produtivos – provocam violenta resistência, que procura impedir seu surgimento.
Freud (1901/1981, p. 723) acusa a presença da censura quando, ao contar um sonho e trazer associações sobre o material, o paciente as faz “invariavelmente prefaciadas por um juízo do auto-observador no sentido de que são absurdas ou sem importância, de que são irrelevantes e lhe ocorreram por acaso, sem qualquer ligação com o assunto em exame”. Ora, é essa atitude crítica que impede o sujeito de comunicar livremente as idéias até então suprimidas de sua consciência.
A censura que o analista se impõe é, sem dúvida alguma, tão severa inimiga a um processo de escrita mais livre, quanto o é a ação de um rigoroso superego que seleciona, proíbe, impede, engessa a expressão, seja da fala na sessão, seja da escrita no trabalho. 
Freud (1900/1981, p. 410) serve-se de uma indicação feita por Schiller, sobre a criação poética, mas que se presta bem ao processo de criação da escrita psicanalítica. Em um trecho de sua correspondência com Körner, Schiller responde à queixa que lhe faz o amigo sobre sua insuficiente produtividade: 
Parece ruim e prejudicial para o trabalho criativo da mente que a Razão proceda a um exame muito rigoroso das idéias à medida que elas vão brotando – na própria entrada. Encarado isoladamente, um pensamento pode parecer muito trivial ou muito absurdo, mas pode tornar-se importante em função de outro pensamento que suceda a ele, e, em conjunto com outros pensamentos que talvez pareçam igualmente absurdos, poderá vir a formar um elo muito eficaz. A Razão não pode formar qualquer opinião sobre tudo isso, a menos que retenha o pensamento por tempo suficiente para examiná-lo em conjunto com os outros. Por outro lado, onde existe uma mente criativa, a Razão — ao que me parece — relaxa sua vigilância sobre os portais, e as idéias entram precipitadamente, e só então ela as inspeciona e examina como um grupo. 
A faculdade crítica do paciente o leva “a rechaçar uma parte das ocorrências emergentes após percebê-las, a interromper outras no ato, negando-se a seguir os caminhos que abrem seu pensamento, e reprime outras antes que elas tenham chegado à percepção, sem deixar que se tornem conscientes” (FREUD, 1900/1981, p. 409). Contudo, se o paciente afirma que não consegue fixar a atenção a fim de apreender qualquer coisa, ao analista cabe esclarecer-lhe que é impossível haver ausência completa de conteúdos de representações (FREUD, 1901/1981). Pois bem, a exemplo do paciente no tratamento, o analista na escrita precisa revogar a crítica que acaba por eliminar as inúmeras idéias que ele poderia vir a capturar de sua mente para o papel, caso permitisse.
Ao desvalorizar o que vai lhe oferecendo sua memória – o registro daquilo que sabe, aquilo que observa em sua clínica e tudo o que privadamente teoriza – e julgando que isto tudo é matéria insuficiente para ir para o papel, ele se coloca na contramão da atitude analítica. Para Freud (1912/1981, p. 1657), se o analista quiser servir-se de seu inconsciente como instrumento da análise, 
ele não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio que ocultem de sua consciência o que o inconsciente descobriu, pois, de outra maneira, introduziria na análise nova espécie de seleção e deformação que seria muito mais prejudicial que a que poderia reproduzir uma tensão consciente de sua atenção.
 
Não é incomum observar que escrever sem apoiar-se logo de saída em autores conduz a uma produção mais autoral do que se precocemente recorrer-se a eles, em busca do conforto que o saber alheio garante. Se logo se render a isso, sem antes aventurar-se a uma escrita própria, o analista põe a perder a oportunidade de colocar à prova o tanto que já aprendeu e que pode ser dito por ele mesmo.
Lentamente, na medida em que o papel vai recebendo cada vez mais material, os vários fragmentos apartados vão fazendo sentido. Ao comparar a escrita e a análise, Freud (1933/1981, p. 3201) ilustra este processo:
O progresso no trabalho científico se cumpre de forma muito semelhante à análise. Empreendemos o trabalho abrigando determinadas esperanças, porém temos logo que abandoná-las. A observação nos revela tanto em um ponto aqui como lá, algo novo, sem que de momento nos seja possível reunir tais fragmentos em um todo. Arriscamos, então, hipóteses e edificamos construções auxiliares que retiramos, tão pronto elas não se confirmem; necessitamos de muita paciência; acolhemos abertamente todas as possibilidades e renunciamos às convicções anteriores, para não negligenciarmos, sob sua coerção, novos fatores inesperados, e, no final, todos os nossos esforços são recompensados; as descobertas dispersas se adaptam umas às outras; obtemos uma visão de toda uma parte dos eventos mentais, temos completado o nosso trabalho e, então, estamos livres para outro.
Sua comparação mostra que a elaboração de um texto científico pode acontecer de maneira bem mais livre e dinâmica. Freud parece sugerir que, com a mesma liberdade com que o analista acompanha as movimentações do paciente, ele permita que o texto vá e volte inúmeras vezes, até que seja dado por concluído. 
E Para Começar a Concluir...
Para Freud (1925/1981, p. 2780), “a descoberta da resistência constitui o primeiro passo no sentido de superá-la. Assim, o trabalho de análise implica uma arte de interpretação”, o que significa pensar sobre, analisar, desvelar e chegar à compreensão de quais registros estão sendo atualizados no instante em que empreende a tarefa e para decidir como quer escrever: com um peso excessivo, com um gasto de energia que consome a criatividade; ou com a liberdade com que lhe brinda poder dar-se conta e, livres das amarras e dos nós da repetição, poder produzir um texto também livre e flutuante...
Se viveeste processo somente como uma obrigação, um encargo ou imposição, o analista furta de si mesmo a riqueza de uma vivência ímpar, que – tal como a clínica – o instiga a entrar em sua mente e o convoca a transitar ali por outros lugares, que então podem ser pensados a partir do ato de escrever. 
Se não aproveita para usufruir disto com toda esta intensidade, terá feito um trabalho tal como foi exigido pela instituição, terá cumprido uma das tarefas da Formação, mas a falta de investimento amoroso ou o sofrimento virão inscritos na qualidade do processo. O escrever terá sido fonte de padecimento para o analista, e faltará – tanto a este percurso quanto ao texto – a vida que transborda na clínica. A essência desta clínica não pode ser roubada pelas defesas, e sua escrita não pode neutralizar a complexidade presente em cada sessão. Seria roubar do paciente, de si e da própria psicanálise a possibilidade de fazer viver novamente tudo o que ali se passou.
A escrita de um trabalho haverá de se caracterizar pela vivência de intensos sentimentos, lembranças, tramas, conflitos, faltas, resistências e transferências, até o que será o trabalho. Para aqueles que, um dia, descobriram que analisar era seu ofício, escrever não poderia ser diferente. Para quem se arriscou a ocupar este lugar e mergulhar na profundidade do inconsciente de seu paciente e no seu próprio, viver uma aventura do calibre que é a clínica não permite voltar à margem... pelo menos, não do mesmo jeito que entrou...
Aqueles que saibam estimar o grande valor do conhecimento e do domínio de si mesmos assim obtidos, continuarão logo, em uma autoanálise, a investigação de sua própria personalidade e verão com satisfação como sempre lhes é dado achar, tanto em si mesmos, como nos demais, algo novo (FREUD, 1912/1981, p. 1658).
Quanto mais o analista conhece o paciente, sua trajetória de vida, seu funcionamento e quanto mais em conexão com ele, mais o processo se aprofunda e com mais clareza ele tem noção da história, da dinâmica, do que precisa ser ligado ou religado, revivido, editado ou construído. Também na escrita, na medida em que a realização do trabalho avança, ele vê tomar corpo a mesma compreensão que se edifica com o paciente. 
Quando o analista sentir que, então, pôde colocar no papel tudo (imaginando que isso é possível) o que sabe, o que pensou, lembrou, elaborou, aí sim, é o momento de ir em busca do que os autores que o antecederam lhe têm a dizer, para sustentar, confirmar, argumentar, aprofundar o que até ali foi exposto. Mas este já é outro capítulo desta história...
Abstract
This article proposes a reflection on the difficulties in the writing of scientific papers in analytic training, more precisely at the beginning of the construction of the text. Seeks to provide, as a tool to account for some of these difficulties, the same fundamental rules that Freud proposed like a guide in the analysis of one patient, free association and suspended attention, now carried out in a free and floating written.
Keywords: writing psychoanalytic, psychoanalytic training, scientific studies, fundamental rule.
Resumen
Este artículo propone una reflexión sobre las dificultades encontradas en la redacción de artículos científicos en la formación analítica, más precisamente en el inicio de la construcción del texto. Tiene por objeto conceder, como una herramienta para dar cuenta de algunas de estas dificultades, las mismas reglas fundamentales que Freud propone como guía en el análisis de un paciente, la asociación libre y atención flotante, ahora llevadas a cabo en una escritura libre y flotante.
Palabras-llave: Escritura psicoanalítica, formación psicoanalítica, estudios científicos, regla fundamental.
Referências
FREUD, Sigmund. (1900) La interpretación de los sueños. Cáp. II – El metodo de la interpretación onírica. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 1.
FREUD, Sigmund. (1901) Los sueños. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 1.
FREUD, Sigmund. (1912) Consejos al médico en el tratamiento psicoanalítico. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 2.
FREUD, Sigmund. (1920) Para la prehistória de la técnica psicoanalítica. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 3.
FREUD, Sigmund. (1925) Autobiografia. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 3.
FREUD, Sigmund. (1933) Nuevas lecciones introductorias al psicoanálisis – Leccion XXXV: el problema de la concepción del Universo. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 3.
FREUD, Sigmund. (1937) Análisis terminable e interminable. In: _____. Obras completas de Sigmund Freud. 4. ed. Madrid: Biblioteca Nueva, 1981. vol. 3.
� Artigo publicado na Revista “Psicanálise”, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de Porto Alegre (SBPdePA), v. 11, n. 2, p. 219-232, 2009.
� Psicóloga, Doutora em Psicologia (PUCRS), Psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica (ESIPP), Membro Associado do CEPdePA, Coordenadora da “Oficina de Escrita Científica”, Autora do livro “A Escrita Científica no Divã: entre as possibilidades e as dificuldades para com o escrever”.

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