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BIG BROTHER: UMA COMPREENSÃO PSICANALÍTICA 
PARA ALÉM DO RECORDE DE AUDIÊNCIA�
BIG BROTHER: A PSYCHOANALYTICAL UNDERSTANDING FOR 
BEYOND THE AUDIENCE RECORD
Ana Cláudia Meira�
Ana Paula Lucchesi�
Cláudia Formoso�
Gisleine Giron�
Janine Severo�
Keylla Jung�
Sonia Lampert� 
Suzana Notti�
Resumo
Este trabalho tem como objetivo provocar uma reflexão sobre o verdadeiro significado do Programa Big Brother Brasil, como algo que alcançou o status de um “fenômeno” na televisão brasileira. Apoiamo-nos nos escritos de Freud para dar sustentação ao que interpretamos como um retrato cru da realidade psíquica das pessoas do séc. XXI, que mostra o vazio interior, a ausência de relações de objeto firmemente estabelecidas e a predominância de vínculos frágeis com as outras pessoas ao seu redor. 
Palavras-chave: psicanálise, Big Brother Brasil, reality shows, mundo contemporâneo
Abstract
This paper aims at making and provoking a reflection about the real meaning of the Big Brother Brasil Program, like something that has reached the status of a “phenomenon” on brazilian’ television. We have based on Freud’s writings to support what we have interpreted as a raw portrait of the psychic reality of XXI century people. This fact shows the emptiness of the inner, the lack of object relations firmly established and the predominance of fragile links with another people around them . 
Keywords: psychoanalysis, Big Brother Brasil, reality shows, contemporary world
Introdução
O tipo de programa classificado como reality show definitivamente ocupou o seu lugar na televisão brasileira, tomando ainda mais espaço do que o já conquistado em outros países. Foi em vistas deste “sucesso” que nos propusemos a examinar qual o verdadeiro significado dos altos índices de audiência do Programa Big Brother Brasil.
Admiração, indignação, constrangimento, irritação, permeiam quem assiste ao fenômeno “Big Brother”; porém, em nenhum momento, indiferença. Então, pensamos: o que será que dizem à respeito de nós mesmos doze desconhecidos reunidos em uma casa para que desejemos espiá-los? Que tipo de curiosidade impulsiona tanto sucesso?
É interessante observar que, mesmo diante de um certo estarrecimento ou indignação – em alguns casos, sem dúvida, adoração – os telespectadores responderam ao apelo televisivo. Mesmo movido pela repugnância, o público assistiu. Repentinamente, pessoas medíocres tornaram-se ídolos simplesmente por estarem dispostas a exibir sua intimidade. Homens e mulheres em situações do cotidiano passaram a ser “símbolos sexuais”. Mas eles são símbolo de quê exatamente?
Decididamente, tal questão não pode ser explicada pelas funções mais elaboradas do psiquismo. Desta forma, não podemos solicitar que o espectador explique o que o fascina ou o que detesta no programa. Estas respostas estão baseadas em desejos e motivações que ele mesmo desconhece, e este é o motivo de nosso trabalho. Buscamos, através da análise psicanalítica dos personagens do Big Brother I e do programa em si, a compreensão do significado inconsciente da mobilização de tantas reações, em tantas pessoas.
Desenvolvimento
O nome do programa “Big Brother” (BBB), também retratado no nome de nosso trabalho, remete-nos a situações primitivas e ambivalentes. Esta denominação foi tomada de empréstimo da expressão usada para representar a ação de controle exercida pela inteligência americana sobre seus cidadãos. O objetivo inicial – ou o oficial – era de proteger seus usuários e dirigir as medidas punitivas para os reais infratores. Contudo, o que se deslinda na verdade é a invasão, o controle e a perda da liberdade de ação.
Utilizando-se das mesmas prerrogativas de suas origens, o Big Brother, o grande irmão, que ao mesmo tempo protege e controla, cuida e espia, desperta afeição e raiva, envia-nos ao obscuro e incerto mundo de nossos desejos.
Buscando entender a capacidade de influência do grupo na vida mental do indivíduo, verificamos que o fenômeno que Freud (1921/1996) denomina de contágio não passa de um efeito, repercussão da sugestionabilidade. De uma maneira ou de outra, o público sucumbe hipnotizado aos reality shows. 
A sugestionabilidade permeia os indivíduos dentro e fora do vídeo, fazendo com que todos se tornem componentes de um único e grande grupo, subjugado pela influência da mídia. A sugestão ganha mais e mais força num grupo, devido à reciprocidade. Quem de nós, por um pequeno instante que fosse, não se sentiu embalado pela música de abertura do programa? Ou ainda pelo funk do Serginho? Quem não ouviu ou repetiu os escrachos de linguagem pronunciados por Kleber, do BBB I: “faz parte”? E quanto ao “pi”? A sugestão é a mesma para todos os indivíduos: “venha você também dar uma olhadinha!”, ou o Pedro Bial convidando “vamos dar mais uma espiadinha”. Tamanha reciprocidade forma um eco uníssono na individualidade dos sujeitos, pois a homogeneidade mental se dá pelos caminhos do determinismo psíquico, pelas pulsões e graças ao desenvolvimento psicossexual.
Como destaca Freud (1905/1996), a extraordinária relação que existe entre as variações sexuais e a escala descendente, da saúde à insanidade, fornece-nos amplo assunto para reflexão. Acredita que os impulsos da vida sexual se incluem entre os que, mesmo normalmente, são os menos controlados pelas atividades superiores da mente. Refere que, mesmo no processo sexual mais normal, podemos perceber rudimentos que, se tivessem sido desenvolvidos, teriam levado aos desvios descritos como perversões. Neste sentido, descreve relações intermediárias com o objeto sexual que se situam no caminho da cópula e que são reconhecidos como objetivos sexuais preliminares. Temos aqui, portanto, um ponto de contato entre as perversões e a vida sexual normal. 
As polaridades pulsionais ficam muito claras no espectador que ama e odeia o programa; e, nos participantes, podem ser evidenciadas na hora da saída de um membro. O choro dos que permanecem na casa representa uma defesa contra os desejos hostis dirigidos a esta pessoa. Mas nem nós nem eles funcionamos com linearidade e, em pouco tempo, quem era aliado converte-se em mais um rival a ser bombardeado. Vai ser perseguido, vai ser vítima de complôs, tanto quanto vai tratar de formar alianças que lhe garantam a sobrevivência rumo ao prêmio. Vota-se, sem qualquer pudor, em quem era a melhor amiga. O desejo original de fazer algo proibido deve persistir (Freud, 1912/1996).
Os sentimentos amorosos e hostis dirigidos aos outros participantes existem simultaneamente, mas são projetados para as regras impostas e para os que, pouco a pouco, vão sendo eliminados. Com este mecanismo de projeção, efetiva-se a troca das pressões internas pelas externas e, temporariamente, restaura-se o equilíbrio individual e do grupo. Quem incomodava, saiu; quem se mantém na casa, é conquistado como mais novo aliado. 
As formas ativa e passiva da pulsão agressiva parecem desempenhar uma função importante ao longo de todo o programa. Os termos “execução, torpedo, paredão” são utilizados tanto pelos participantes quanto pelos telespectadores para referirem-se às pessoas que serão “eliminadas” do programa. Aliás, cabe salientar que nos dias de “paredão” são registrados os maiores índices de audiência. Ao público é dado o direito de, onipotentemente, exercer o domínio sobre o destino alheio, ou seja, decidir quem deverá “viver ou morrer”.
A íntima conexão existente entre crueldade e pulsão sexual é destacada por Freud (1905/1996), ao sustentar que toda dor contém, em si, uma possibilidade de sensação de prazer. Ele refere que a característica mais notável desta perversão é que suas formas ativa e passiva habitualmente ocorrem juntas no mesmo indivíduo. Assim, enquanto os espectadores regozijam-se sadicamente diante da dor dos eleitos para a morte no paredão, exercendo a crueldade0 típica da natureza infantil, identificam-se masoquisticamente com o eliminado.
Freud (1942/1996) refere que, atravésdo sofrimento dos personagens, somos levados ao mesmo prazer que os homens experimentavam nos ritos sacrificiais, quando o mais fraco era colocado contra o poder divino. Então, também identificados com os personagens do programa, nos é possível experimentar prazer devido à satisfação masoquista, bem como ao desfrute direto de um personagem herói que invariavelmente vence.
Primitivamente, esta exclusão era realizada pelos deuses contrariados e furiosos e, mais tarde, pelos membros da sociedade como seus representantes. Hoje não estamos muito distante do comportamento dos povos primitivos. Também temos deuses desconhecidos por trás de câmaras de TV, que escolhem e implantam as regras, e uma sociedade que vota e decide a sorte dos participantes. Exercemos assim nosso primitivismo, identificando-nos com modelos ancestrais.
A participação do espectador é muito pequena, mas através da identificação com os personagens da trama, lhe é permitido ter deslocada sua ambição de ser o centro do universo, agindo e dispondo das coisas de acordo com seus desejos – ser o herói. 
Assim, participar é uma boa jogada de mídia, pois incluindo – ainda que falsamente – o telespectador nas decisões tomadas, nas votações via telefone, via celular, via internet, para a eliminação dos candidatos, a pessoa comum sente-se com um poder. Acredita na ilusão que a TV lhe oferece: você decide!
Freud (1914/1996) já relacionava os povos primitivos à onipotência de pensamentos e à crença mágica no poder superior dos desejos e atos mentais com relação ao mundo externo. Hoje, séculos mais tarde, ele poderia escrever a mesma coisa, caso lhe fosse possível assistir ao Big Brother. A mesma onipotência é produto vendido e comprado francamente pela programação televisiva.
Freud (1905/1996) assinala que a vida psíquica inconsciente de todos os neuróticos mostra impulsos que seriam descritos como pervertidos no mais amplo sentido da palavra se pudessem ser expressos diretamente em fantasia e ação sem serem desviados da consciência. A neurose é, portanto, o negativo da perversão. 
Aos olhos do espectador televisivo, o que é da ordem da neurose e o que é da ordem da perversão ganha limites borrados. O que se mostra, então, com grau variado de consciência, é um cenário grupal que possibilita a expressão de ações e reações que a censura interna de cada um de nós não se permitiria usufruir; porém, o grupo parece diluir o que seria condenável se fosse explicitado de outra maneira. Quanto mais primitivos os impulsos emocionais com os quais estamos lidando, mais facilmente encontrarão caminhos e força para propagarem-se num grupo (Freud, 1921/1996). 
Sabemos que o inconsciente abriga toda ordem de desejos sexuais. Impulsos homossexuais, pulsões parciais como o desejo de olhar e ser olhado, as formas passiva e ativa do instinto de crueldade coexistem no psiquismo e, em seu destino mais elaborado – ou seja, pela vicissitude da sublimação – podem atingir finalidades que enalteçam a humanidade, como a arte ou a ciência. No entanto, também permanecem vivos na sua forma mais crua. E eis que surge um campo fértil de primitivismo psíquico: os reality shows. É como se a mídia descobrisse o ponto frágil, a interseção entre todos: a vida pulsional. 
Cenas como um beijo na boca, alguém que toma banho ou escova os dentes, um casal que se relaciona sexualmente embaixo do edredon, alguém sendo humilhado, excluído ou expulso do grupo, passam a representar concretamente – ou seja, sem elaboração alguma – os nossos desejos mais primitivos. Sadismo, masoquismo, escopofilia, exibicionismo na sua forma mais crua acabam suplantando a capacidade de julgamento. Como sublinha Freud (1905/1996), a pulsão sexual em sua força compraz-se em suplantar a repugnância. 
As teorias sexuais desenvolvidas na mente da criança pequena acerca da atividade sexual dos pais, a cena primária, saem do resguardo do sistema inconsciente e ganham expressão direta. O que o espectador esconde, a TV mostra; e o que era uma espiadinha pelo buraco da fechadura do quarto dos pais é agora ofertado como uma espiadinha que não esconde nada, que mostra tudo, quanto mais melhor!
A visita recebida pelos participantes do Big Brother de figuras como a Xuxa, o Jô Soares e o Chico Anísio, desmente a necessidade de preservarmos um objeto de desejo que está destinado a manter-se longe como o pai edípico. Freud (1914/1996) destaca que as pessoas se esforçam por atingir o objetivo de tornar a ser seu próprio ideal, como na infância, como se isso fosse sinônimo de felicidade. Não há limites, na casa: eles podem tudo, e têm quem quer.
Os espectadores assistem, na tela, cenas deslocadas e projetadas de seus psiquismos, àqueles que emprestam suas imagens, e vêem-se contagiados por características especiais. As particularidades resultantes das vivências individuais conferem matizes que, embora diferentes, remetem à mesma origem. Todos nós mantemos nossos desejos pulsionais em atividade, embora reprimidos.
O índice de audiência justifica-se pelos aspectos comuns vividos por todos nós. Freud (1912/1996) indica que existe uma tendência universal entre humanos para conceber todas as pessoas à sua semelhança e transferir a todos os objetos qualidades que lhe são familiares e bastante conhecidas.
A identificação constitui a forma mais primitiva e original do laço emocional. Freud (1921/1996) fala de três fontes de identificação: primeiro, a identificação constitui a forma original de laço emocional com um objeto; segundo, de maneira regressiva, ela se torna sucedâneo para uma vinculação de objeto libidinal, por assim dizer, por meio de introjeção do objeto no ego; e, terceiro, particularmente freqüente e importante, pode surgir com qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com alguma outra pessoa que não é objeto da pulsão sexual. Neste caso, a identificação prescinde de qualquer relação de objeto com a pessoa que está sendo copiada. 
Esta é uma das qualidades do tipo de identificação que as pessoas firmam com os personagens do Big Brother. Pessoas anônimas, desconhecidas e inacessíveis, entram nas casas diariamente e impõem-se como presenças vivas. Fazem parte das relações na família e são assunto de conversas e discussões. Passam a torcer contra ou a favor de cada um deles como se fossem grandes companheiros. Viram motivo de preocupação, piedade, raiva. Mas se são desconhecidas, como tão rapidamente passam a fazer parte de nossos dias? O que engendra esta instantaneidade é a referida identificação.
Podemos observar que os escolhidos são representativos de diversas minorias: a negra, o estrangeiro, a gorda, a evangélica, o baiano, o homossexual, o bonito, o rico, a feia, a gostosa, a vulgar, o ingênuo, o bobão. Impossível não atingir todos os tipos de pessoas que, frustradas por alguma coisa de que carecem, sentem-se representadas. Freud (1921/1996) parece explicar esta escolha destacando que quanto mais importante é a qualidade comum entre o objeto e o sujeito que o observa, mais bem sucedida pode tornar-se essa identificação parcial.
Tal identificação acontece ao assistirmos qualquer trama psicológica apresentada pela mídia e que desperta tanto nosso gozo, como nossa resistência. Freud (1942/1996), contudo, adverte que ela se converte em psicopatológica, quando apresenta o conflito entre um desejo consciente e uma pulsão recalcada. Neste caso, a identificação do telespectador com o personagem se faz possível quando ambos são neuróticos, e os impulsos reprimidos são semelhantes aos impulsos reprimidos em todos nós, pois é essa repressão que é abalada pela situação da cena. Essa pré-condição permite que nos reconheçamos naquele que ocupa a posição de herói para cada um de nós, pois estamos suscetíveis ao mesmo conflito que ele.
Esta repressão foi edificada por forças internas oriundas do amor sentido pelas pessoas responsáveis pelas proibições, no caso nossos pais ou seus representantes. Estabelece-se o conflito entre o que desejamos e o que podemos realizar. Quandonosso desejo é realizado por outras pessoas, e ainda nos é permitido espiar, ficamos isentos da culpa, que ficou assim, colocada nos outros. Eles são ativos e nós passivos de um mesmo impulso. É disto que nos aproveitamos no programa. Os personagens são modelos menos perigosos que nossos objetos infantis.
O deleite se baseia nesta prerrogativa – ser poupado do sofrimento – enquanto pode-se dar vazão, sem escrúpulos, aos impulsos reprimidos. A audiência é conquistada se somos poupados do sofrimento, e recompensados pelas satisfações ainda que ilusórias, que a produção do programa garante.
Para capturar o espectador, Freud (1942/1996) define que a trama assistida apresente uma ação que engendre o sofrimento e que consiga introduzir-nos nela. Ela tem que pôr em jogo um conflito e uma situação adversa que pertencem tanto aos personagens do Programa, como ao público que se vê refletido.
Outra pré-condição é que a pulsão que luta por atingir a consciência nunca ganhe um nome definido, nem seja claramente reconhecida, pois desta forma também no telespectador o processo se opera com a atenção voltada para suas emoções, deixando de examinar com interesse o que exatamente está acontecendo. Assim, poupa-se uma dose de resistência, e os derivativos do material reprimido podem alcançar a consciência, enquanto o material original não aparece (Freud, 1942/1996). 
Esse fenômeno acontece a todos nós que somos capturados: não ficamos indiferentes. O mecanismo da identificação baseia-se na possibilidade ou no desejo de colocar-se na mesma situação. Todo o mise-en-cene criado para o espetáculo global busca assegurar que o postulado de Freud seja confirmado. Uma cama imensa, luxuosa, a piscina, a banheira de hidromassagem, tudo brilha aos olhos do espectador que, de sua casa observa o que nunca terá. Sente-se, no entanto, participante, e isso tanto ajuda a tolerar, quanto o mantém na frente da TV.
Freud (1942/1996) descreve desta forma a frustração que tivemos de efetuar: 
“Ser espectador participante do jogo dramático significa, para o adulto, o que representa o brincar para a criança, que assim gratifica suas expectativas hesitantes de se igualar aos adultos. O espectador vivencia muito pouco, sentindo-se como ‘um pobre coitado com quem não acontece nada’; faz tempo que amorteceu seu orgulho, que situava seu eu no centro da fábrica do universo, ou, melhor dizendo, viu-se obrigado a deslocá-lo: anseia por sentir, agir e criar tudo a seu bel-prazer – em suma, por ser um herói” (p. 292).
A forma idealizada para a realização do programa, afastando os participantes da realidade externa, possibilita maior contato com o mundo interno de cada um. Isto reascende o desejo primitivo de viver a plenitude do princípio do prazer, regido pelas leis do inconsciente, onde é possível a vivência do amor e do ódio em suas formas mais puras. Ao entrar na casa, dão as costas para a realidade e, com isso, dão as costas para o princípio da realidade, para um funcionamento em nível de processo secundário.
A música tema do Programa de saída já nos convida para viver e acreditar nesta ilusão da plenitude do princípio do prazer. Chama de “Vida Real” o que será vivido e apresentado na casa do Big Brother. Chama de vida real a encenação do que vai ser qualquer coisa, menos um retrato da vida real. Oferece-nos um engano, uma desmentida. O engano do narcisismo que roga que ignoremos os limites, as obrigações, as normas.
As regras e proibições impostas servem, como nas organizações primitivas, para diminuir a liberdade e induzir a renúncias. No clima muitas vezes descontraído, podemos não nos aperceber de seu valor e tomá-las como um conjunto de formalidades. Este acordo estabelecido, em grande parte de forma unilateral, tem o objetivo de delimitar o poder e conter os impulsos. Mas isso não dá audiência.
Então, os habitantes do Big Brother não trabalham, não estudam e só têm hora para acordar – não esqueçamos – ao som de Sandy e Júnior, apelo infantil para um funcionamento em nível de princípio do prazer. Os componentes comem e dormem a hora que querem; movimentam o tempo para seu próprio desfrute: viram a noite e dormem até às duas da tarde. Limpam a casa, cozinham e lavam a louça sem muitas exigências. Um funcionamento de quem foi deixado livre pelos pais que exigem regras. Livre sim; sozinho também.
O apelo à beleza e aos corpos descobertos alimenta as aspirações narcísicas. Ali as relações de objeto foram abandonadas no meio do jogo. Quem se alia a um componente, o trai horas depois, para aliar-se a um terceiro que lhe trai também... A ética foi esquecida no meio do primitivismo dos vínculos. “Se você pudesse me dizer, se você soubesse o que fazer, o que você faria, aonde iria chegar”, nos pergunta a música que embala a abertura e a chamada do telespectador para mais um show da vida.
Aonde iria chegar? Até onde seja permitido pelo comando do programa, que, ao mesmo tempo em que propõe algumas regras, cuida e protege – como, aliás, a proposta inicial do grande olho americano – trata de estimular a vivência regressiva, a competição, os conchavos, as divisões e as atuações sexuais sem os diques da intimidade e da privacidade.
“Se pudesse escolher entre o bem e o mal, ser ou não ser... Se querer é poder, tem que ir até o final, se quiser vencer”: um estímulo ao triunfo do narcisista que, desligado de todos, tem seus desejos transformados em poder e realidade, e simplesmente vence. 
“Se pudesse eu te levaria até onde você quer chegar: o brilho das estrelas, o primeiro lugar”. É a proposta da atualidade, é a proposta da emissora, é a proposta do programa. Como o diabo que seduz os espectadores e os vê rendidos não somente por seu poder sobre eles, mas pela fraqueza do público frente a tudo o que lhe oferece. E aos que se rendem a ficar 30 minutos diários acompanhando a farsa da sedução, é isso que encanta: a oferta de um funcionamento sem renúncias, sem frustração, sem necessidades. Eles têm luxo, têm popularidade, têm platéia, têm comida, têm homem e têm mulher. Têm satisfeitas as necessidades exibicionistas por um século de existência.
Para Freud (1914/1996), o desenvolvimento do ego se dá por um afastamento do narcisismo primário, ocasionado pelo deslocamento da libido em direção a um ideal do ego. Partimos, então, em busca de conquistas pessoais e reais que corresponderão à realização desse ideal e reforçarão nossa auto-estima. 
Este afastamento, no entanto, dá margem a uma vigorosa tentativa de recuperação desse estado, conquanto a auto-estima seja remanescente do sentimento primitivo de onipotência que sua experiência tenha confirmado. A auto-estima depende intimamente da libido narcisista. Freud (1914/1996) descreve como mesmo uma pessoa neurótica pode escolher um ideal sexual segundo o tipo narcisista que possui a perfeição que ele não pode mais atingir. Este ideal sexual é empregado para satisfação substitutiva onde a satisfação narcísica encontra reais entraves. Nesse caso, aponta ele, uma pessoa amará o que possui a excelência que falta ao ego para torná-lo ideal. 
Então, assistimos ao programa para dar conta disto. Torcemos a favor de quem nos representa e com isto nos sentimos projetivamente satisfeitos; e torcemos contra quem não gostamos e, a exemplo de exterminadores, sadicamente, enviamos alguém para ser metralhado e morto no paredão.
O Big Brother nos propõe um movimento regressivo a um mundo em que os padrões são invertidos e que passar dos limites ganha o status de um padrão idealizado: “se souber brincar com fogo, não há nada mais bonito”. O brincar com fogo foi há muito abandonado por quem chegou a uma evolução superior de funcionamento mental. Juntamente com uma série de renúncias que tivemos que fazer, aceitamos não ultrapassar os limites do proibido, com a recompensa de muitas realizações posteriores mais elevadas. 
Comentários Finais
O Big Brother alcançou, indiscutivelmente, proporções de um fenômeno, e esta força foi o que nos pôs a pensar.
O índice de audiêncianão está relacionado a pulsões insatisfeitas que, submetidas à repressão, buscam a realização substitutiva dos desejos. Essa parece um explicação simples; é mais do que isso. Um Big Brother se impõe com tamanha autoridade no mundo atual, porque vem ocupar o lugar de uma existência que podemos denominar como oca, em que as pulsões do id como que passeiam tranqüilamente na realidade objetiva, e onde falta exatamente a repressão interna e externa a que éramos mais submetidos há até pouco tempo. 
Os impulsos sexuais, condenados no início do século a uma existência limitada e controlada, são agora expostos em praça pública, em plena luz do dia. E lá estão todos para assistir – e isto talvez seja o que mais nos inquieta.
Quem foi o vencedor do Big Brother I? O que o Kleber traduz sobre o fenômeno que envolveu a todos nós? 
A vitória do Bam Bam marca a vitória do primitivo: o Bam Bam da história dos Flintstons é o filho do homem primitivo, o homem das cavernas, de uma época remota da civilização. Marca a vitória do infantil, do Bam Bam menino que, ainda que grande e forte, era uma criança. Marca a vitória da pobreza das relações de objeto, pelas quais uma boneca de latas, montada a sua semelhança adquire uma importância maior do que as pessoas de carne e osso. Marca a vitória da burrice, do culto ao corpo e da pobreza de espírito. 
Para contrariar a vitória, haveríamos de encontrar gratificação maior no que é atual, no que é adulto, no que é da sublimação. Mas o que temos a oferecer a quem vive através da suposta vida de supostas pessoas que garantem uma diversão diária? Que show da vida ocuparia o lugar que hoje o Big Brother ocupa? 
Afrontanos admitir que este espetáculo dá mais ibope que programas sobre o trabalho voluntário ou sobre as problemáticas sociais. Não queremos assistir aos sem-teto, aos sem-terra, aos sem-trabalho, aos sem-nada, pois isto não nos alenta. E isso nos põe de cara com uma dura realidade, tanto externa, como interna: a realidade da falta, da carência, da perda, da necessidade, do vazio. Queremos o glamour da vida de fantasia, mas à que preço? Qual o ônus deste tipo de escolha?
O Big Brother vem delatar um sintoma da doença da contemporaneidade, na qual as pessoas, perdidas, fogem de si mesmas em busca da externalidade. O homem moderno furta-se da viagem para dentro de si e, desta forma, dá força ao que convida à alienação. Então, o programa captura o espectador por aquilo que lhe falta e que ele, projetivamente, busca viver através dos atores. Mas, para além disto, captura exatamente no ponto em que esta falta pretende ser preenchida pela ilusão narcísica, com uma oferta falsa de plenitude e felicidade. 
Enquanto pudermos assistir ao Big Brother durante seus 30 minutos diários, e reencontrarmos, depois disto, nossos objetos, nossas relações, as realizações, a sublimação, os sonhos, os vínculos, parece que o programa cumpre uma função catártica. Afinal, podemos ter um certo alento nas frustrações de nossa vida diária.
Se, contudo, o que se passa na tela da TV, no Big Brother, for um retrato fiel da vida como ela é e não uma porção do que consideramos a impregnação narcísica dos tempos atuais, nos parece que algo precisa ser pensado. Este foi nosso objetivo: desacomodamo-nos das nossas poltronas, levantamos depois de assistir ao Programa Big Brother e, com a realização deste trabalho, efetuamos um processo mental no que era só imagem. Agora, convidamos aos espectadores que nos assistem a partirem nesta busca de um exame mais profundo por dentro de nós mesmos, nosso mundo psíquico. 
	Vamos dar uma espiadinha também?
Referências 
FREUD, Sigmund (1996). Três ensaios para uma teoria da sexualidade (J. Salomão, Trad.). Em J. Salomão (Org.). Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud (Vol. 7, pp. 128-229). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1905)
_____ (1996). Totem e tabu (J. Salomão, Trad.). Em J. Salomão (Org.). Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (Vol. 13, pp. 21-162). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1912)
​_____ (1996). Sobre o narcisismo: uma introdução (J. Salomão, Trad.). Em J. Salomão (Org.). Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (Vol. 14, pp. 81-108). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1914)
​
_____ (1996). Psicologia de grupos e análise do ego (J. Salomão, Trad.). Em J. Salomão (Org.). Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (Vol. 18, pp. 81-154). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1921)
_____ (1996). Personalidades psicopáticas no palco (J. Salomão, Trad.). Em J. Salomão (Org.). Edição standard brasileira das obras completas de Sigmund Freud. (Vol. 7, pp. 292-297). Rio de Janeiro: Imago. (Original publicado em 1942)
� Trabalho realizado pelo grupo de Coordenadoras dos Módulos de Estudos da Obra de Freud, do ESIPP, Publicado na Revista da Sociedade de Psicologia do RS, v. 2, n. 2, p. 16-22, jun. 2003
� Psicóloga, Especialista em Psicoterapia Psicanalítica (ESIPP), Supervisora e Professora convidada do Curso de Formação em Psicoterapia Psicanalítica do ESIPP, Mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), Doutora em Psicologia (PUCRS), Membro Provisório do CEPdePA.
� Psicóloga, Psicoterapeuta (ESIPP) 
� Psicóloga Clínica, Psicoterapeuta (ESIPP), Psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde – COAS, Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do ESIPP
� Psicóloga, Psicoterapeuta (ESIPP), Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica (ESIPP)
� Psicóloga, Psicoterapeuta (ESIPP), Especialista em Diagnóstico Psicológico (PUCRS), Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do ESIPP
� Psicóloga, Psicoterapeuta (ESIPP), Psicóloga da Fundação SOAD, Mestranda em Clínica Médica (UFRGS)
� Médica, Psicoterapeuta (ESIPP), Professora convidada do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica (ESIPP)
� Psicóloga Clínica, Especialista em Psicologia Clínica (PUCRS), Coordenadora Geral e Docente do Curso de Especialização em Psicoterapia Psicanalítica do ESIPP

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