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Apostila de Literatura Infantil - Profa Edilene

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diferentes pressupostos: Citam-se alguns exemplos:
Curso: Educação Infantil, Anos Iniciais e Gestão Escolar
LITERATURA INFANTIL
PROFESSORA: Edilene Pereira Prazeres
OBJETIVOS DA DISCIPLINA
1. Conhecer e estudar os processos de formação da Literatura Infantil desde suas origens aos dias de hoje;
2. Identificar e estudar o histórico dos contos de fadas, bem como, suas versões;
3. Reconhecer o valor pedagógico da Literatura Infantil no desenvolvimento da criança;
4. Possibilitar trocas de idéias e criação de novos agenciamentos para a dinamização dos espaços destinados à leitura;
5. Expressar suas ideias de forma oral para aprimorar sua capacidade comunicativa;
6. Trabalhar em grupo produção textual.
"Escrevo para dizer o que penso. Quero reclamar de governos autoritários. Quero mostrar a existência de desigualdade entre o homem e a mulher. Não fujo muito de temas que, supostamente, não pertencem ao universo infantil. 
Acho que todo mundo é capaz de aprender." 
(Ruth Rocha)
"O gênero literatura infantil tem, a meu ver, a existência duvidosa. Haverá música infantil? Pintura infantil? A partir de que ponto uma obra literária deixa de se constituir alimento para o espírito da criança ou jovem e se dirige ao espírito adulto? " 
(Carlos Drummond de Andrade)exis
 
BANCO DE TEXTOS TEÓRICOS
Conceito de literatura Infantil
 A Literatura Infantil constitui-se como gênero durante o século XVII, época em que as mudanças na estrutura da sociedade desencadearam repercussões no âmbito artístico.
O aparecimento da Literatura Infantil tem características próprias, pois decorre da ascensão da família burguesa, do novo "status" concedido à infância na sociedade e da reorganização da escola. Sua emergência deveu-se, antes de tudo, à sua associação com a Pedagogia, já que as histórias eram elaboradas para se converterem em instrumento dela.
É a partir do século XVIII que a criança passa a ser considerada um ser diferente do adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria distanciar-se da vida dos mais velhos e receber uma educação especial, que a preparasse para a vida adulta.
 A educação infantil é um espaço propício para a iniciação ao mundo letrado, devendo promover experiências significativas com a linguagem oral e a escrita, cuja função e responsabilidade é garantir a todas as crianças o acesso aos saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania. O domínio da língua adquire importância, enquanto instrumento de comunicação e expressão de idéias, pensamentos, sentimentos, bem como de acesso às informações, construção de visões de mundo e produção de conhecimento. 
os para crianças
VELHA NOVA HISTÓRIA
	Não são mais novidades, nem tão recentes, os estudos e as discussões que garantem a importância da Literatura Infantil e da Contação de Histórias como grandes aliadas na promoção da leitura. Cabe ressaltar, porém, que nem toda ação carregada de boa vontade é suficiente para a concretização de tal tarefa. Já há muito foi constatado o fato de que as crianças apreciam uma boa história e se prestam a ouvi-la e, na maior parte das vezes, o fazem com grande interesse. Se não continuam a querer ouvir histórias, razão outra não é que a forma ingênua e/ou descompromissada de como o contador a conduz ou, de como caminha o processo da seleção e análise dessas narrativas.
Não se pode mais imaginar que o problema da literatura na sala de aula, esteja ainda relacionado à necessidade de afirmação da mesma como processo de aprendizagem indispensável no mundo infantil, muito menos, pode-se acreditar na idéia de que algum educador não se tenha convencido de sua real importância junto aos educandos. Só resta observar que a grande lacuna em relação ao trabalho com a literatura destinada às crianças reside mesmo na falta de uma base sólida na formação de leitor dos educadores, já inserida num processo cultural que, raríssimas vezes, privilegia a pesquisa e a formação continuada do professor. 
Um dos aspectos essenciais para iniciar a discussão neste universo da leitura e da contação de histórias, diz respeito à qualidade dos textos selecionados e os critérios que norteiam esta análise e sua posterior proposta de contação. Textos selecionados com uma visão simplista, distorcida, utilitarista, sem aprofundamento do universo infantil ou mesmo o desconhecimento dos mecanismos de aprendizagem, dificultam um efetivo trabalho com a leitura da literatura, cuja implementação, embora pautada em incontáveis esforços, tem seus méritos e já é bastante aceita por uma grande parcela da sociedade que assumiu e acreditou no desafio. Ainda que haja muito para fazer, basta observar as inúmeras prateleiras destinas à literatura infantil nas livrarias e bibliotecas de muitas cidades brasileiras. Falta, efetivamente, muito estudo e leitura (também leitura das teorias) para que se faça um levantamento de critérios para análise e seleção desse farto material. Pena que muitos educadores ainda precisem de manual de instrução!
	Se não está aí, o problema pode estar também nas propostas de exploração lúdica do texto lido ou contado, uma vez que, o trabalho posterior à realização da leitura ou contação pode invalidar todo o processo anterior. Novamente a visão utilitarista, pedagogizante e/ou moralizante da literatura, especialmente, a destinada às crianças, nos leva aqueles velhos e conhecidos caminhos: as inesquecíveis provas de interpretação, os questionários de entendimento do texto, “agora é sua vez de contar a história”, o preenchimento de páginas e mais páginas de caderno destacando aspectos óbvios da leitura sem, no entanto, isto nada significar ao aluno. Até mesmo as dramatizações que as crianças tanto gostam acabam sendo chatas e enfadonhas, já que as propostas nada mais são do que a repetição de tudo aquilo que já foi lido ou contado.
	Para um trabalho efetivo, alternativo e, ao mesmo tempo dinâmico com a leitura e a contação de histórias, é imprescindível que o próprio educador possa ressignificar sua experiência pessoal com a narrativa. Garimpar boas histórias, não importa se populares ou literárias. Freqüentar assiduamente a biblioteca. Colecionar narrativas ouvidas na região onde mora e/ou trabalha. Enfim, a relação atuante das histórias em sua vida é a chave que pode contribuir para aumentar seu repertório. Também a formação de grupos de pesquisa para leitura e seleção de textos é importantíssima, uma vez que, possibilita a constante atualização e a troca de experiências. 
Basta alçar vôo, firmar parcerias, investir em leitura. É necessário abrir urgentemente outra página nessa história, cujos primeiros passos, os que dizem respeito à relevância do trabalho com leitura e contação de histórias já foram dados, agora, é seguir para o procedimento seguinte. Que tal?
Escrito, exclusivamente, para as aulas da disciplina de Literatura Infantil. (Cleber Fabiano da Silva) 
Gênero literário
Gênero literário (mais amplamente conhecido como gêneros literários) é geralmente dividido, desde a Antigüidade, em três grupos: narrativo ou épico, lírico e dramático. Essa divisão partiu dos filósofos da Grécia antiga, Platão e Aristóteles, quando iniciaram estudos para o questionamento daquilo que representaria o literário e como essa representação seria produzida. Essas três classificações básicas fixadas pela tradição englobam inúmeras categorias menores, comumente denominadas subgêneros.
1. Gênero narrativo
O gênero narrativo nada mais faz do que relatar um enredo, sendo ele imaginário ou não, situado em tempo e lugar determinados, envolvendo uma ou mais personagens, e assim o faz de diversas formas. A narrativa utiliza-se de diferentes linguagens: a verbal (oral ou escrita), a visual (por meio da imagem), a gestual (por meio de gestos), além de outras.
Quanto à estrutura, ao conteúdo e à extensão, podem-se classificaras obras narrativas em romances, contos, novelas, poemas épicos, crônicas, fábulas e ensaios. Quanto à temática, às narrativas podem ser histórias policiais, de amor, de ficção e etc.
Todo texto que traz foco narrativo, enredo, personagens, tempo e espaço, conflito, clímax e desfecho é classificado como narrativo
2. Gênero lírico
É na maioria das vezes expresso pela poesia. Entretanto é de grande importância realçar que nem toda poesia pertence ao gênero lírico. Esse gênero preocupa-se principalmente com o mundo interior de quem escreve o poema, o eu-lírico, que pode ser também chamado de sujeito lírico, voz lírica ou voz poética. Os acontecimentos exteriores funcionam como estímulo para o poeta escrever. O que é fundamental em um poema é o trabalho com as palavras, que dá margem à compreensão da emoção, dos pensamentos, sentimentos do eu-lírico e, muitas vezes, levam à reflexão, portanto, sendo geralmente escrito na primeira pessoa do singular.
Na poesia moderna encontram-se muitas manifestações poéticas que criticam a realidade social em que ela está inserida e onde está circulando. Um dos papéis mais importantes do poema é manter viva a experiência histórica da humanidade e registrar os preceitos das épocas que vão se transformando.
No entanto, mesmo quando na poesia o escritor fala da sua experiência e/ou do seu tempo, ele o faz de uma forma diferenciada daquela que geralmente se encontra nos registros dos outros gêneros textuais; nesse caso, o poeta faz uso da memória da linguagem de um passado presente, que se alimenta, entre outras coisas, do inconsciente. A importância da palavra no poema é tão relevante que é possível aproveitar toda a riqueza fonética, morfológica e sintática da língua e, através dela, constroem-se várias maneiras de provocar sensações no íntimo do leitor. Devido a essa intensidade de expressão, as obras líricas tendem a ser breves e a acentuar o ritmo e a musicalidade da linguagem.
3. Texto dramático
É composto de textos que foram escritos para serem encenados em forma de peça de teatro. Para o texto dramático se tornar uma peça, ele deve primeiro ser transformado em um roteiro, para depois poder ser transformado em um texto do gênero espetacular.
É muito difícil ter definição de texto dramático que o diferencie dos demais gêneros textuais, já que existe uma tendência atual muito grande em teatralizar qualquer tipo de texto. No entanto, a principal característica do texto dramático é a presença do chamado texto principal, composto pela parte do texto que deve ser dito pelos autores na peça e que, muitas vezes, é induzido pelas indicações cênicas, rubricas ou didascálias, texto também chamado de secundário, que informa os atores e o leitor sobre a dinâmica do texto principal. Por exemplo, antes da fala de um personagem é colocada a expressão: «com voz baixa», indicando como o texto deve ser falado.
Já que não existe narrador nesse tipo de texto, o drama é dividido entre as duas personagens locutoras, que entram em cena pela citação de seus nomes.
"Classifica-se de drama toda peça teatral caracterizada por seriedade, ou solenidade, em oposição à comédia propriamente dita".
POR ONDE ANDA A CHAPEUZINHO?�
	Cada vez mais presentes nas escolas e centros de educação infantil os Contos de Fadas ganham diferentes significados na prática escolar. Numa época em que predominam tantas produções literárias com versões modernas e revisitamentos, qual o sentido de ainda circularem as primeiras versões? Quais motivos levam muitas educadoras ainda trabalharem tais histórias? E, passados tantos séculos, por onde anda a Chapeuzinho? 
Para situarmos um pouco é preciso dizer que o que chamamos de contos de fadas têm sua provável origem na Europa moderna, mas, na verdade, trata-se de algo muito mais antigo na história da humanidade, uma vez que sua gênese está relacionada aos mitos das sociedades passadas e com forte inclinação aos ritos de passagem e de iniciação. Para COELHO (2002, p. 89) “as inúmeras semelhanças de motivos, episódios e personagens que todos apresentam revelam com evidência o fundo comum das fontes orientais, célticas e européia de onde surgiram”. Também pelas características nas quais se evidencia o aparecimento do sobrenatural, do destino e das provas pelas quais passam heróis e heroínas pode-se dizer o mesmo. 
Mas, por que Contos de Fadas, se não estão presentes em todas as histórias a tão querida figura da fada com varinha de condão? Uma das respostas reside no fato de que, etimologicamente, a palavra fada, do latim fatum, significa destino, fatalidade. Então, se nos perguntarmos se todas essas histórias dão conta de mostrar os desafios enfrentados pelos personagens e como eles, ao resolver seus conflitos, dão novo sentido ao destino de suas vidas, compreende-se com mais facilidade a terminologia utilizada. Dessa forma, O Barba Azul, O Gato de Botas, Cinderela, O Pequeno Polegar, Rapunzel, O Rei Sapo... entre outros, nos quais a fada não aparece enquanto personagem, também são denominados Contos de Fadas.
Como tantos são os contos quanto os desafios e provas pelas quais somos submetidos na vida, vamos aprofundar um pouco nosso estudo nos detendo num dos mais conhecidos: a mundialmente famosa história da menina que usava um capuz vermelho e, cuja intenção, era visitar a avó doente no outro lado da floresta. Esta versão, recolhida da tradição oral e escrita pela primeira vez pelo francês Charles Perrault� em 1697, nos Contos da Mamãe Gansa possui um final trágico. Na narrativa francesa, como em quase todas as outras versões existentes, ao encontrar-se com o lobo na floresta e, após ser desafiada por ele para ver quem chegava primeiro na casa da avó, Chapeuzinho não segue seu destino conforme recomendado, ora fica encantada com as flores e borboletas do caminho, ora com o desejo de uma corrida, o fato é que como qualquer criança faz seu trajeto brincando. 
Muito importante reconhecer que na versão primeira de Perrault está incluída de forma bastante explícita a moral da história. Logo após o conhecido discurso no qual Chapeuzinho questiona o porquê do nariz, dos olhos, do ouvido e da boca serem tão grandes, o lobo a devora, terminando abruptamente a história. Então, eis o texto que segue:
MORAL DA HISTÓRIA: Vimos aqui que os jovens, sobretudo, as mocinhas, belas, elegantes e gentis, fazem muito mal de escutar todo tipo de gente. E se fazem-no, não é surpresa que por isso o lobo as devore. Eu digo o “lobo”, pois nem todos os lobos são da mesma espécie. Existe um que é de humor cortês, sem fama, sem fel, nem irritação. Acompanham doces e complacentes as jovens senhoritas até suas casas e seus quartos. Mas ai de quem não sabe que esses doces lobos são de todos os lobos os mais perigosos!�
 Importante recordarmos o contexto histórico-social no qual vivia a criança no século XVII. Não de maneira diversa das outras crianças cujos destinos também eram frágeis, essa narrativa representa a passividade total da criança em relação aos perigos e agruras da vida. Basta lembrar de tudo o que nos diz Phillip Arriès, na História Social da Família e da Criança e de tantos estudos e teses que mostram a perspectiva da criança nos séculos que nos antecederam, seja como um adulto em estado menor, seja como indivíduo à espera de tornar-se adulto para então iniciar seu processo de inclusão social.
Passados quase dois séculos depois de Perrault, também recolhida da oralidade e escrita pelos Irmãos Grimm na Alemanha de 1857 na obra Die Kinder und Hausmärchen ou Contos para Crianças e para o Lar, Chapeuzinho Vermelho é marcada por um desfecho de estrutura bastante diferenciada. Em vez do final trágico da primeira versão, aparece uma figura masculina redentora. Impossível escapar novamente ao entendimento de que estando Chapeuzinho vivendo numa sociedade pós Revolução Francesa e, pensando historicamente a criança, esta, longe de como a conhecemos hoje, já possui um tempo e um espaço mais privilegiado. Prova evidente desse fato é que,após a avó e a neta serem resgatadas vivas de dentro do lobo, Chapeuzinho ajuda o caçador a destruí-lo colocando pedrinhas na barriga dele. O que aparentemente parece simples pode representar um discurso sugerindo que a criança não está apenas sujeita passivamente ao “mal” do mundo, mas fazendo algo por si mesma, ou seja, colaborando na resolução do seu destino.
Na versão dos Irmãos Grimm, a mãe de Chapeuzinho evidencia esta relação logo no início da história, demonstrando pleno conhecimento do comportamento de sua filha. Vale a pena lembrar as importantes recomendações dadas para a menina antes de sua empreitada rumo à casa da avó:
	
Trate de sair agora mesmo, antes que o sol fique quente demais, e, quando estiver na floresta, olhe para a frente como uma boa menina e não se desvie do caminho. Senão pode cair e quebrar a garrafa, e não sobrará nada para a avó. E quando entrar, não se esqueça de dizer bom-dia e não fique bisbilhotando pelos cantos da casa.
Mas, seria possível afirmar que essa “desobediência” de Chapeuzinho Vermelho possui ambigüidade capaz de sugerir a emancipação sexual feminina? Segundo, Claude Levi-Strauss, “em todo canto do mundo, o pensamento humano parece conceber uma analogia tão estreita entre o ato de copular e o de comer que muitas línguas designam essas duas coisas pela mesma palavra”. Também CORSO (2006, p. 55) afirma que Chapeuzinho “está interessada em saber no que ele (lobo) está interessado”, que é mais “curiosidade, digamos teórica, que a pretensão de chegar a algum tipo de envolvimento erótico com seu sedutor” e que a história “trabalha o tema da sexualidade infantil dentro do território do possível e necessário para as crianças pequenas. Ter uma sexualidade, sabê-la e exercê-la são três coisas bem distintas”. Em síntese: “a menina pode não saber que jogo está sendo jogado, mas é inegável seu interesse em participar”. As ilustrações abaixo, dos franceses Gustave Dorè e Eugène Feyen, sinalizam algo semelhante. 
 
	Muito antes das discussões modernas sobre aprendizagem, dos estudos da psicologia desenvolvimentista e até mesmo precedendo Rousseau e seu manual sobre Educação, as velhas contadoras de histórias, fonte segura de onde Perrault e os Irmãos Grimm recolheram suas narrativas, sugerem o processo de aprendizado nas crianças pequenas. É interessante observar como a descoberta do lobo “transformado” em avó se dá a partir dos sentidos. Esse descortinar-se do desconhecido vai gradualmente ocorrendo a partir da visão, audição, olfato, tato até chegar finalmente ao paladar, quando então, o próprio lobo sabe que não tem mais como esconder-se. Em CORSO (2006, p. 57) “a boca cumpre múltiplas funções quando se é muito pequeno, além de fonte de saciedade, prazer e conhecimento, ela é uma espécie de portal” e “só aquilo que se engole é factualmente passível de ser possuído e controlado”. Há que se lembrar também de Kronos, o deus mitológico do tempo, que devorava seus filhos para só então conhecê-los como experiência real. 
Outro aspecto importante refere-se a principal característica constitutiva da menina que aparece com o título do original: Le Petit Chaperon Rouge, mantido em todas as versões e traduções. Interessante notar que o adjetivo da cor é invariável (vermelho, rouge, rojo, red, rosso...) enquanto o grau de seu substantivo está sempre no diminutivo. Disso resulta uma leitura possível sobre o rito de passagem, de transformação da fragilidade, inexperiência, ingenuidade ou mesmo curiosidade em força, garra, experiência, desejo. Também possibilidades a respeito da iniciação e da emancipação feminina, na delicada mudança menina-mulher, presente na sociedade ocidental, durante todos os séculos de existência do conto.
Eis uma primeira pista pela qual se mostra importante o trabalho com as crianças a partir dos clássicos Contos de Fadas. Uma experiência com o real a partir do simbólico, como um produto do saber humano, pelo fato de que eles trabalham com experiências fundamentais do existir, como afirma COELHO, “abordam, simbolicamente, as dificuldades mais sérias que o crescimento pressupõe, mas demonstram também que se enfrentarmos com coragem esses problemas podemos superá-los. Esse movimento interno, esse brincar interiorizado e imaginativo é essencial para que outras aprendizagens se possam fazer”. 
Nessa perspectiva a importância está no fato de que esses contos possibilitam uma mediação simbólica a partir de uma leitura sensível da realidade e de aspectos constitutivos da condição humana. Uma forma alternativa de lidar com o excesso de narrativas veiculadas pelos meios de comunicação de massa que não chegam a representar experiências significativas com os grandes conflitos e questionamentos humanos. 
 Além do que psicólogos e psicanalistas vem discutindo sobre seu valor terapêutico e questões do gênero, cabe aos pedagogos e demais licenciados que trabalham com crianças, especialmente, os que atuam no campo da Educação Infantil, perceber tantas outras características e relevâncias que não compete somente a esses profissionais, uma vez que são discussões constitutivas da nossa área específica. Prova evidente disso, é o que nos diz o psicanalista BETTELHEIM (1998 p. 20):
O prazer que experimentamos quando nos permitimos ser suscetíveis a um conto de fadas, o encantamento que sentimos não vem do significado psicológico de um conto (embora isto contribua para tal) mas de suas qualidades literárias – o próprio conto como uma obra de arte. O conto de fadas não poderia ter seu impacto psicológico sobre a criança se não fosse primeiro e antes de tudo uma obra de arte. (...) Os contos de fadas são ímpares, não só como uma forma de literatura, mas como obras de arte integralmente compreensíveis para a criança, como nenhuma outra forma de arte o é.
Dessa forma, justifica-se sua presença nas instituições de ensino e convida-nos ao estudo e aprofundamento dos contos enquanto categoria de arte, atendendo ao estatuto estético e ético do trabalho com a literatura destinada às crianças. 
Para tanto, torna-se necessário que o professor permita a criança um resgate dessas histórias recolhidas nas antigas veillès, encontros noturnos, junto à lareira, para troca de notícias e histórias que faziam parte da vida de trabalho do artesão e do agricultor nas cidades e no campo. Mas é preciso muito cuidado e estar atento para a qualidade dessas traduções, evitando adaptações simplistas, moralistas e descarregadas de seu valor simbólico e literariedade:
O conto de fadas, atua na mente infantil, enriquecendo suas experiências internas. É necessário que o texto não sofra as mutilações da adaptação, pois os símbolos organizam-se na história formando uma composição, cujos elementos não podem ser dissociados, sob pena de prejudicar a sua significação global.
	Um outro cuidado deve estar ligado ao apelo exacerbado que a mídia exerce sobre nossas crianças, bem como, as propostas literárias, televisivas, para discos, desenhos animados, histórias em quadrinhos, brinquedos, softwares “educativos”, grifes de roupas infantis, entre outros, todos subprodutos que exploram os personagens dos Contos de Fadas e o uso das obras como pretexto para uma série de outros interesses que não a leitura do mesmo. Assim, pode-se imaginar a quantidade de situações nas quais o leitor é vítima do grande filão mercadológico que se tornou a literatura infantil em nosso país. 
Afinal de contas, por onde anda a Chapeuzinho Vermelho em tempos modernos? Basta observarmos as propagandas recentes mais arrojadas para encontrarmos os passos da menina do capuz vermelho, seja em comercial de automóvel questionando o porquê de grandes faróis ou mesmo em produtos de beleza feminina associando as mais diversas fases da mulher aos tradicionais contos de fadas. 
Não podemos esquecer que ela ficou “amarelada de medo” na versão de Chico Buarque, dominando pela palavra seu pavor pelo lobo. Andou até mesmo na gostosamineirice de Guimarães Rosa com sua Fita Verde no Cabelo e deixou nada satisfeita a vovozinha na versão moderna de Mário Prata, em cujo final, depois de tantos questionamentos sobre o tamanho dos olhos, do nariz, da boca, a avó levanta da cama com as mãos na cintura e pergunta irritada:
 __ Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?!
Contudo, é pelo estilo hábil e inventivo de Maurício de Souza como nos mostra a próxima figura, que Chapeuzinho encontra espaço na sociedade contemporânea brasileira, antecipando e tomando as rédeas de seu fatum, destino para, a exemplo de nossas crianças, deixar “lobos a ver navios...”
 
BREVE HISTÓRICO DA LITERATURA INFANTIL
CHARLES PERRAULT – França – 1697
Contos da Mamãe Gansa – Contes de ma Mère l’Oye. 
IRMÃOS GRIMM – Alemanha – 1812 
Contos para Crianças e para o Lar – Die Kinder und Hausmärchen. 
HANS CHRISTIAN ANDERSEN – Dinamarca – 1835
Contos para Crianças.
LEWIS CARROLL – Inglaterra – 1865
Alice no País das Maravilhas – Alice’s Adventures in Wonderland.
CARLO COLLODI – Itália – 1883 
As Aventuras de Pinóquio – Le avventure di Pinocchio. 
JAMES M. BARRIE – Escócia – 1904
Peter Pan – o menino que não queria crescer.
MONTEIRO LOBATO – Brasil 
A menina no narizinho arrebitado – 1920 
Reinações de Narizinho – 1931
LYGIA BOJUNGA – BRASIL
A Bolsa Amarela - 1982
O Sítio do Picapau Amarelo é uma criação de Monteiro Lobato, escritor brasileiro.
A obra é das mais originais da literatura infanto-juvenil no Brasil e o primeiro livro da série foi publicado em Dezembro de 1920. A partir daí, Monteiro Lobato continuou escrevendo livros infantis de sucesso, com seu grupo de personagens que vivem histórias mágicas: Emília, Narizinho, Pedrinho, Marquês de Rabicó, Conselheiro, Quindim, Visconde de Sabugosa, Dona Benta, Tia Nastácia, Tio Barnabé, Cuca, Saci, etc. Os personagens principais moram ou passam boa parte do tempo no sítio pertencente à avó dos garotos, batizado com o nome de Picapau Amarelo, de onde vem o título da série.
	Monteiro Lobato
	��
	Monteiro Lobato na Cia. Editora Nacional
	Nome completo
	José Bento Renato Monteiro Lobato
	Nascimento
	18 de Abril de 1882
Taubaté
	Morte
	4 de Julho de 1948 (66 anos)
São Paulo
	Nacionalidade
	��brasileiro
	Ocupação
	escritor
Lygia Bojunga Nunes
Lygia Bojunga nasceu em Pelotas, Rio Grande do Sul, em 26 de agosto de 1932. Aos oito anos mudou-se para o Rio de Janeiro. Adolescente, estudou por dois anos em Belo Horizonte, retornando, depois, ao Rio. Escolheu estudar Medicina, mas desistiu de prestar vestibular porque se tornou atriz profissional. Do teatro foi para a tevê e para o rádio, representando, escrevendo roteiros, traduzindo e adaptando peças e livros para serem encenados. Apaixonou-se pela literatura e passou a escrever livros. Recebeu muitos prêmios nacionais e internacionais. Em 1982, pelo conjunto de sua obra, recebeu a medalha "Hans Christian Andersen", o mais importante prêmio internacional do gênero. 
Casou-se com um inglês e por isso vive uma parte de seu tempo em Londres e outra parte no Rio de Janeiro. 
Obras
Os Colegas - 1972 
Angélica - 1975 
A Bolsa Amarela - 1976 
A Casa da Madrinha - 1978 
Corda Bamba - 1979 
O Sofá Estampado - 1980 
Tchau - 1984 
O Meu Amigo Pintor - 1987 
Nós Três - 1987 
Livro, um Encontro - 1988 
Fazendo Ana Paz - 1991 
Paisagem - 1992 
Seis Vezes Lucas - 1995 
O Abraço - 1995 
Feito à Mão - 1996 
A Cama - 1999 
O Rio e Eu - 1999 
Retratos de Carolina - 2002 
A Bolsa Amarela - 2005 
Aula de Inglês - 2006 
Sapato de Salto - 2006 
Dos Vinte 1 - 2007 
 Prêmios;
1982 - Prêmio Hans Christian Andersen 
1973 - Prêmio Jabuti 
 A Bolsa Amarela
“Eu tenho que achar um lugar pra esconder as minhas vontades. Não digo vontade magra, pequenininha, que nem tomar sorvete a toda hora, dar sumiço na aula de matemática, comprar um sapato novo, que eu não aguento mais o meu. Vontade assim todo mundo pode ver, não tô ligando a mínima. Mas as outras – as três que de repente vão crescendo e engordando toda a vida – ah, essas eu não quero mais mostrar. De jeito nenhum.Nem sei qual das três me enrola mais. Às vezes acho que é a vontade de crescer de uma vez e deixar de ser criança. Outra hora acho que é a vontade de ter nascido garoto em vez de menina. Mas hoje tô achando que é a vontade de escrever.Já fiz de tudo pra me livrar delas. Adiantou? Hmm! É só me distrair um pouco e uma aparece logo. Ontem mesmo eu tava jantando e de repente pensei: puxa vida, falta tanto pra eu ser grande. Pronto: a vontade de crescer desatou a engordar, tive que sair correndo pra ninguém ver.A bolsa amarela não tinha fecho. Já pensou? Resolvi que naquele dia mesmo eu ia arranjar um fecho pra ela.Peguei um dinheiro que eu vinha economizando e fui numa casa que conserta e reforma bolsas. Falei que queria um fecho e o vendedor me mostrou um, dizendo que era o melhor que ele tinha. Custava muito caro, meu dinheiro não dava. - E aquele? – apontei. Era um fecho meio pobre, mas brilhando que só vendo.O homem fez cara de pouco caso, disse que não era bom. Experimentei. - Mas ele abre e fecha tão bem.O homem disse que o fecho era muito barato: ia enguiçar. Vibrei! Era isso mesmo que eu tava querendo: um fecho com vontade de enguiçar. Pedi pro vendedor atender outro freguês enquanto eu pensava um pouco. Virei pro fecho e passei uma cantada nele: - Escuta aqui fecho, eu quero guardar umas coisas bem guardadas aqui dentro dessa bolsa. Mas você sabe como é que é, não é? Às vezes vão abrindo a bolsa da gente assim sem mais nem menos; se isso acontecer você precisa enguiçar, viu? Você enguiça quando eu pensar “enguiça”, enguiça?O fecho ficou olhando pra minha cara. Não disse que sim nem que não. Eu vi que ele tava querendo uma coisa em troca.- Olha, eu já vi que você tem mania de brilhar. Se você enguiçar na hora que precisa, eu prometo viver polindo você pra te deixar com essa pinta de espelho. Certo?O fecho falou um tlique bem baixinho com todo o jeito de “certo”. Chamei o vendedor e pedi pra ele botar o fecho na bolsa.”
LITERATURA INFANTIL: VOZ DE CRIANÇA
Desde os primórdios, a literatura infantil surge como uma forma literária menor, atrelada à função utilitário-pedagógica que a faz ser mais pedagogia do que literatura. Contar histórias para crianças sempre expressou um ato de linguagem de representação simbólica do real direcionado para a aquisição de modelos lingüísticos. O trabalho com tais signos remete o texto para alguma coisa fora dele, de modo a resgatar dados de um real verossímil para o leitor infantil. Este, tratado fisionomicamente sob o “modo de ser” do adulto, reflete-se para a produção infantil como um receptor engajado nas propostas da escola e da sociedade de consumo. Deverá, sobretudo, apreender, via texto literário infantil, a verdade social. 
	Nesse universo, opera-se por associações mais simples de pensamento, as de contigüidade, feitas com base na proximidade explícita e compulsória entre os elementos da cadeia significativa: texto-contexto. Lógica comandada pelos princípios de sucessividade e de linearidade, o que corresponde ao resgate do tempo real com base na verossimilhança pretendida como uma lei absoluta da linguagem discursiva.
	Portanto, se considerarmos o arranjo do discurso literário sob a operação da contigüidade dos signos, em convenção simbólica, mais nos aproximamos do uso social desse discurso, reforçando as estruturas vigentes em Educação. Isso, sem discutir o tratamento apontado pela escola ao decidir as respostas da criança na leitura do texto literário: passividade e persuasão acompanham a recepção dos modelos da verdade verossímil; ainda a voz da lei pedagógica em exercício literário. 
	Os “bastidores” da produção do livro estão ocultos, e à leitura sóresta seguir índices, rastros que desembocam, inevitavelmente, num ponto terminal: o hábito comportamental que se quer ensinar. Esse é o caso de todo um tipo de produção para a infância tida por nova para enfrentar o cotidiano; a chamada literatura “realista” para o público infantil. O que se nomeia por realista, aí, outra coisa não é senão trazer para o texto um conjunto de temáticas – pobreza, menor abandonado, pais separados, sexo, etc. – vinculadas, por contigüidade, ao contexto social no qual se pretende inserir a criança. Construção plana, previsível, sem surpresas, numa linguagem que tem por tarefa, apenas, ser canal expressivo de valores e de conceitos fundados sobre a realidade social. 
Linguagem carregada de ideologia que permeia cada fala do narrador, cada diálogo das personagens, e tem um destinatário certo: o leitor infantil, cujo pensamento se pretende capturar. Não há possibilidade de respostas alternativas nesse processo educativo autoritário que só admite à criança a função de aprendiz passivo frente à voz todo-poderosa do narrador e de seu enfoque da realidade social. Seguindo essa trilha, não é preciso dizer, estão os produtos com menor grau de invenção e de liberdade poética criativa, perdem em poeticidade o que ganham em imediatismo e em praticidade. 
Temos aqui descrita uma frente literária comum não apenas à grande parte da produção infantil contemporânea, mas também àquela não-infantil. Desnecessário se torna falar dessa qualidade literária à margem de um contexto de produção que se nega a especular sobre a natureza sensível da linguagem infantil; ao contrário, troca o inventar poético pelo modelo consumista do discurso literário.Pound consideraria essa classe da produção literária como sendo a dos diluidores, “homens que trabalham mais ou menos bem, dentro do estilo mais ou menos bom de um período. Desses estão cheias as deleitosas antologias, assim como os livros de canções e a escolha entre eles é uma questão de gosto”.
Tomando-se literário no sentido estrito que lhe dá Jakobson, isto é, enquanto função poética (projeção do eixo da similaridade sobre o da contigüidade), assumir a dominante poética nos textos da literatura infantil é configurar um espaço onde equivalências e paralelismos dominam, regidos por um princípio de organização basicamente analógico, que opera semelhanças entre os elementos. Espaço no qual a linguagem informa, antes de tudo, sobre si mesma. Linguagem-coisa com carnadura concreta, desvencilhando-se dos desígnios utilitários de mero instrumental. Palavra, som e imagem constroem, simultaneamente, uma mensagem icônica que se faz por inclusão e síntese, sugerindo sentidos apenas possíveis. É a informação lançada no horizonte precário da arte feito de “um retalho de impalpável, outro de improvável, cosidos todos com a agulha da imaginação” (Machado de Assis). Cada coisa, cada ser pode ter similaridade com outros, redescobrindo o princípio da correspondência que os integra no todo universal; nesse fugaz instante entre o dito e o não-dito.
O pensamento infantil é aquele que está sintonizado com esse pulsar pelas vias do imaginário. E é justamente nisso que os projetos mais arrojados de literatura infantil investem, não escamoteando o literário, nem o facilitando, mas enfrentando sua qualidade artística e oferecendo os melhores produtos possíveis ao repertório infantil, que tem a competência necessária para traduzi-lo pelo desempenho de uma leitura múltipla e diversificada. Leitura que segue trilhas,lança hipóteses, experimenta, duvida, num exercício de experimentação e descoberta. Como a vida. 
Investe-se na inteligência e na sensibilidade da criança, agora sujeito de sua própria aprendizagem e capaz de aprender do e com o texto. Educação simultânea do par texto-leitor, ambos repertoriamente acrescidos e modificados no momento da leitura. É por isso que, ao se falar dos textos de literatura infantil sob a dominante estética, põe-se em risco a própria categorização de infantil e, mais ainda, do possível gênero de literatura infantil, já que não se trata mais de falar a esta ou àquela faixa etária de público, mas assim de operar com determinadas estruturas do pensamento – as associações por semelhança – comuns a todo ser humano.
É por isso, também, que obras não-elaboradas com a intenção de falar ao público infantil acabaram por atingi-lo. É o caso de Lewis Carroll e suas Alices, de Guimarães Rosa em muitos de seus contos, entre tantos outros.
	
PALO, Maria José. Literatura Infantil: voz de criança. São Paulo: Ática, 1992.
 
CELEBRAÇÃO DA DESCONFIANÇA
	No primeiro dia de aula, o professor trouxe um vidro enorme:
__ Isto está cheio de perfume – disse a Miguel Brun e aos outros alunos.
__ Quero medir a percepção de cada um de vocês. Na medida em que sintam o cheiro, levantem a mão. 
	E abriu o frasco. Num instante, há havia duas mãos levantadas. E logo cinco, dez, trinta, todas as mãos levantadas. 
	__ Posso abrir a janela, professor? – suplicou uma aluna enjoada de tanto perfume, e várias vozes fizeram eco. O forte aroma, que pesava no ar, tinha se tornado insuportável para todos.
	Então o professor mostrou o frasco aos alunos, um por um. Estava cheio de água. 
GALEANO, Eduardo. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L & PM, 1995.
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CAUSOS / 1
Nas fogueiras de Paysandú, Mellado Iturria conta causos. Conta acontecidos. Os acontecidos aconteceram alguma vez, ou quase aconteceram, ou não aconteceram nunca, mas têm uma coisa de bom: acontecem cada vez que são contados. Este é o triste causo do bagrezinho do arroio Negro. 
Tinha bigodes de arame farpado, era vesgo e de olhos saltados. Nunca Mellado tinha visto um peixe tão feio. O bagre vinha grudado em seus calcanhares desde a beira do arroio, e Mellado não conseguia espantá-lo. Quando chegou ao casario, com o bagre feito sombra, já tinha se resignado.
	Com o tempo, foi sentindo carinho pelo peixe. Mellado nunca tinha tido um amigo sem pernas. Desde o amanhecer o bagre o acompanhava para ordenar e percorrer campo. Ao cair da tarde, tomavam chimarrão juntos; e o bagre escutava suas confidências. Os cachorros, enciumados, olhavam o bagre com rancor; a cozinheira, com más intenções. Mellado pensou em dar um nome para o peixe, para ter como chamá-lo e para fazer-se respeitar, mas não conhecia nenhum nome de peixe, e batizá-lo de Sinforoso ou Hermenegildo poderia desagradar a Deus. 
	Estava sempre de olho nele. O bagre tinha uma notória tendência às diabruras. Aproveitava qualquer descuido e ia espantar as galinhas ou provocar os cachorros: __ Comporte-se – dizia Mellado ao bagre.
Certa manhã de muito calor, quando as lagartixas andavam de sombrinha e o bagrezinho se abanava furiosamente com as barbatanas, Mellado teve a idéia fatal: __ Vamos tomar banho no arroio – propôs.Foram os dois. E o bagre se afogou. 
GALEANO, Eduardo. O Livro dos Abraços. Porto Alegre: L & PM, 1995.
		
FITA VERDE NO CABELO
Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. 
Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo. 
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas. 
Daí, que, indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela, mesma, era quem se dizia: – Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou. 
A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensaque vê, e das horas, que a gente não vê que não são. 
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vinha-lhe correndo, em pós. 
Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. 
Vinha sobejadamente. 
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu: 
– Quem é? 
– Sou eu… – e Fita-Verde descansou a voz. – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com a fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou. 
Vai, a avó, difícil, disse: – Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe. 
Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou. A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: – Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo. 
Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou: 
– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes! 
– É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta… – a avó murmurou. 
– Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados! 
– É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta… – a avó suspirou. 
– Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido? 
– É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha… – a avó ainda gemeu. 
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez. Gritou: – Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!… 
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo. 
ROSA, João Guimarães. Fita Verde no Cabelo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
O PATINHO REALMENTE FEIO
	Era uma vez uma mamãe pata e um papai pato que tinham sete bebês patinhos. Seis eram patinhos normais. O sétimo, porém, era um patinho realmente feio. Todo mundo dizia: “Mas que bando de patinhos tão bonitinhos... Todos, menos aquele ali. Puxa, mas como ele é feio!”
	O patinho realmente feio ouvia o que as pessoas diziam, mas ele nem ligava. Sabia que um dia iria crescer e provavelmente virar um cisne, muito maior e muito mais bonito do que qualquer ave do lago.
	Bem, só que no fim ele era apenas um patinho realmente feio. E, quando cresceu, tornou-se apenas um pato grande realmente muito feio. FIM. 
SCIESZKA, Jon. O patinho realmente feio e outras histórias malucas. São Paulo: Cia.das Letrinhas, 1997. 
O OUTRO PRÍNCIPE SAPO
	Era uma vez um sapo. Certo dia, quando estava sentado na sua vitória-régia, viu uma linda princesa descansando à beira do lago. O sapo pulou dentro da água, foi nadando até ela e mostrou a cabeça por cima das plantas aquáticas. “Perdão, ó linda princesa” – disse ele com sua voz mais triste e patética.“Será que eu poderia contar com a vossa ajuda?”
	A princesa estava prestes a dar um salto e sair correndo, mas ficou com pena daquele sapo com sua voz tão triste e patética. Assim, ela perguntou: “O que eu posso fazer para te ajudar, sapinho?” “Bem” – disse o sapo. “Na verdade, eu não sou um sapo, mas um belo príncipe transformado em sapo pelo feitiço de uma bruxa malvada. E esse feitiço só pode ser quebrado pelo beijo de uma linda princesa”.
	A princesa pensou um pouco, depois ergueu o sapo nas mãos e lhe deu um beijo. “Foi só uma brincadeira” – disse o sapo. E pulou de volta no lago, e a princesa enxugou a baba de sapo dos seus lindos lábios. FIM. 
SCIESZKA, Jon. O patinho realmente feio e outras histórias malucas. São Paulo: Cia das Letrinhas, 1997. 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura: a formação do leitor: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1994.
BRERNBLUM, Andréa Por uma Política de formação de leitores – Brasília:Ministério da 
Educação Básica 2009.
BARTHES, Roland. O prazer do Texto. São Paulo: Perspectiva, 1987.
BETELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Trad. Arlene de Caetano. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. Trad. Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena, 1990.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática, 1991.
CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil: teoria e prática. São Paulo: Ática, 1983.
FOUCAMBERT, Jean. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 1993.
LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 1983.
LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. Literatura Infantil Brasileira: História e histórias. São Paulo: Ática, 1984.
LOBATO, Monteiro. A barca de Gleyre. São Paulo: Brasiliense, 1951.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
MILANESI, Luiz. O que é biblioteca. São Paulo: Brasiliense, 1988
MISTRY, Nilesh. A volta ao mundo em 52 histórias. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2004.
MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1995. 
SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura na escola e na biblioteca. 2.ed. Campinas: Papirus, 1986.
TATAR, Maria. Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
ZILBERMAN, Regina. A Literatura infantil na escola. São Paulo: Global Editora, 1981.
ZILBERMAN, Regina (org.). Leitura em crise na escola. 7.ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1998.
PARA REFLETIR:
Quais as características de uma obra literária? Que critérios devemos levar em consideração para selecionar uma narrativa para crianças?
, 
Professor: as histórias contidas nessa obra constituem ótimos exemplos de revisitamentos dos clássicos. 
“Ah! que mundos diferentes, o do adulto e o da criança! Por não compreender isso e considerar a criança “um adulto em ponto pequeno”, é que tantos escritores fracassam na literatura infantil e um Andersen fica eterno.” Monteiro Lobato
PARA REFLETIR:
O que acontece quando alguém conta uma história? Que efeito é esse que une as pessoas numa experiência singular?
Anda mamãe muito iludida, pensando que aprendo muita coisa na escola... Puro engano. Tudo quanto sei me foi ensinado por vovó, durante as férias que passo aqui. Só vovó sabe ensinar. Não caceteia, não diz coisas que não entendo. Apesar disso, tenho cada ano, de passar oito meses na escola. Aqui só passo quatro...
								Monteiro Lobato
 “Talvez uma das funções mais importantes da arte consista em conscientizar os homens da grandeza que eles ignoram trazer em si”.
André Malraux
"Saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção"
“ PAULO FREIRE”
1A obra chamava-se, originalmente, Histoires ou Contes du Temps Passè, avec des Moralités ou Contes de ma Mère l’Oye – Histórias ou contos do tempo passado com moralidades ou Contos da Mamãe Gansa.
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