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ACR036_TEXTO_01_COSTA_atribuição_valor_patrimônio

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, ,8 Urn olhar contemporaneo sabre a preserva~ao do patrirnonio cultural material
rante as grandes obras dos tempos de Rodrigues Alves e Pereira Passos e cerra vontade
de conciliar 0 progresso necessario com a conserva~ao de remanescentes importantes do
passado. Essa vontade nao estava presente, com cerreza, no momento do arrasamento do
morro do Castelo em 1922, mas a perda da acropole carioca pode ter provocado como
rea~ao urn incremento da vontade preservacionista que daria no Sphan de 1937.
Meu objetivo com este trabalho e mostrar como 0 conceito de patrimonio historico
eartfstico foi conligurado no Brasil ao longo do seculo XIX, desde a Independencia. Nao
resisto a uma curiosidade final ao comparar 0 indice do livro de Moreira de Azevedo
com a lista dos imoveis tombados no Rio de Janeiro, no ana inicial dos tombamentos
no Brasil: as listas nao coincidem totalmente, mas ha semelhan~as incrlveis: Moreira -
de Azevedo anoia 51 itens; 0 Sphan tombou 52 bens, em 1938. Em ambas listas, hi 20
ediffcios religiosos. Nas duas, liguram 28 ediffeios de arquitetura civil e olicial e dois
ediffcios militares. Na !ista 4e Moreira deAzevedo, hi tres imoveis construidos no seculo
XVI. 0 Sphan tombou dois imoveis construidos naquele seculo. Em ambas as listas,
constam seis bens do seculo XVII. Para 0XVIII, hi 16 imoveis de Moreira de Azevedo, -
contra 22 do Sphan. Sao 36 contra 21 no XIX.
Para licar bonito, termino com Manuel Bandeira. Ao lamentar, em 1929, a demo-
li~ao do solar de Megaipe, em Recife, ele escreveu: "Tradicionalistas pobres de Pernam-
buco. .. e de todo 0 Brasil, 0 momento e bem duro para nos que nao dispomos senao de
Iagrimas lfricas. Depois da casa de Megaipe chegara a vez da SeVelha da Bahia ...".JO
E, depois de lamentar a ina~ao dos governadores da Bahia, que" deixaram arruinar-
se0 solar dos Aguiares e nao lizeram nada para conservar e restaurar os belos monumenros
coloniais de Salvador", acrescenta:
Certamente a a~ao dos governantes nao basta. E pteciso despertar a consciencia do valor dessas
reliquias na mentalidade dos detentores eventuais delas. Criar 0 ambiente uadicionalista. Chorat
muitas lagrimas Iiricas... E, na frase de Heine posta em epigrafe aos Manuscritos de Stenio, "esperar
30 BANDEIRA, ManueL er5·
nicas da Provincia do Brasil.
Sao Paulo; (osacNaify,2oo6.
ATRIBUIGAO DE LOR AU PATR
M ERIALE IAl: AflNAt COM
QUAl PAIRIMONIU NOS PREUeO MOS7*
HELOISA HELENA FERNANDES GONGALVES DA COSTA**
o Teja emais belo que 0 rio que carrepela minha aldeia
Mas 0 Tejo naa emais belo que 0 rio que carrepela minha aldeia
Porque 0 Tejonao eo ria que carrepela minha aldeial
IE e objeto de nossa preocupa~ao, devemos,antes de tudo, resgatar a pergunta: com qual
patrimonio nos preocupamos?
A no<;:aoampliada de patrimonio cultural, que vem se expandido desde a segunda
metade do seculo XX, tern levado os pesquisadores a refietirem sobre quais e quanros
sao os tipos de patrimonio com os quais se necessita trabalhar, quais bens devem ser
preservados e como e quando lhes atribuir valor.
* Artigo baseado na comunica,ao proferida durante a mesa-redonda "A diversidade do patrimonio material: a
atribui,ao de valores", realizada no dia 02 de outubro de zo07 no ambito do Seminario Internacional Um o/har
contemporoneo sobre a preserva,Qo do patrim8nio cultural material.
** Heloisa Helena F. Gon,alves da Costa e museologa e historiadora, bacharel e licenciada no Museu Historico
Nacional e na Universidade Federal Fluminense. Mestre em Ciencias Sociais pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA) e Doutora em Sociologia pela Universite du Quebec a Montreal (UQAM)_ Atualmente, e professora do
Departamento de Museologia da UFBA e !idera um Grupo de Estudos em Museologia, Museus e Monumentos
(Gremm). Tambem e membro ativo do Forum Unesco Universidades e Patrimonio.
1 Poema "0 guardadorde
rebanhos", verso 'IJ.., de
Alberto Caieiro, urn dos
heteronimos de Fernando
Pessoa. Sele~iioPoetica. Rio
de Janeiro: Instituto Nacional
do Uvro/Companhia lose
Aguilar, 1971.
Mas de que patrimonio se esra falando? Para responder a pergunta, e necessario
recorrer a mais recente lista produzida pela Organiza~ao das Na~6es Unidas para a
Educac;:ao, a Ciencia e a Satide (Unesco),z na qual estao relacionados todos os tipos de
patrimonio cultural assim considerados:
[00'] cidades histoticas; paisagens cultutais; territorios sagrados; heran\a culrural submersa; museus;
artesanato; hetan\a documental/digital; documentos cinematograficos; tradi\6es orais; linguas;
festivais folcloticos; ritos e cren\as; musica e can\6es; artes cenicas; medicina tradicional; literatura;
tradi~6es culinarias; esporres e jogoS.3
Essa lista mostra que ha uma imensa variedade de bens que atualmente estao inseri-
dos na categoria depatrimonio. Edessa imensa variedade de objeros de estudo queseesra
falando atualmente, eo patrimonio universal e urn grande desafio para os profissionais
de muse us quando a reRexao se volta para as func;:6esbasicas dessasinstitui~6es culturais.
Como coletar e conservar, por exemplo, territorios sagrados, medicina tradicional ou
heran~a cultural submersa sem correr 0 risco de se cometer graves erros e inadequa~6es?
Como planejar as formas de expor festivais folcloricos? Com estas perguntas, pretende-
se enfatizar a necessidade que os profissionais de museus estao tendo em reciclar ideias,
especializar-se em novastecnologias de informa~ao e de comunica~ao (NTIC) e trabalhar
as quest6es da gestao institucional para fazer frente aos novos desafios do seculo XXI, no
que diz respeiro a salvaguarda do patrimonio cultural universaL
Nas recentes analises sobre as novas estrategias de gestao do patrimonio, pode-se
perceber que, hisroricamente, trata-se, sobretudo, de proteger 0 patrimonio erigido e
os monumentos naturais, mas tern sido preservados tambem os simbolos materiais da
cultura, quer se encontrem nos muse us ou fora deles, como tern sido 0 caso dos objetos
consavados a partir das experiencias ecomuseais de salvaguarda de urn territorio ou do
registro de diversificadas express6es do patrimonio imateriaL Lembrando, entretanto,
que 0 patrimonio imaterial, nao circunscriro apenas a literatura ou as tradi~6es orais,
mas compos to tambem de uma multiplicidade de saberes e de cria~6es coletivas, so esra
sendo levado em conta muiro recentemente no Brasi1.4
Na busca de compreender 0 fenomeno da patrimonializa~ao, isto e, da atribui~ao
2 United NalionsEdlJcatio-
nal. Scientific and Cultural
Organization (Unesco). <..
30 Decreta n.3.551doMinis-
teriodaCultllra(MinC)!lnsti-
tutodoPatrimonioHistorico
eArtisticoNacional(lphan),
que trata da preserva~ao
depatrimonioimaterial, foi
publicado noano 2000.
4 R!£GL,Alois.Leculte
modeme des monuments.
Son essence elsasenese.
Tradu~ao; Daniel Wieczorek.
Paris: SeuH, 1984.
de valor a determinados bens culturais, a fim de que os mesmos passem a fazer parte da
categoria "patrimonio cultural", muitos estudos vem se desenvolvendo, especialmente
nos paises ocidentais. Essa observa~ao sefaz pertinente ao secons/derar que as sociedades
capitalistas atribuem valor ao que nelas se considera patrimonio, ou seja, aquilo que e
recebido como heran~a e que se apresenta como simbolo de poder social, economico e
politico, diferentemente do que ocorre nas sociedades orientais, que, em respeito a formas
e a conceitos culturais diversos, preocupam-se mais com 0 que se costuma denominar
patrimonio imaterial, que esta muito mais proximo da memoria afetiva, da historia oral
e das tradi~6es.
No Grupo de Estudos em Museologia, Museus e Monumentos, criado em 2005 na
UFBA e certificado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnolo-
gico (CNPq) do Ministerio da Ciencia e Tecnologia (MCT), come~ou-se uma analise
aprofundada sabre as teorias de conserva~aoe da restaura~ao do patrimonio cultural,
associando-o aos conceitos de Histotia, de memoria, de saude e de bem-estar dos indi-
viduos como seres sociais. Assim, autores como Fran~oise Choay, Alois Riegl, Michel
Bonnette, Charles Taylor, Pierre Bourdieu, Jurgen Habermas, Aloisio Magalhaes e Peter
Burke foram estudados pelos participantes do GREMM e confrontados com escritosde
Antonio Damasio, Domenico di Masi, Ivan Yzquierdo, Pierre Nora, Jacques Le Goff,
Barbara Freitag, Fernando Pessoa, Heracliro e Aristoteles, para citar apenas alguns. 0
processo dialogico permeou essas confronta~6es, e os resultados vem sendo surpreenden-
tes. Os conceitos de legitima\ao e de apropria\ao dos bens culturais vem passando por
mudan\as e inova~6ese ha uma fone dose de contemporaneidade nas noc;:6esde preser-
va~ao, de identidade e de diversidade cultural, proveniente de uma releitura dos cLissicos,
em especial quando se procura unir, equilibradamente, razao e emoc;:ao.Os fundamentos
holfsticos e transdisciplinares usados na analise e composi~ao dos territorios culturais
urbanos, no seculoXXI, mostram a sociedade civil procurando, sem cessar, por cidades
saudaveis e habiraveis, onde os cidadaos possam usufruir do espa~o social em condi~6es
solidarias, poeticas, ltidicas e padficas.
Eo patrimonio material e imaterial, onde se situa nesse espa~o social? Como iden-
tificar 0 que e monumento e 0 que e patrimonio? Quais os limites entre Historia e_
memoria?
o que se convencionou chamar de monumento, segundo Riegl, e uma edinca~ao-
feita pata servir de memoria, feita para ser lembrada e pode ter carater intenciona15ou
nao intencional. Em qualquer dos casos, 0 monumento esra ligado -a memoria oncial,
aquela que e institucional e que produz elementos na paisagem urbana para servirem de
marcos simbolicos. Na maioria dos casos, essa memoria oficial nao e reconhecida pdo
conjunto da popula~ao, que logo se esquece daquele monumento, 0 qual fica entregue
aos passaros e vandalos. Tampouco as autoridades politicas das gera~5es futuras irao se
preocupar com aqueles monumentas, a exemplo do que ocorre com as majestosas estaruas
eqliestres em tatoo da Pra~a Xv, na cidade do Rio de Janeiro, e que apenas exemplificam
o que ocorre em imimeras outras cidades brasileiras.
Mas existem6rgaos governamentais que devem se ocupar da conserva<raodos monu-
mentos. E aqui mais uma duvida se instala:deve-se falar de conserva<raoou de preserva<rao?
Ao se estudar a etimologia das palavras conserva~ao.e preserva~ao, percebe-se uma
diferenp marcante: conservatio-onis e a raiz latina de "conserva~ao" e significa a a~ao de
manter algo em bom estado ou no mesmo estado, isto e, uma a~ao que se encerra em si
mesma, que e material e que e feita sem considerar 0 aspecto humano. E uma a~ao que
se cristaliza no ato ou efeito de conservar, tal como mostra Eleonore Laine-Forrest:
La conservation serait alors un artifice semantique cree pour se rassurer. Vne tranquillire de I'esprit
que l'on aime a materialiser sous diverses formes: monuments, musees, archives, cimetihes, pour ce
qui vit en dehors de l'humain. Souvenirs, reminiscences ou refoule, pour ce qui sejourne en lui.'
Ja a raiz latina de "preserva~ao" e pra-e-servare, que vem a ser a a~ao de proteger
qualquer urn, qualquer coisa, colocando-o ao abrigo de urn mal. Pra e, assim, urn prefixo
amplificador7 esignifica "para alguem ou alguma coisa", em dire~ao a, lan~ar-se a frente.
Exprime antecedencia, antecipa~ao, precau~ao, intensidade, predominancia, prefulgura-
~ao. Disso se pode inferir urn aspecto de movimento em dire~ao a, uma a~ao que se faz
com intensidade para alguem ou alguma coisa, ponanto, tem um objetivo mais amplo
em dire~ao ao humano, a transmissao, a forma~ao dos individuos.
Desta analise etimologica resultau a escolha, por parte da equipe do Crupo de
Esrudos em Museologia, Museus e Monumentos (GREMM), em adom 0 conceito de
5 LAINE-FORRET,Eleonore."la
conservationaurisquedela
creatioll".Cercles16.1,Parls,
P.41-S0,2006.
60sprefixossaoamplifi-
cador€squandofuncionam
comomodificadorescapazes
de aumenlarano<;aocontida
na base de forma a direcio-
na-!aparacima,paradiante,
talcomosepodeverem'
DUARTE,Paulo Mosanio Tei·
xeira.A forma,iiode palavras
porprenxoemporwgues.
Fortaleza:EUfC,1999·
7 Declara\ao de Caracas
~ 1992.ARAUjO,Marcelo;
BRUNO,Mariacristina(orgs.).
A mem6riado pensamento
museo/6sicocontempor6neo:
documentosedepoimen·
tos.SaoPau!o:-lcom·8R,p.
36-45,1995·
preserva~ao para a atribui~ao de valor ao patrim6nio, considerando ser necessario traba-
lhar com urn instrumento de amplo espeetro. Assim, tern-se que:
_ Preservariio - e 0 processo de tomada de consciencia do valor de urn bem cultural.
Irnplica observa~ao, sensibiliza<;ao, criterios de escolha, analise e decisao.
- Conservariio - e0 conjunto de procedimentos tecnicos adotados para garantir a integri-
dade fisica do objeto/documento 0 mais proximo possivel do estado original, no maior
espa<r0de tempo possiveb
- Restaurariio - e0 conjunto de procedimentos tecnico-cientificos usados para recuperar
objetos/documentos danificados'por razoes diversas.
Tendo sido adotado 0 conceito de preserva~ao explicitado, fez-se necessario encon-
trar uma denni~ao de patrim6nio que permitisse analisar os bens culturais no contexto
social, a fim de lhes atribuir valor com efeito patrimonial, e a defini~ao que, ao grupo,
pareceu mais adequada foi: 0 patrimonio cultural de uma na~ao, regiao ou de uma co-
rnunidade e composto de todas as expressoes materiais e espirituais que 0 constituem,
incluindo 0 meio ambiente.8
Paraldamente aos estudos e defini~oes sobre patrirnonio, tem havido uma cons-
tante atualiza~ao da legisla~ao nacional e internacional sobre preserva~ao e manejo do
patrim6nio material e imaterial, mas 0 que oferece a primeira e mais pontual base legal
aos estudos desenvolvidos no CREMM e 0 artigo 216, da Constituiriio Brasileira, que
determina 0 que e patrirn6nio cultural no Brasil:
Art. 216. Constituem patrim6nio culturaLbrasileiro os bens de natureza material e imaterial, indivi-
dualmente au em conjunro, portadores de referencia a idenridade, a ayao, a memoria dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I. as formas de expressao;
II. os modos de criar, fazer e viver;
III. as criayoes cientificas, artisticas e tecnologicas;
IV: as obras, objetos, documenros, edificayoese demais espayos destinados as manifestayoes artistico-
culturais;
v: os conjuntos urbanos e sitios de valor historica, paisagistico, artistico, arqueologico, paleontolo-
gica, ecologico e cientifico.9
8 BRASIL Constitui~iio 1988.
Constitui~iioda Republica
Federativado8rasil. Saa
Paulo: Atlas, 1988.
9 Profeta Gentilezae como
ficouconhecidooartista
popular Jose Datrino (1917-
1996).Apartirde 1980,Gen-
tilezapintouemverde-ama-
relomensagensdepaze
proffticasnas56pilastras
do viaduto doCaju (Rio de
Janeiro).Awalmenteessas
pinturassaoreferencias
artisticasdacidade,pas·
sando,inciusive,porumpro-
cessaderestaura~aoem
199gezooo(NotadosOrga-
nizadores).
E, para melhor exemplificar 0 usa que se tem feito desses conceitos, achamos inte-_
ressante apresentar um estudo de caso que ocorre, desde 2005, em um bairro da regiao
metropolitana da cidade de Salvador. Trata-se do Projeto Plataforma, desenvolvido pelo
Instituto Roerich de Cultura e Paz do Brasil, em convenio com a Petrogras. OInstituto
Roerich, no Brasil, tem como missao trabalhar a cultura da paz agregada it preserva~ao
do patrimonio cultural, com base nos ideais de Nicolas Roerich e sua proposta de salva-
guarda dos tesouros culturais da humanidade, feita em 1935, na Sociedade das Na~6es,
em um acordo entre diversos paises, inclusive 0 Brasil.
Em Salvador, 0 bairro atualmente denominado Plataformatem alguns monumentos
de rel~nte valor para a cidade e 0 estado da Bahia, alguns ate tombados pe!o Iphan,
desde 1938, mas em predrias condi~oes ffsicas e estruturais, tornando-se amea~as gri-
tantes aos cidadaos e it paisagem cultural existente naquele local.
o Projeto Plataforma e um espalio de inclusao e cidadania para a paz por meio da
preservaliao de diversos parrimonios existentes no bairro e seu objetivo geral e capacitar
60 jovens da comunidade, a cada ano, nas areas de marcenaria, media~ao cultural e mo-
saico, tendo em vista a formaliao de uma cooperativa, com a inten~ao de gerar produros
com valor historico-cultural agregado. Nesse sentido, a projeto possui tres nucleos de
produ~ao: media~ao cultural, marcenaria e arte do mosaico.
Dentre seus objetivos espedficos destacam-se:
Objetivo I
Valorizar aHistoria, 0 parrimonio e a cu\ltura local, assentados na preservaliao de tesouros
culturais materiais e imateriais, cujas alioes saG assim distribuidas: pesquisa, registro e
divulgaliao na ecom a comunidade; articulaliao com entidades, grupos e pessoas; inter-
venlioes em mosaico cerimico; intervenlioes pedagogicas nas festas locais; e educaliao
do olhar dos alunos.
Objetivo II
Instituir uma educaliao voltada para 0 desenvolvimento do ser humano em aspectos
pessoais e inrerpessoais, centrada na auto-sustentabilidade e em prindpios da Cultura de
Paz. Para atingir essa formaliao educacional amp la, desenvolvem-se as seguintes a~oes:
oferta de quatro disciplinas basicas semanais; acompanhamento e avalialiao dos alunos;
acompanhamento psicologico; encontros mensais de auto-forma~ao e planejamento
educacional: educadores; encontros mensais de auto-forma~ao: funcionarios; encontros
bimensais de integraliao social: geral; inregraliao mensal com familiares dos alunos.
AOficina de Mosaico tem as seguintes caracteristicas: implanraliao, na comunidade,
de uma cadeia produriva de mosaico; aproveitamento de sobras de rochas ornamentais,
disponiveis e abundantes na regiao; formaliao de cooperariva com unidades familiares de
produliao; vinculo com b mercado mundial de design; evlnculo com artistas plasticos
baianos.
A Oficina de Medialiao Cultural atua para: desve!ar os tesouros (patrimonios)
materiais e imateriais da comunidade; divulgar a cultura e historia do bairro Plataforma
e na cidade de Salvador; oferecer suporte de marketing e divulgaliao aos nucleos de Mar-
cenaria e Mosaico; dar visibilidade aos personagens do bairro Plataforma; resgatar os
valores culturais das festasde carnaval, Sao Pedro e Sao Braz; e tornar-se uma referencia
cultural no baino Plataforma.
Como exemplo de parrimonio estudado, ja existenre e com divulgaliao a partir do
projeto, e possive! citar um bem material edificado, que e a Igreja de Sao Bras, jesultica,
restaurada pe!o Iphan, com apoio da mao-de-obra local. Entretanto, outros tipos de
parrimonio constantes na lista da Unesco e descobertos no bairro pdos participantes do
Projeto Plataforma saG:
- Pericles Santana (Perinho) e seu livro de humor e protesto, pintado nos muros da
comunidade de Plataforma. Ele faz intervenlioes poeticas nos muros da comunidade e
foi considerado, durante cerro tempo, um individuo com problemas de saude mental.
Atualmente, reconhecido como artista local, tem tido a oportunidade de exercitar a "arte
bruta" 10 recebeu homenagens da comunidade onde mora e atua, com a inaugura~ao da
Pralia do Livro, na qual suas pinturas se destacam nos muros que circundam 0 espalio de
lazer. Perinho conta historias do bairra Plataforma, alem de filosofar sabre assuntos do
cotidiano. Assina, como poeta ecomo profeta, um trabalho comparavd aoque GentilezalO
fez no Rio de Janeiro.
- Seu Zelito, um dos mais antigos moradores do bairro, guardou em suas memorias
muitos fatos que marcaram a historia local; denrre ourras coisas, e!e ajudou a construir a
linha do trem, alem de ter iniciado a tradiliao de varias festas e folguedos locais. A partir
10 LACROIX, Jean-Guy. Lacu!-
ture,lescommunicationset
l'identitedans la question du
Quebec. Cahiers de Recherche
5oc!o!ogique, Montreal,n.25,
P·247-298,1995·
do projeto, foi homenageado em cerimonia no Teatro Acbeu, em 2006, e reconhecido
como Mestre Popular da Cultura e Guardiao das Hist6rias Locais. Faleceu em 2006.
- Seu Santinho guarda historias da comunidade e ajuda a preservar 0 que resta do local
considerado sagrado para os cultos afros, que e 0 Parque de Sao Bartolomeu, urn patri-
monio natural de rara beleza, inserido no bairro Plataforma.
Muitos resultados ja foram obridosno Projeto Plataforma, p.operfodo de 2005-2007:
reconhecimento de Mestres de Cultura pe!o Mercado Cultural, evento nacional anual
que ocorre em Salvador; valoriza~ao do "poeta Perinho" pe!a comunidade; encaminha-
mento de projeto de lei para dar 0 nome de Pra~a do Livro ao local rodeado por escritos
de "Perinho"; interlocu~6es com manifesta~6es culturais do bairro; reconhecimento do
trabalho responsave! realizado pe!o [nstituto Roerich de Cultura e Paz do Brasil; enri-
quecimemo cultural das festas locais; interven~6es em espa~ospublicos da comunidade
por meio da tecnica do mosaico; men~6es,por polIticos locais, nas plenarias da Camara
de Vereadores; fabrica~ao de moveis, feitos pe!os pr6prios alunos, para a sede do projeto
e outros; decora~ao das festas locais, pelos alunos; e estimulo it implanta~ao do Programa
Eco-Bairro.
Assim, pode-seperceber que 0 ProjetoPlataforma remestado em sintonia coma base
legal e com as defini~6es e conceitos adotados pe!o Gremm. [sso significa um trabalho
harmonico entre a teoria e a pratica.
E mais do que isso.A pratica de preserva~ao de talentos humanos vivos, 0mais recente
item da lista divulgada pe!a Unescu sabre os bens culturais que podem ser considerados
patrimonio, levou 0 grupo a perceber que, antes de tudo, deve-se atribuir valor ao ser
humano. Em seguida, 0 individuo, reconhecido e recuperado, sera capaz de se tomar
cidadao responsave! e, entao, atribuir valor ao patrimonio material e imaterial.
Somente a partir desse reconhecimento do valor do serhumano, igual na suagenese
em toda e qualquer cultura, e que serapossive! preservar, conservar e restaurar 0 imenso
e rico patrimonio universal, dentro e fora dos museus.
No momento em que 0 reconhecimento do patrimonio e urn dos tra~os preponde-
rantes da imagem cultural, e necessario estimular na popula~ao a tomada de consciencia
sobre a imporrancia de preservar 0 patrimonio comum a todos os cidadaos, 0 patrimonio
universal. A compreensao e a valoriza~ao das raizes hist6rico-culturais de cada comuni-
dade so tendem a favorecer uma me!hor integrac,:ao da sociedade civil. Com esta pratica,
os cidadaos poderao se implicar com a qualidade de vida, para jumos reconstiruirem 0
vinculo social atualmente tao desgastado pela quase absoluta perda de valores eticos,
culturais, espirituais, dando lugar a urn estado de violencia e desagrega~ao.
Assim,o que se esra falando (e desejando) e do uso adequado e democratico do
patrimonio universal, situa~ao em que, desde os simples cidadaos aos especialistas, todos
possam manifestar seu engajamento na esfera publica apartir do uso sociopedagogico do
patrimonio, pois 0 ser humano tem necessidade de se enraizar em valores culrurais para
adquirir um pertencimento real a urn ou a multiplos lugares. Sobre esse tema, Jean-Guy
Lacroixll sustenta que 0 consumo e as praticas culturais estao intrinsecamente ligados it
representa~ao da individualidade e ao pertencimento auma ou diferentes coletividades. 0
individuo, a consumidor cultural, apropria-se da culrura compartilhada na vida cotidiana
e, ao fazer isso, a transforma-e se transforma tambem.
Dessa forma, considera-se que a contribui~ao principal de uma "Museologia
integrada"12 e mostrar que 0 patrimoniocultural preenche urn pape! imporrante no
desenvolvimento social.
E que essedesenvolvimento deve visar e!iminar, ou reduzir, os desequilibrios entre
os territorios culrurais e entre os membros de uma comunidade por meio da valoriza~ao
do aspecto humano na analise dos problemas socia is e economicos. E quando se trata de
aspecto humano, ha a consciencia de que se deve ir muito mais longe do que a simples
no~ao de pertencimento. Aqui, existe a ideia de que rodo ser humano deve ser 0 alvo do
desenvolvimento, e nao apenas 0 instrumento do crescimento economico, tecnol6gico e
social em proveito de uma parte privilegiada da sociedade. Entretanto, ao fazer a distin-
~ao entre "social" e "economico", apesar do fata de que essasduas realidades nao podem
ser analisadas separadamente, e justamente para destacar uma maneira de analisar. A
abordagem holistica nos leva a fazer a integrac,:ao desses dois dominios e, mais ainda, a
valorizar 0 dominio cultural no sentido de compreender global e universalmente a no~ao
de desenvolvimento, para perceber como a ideia de parrimonio cultural universal pode
ter sentido e pode atuar no processo de desenvolvimento com urn pape! extremamente
determinante.
T odas associedades tern necessidadede conhecer suasraizes,que se siruam no campo
nTermoprQpostopela
autoranasuatesededou-
torado,em 2000, em Mon-
treaI.COSTA,HeloisaEC. Les
musees d'Histoire de ville:
letJrcontribulionaudevelo-
ppement social contempo-
rain. Monlreal:Universitedu
QuebecaMontreal,2000.
da memoria coletiva, no qual a aferividade, a emo~ao e a razao jogam urn jogo complexo,
denso e nem sempre equilibrado. Os museus sac lugares privilegiados de conserva~ao
dessa memoria, pois sac os guardioes dos objetos significantes da alma de urn povo; mas
e!es devem, para nao se limitar a nostalgia do passado, agir de maneira pr6-ativa, quer
dizer, trabalhar com uma a~ao culturate educativa que interrogue a comunidade, que
permita a palavra do cidadao, que suscite 0 debate e que conftonte ideias. So assim os
/
museus estarao promovendo e panicipando da "saude cultural" da sociedade em que se
encontram inseridos.
o Grupo de Estudos e Museologia, Museus e Monumentos esti convencido de
que so assim, por meio da forma~ao ampla e consciente dos cidadaos, bem como da
alfabetiza~ao cultural advinda da educa~o ptoporcionada pdo uso do patrimonio como
pedagogia social, conseguir-se-a evitar a perda irreversive! do patrimonio material brasilei-
to, a exemplo da EscolaAgricola em Sao Francisco do Conde, da Companhia Progresso
Industrial (fabrica de tecidos instalada no baino Plataforma, em 1860) entre outros no)
estado da Bahia e no Brasil.
As cidades contemporaneas, desprovidas de espa~os de forma~o e de rememora~ao,
completamente refensda compressao espa~o-tempo imposta pe!os inadequados sistemas
de desenvolvimento centrados apenas na economia e nas finanY1S,definham a cada dia,
impondo aos cidadaos uma forma de vida acanhada, sofrida e restrita. Casas amontoa-
das em ruas que mais parecem COrtegos imundos por onde circula agua fetida e dejeros;
cidades de "fanura", como costumam brincar os cordelistasl3 no Nordeste: "farta" tudo,
e uma "fanura" de fazer do!
Falta ate mesmo a consciencia e a compreensao da cultura; falta a possibilidade
de se ter acesso, em igualdade de condi~6es para todos, aos meios que poderiam levar a
popula~ao a esrabdecer significados para os bens culturais produzidos por ela mesma.
Faltam oponunidades culturais e educativas para que sejapossive! interpretaro patri-
monio e so uns poucos privilegiados, nesseambientede violt:ncianao mais simb6lica, para
parafrasear Bourdieu,14mas real e cotidiana, e que conseguem formar capital cultural.
Torna-se fundamental interrogar a Historia e a memoria coletiva e utilizar 0 patrim611io em tado 0
seu potencial. 0 olhar dos preservadores sobre a cidade deve ser urn olhar holfstico e transdisciplinar,
13 Conceito de violenciasim-
bolica estabeleddopelosoci-
6logo frances Pierre Bourdieu,
em sua obra LQReproduction.
Elements pourune theorie
dusystemed'ensei3nement.
Paris: Minuit, 1970.
14 COSTA, Heloisa f. G. Cu\tu-
ras urbanas: identidadese
diversidades. Seminario Mer·
cocidades - Cidade 0 Memo·
ria na Srobaliza¢o. Porto
Alegre: Unidade Editorialda
Secretaria MunicipaldaCul-
tura, 2002. p.141·156.Grifos
daautora.
se eles quiserem dar conta de toda a profundidade e a beleza historica destes territorios urbanos.
Considerando que atualmente as cidades acolhern aproximadameme tres quartos dos cidadaos do
planeta, e preciso encontrar, com urgencia, novas formas de valorizar 0 patrimonio coletivo urbano.
[...] Nossa esperan~a e que a formula sinergia + sincronicidade = solidariedade possa vir a ser uma
atitude teorico-pratica em curto espa~o de tempo e ajudar a transformar nossa cidades em espa~os
nao apenas habitiveis, mas principalrnentehumanos.J5
Sem a forma~o de conteudos e de consciencia cultural, a popula~ao sofre da mais
grave doen~a: a insalubridade cultural. Uma sociedade sem saude cultural esra fadada a
morrer de falencia mUltipla dos orgaos, das institui~6es e dos seres humanos. Tal como
se ve atualmente, no desenfreado e ace!eradoprocesso de urbaniza00 sem planejamento
com enfase na escala humana, as cidades estao passando rapidamente de metr6poles a
megal6poles.16 Os cidadaos, sem exce~ao, sao normoticosl7 e refens da equivocada n000
de poder, na qual a atribui~ao de valor do patrimonio material e imaterial passa muito
longe da identidade construida em dialogo e da memoria como companheira indispen-
savel a constru~o da Historia. Mas ainda resta esperan~a se 0 poeta puder se expressar e
ser compreendido:
Para ser gqJ1de, se imeiro: nada
Teu exagera au exclui.
Sf: tado em cada coisa. Poe quanta es
No minimo que fazes.
Assim em cada lago a lua tada
Brilha, porque alta vive.18
lsTemadesenvolvidopela
sociologa Barbarafreitag.
(1. fREITAG,Barbara.Teorias
das Cidades. Sao Paulo: Papi·
rus,2006.
16 Nor;ao discutida pelo psi·
cologo Roberto Cremanos
seminarios soore lideran~
para 0 seculo XX!, na Univer·
sidade da Paz, em Brasilia,
nosanos 2001-2oo2.Crava-
~ao em video de palestra rea-
lizadaem Brasllia,intitulada
"lideran~as para 0 secu!o
XXI", distribuidopelaUnipaz
em 2001.
1] Poema de Fernando Pes-
soa, escritoem 14.02.1933,
sob 0 heteronimoRicardo
Reis. PESSOA,Fernando.Sele·
~ao ... Op. cit. P.134.

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