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ACR036_TEXTO_03_ASKAR_teorias_restauração

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- -RECONSTRUCAO E IMITACAO COrvlO
J J
ALTERNATIVAS DA CONSERVACAO(*)
J
"In nessuna cosa eforse tanto d~1icile l'operare
e tanto facile ragionare quanta in cia che si
riferisce al restauro". (BOlTO, 1883)
1 EVOLU~Ao DO CONCEITO DE MONUMENTO
Inicialmente, gostariamos de citar uma interessante conceitua<;ao dos
monumentos feita por ALOIS RIEGL (1858-1903)ern seu ensaio intitu-
lado "0 Custo Moderno dos Monumentos, a sua Essencia e Desenvol-
vimento", de 1903 (RIEGL, 1982)/escrito quando foi encarregado pelo
Govern~ austriaco de reorganizar 0 setor da tutela dos monumentos,
onde e feita a distin<;aoentre monumentos "intencionais" e "nao inten-
cionais". Os prirneiros seriam constituidos por cada obra criada volun-
tariamente, com 0 firn de testemunhar a<;6eshumanas e eventos hist6-
ricos e de transmiti-los para 0 futuro com uma intencionalidade" come-
morativa". Os segundos sac aqueles em que nao e intencional, da parte
do artista, 0 aspecto testemunho-comemorativo, mas este e atribuido
posteriormente aos monumentos.
Neste mesmo ensaio, RIEGL afirma que cada a<;aodo homem tern va-
lor de testemunho hist6rico e que cada monumento artistico, ao trazer
testemunho de eventos human os, e hist6rico; assim como cada monu-
mento, mesmo minima - como urn documento escrito - e tambem ar-
tistico, porque, alem de testemunhar eventos hist6ricos, contern toda
uma serie de elementos artisticos, como" 0 aspecto exterior, a forma, 0 modo
(*) Versao condensada da palestra realizada em 08 de dez. de 1992, no "ENCO_NTRO
BRASIUALE~l:V'\JH:-\ - CONCEITOS E PROBLEMAS DA CONSERVAC;:AODE
MONillv1ENTOS HISTORlCOS", promovido pelo IEPHA com apoio da FAPEI'vlIG
e do Coverno Alemao.
(*"") Arquiteto pesquisador do Centro de Estudos Culturais da Funda~ao Joao Pinhei-
ro a disposic;ao do IEPH.Aft;IC.
,de composir;ao"/ que testemunham 0 desenvolvimento da hist6ria da arte.
Possuindo, pon§m, cada monumento uma conexao "artistico-hist6rica" /
elimina-se a tradicional distin~ao entre monurnentos artisticos emonu-
mentos hist6ricos, porque os primeiros estao "compreendidos nos segun-
dos e sao aborvidos nestes".
Ainda segundo RIEGLos monumentos tern valor hi-st6rico:
1Q pela hist6ria;
2Q pela hist6ria da arte;
3Q pelos tra~os deixados pelo tempotranscorrido.
Enquanto os prirneiros dois valores se fundem sobre a obra original, 0
terceiro se baseia sobre urn" substrato" sensivel, pronto a estirnular no
observador, mediante a percep~ao, 0" efeito psicol6gico da idha do trans-
correr do tempo". Este efeito psico16gicoque se "manifesta imediatamente
-como sentimento" e comurn tanto as pessoas cultas como as nao-cultas. E
este 0 valor de antiguidade proposto por RIEGL e exaltado pelo ro-
mantisrno do seculo XIX,fascinado pelas ruinas. Thlvalor permite dis-
tinguir tres novas classes de monumentos: a) os "intencionais"; b) os
hist6ricos, tarnbern cornernorativos, mas cuja escolha e confiada ao pra-
zer subjetivo do hornem rnoderno; c) os antigos, que compreendem
todas as obras feitas pelo homem.
2 CONCEITO DE IvrONmvIENTO PREEPOS CARTA DE VENEZA(19&±)
Segundo 0 professor ULPIANO BEZERRADE MENEZES, "A Carta de
Wneza, no Brasil, desempenhou papel utilissimo no estabelecimento de critiri-
os normativos, que fundamentaram a atuar;ao dos 6rgaos encarregados de pro-
ter;aodo patrimonio ..." (1985:15).
Ap6s vinte e oito anos, a ''Carta de veneza" "se encontra ultrapassada,
particularmente pelo surgimento de novas condir;8es sociais, economicas e eul-
turais". Ela serviu como ponto de partida para outros documentos tec-
nicos que a atualizaram. Destacamos a Declara~ao de Amsterdam, Car-
tas da UNESCO e do Conselho da Europa. Os desdobramentos na
America Latina aconteceram com os docurnentos de Quito, Havana,
ICOMOS BrasileiToe Nlexicano.
•••• '1[••••• 141•.'
'."Carta del Restauro", de 1?72)e a ultima que trata de operacionaliza<;ao
do restauro. A manuten<;ao, a transmissao ao futuro e facilitar a leitura,
p6s obra de restauro, sao os tres objetivos que substanciam esta Carta.
Facilitar a leitura significa "aproximar uma interpreta~ao critica a obra origi-
nal e no ato critico interpretar e reintegrar a obra em exame, restituindo
idealmente a imagem as diferentes fases e transforma~6es historicas" (CARBO-
NARA,1976:129).
Hoj e e preciso reform ular "certos conceitos imprecisos ... tais como mensa-
gem espiritual do passado, autenticidade dos valores humanos, civiliza~6es, etc".
De inicio, 0 conceito de monumento deve ser revisto, submetendo-o "a
analise historica, sociologica e antropologica, determinando exatamente sua
natureza e todas as implica~6es dela decorrentes". Em seguida, devem ser
acrescentados "aos valores cognitivos e esteticos outros de carater afetivo e
pragmatico, nunca levados em considera~ao e que, por esse motivo, originam a
musealiza~ao do patrimonio, sacralizando-o como objeto de pura contempla~ao
e usufruto cientifico, retirado do bem cultural seu valor ftmcionallatente" (NIE-
NEZES; 1989:-15).
omesmo ULPlANO NIENEZES (op.cit. :15)enumera quatro novos ca-
minhos abertos ap6s "as experiencias de reflexiio e ar;lioacumuladas sob a
egide da Carta de Veneza:
1Q 0 patrimonio cultural de-ueser considerado um fen6mv-ro social com-
plexo e nao um conjunto de valor universal a-hist6rico e estatico;
2Q 0 conceito de monumento deve ser substituido pelo patrimonio cultu-
ral urbano (01.1 rural) de forma sistematica. A cidade, Ii assim, um bem
cultural;
39 Em ultima analise, esta em causa a qualidade de vida, uma das dimen-
soes da cidadania. E objeto da gestao urbano-territorial e de suas
intercorrencias - infra-estrutura, habitafao, reciclagem e planosde de-
senvolvimento. 0 correto agenciamento desses problemas Ii que con-
duzira com eficacia as afoes sabre 0 patrimonio cultural;
49 Ao aceitar as h..dbitosditos culturais, 05 projetos de valorizafclo do pa-
trimonio cultural deverclo ter como ponto de partida 0 universo do
cotidiano e do trabalho".
3 EVOLUc;;:Ao DO CONCEITO DE CONSERVAc;;:Ao
ses citadas por RIEGLdesenvolvem-se uma ap6s a outra, em um pro-
ce'ssode generalizac;ao crescente do conceito de monumento.
, It I ('ONSTRUC;:AO E IMITAy\O COMO ALTERNATIVAS DA CONSERVAC;:AO
Na antigiiidade greco-romana, a atenc;ao era dirigida aos monumentos
votivos; no Renascimento italiano, aqueles hist6rico-artisticos, com pre-
ferencia pela arte cLissicaassumida como antecedente de renascentista
e celebrada tambem como precedente exemplar dos "trac;os culturais"
de povos de 1/ estirpes a,fins". 0 valor da obra human a como documento
do desenvolvimento hist6rico-cultural se afirma depois, no seculo XIX,
como valor hist6rico.
No inicio do seculo XXnasce 0 valor da antigilidade, que enquadra e res-
peita cada obra como documento do desenvolver-se da hist6ria da arte.
o homem moderno do inicio do seculo recusa toda intervenc;ao arbi-
traria e se satisfaz com 0 1/ cido necessario da transforma¢o e dissolver-se se-
- gundo as leis da naturezal/. Asinterven~6es humanas nao qeyem inte~!?_m-
per 0 1/ cido natural, a lei organica e necessaria da transforma¢ol/. Notamos
claramente 0 organicismo-fatalistico (com as suas leis naturais) de cara-
ter romantico/positivista.
o valor hist6rico de urn monumento consiste no fato de ele represen-
tar uma fase do desenvolvimento hist6rico da humanidade. Talvalor e
maior quanto mais inalterado se manifesta 0 aspecto unitario original
do monumento. Para 0 valor de antigiiidade, as alterac;6es e ruinas saG
sinais da morte natural. A tarefa do historiador de arte - em relac;aoao
valor hist6rico - e a de preencher as eventuais lacunas, ou seja, elimi-
nar os sinais de destruic;ao (que, para 0 valor de antigiiidade, nao de-
vem ser eliminados); porem, isto nao deve agir sobre 0 monumento,
mas sobre "uma c6pia, e somente em teoria".
4 ORIGEM DA MODERNA ABORDAGEM DO RESTAURO
ARQUITETONICO
o restauro arquitetonico e concepc;aotipicamente moderna, que evo-
luiu atraves de urn modo novo e diverso de considerar os monumentos
do passado e de intervir sobre eles, modificando-lhes a forma visivel e
o organismo estrutural. 0 principio fundamental do restauro, mantido
constantemente na base das doutrinas que se sucederam durante 0 se-
culo XIX, e 0 de restituir a obra arquitetonica ao seu mundo.-historica-:
mente determinado, recolocando-a idealmente no arnbienteonde_sur-_
giu e considerando suas rela<;6es com a cultura e.o gosto do seu tempo_:-
Contemporaneamente, atua-se sobre a obra arquitetonica para torna-Ia
novamente viva e atual como parte valida e integrante do mundo atua1.
o restauro arquitetonico, na acep<;ao que a cultura moderna deu ao
termo, teve inicio com 0 famoso decreto de 1794, com 0 qual a "Con-
ven<;ao Nacional Francesa" proclamava 0 principio da conserva<;ao dos
monumentos.
Desta posi<;ao cultural, que surge como exigencia de reviver 0 monu-
mento na sua forma e significado, se desenvolveram sucessivamente
diversos modos de exercer 0 respeito a obra arquitetonica, teoricamen-
te distintos e historicamente-determinados, segundo a concep<;ao da
arquitetura, de acordo com 0 pensamento de cada momento cultural.
A primeira concep<;ao do restauro se baseia no principio de obter a re-
composi<;ao do edilicio mediante 0 emprego, sem diferencia<;ao, de
partes originais, ou a sua reprodw;ao. Com este criterio, ate mais ou
menos 1830, foram executados os restauros sobre monumentos da anti-
gilidade classica, especialmente ern Roma.
Estes restauros eram inspirados na inten<;ao de reencontrar naquelas
obras a beleza normativa afirmada pela cultura neoclassica.
Entre 1830 e 1870, a cultura francesa alcan<;a uma original reformula<;ao
do conceito de "estilo", entendido como uma realidade hist6rico-for-
mal, unitaria e coerente, limitada no tempo e bem definida nos diver-
sos modos figurativo,; da hist6ria da arte.
Cada monumento constitula uma "unidade estiHstica", a qual absorve-
ria e anularia a individualidade da obra. 0 restauro e invocado para
iestituir esta unidade estilistica, recolocando a edifica<;aodentro das
generalidades do estilo e ignorando as verdadeiras qualidades formais
que determinaram a sua singularidade. Chega-se assim a legitimar e
impor reconstru<;6es e acn§scimos baseados somente §obre analogias
tipo16gicas e estilisticas com outros monumentos, alterando a estrutura
e a forma da obra, em nome de uma abstrata coen§ncia de estilo.
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VIOLLET-LE-DUC(1814-1870), historiador, te6rico da arquitetura e do
restauro, restauradorde numerosas catedrais francesas, 0mais eminente
cultor e representante do "medievalismo", enunciou as normas do res-
tauro estilistico. 0 seu primeiro principio definia que "restaurar urn edi-
ficio significa restabelece-lo ern urn estado de integridade, que po de mio ter ja-
rnais existido" (CESCHI, 1970:71-86).
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Em torno da metade do seculo XIX,ao restauro estilistico se sobrep6e 0
romantico, devido ao movimento ingles, que quer substituir as gran-
des interven<;6es pelo absoluto respeito ao monumento.
"0 restauro e a pior rnaneira de destruir (...); signifiea a mais total des-
truiqao que uma eonstruqao pode suportar: destruiqao da qual nao per-
maneee nenhum resto por reeolher, seguida por uma falsa descriqao da
coisa destruida. Nao nos deixemos enganar sobre esta importante mate-
ria; e impossivel ressuscitar aquilo que e morto, reeonstruir qualquer coi-
sa que foi grande ou bela na arquitetura (...) 0 espirito morto do arteso.o
. nao pode ser ressuseitado para dirigir outras maos e outros pensamen-
tos." (CESCHI, 1970:71-86).
Ap6s meio seculo de predominio do metodo estilistico, duas novas
posi<;6esse afirmam quase contemporaneamente, no periodo entre 1880
e 1890. Uma, chamada de restauro hist6rico, sustentada e aplicada por
LUCABELTRA1vfI(1854-1933), que representa uma revisao ainda liga·
o fundamento do restauro historico esta em considerar cada monu-
mento como urn fato distinto e concluido, para justificar 0 abandono
do criterio de tomar por analogia elementos e formas de outros monu-
mentos e por considerar arbitraria, e por isto falsa, cada pretensao de
inventiva pessoa1. 0 restaurador se baseia em testemunhos seguros,
desde documentos de arquivo ate pinturas, partindo da analise
aprofundada do monumento e dos textos literarios do periodo.
Em 1883, CAMILOBOrrO (1836-1914) enuncia os principios fundamen-
tais do restauro entendido no sentido moderno, superando a parciali-
dade e 0 exclusivismo dos pontos de vista estilistico, romantico e histo-
rico, numa concepc;ao mais madura e atualizada em relac;aoao desen-
volvimento das ciencias historicas. Os mais importantes destes princi-
pios SaG:
1. Os rnonumentos valem para 0 estudo da arquitetura, mas tambem
como documento da historia dos povos e por isto devem ser respei-
tados, ja que sua alterac;ao conduz a enganos e deduc;oes erradas;
2. Os monumentos devem ser mais consolidados que reparados, mais
reparados que restaurados, evitando-se acrescimos e renovac;oes;
3. Os acrescimos considerados indispensaveis, por razoes estruturais
ou por outros motivos de absoluta necessidade, deverao ser executa-
dos sobre dados absolutamente certos e com carater e materiais dife-
rentes, mas conservando 0 edincio 0 seu aspecto atual e a sua forma
arquitetonica e artistica;
4. Os acrescimos acontecidos em tempos diversos devem ser conside-
rados parte do mundo e mantidos a salvo, exceto no caso de traze-
rem mascaramentos ou alterac;oes (PEROGALLI,1954: 59).
GUSTAVOGIOV.A....NNONI(1873-1948), arquiteto italiano e teorico do
restauro, publica em Roma "Questioni d/architettura", em 1924,0 ver-
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b,ete "Restauro" na Enciclopedia lIeccani, em 1936 e "II restauro dei
monumenti". Segundo GIOVANNONI "na obm de restauro devem unir-
se tres criterios:
1. As raz8es hist6ricas, que nao devem cancelaI' nenhuma das jases atra-
ves das quais se compos 0 monumento, nem jalsea-las COin acrescimos
que induzam a erros;
2. Divulga~iio do material das pesquisas analiticas;
3. 0 criterio que vem do sentimento dos cidadiios, do espirito da ci-dade,
com suas recorda~oes" (GIOVANNONI, 1936:127).
Este tipo de restauro considera a obra arquitetonica como docurnento a
salvaguardarl porque essa constitui a prova da existencia de urn certo
tipo de edificac;ao ou forma estilistica. 0 restauro cientilico (chamado
tambem filol6gico) revela-se insuficiente ap6s a Segunda Guerra Mun-
dial, quando se devem enfrentar as destrui<;6es acontecidas. 0 grau
dos danos torna inaplid.vel 0 metodo e da origem a reavaliac;ao dos
motiyos culturi3.tsrelativ~s_~~operac;6es necessarias as intervenc;6es.
A obra arquitetonica nao e somente urn documentol mas e sobretudo
urn ato que na sua forma exprime urn mundo espiritual de importancia
e significado. Surge dill0 novo principio do restauro: dar ao valor artistico
a prevalencia absoluta em relac;aoaos demais aspectos da obra, os quais
devem ser considerados somente na dependencia e em func;aodeste.
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A primeira tarefa do restaurador devera ser a de identificar 0 valor do
monumento, isto e, reconhecer neste a presenc;a ou nao da qualidade
artistica. Este reconhecimento e urn ate critico, baseado ern criterios
que identifiquem no valor artistico0 grau de importancia e 0 valor da obra.
A segunda tarefa e a de recuperar, restituindo e liberando a obra de
arte, quer dizer, 0 complexo de elementos figurativos que constituem a
imagem e atraves dos quais esta se realiza.
Cada opera<;aode restauro devera ser subordinada ao escopo de rein-
tegrar e conservar 0 valor expressivo da obra, porquea intenc;ao a ser
alcans;ada e a libera<;aoda sua verdadeira forma. Quando 0 grau de
destruic;ao e alto, a ponto de ja ter sido mutilad3 ou destruida a ima-
gem original, nao e possivel'voltar ao monumento: este nao Fode ser
reproduzido porque 0 ato criador do artista e irrepetivel.
o restauro coincide com a ac;ao critica, ja que, durante toda a operac;ao,
a total consciencia do ato que se cumpre e 0 completo controle dos seus
resultados devem ser levados em conta.
Quando a ac;ao de percorrer a Imagem resulta interrompida por des-
truic;6es ou obstruC;6es visiveis, 0 processo critico e forc;ado a valer-se
da fantasia para recompor as partes que faltam ou reproduzir aquelas
esc<2ndicias e reencontrar, enfim, a completa unidade da obra, anteci-
pando a visao do monumento restaurado.
Neste caso, a fantasia de reevocac;ao torna-se produtora, e se completa
o primeiro passo para integrar 0 procedimento critico com a criac;ao ar-
tistica. Esta intervem, diretamente, no caso ern que os elementos rema-
nescentes nao forem suficientes para fornecer os trac;os para restituir as
partes faltantes. Deste modo, "0 restaurador deve usar elementos novas, pa-
ra dar de novo a obra uma unidade e continuidade formal pr6prias, valendo-se
de uma livre escolha criadora", segundo RENATO BONELLI (1963:344-351).
Restauro como processo critico e restauro como ato criativo saGportan-
to ligados por uma relac;ao dialetica na qual 0 primeiro define as condi-
c;6es que 0 outro de\'e adotar como premissa, e onde a ac;ao critica rea-
liza a compreensao da obra arquitetonica, que a ac;ao criadora e chama-
da a prosseguir e integrar. Este sistema de conceito e de criterios
interdependentes recebe 0 nome de "restauro critico", dotando-o de
uma abertura cultural que provoca, antes de tudo, a superac;ao do
filologismo.
o que se busca atingir no restauro critico, ap6s urn conhecimento pro-
fundo do monumento, e participar da recriac;ao da sua forma com 0
) RECONSTRU<;:AO E l:\lITA<;:AO COMO ALTERNATIVAS DA CONSERVA<;:AO
)
acrescimo ou a elimina~ao de partes dele, com a intenc:;aode chegar a
qualidade que corresponde ao ideal artistico do tempo presente. "No
quadro da cultura atual 0 restauro, entcndido como avaliar;iio critica, se identi-
fica com a hist6ria da arte e da arquitetura, assumindo destas os principios e os
metodos" (BONELLI, op.cit: 344-351).
Paralelamente as pesquisas realizadas no Instituto Central do Restau-
ro, em Roma, a partir da decada de 50, 0 Prof. CESAREBRANDI che-
gou a uma ampla e sistematica enuncia~ao filos6fica do problema do
restauro, traduzivel tanto em uma teoria do mesmo, publicada em 1963,
quanto em subsequentes principios operativos.
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As tres fundamentais proposi~6es da teoria brandiana saG:
t.O restauro e urn ato critico dirigidoao reconhecirnento Q.Eobra de ar-
te, que visa a reconstitui~ao do texto autentico da obra, atento ao
"jufzo de valor", necessario a superar a opos-i~aodas duas instancias: a
hist6ria e a estetica;
2. 1Iatando de obra de arte, 0 restauro deve privllegiar a instancia estetica;
3.A obra de arte e entendida na sua mais ampla totalidade, como ima-
gem e como objeto incluindo tambem outros elementos existentes
entre a obra e 0 fruidor. Para BRA1'JDI0 restauro e considerado como
interven~ao sobre a materia mas tambem como salvaguarda das con-
di~6es ambientais que assegurem 0 melhor gozo da obra.
Na busca da "unidade que se pretende reconstruir" ou nas obje<;6esdo
empirio criterio da "cor neutra", nas indica~6es a prop6sito do "restauro
preventivo" e da resoluc:;ao,que em muitos casos torna-se reinvenc:;ao,
da relac:;aoentre obra e ambiente, entende-se como Brandi considere
licitos os aspectos criativos na obra de restauro.
A acepc:;aodo termo restauro e para BRANDI mais restritiva do que a
afirmada pelos te6ricos do "restauro criativo", mas aproxima-se destes
ao considerar "a mais grave heresia do restauro ... 0 restauro de fantasia".
Aqui, podemos considerar como semelhantes 0 restauro de fantasia e a
imita~ao, entendidos como ac:;6esque pregam a intervenc:;ao "retroati-
va", que pretende abolir o.tempo transcorrido, a<;aoinjustifid.vel nos
dias de hoje. .
13 CONTRIBUI~6ES RECENTES
Em parte diverso e 0 pensamento de PAULPHILIPPOT, belga, arquite-
to e his toriador da arte. Para ele a tarefa do restauro e "restituir a estrutu-
ra estetica a claridade da leitura que ela tinha perdido", acrescentando que
todo restauro "permanece essencialmente como hip6tese critica, uma propos i-
fao sempre modificdvel, sem alterafiio do original" (PHILIPPOT, 1973). Em
PHILIPPOT, a primeira concordancia com BRAl'\JDIe a da concep<;ao
do restauro como ato critico; a segunda e a da relevancia da instancia
estetica sobre os aspectos hist6ricos. Neste sentido, os dais estudiosos
assumem a posi<;aodaqueles que veem a necessidade do restauro como
ato criativo.
PHILIPPOT, ao lado dapolemica contra as cor-ese intervenc;6es neutras
e algumas estimulantes indicac;6es"criativas", trata do problema da pati-
na, da limpeza e do restauro como "pesquisa do equilibrio atualmente rea-
lizdvel que seja 0 mais fiel a unidade original" (op.cit.).
Com relac;ao as lacunas e reintegrac;6es, PHILIPPOT afirma a necessi-
dade, sobretudo na arquitetura, de uma ac;aorecriativa, ja alem do res-
tauro, ap6s notar que a lacuna" aparece como uma interrupr;ao da continui-
dade da forma artistica e do seu ritmo" (op.cit).
Essa lacuna pode ser ou nao ser reintegrada ap6s uma avaliac;aocritica,
porque "muitas vezes 0 estado fragmentario conquistou um valor assim como
estci". Para obedecer as duas exigencias, ou seja, 0 tratamento reintegra-
tivo das lacunas e a sua im~diata percepc;ao, 0 campo do restauro pode-
ra se estender ate 0 ponto em que, para se evitar a intervenc;ao hipote-
tica, recorre-se a uma criac;aomoderna, evitando 0 falso hist6rico.
14 IMITA~Ao E RECONSTRU~Ao
Ainda recorrendo a BRANDI no capitulo Falsificac;aociasua "Teoria del
Restauro", "a base da diferenciaqao entre c6pia, imitaqfio e falsificaq5.o, nL10 es-
M na diversidade especifica dos modos de prodw;fio, mas em intencionalidades
d~ferenciadas." (BRAJ."JDI, 1963:93-97).
A seguir enumeram-se os tres casos fundamentais aqui sintetizados:
lQ Prodw;ao de urn objeto ou reproduc;ao de ~UITO objeto, no estilo de
urn determinado periodo hist6rico ou de determinada personalida-
de artistica, para nenhum outTO Jim senao 0 da documenta~ao do
objetivo ou do prazer que se pretende obter;
2Q Produc;ao de urn objeto como adrna, mas com a intenc;ao espedfica
de tirar proveito, enganando quanta a epoca, a consistencia materi-
al, ou 0 autor;
3Q Emissao no comerdo de objeto, mesmo nao produzido corn inten-
<;aode falsear, como de uma obra autentica, de epoca ou obra de
fabrica.
Ao p~meiro destes casos correspondem a copia e a irnita~ao, os quais,
apesar de nao coinciCliremconceitualmente, representam dois graus
diversos no processo de reproduc;:aode uma obra ou de retomada de
urn estilo pr6prio de urna epoca ou de urn deterrninado autor. 0 se-
gundo e 0 terceiro caso deterrni..nam, com predsao, as duas acepc;:6es
do falso.
"pela dificuldade de provar afraude, ou seja a 'animus' que preside a pro-
duqiio do objeto au 0 seu comircio, de'vemos considerar, como no direito,
suposta a boa f1£e ate prova em contnirio, nao se poderia excluir da his-
toria da falsificaqiio a uso e a produc;iio de copias, replicas au imitaqaes.
Extrapolanda para 0 casa do monumento desaparecido, este poderci SeT
substituido por sua copia, samente se 0 seu remanescente, avaliado par
urn juiza critico, justificar tal reprod~lc;iio"(BRANDI, op.cit.: 93-97).
Os casos das reconstrw;6es do Carnpanario de S. ivlarco, inicio do see.
xx, e do Castelo de Vars6via, p6s II Guerra, saGde monumentos-sim-
bolo, ligados porvalores emotivos e de consciencia nacional. 0 que se
pretendeu nestes casosnao foi restituir as obras ao seu aspecto original,
prop6sito hist6rico e esteticamente absurdo, mas evidenciar 0 estado
da materia original quando da intervenc;:ao.
Ja em 1980,num artigo sobre a coloca<;3.ode replicas substituindo as es-
tatuas originais dos profetas, obras do Aleijadinho em Congonhasl dizia-
mos que
II ( ••• ) a retirada do conjtmto dos doze profetas do conjunto artistico-hista-
rico-ambiental para 0 qual foram criados e ao qual pertencem com substi-
tui~iio por capias, modificaria a sua fun~iio, acarretando uma separa~ao
traumtitica que incidiria proftmdamente, tanto sobre as esttituas quanto
sobre 0 conjunto Santutirio - Adro - ]ardim dos Passos. (...) Os conceitos
adquiridos no campo do restauro e a conserva~ao dos bens culturais ...,
aliados ao aperfeir;oamento das ticnicas no combate a corrosao das rochas
como conseqilencia da poluir;iio atmosfirica, independentes de urn rigor
histarico, vetariam hoje as substituir;6es de obras origir'.ais (sobretudo es-
culturas) por c6pias, ocorridas com muita freqiiencia, da metade do secu-
lo XIX ate 0 inicio do seculo XX na Franr;a, lnglaterra e !ttilia. As argu-
mentar;6es em que se baseavam estas substituir;6es eram diversas, e entre
as mais abvias estava a necessidade de salvar significativos testemunhos
historicos de perG.as irrepartiveis." (ASKAR, 1980:13-14).
·Hoje a- c6pial queimita a obra originaL s6 seju.stifica pelo carater de
pesquisa documental de que se reveste quando se pretende levar a obra
de arte a popula<;6es que nao podem frui-las no ambiente para 0 qual
foram criadas. Concordamos com MICHEL PARENI (1984:112e 123)
quando diz que:
II a copia pode ser deliberadamente 0 prer;oa pagar por um uso sociocultural
que seria incompativel com a conservar;ao do original. Oferecer-se uma
replica e, pois, em certos casos, uma condir;iio da preservar;ao desse mes-
mo original. Assim, cogita-se de montar a replica de Lascaux. para pre-
servar das visitas 0 original. (...) a prospectiva do conceito de monumen-
to historico transcende 0 campo da pratica da conserva~iio para colocar
em pauta a pertinencia de um patrim6nio de replicas de obras desapareci-
das, Como reL'ew a reconstituir;iio da Velha Varsavia."
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