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1 ABORTO: CRIMINALIZAÇÃO E SAÚDE PÚBLICA ABORTION: CRIMINALIZATION AND PUBLIC HEALTH Paulo Enyo Maciel Figueiredo Luiza Lourdes Pinheiro Leal Nunes Ferreira RESUMO Esta pesquisa aborda o crime de aborto e a saúde pública, envolvendo os principais aspectos presentes nessa relação. O objetivo geral deste trabalho é analisar as questões pertinentes ao aborto no que concerne ao Direito Brasileiro, com base no Código Penal e na Constituição Federal de 1988-CF/88, na cidade de Teresina-PI, nos anos de 2014 a 2017. Os objetivos específicos são: identificar os tipos de aborto previstos no Código Penal Brasileiro como crime; descrever os paradigmas relacionados à saúde pública e à lei acerca da prática do aborto; demonstrar os problemas enfrentados pela mulher por consequência do aborto ilegal; identificar os aspectos relacionados ao aborto na Constituição Federal Brasileira de 1988; analisar o posicionamento religioso frente ao aborto. Trata-se de uma pesquisa exploratória, a qual abordou importantes autores, para a fundamentação teórica, como Prado (2007), Capez (2011), Greco (2014), Lenza (2014); além do Ministério da Saúde (2009), aliados a uma pesquisa de campo, fundada em um questionário com perguntas abertas. Tal questionário foi aplicado a três profissionais do Direito, dois juízes e um advogado, e a um profissional da área da saúde, no caso, um médico. O tema foi abordado de maneira qualitativa. Diante das respostas obtidas e de todos os aspectos que envolvem a pesquisa, conclui-se que antes de ser crime, o aborto é um caso de saúde pública. Embora a mulher deva ter o seu direito de decidir sobre abortar ou não, o fato desse ato de ser crime não impede a prática clandestina, o que coloca a saúde e a vida em risco. Palavras-Chave: Aborto. Crime. Saúde Pública. ABSTRAT This research discusses about the crime of abortion, and public health, with the overall objective to study the issues relevant to abortion on Brazilian law based on the Penal Code and the Federal Constitution of 1988-CF/88 in the city of Teresina-PI, in the years 2014 to 2017. Specific objectives: identify the types of abortion referred to in Brazilian Penal Code as a crime; describe the paradigms relating to public health and the law regarding the practice of abortion; demonstrate problems faced by women as a result of illegal abortion; identify the aspects related to abortion in the Brazilian Federal Constitution of 1988; analyze the religious position regarding abortion. This is an exploratory that had important authors such as theoretical basis as Prado (2007), Capez (2011), Greco (2014), Ministry of health (2009), Lenza (2014); combined with field research, founded in a questionnaire that brought questions open, applied to legal practitioners and health care, which was a doctor, with a qualitative approach. The research was directed three legal practitioners, and a health professional, two Judges, a lawyer 2 and a doctor, in the city of Teresina-PI. It is concluded that before it was a crime, abortion is a matter of public health. Although the woman should have the right to decide about your aborts or not, the fact that crime doesn't stop the illegal practice, putting the health and life at risk. Keywords: Abortion. Crime. Public Health. 1 INTRODUÇÃO O presente artigo traz uma análise sobre o crime de aborto no Brasil, considerando o direito de escolha da mulher gestante e a proteção a sua saúde e a sua religião, em face do Código Penal Brasileiro e da Constituição Federal Brasileira de 1988, na cidade de Teresina- PI, nos anos de 2014 a 2017. Tracejado, com o fito de conhecer mais profundamente a motivação de tal crime, tem-se como problema o seguinte questionamento: as leis brasileiras que regem o aborto contribuem para a diminuição da prática clandestina no Brasil, estando ligado diretamente a problema de saúde pública? Moveu-se que, à hipótese de solução, há divergência no entendimento jurídico que trata do aborto no Direito brasileiro. É necessário um amparo legal para que as mulheres possam fazer um aborto seguro, sem dispor do perigo a sua saúde ou a perda da própria vida. Leva-se em conta que na prática de abortos clandestinos, há muitos riscos para a saúde e para a vida de quem o faz. O posicionamento das igrejas em relação a esse assunto também é um fator preponderante nesse impasse, uma vez que ainda que legal no ordenamento jurídico, o pensamento da Igreja não é favorável. Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo geral a análise das questões pertinentes ao aborto no Direito Brasileiro, com base no Código Penal Brasileiro e na Constituição Federal de 1988-CF/88, em Teresina-PI. Diante disso, delimitam-se os seguintes objetivos específicos: identificar os tipos de aborto previstos no Código Penal Brasileiro como crime; descrever os paradigmas relacionados à saúde pública e à lei acerca da prática do aborto; demonstrar problemas enfrentados pela mulher por consequência do aborto ilegal; identificar os aspectos relacionados ao aborto na Constituição Federal Brasileira de 1988; analisar o posicionamento religioso em relação ao aborto. Trata-se de um tema relevante no ordenamento jurídico brasileiro, visto que o aborto clandestino tem ocasionado graves problemas de saúde pública. É coerente ressaltar que a inquietação em aprofundar a matéria refere-se a sua grande repercussão midiática diante da sociedade, e também ao fato de existirem grandes divergências sobre a legalização ou não do aborto no Brasil. 3 No que concerne aos autores que deram subsídio teórico para este trabalho, relecionam-se os seus nomes a seguir: Prado (2007), que colaborou com a contextualização histórica do crime de aborto no Brasil; Capez (2011) e Greco (2014), que colaboram para a análise sobre a definição e entendimentos diversos acerca da questão do aborto e Lenza (2014), que aprofunda a matéria sob a perspectiva da legislação pátria. Quanto à metodologia, esta pesquisa tem natureza pura. A sua abordagem é qualitativa, visando conhecer e aprofundar os conhecimentos sobre o tema. Trata-se também de pesquisa exploratória, com o intuito de proporcionar maior familiaridade com a temática abordada. É ainda bibliográfica, aliada a uma pesquisa de campo, com base em material, já elaborado, de livros e artigos, com questões elaboradas e aplicadas a profissionais e operadores do Direito. Desse modo, a criação do presente trabalho busca conhecer mais profundamente a temática, analisando os fatores históricos, bem como todo o contexto que envolve tal prática, esclarecendo pontos ocasionalmente obscuros acerca do aborto. 2 CRIME DO ABORTO NO BRASIL Essa pesquisa versa sobre a temática do aborto, com o propósito de mostrar ao leitor os principais aspectos e impactos que essa prática gera na vida da mulher. O estudo busca um entendimento geral, expondo os principais fatores e influências que estão condicionados a um grupo social fragilizado por um sistema que não vê o problema como uma crise de saúde pública, onde inúmeras mulheres perdem a vida todos os anos, vítimas do acaso e do descaso, vítimas de um Estado que não proporciona as devidas condições, nem um amparo legal, para um parto sem riscos, preservando vidas, excetuando-se apenas alguns casos expressos no Código Penal. Greco (2014, p. 236) afirma que “Talvez o aborto seja uma das infrações penais mais controvertidas atualmente. Nosso Código Penal não define claramente o aborto, usando tão somente a expressão provocar aborto, ficando a cargo da doutrina e da jurisprudência o esclarecimento dessa expressão”. O autor explana sobre o fato de a temática ser complexa, considerada uma infração penal com muitas divergências, o que dificulta o entendimento, uma vez que o Código Penal não faz claras definições sobre o aborto, ficando para a jurisprudência e a doutrina concluírem sobre os correntes problemas. “Abortamento é o termo correto, empregado nos meio médicos. Aborto é uma corruptela da palavra, de uso corrente, e a definição obstétrica do abortamento é: a perda de 4 uma gravidez antes que o embrião e o feto seja potencialmente capaz da vida independente da mãe”. (PRADO, 2007, p. 16) Aborto e abortamento são termos derivados, sendo que na linguagem popular aborto é um vocábulo coberto de tabus e utilização comum. Em contrapartida, o termo abortamento representa a linguagem técnica médica. 3 RELIGIÃO E O ABORTO A grande maioria das nações contemporâneas é hoje desvinculada das igrejas, mas admite e ampara a prática das várias religiões existentes. Há países, no entanto, em que a hierarquia do guia religioso se confunde com a hierarquia civil, acumulando, seus responsáveis, o poder religioso e o poder político (PRADO, 2007). Nesse sentido, o referido autor mostra as diferenças entre as religiões e o poder político, que andam em constantes divergências. No Brasil vivemos duas situações paralelas, pois enquanto, entre a população indígena temos um exemplo de chefes religiosos que exercem ao mesmo tempo a função de chefes políticos, mantendo assim uma só doutrina moral para toda a sua nação, no restante do país a Constituição é independente de qualquer igreja ou injunção religiosa, decorrendo daí para a população brasileira, certos conflitos entre as crenças de seu grupo religioso e a legislação do seu país. (PRADO, 2007, p. 62). Não é permitida aos brasileiros, com exceção dos indígenas, a prática de certos rituais ou crenças religiosas, que estejam em desconformidade com a Constituição Federal, pois os indígenas não estarão sujeitos a sanções no âmbito jurídico. 2. 1 CRISTIANISMO O questionamento no meio religioso no que concerne ao aborto, onde a igreja em sua maioria se posiciona contra, segue, inclusive nos casos previstos em lei. A igreja católica evitou por muito tempo questões sobre o aborto. No entanto, atualmente, trata-se de um tema bastante debatido tanto nas igrejas católicas quanto protestantes, havendo muitas divergências entre elas, porém, a grande maioria não aprova a prática, considerada uma forma de tirar o direito à vida. Há questões acerca do embrião, se este é ou não uma vida, e a partir de que fase seria considerado um ser humano vivo. A igreja católica por muito tempo privou tal questionamento, em razão do seu poder na época de soberania perante a sociedade. E quem 5 praticava era severamente repudiado pela Igreja e seus fiéis. Na era cristã desde o seu começo houve muitas interpretações acerca do aborto, que divergiam à época da lei Romana (PRADO, 2007). Desde o início da era cristã, o aborto começou a ter interpretação em clara oposição à lei romana. Na antiga Roma, medidas anticoncepcionais eram praticamente desconhecidas e, como foi dito antes, os “nascituros” (ou os que iriam nascer) não eram considerados humanos, mas parte do corpo da mãe que decidia interromper ou não sua gravidez. (PRADO, 2007, p. 63). O autor discorre sobre o quanto a igreja repudia a prática do aborto, ressaltando a sua objeção, diante das leis, em não pactuar com o pensamento jurídico da época. Esse pensamento dura até hoje, mas ficava a critério da mãe abortar ou dar continuidade à gravidez. Nessa época, as medidas para prevenir a mulher de engravidar eram desconhecidas, fato que aumentava ainda mais os casos de aborto. 2.2 CATOLICISMO A igreja católica sempre condenou e repudiou a prática do aborto em qualquer estágio da gravidez, e essa posição perdura até os dias de hoje. Em 1917, a igreja católica declarou que as mulheres que praticassem o aborto, bem como seus cúmplices no ato, receberiam a excomunhão, por cometerem tal pecado, sendo negados a eles todos os sacramentos. Essas pessoas tinham até mesmo sua comunicação restrita, dentro da igreja. A concepção defendida pelo catolicismo era de que o feto tem o mesmo direito à vida que a mulher, e que os anticoncepcionais seriam um crime contra a natureza. Medidas radicais com mulheres que praticavam o aborto foram tramadas pela Igreja, que restringia a ação dos médicos na busca de preservar a vida das mulheres, visto que o feto não tinha condições de sobrevivência. Somente anos mais tarde a Igreja mudou o seu posicionamento, mas, ainda assim, ferindo princípios das mulheres. Isso porque fazia imposição a qual induzia os médicos a retirar toda a trompa, procedimento que impossibilitava tais mulheres de engravidar outra vez. A Igreja Católica e a Igreja Protestante possuem opiniões diferentes, em relação à vida da mãe, compartilhando o pensamento de que esta já cria responsabilidade a partir do momento da concepção até o nascimento. Acrescenta que é grande a responsabilidade do médico que acompanha a mulher em curso de parto, pois cabe a ele, em caso de risco, agir com a escolha prioritária, de salvar a mãe ou o filho. (PRADO, 2007). 6 2.3 RELIGIÃO ESPÍRITA Na religião espírita, existe uma concepção de aborto diferente, em que este seria a reencarnação em outro corpo em ocorrência da morte, afirma que para eles não existe uma morte, e sim uma frustração de espírito, que teve o seu corpo deixado, abandonado. Vê-se também que não há um pensamento majorado acerca do uso de métodos contraceptivos e nem da prática do aborto dentre os seguidores de diversas seitas espíritas, sendo que a punição pela prática varia de caso a caso. (PRADO, 2007). 2.4 RELIGIÕES ISLÂMICAS E JUDAICAS Os líderes islâmicos têm uma opinião mais conservadora sobre o aborto, ainda que a grande maioria se mostre desfavorável, existem os que se posicionam no sentido de refletir sobre o assunto para avaliar uma situação aceitável, essas situações estão no verso do livro sagrado muçulmano. (PRADO, 2007). Na Mishná – código oral resultante das interpretações dos rabinos sobre a Torá (livro sagrado) no século II – considerava-se a vida da mãe como mais sagrada que a do feto. No século XII, Maimônides, médico e teólogo muito famoso, introduziu a noção de criança agressora, para autorizar o aborto terapêutico. O autor mostra uma diferente posição sobre o aborto, no sentido de que a vida da mulher é mais sagrada que a do feto, ressaltando a importância da sua interpretação. Acredita que não se pode generalizar, sendo o contexto um fator delicado, e que deve ser tratado de forma coerente com as circunstâncias, resguardada a vida da genitora em situação que lhes ofereça risco eminente. Se a alma é pura e espiritual, o problema do momento de sua encarnação deixa de ter importância fundamental, pois ela voltaria a Deus em qualquer circunstância, o verdadeiro problema está em saber se o feticídio é um homicídio. (PRADO, 2007). 3 DIREITO À VIDA O direito à vida é um bem tutelado e resguardado pela Constituição Federal de 1988, que fez questão de resguardar a sua inviolabilidade do direto fundamental, frisando também os acordos internacionais sobre os Direitos Humanos, que reforçam o ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, cabe ressaltar que “O direito à vida, previsto de forma genérica no 7 artigo 5°caput, abrange tanto o direito de não ser morto, de não ser privado da vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida digna”. (LENZA, 2014, p. 1068). Muito se discute a respeito da vida intrauterina como objeto de proteção do direito penal, no caso do crime de aborto. É certo que o direito penal protege o regular desenvolvimento do nascituro, até o nascimento, não se permitindo a interrupção voluntária ilícita da gravidez seja pela própria mãe, seja por terceiros. Porém, o questionamento surge justamente no sentido de quem é o titular do bem jurídico penalmente protegido no caso do crime de aborto, considerado somente a prática do aborto em si: o produto da concepção ou o Estado? (RIBEIRO; DIAS; MUNEKATA, 2015, p. 75). O autor discorre sobre os aspectos legais em que o aborto será permitido. Diante de qualquer contradição em relação aos casos previstos no Código Penal, o aborto será considerado ilegal. Conforme Ribeiro, Dias e Munekata (2015, p. 76): Questões acerca do início da vida – e, portanto, do direto à vida – são frequentes, envolvendo calorosos embates entre os estudiosos do tema. E a importância dessa discussão na seara penal é justamente acerca do reconhecimento da vida como direto do nascituro bem como das consequências da prática do crime de aborto, que se alteram de acordo com o entendimento esposado. Para alguns doutrinadores a vida, direito fundamental indivisível, fornece característica indelével ao ser. José Afonso da Silva, neste sentido, pondera que “todo ser dotado de vida é indivíduo, isto é: algo que não pode dividir, sob pena de deixar de ser”. Nesse trecho é abordada a importância das discussões acerca do direito à vida, o direito do indivíduo, que a Constituição protege em todos os aspectos. Segundo Ribeiro; Dias e Munekata (2015, p. 83): Não há, portanto, como pensar de outro modo senão de que a vida do nascituro, que tem início com a concepção, é tutelada pelo nosso ordenamento jurídico, até mesmo diante de outros institutos que atuam diretamente nesse sentido, como a possibilidade de pleitear alimentos gravídicos ou ingressar com ação de investigação de paternidade, dentre outras figuras que fogem ao nosso estudo. Para o referido autor, a vida do nascituro é contemplada com o início da concepção, tratando-se de um bem penalmente protegido, com direito a pleitear alimentos para o devido sustento do nascituro. Segundo Zulmar Fachin (2015, p. 251 apud RIBEIRO; DIAS; MUNEKATA, 2015), o princípio do direito à vida norteia a fundamental importância da vida 8 da pessoa humana, em que gozar de tal direito é essencial para a existência dos demais princípios que são regidos e resguardados pelas leis de um País. Conforme afirma o autor, a vida é um bem de muito valor, o direito à vida é um direito fundamental, previsto no ordenamento jurídico de um País como um bem que resguarda a proteção de sua existência. 4 ABORTO E SAÚDE PÚBLICA Muito se fala sobre quais motivos levam as mulheres a praticar aborto e que tais atitudes têm causado inúmeras perdas. Trata-se de um problema silencioso, envolvendo, cada dia, mulheres mais jovens, que o praticam sem conhecimento dos riscos que estão sujeitas durante um procedimento abortivo clandestino. O aborto tem sido foco de pesquisas no Brasil nas ultimas décadas, o que leva a compreender a necessidade de um estudo mais aprofundado do tema e sua relação com a saúde pública (BRASIL, 2009). Nesse sentido, é importante ressaltar que: Os resultados confiáveis das principais pesquisas sobre aborto no Brasil comprovam que a ilegalidade traz consequências negativas para a saúde das mulheres, pouco coíbe a prática e perpetua a desigualdade social. O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. (BRASIL, 2009, p. 13) O entendimento acima é de que a prática comum de abortos ilegais tem trazido problemas irreparáveis para a saúde das mulheres, englobando também a questão de sua realização por profissionais sem a devida formação, bem como as condições insalubres e de segurança que esse procedimento envolve. As mulheres que se submetem à prática do aborto de forma clandestina, na grande maioria dos casos, sofrem, posteriormente, sérios problemas de saúde, por se tratar de algo extremamente agressivo. Geralmente, aquelas que conseguem sobreviver têm uma caótica recuperação. Estas, muitas vezes, ficam em uma situação de vulnerabilidade, em que os parceiros dificultam o uso do preservativo, deixando-as serem vítimas da irresponsabilidade do terceiro, que não se preocupa com o resultado. Segundo o autor, mais importante do que criminalizar é conscientizar as mulheres e os homens, é dar ciência da gravidade do problema do aborto como objeto. Ocorre que o aborto, como crime, torna-se ainda mais delicado de se tratar com ação social. (MAIA, 2008). 9 4.1 COMPLICAÇÕES E SEQUELAS DO ABORTO Estudos apontam que o misoprostol mudou o cenário do aborto induzido no Brasil. Com o fácil acesso a este medicamento, inúmeras mulheres o utilizavam clandestinamente para provocar aborto. O uso do medicamento era um meio facilitador, pois favoreceria o acesso ao hospital, visto que o processo já estava em andamento. A descoberta do misoprostol, como meio abortivo, dificultou o controle da prática, aumentou os relatos de aborto, provocando implicações adversas na saúde das mulheres que utilizavam o método. O uso desse medicamento como método abortivo é estritamente proibido no Brasil. (BRASIL, 2009). O misoprostol entrou no mercado brasileiro para tratar úlcera gástrica. No entanto, rapidamente se espalhou a notícia de que o mesmo causava aborto. Em 1990, notaram-se várias mudanças nesse aspeco, em que o número de casos de aborto aumentou de maneira significativa. Tal alteração deve-se ao fato de se tratar de um medicamento com valor acessível, facilmente encontrado e que oferecia um menor risco a saúde da mulher. (BRASIL, 2009). Todavia, ressalta-se que o medicamento referido é apenas uma das formas disponíveis a mulheres que se submetem a procedimentos abortivos. 5 ABORTO NO DIREITO PENAL O Direito Penal prevê como crime o ato de provocar autoaborto, visto que um dos mais relevantes princípios fundamentais é o direito à vida, produto da concepção. Resguarda, ainda, a saúde física e mental da gestante. A interrupção da gravidez também pode ser provocada por terceiro, o que dificulta o controle das ocorrências. Com previsão nos artigos 124 a 128 no código penal. (CAPEZ, 2012). O referido princípio fundamental está explícito no artigo 5° da Constituição Federal de 1988. Aborda, expressamente, o fato de a vida ser inviolável e requisito mínimo aos demais direitos. A existência da vida humana é um direito capaz de ser protegido e tutelado como um bem jurídico. É importante lembrar que o conceito de vida não se limita à nuance biológica, orgânica, mas abrange também o direito inerente à pessoa humana de ter uma vida digna, qualidade de vida. (ROXIN, 2006). “Se por intermédio da incriminação do aborto procura-se proteger a vida, temos de saber, com precisão, a partir de quando se tem início tal proteção. Na verdade, em alguns casos, como no delito de aborto provocado sem o consentimento das gestantes”. (GRECO, 2014, p. 238). 10 O autor discorre sobre quando se inicia a concepção de aborto, e quais as prerrogativas do Direito Penal sobre o aborto. A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide masculino. Contudo, para fins de proteção, por intermédio da lei penal, a vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (catorze) dias após a fecundação. Assim, enquanto não houver a nidação não haverá possibilidade de proteção a ser realizada por meio da lei penal. Dessa forma, afastamos de nosso raciocínio inúmeras discussões relativas ao uso de dispositivos ou substâncias que seriam consideradas abortivas, mas que não têm o condão de repercutir juridicamente, pelo fato de não permitirem, justamente, a implantação do óvulo já fecundado no útero materno. (GRECO, 2014, 238). Destaca-se a importância da aferição, da constatação da concepção ou fecundação, visto que é onde se tem a vida, bem como a vida só terá relevância após a nidação. Esta consiste na implantação do óvulo já fecundado, não havendo proteção a ser imposta por lei penal. Cabe enfatizar os tipos de aborto em que o autor aborda com propriedade: O aborto pode ocorrer de duas formas: natural ou espontâneo e o provocado. O natural ou espontâneo é quando o próprio organismo materno expulsa o produto da concepção. Em outra vertente temos o aborto provocado, onde é provocada pela gestante, terceiro ou acidentalmente, que será tipificado como doloso ou culposo, com previsão no Código Penal. Para fins de aplicação da lei penal, não nos interessa o chamado aborto natural ou espontâneo, haja vista que o próprio organismo, de acordo com um critério natural, se encarrega de levar a efeito a seleção dos óvulos fecundados que terão chances de vingar. (GRECO, 2014, p. 241). Independente do tipo de aborto, o referido autor salienta que se trata de um crime, e, portanto, sujeito à sanção penal. Contudo, não há sanção para a modalidade culposa, em que a grávida não tem intenção de provocar o aborto. Nesse caso, a gravidez é interrompida sem a vontade da mulher, o aborto é espontâneo, ficando o agente sem a possibilidade de ser responsabilizado. O autoaborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante, e aborto provocado sem o consentimento da gestante serão interpretados como dolo, tanto eventual quanto direto. As condutas são diferenciadas, de acordo com o entendimento doutrinário, visto que o rol que engloba o aborto no código penal é restritamente aplicado a casos concretos. (GRECO, 2014). Em outras palavras, existem duas vertentes tipificadoras, o dolo direto e o dolo 11 eventual, onde o agente provoca, por vontade própria, a prática da ação ou se omite. De qualquer maneira, estará expressamente sujeita, na forma da lei, à penalidade. O delito de aborto é taxativo quanto as suas modalidades, em que só existe o crime de na modalidade dolosa. A gestante que não agir com dolo ao resultado não será considerada, para a legislação, um fato adequado para sanções penais, ficando o legislador condicionado à aplicação de crime de aborto apenas na modalidade dolosa, inexistindo a punibilidade na modalidade culposa. O fato eventual de aborto mostra-nos o quanto é complexo o entendimento jurídico acerca do tema, onde o delito do aborto será tipificado na modalidade dolosa, não sendo válida a modalidade culposa, como em outros delitos previstos no código penal, onde a modalidade culposa é classificada de modo que não incrimina a gestante (GRECO, 2014). O crime de aborto pode ser praticado por omissão, em que o sujeito ativo pode ser o médico que não toma as medidas corretas no curso de um parto, para evitar maiores perdas tanto para a gestante quanto para o produto da concepção. (CAPEZ, 2014). É de grande importância certificar se o feto, no momento da ação ou omissão, estava vivo ou morto, diante da concepção adotada pelo agente com o intuito de provocar aborto. Há possibilidade de o feto já estar sem vida, o que significa dizer que se trata de crime impossível, visto que o objeto da proteção penal é a vida do feto, decorrendo sanções penais no caso da sua morte. (GRECO, 2014). Ainda segundo o autor, Na qualidade de crime material, podendo-se fracionar o iter criminis, é perfeitamente admissível a tentativa de aborto. Se o agente já tiver dado início aos atos de execução e, por circunstâncias alheias à sua vontade, a exemplo de ter sido surpreendido por policiais dentro da sala cirúrgica, não conseguindo consumar a infração penal, deverá ser responsabilizado pelo aborto tentado, como também na hipótese daquele que, executando todas as manobras necessárias à expulsão do feto, este, mesmo tendo sido efetivamente expulso, consegue sobreviver. (GRECO, 2014, p. 245). O autor aborda uma situação em que um terceiro agente, no momento da tentativa de aborto, for surpreendido por autoridades que não permitam a consumação do ato, e, assim, o feto acabar sobrevivendo, ocorrerá, então, a responsabilização pelo aborto tentado. Tal agente será responsabilizado e penalizado por essa ação, já que ele, mesmo não alcançando o resultado esperado, tinha a intenção de provocar aborto. 5. 1 ABORTO LEGAL 12 O Código Penal traz em seu bojo artigos que tratam do aborto. Citam-se os casos em que o aborto é permitido expressamente no âmbito jurídico, o que muito se questiona, visto que engloba inúmeros fatores determinantes para chegar a um dado entendimento e envolve fatores complexos a serem estudados para melhor entender o crime do aborto. O art. 128 do Código Penal prevê “duas modalidades de aborto legal, ou seja, o aborto que pode ser realizado em virtude de autorização da lei penal: a) aborto terapêutico (curativo) ou preventivo; e b) aborto sentimental, humanitário ou ético”. (GRECO, 2014, p. 249). O aborto necessário, conhecido também por aborto terapêutico ou profilático, trata de uma causa que produz os mesmos aspectos ao estado de necessidade. Com um rol amplo sobre o aborto necessário, o ordenamento jurídico posiciona-se no sentido de que o feto e a gestante são bens protegidos. Em situação que for necessário tive escolher, prevalece a vida da gestante, visto que preenche os requisitos de estado de necessidade, elencados no artigo 24 do Código Penal. (GRECO, 2014). O caso do aborto sentimental ou humanitário, que é a segunda modalidade de aborto legal, ocorrerá em casos de estupro. Para a grande maioria dos doutrinadores, numa gravidez resultante de estupro, se for efetuado o aborto, este não deverá ser considerado antijurídico. (GRECO, 2014). O autor, com propriedade, fala sobre o entendimento do artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto legal. Acrescenta que o inciso I do mencionado artigo trata do caso de estado de necessidade. No entanto, vale ressaltar que há controvérsias na doutrina e na jurisprudência, que decorrem de muitas divergências acerca do dado assunto. Estudando o inciso II do artigo 128 do Código Penal, observa-se que há um confronto entre o direito à vida do feto e o direito da mulher à dignidade do seu ego. O feto, que tem seus direitos resguardados desde a sua concepção previsto no ordenamento jurídico, e a mulher, quando vítima de estupro, são tutelados pelo ordenamento jurídico, no qual o feto tem direito à vida e a mulher de proteger a sua honra ou de evitar a dor em lembrar-se das circunstâncias ocorridas no momento em que estava sendo agredida. Muitas gestantes vítimas de estupro preferem continuar com a gestação, levando a gravidez normalmente, dando à luz ao seu filho. O curioso é que a grande maioria dos filhos, frutos de um estupro, apagam da memória da mãe a violência que sofreu, na medida em que o amor por o seu filho faz com que ela supere tal drama. É também muito comum gestantes que foram vítimas de violência sexual optarem pelo aborto. Diante da divergência, em casos de dúvidas, prevalece o pensamento que valoriza a vida do feto, não limitando a incapacidade da 13 gestante. Prevalece, expressamente, em casos assim, o consentimento da gestante, seu desejo de continuar ou não a gravidez. (GRECO, 2014). Em 1° de agosto de 2013 foi editada a Lei n° 12.845, que dispõe sobre o entendimento obrigatório e integral de pessoas em situações de violência sexual, considerando como tal aquelas, para efeitos da mencionada lei, que tenham sido vítimas de atividade sexual não consentida, como é o caso do delito de estupro, que tenha resultado em gravidez. Antecedendo o referido diploma legal, em 13 de março de 2013, foi publicado o Decreto n° 7.958, que estabeleceu diretrizes para o atendimento humanizado às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde. (GRECO, 2014, p. 255). O autor aborda a importância da lei n° 12.845, que busca tratar com mais precisão as necessidades de pessoas que são violentadas sexualmente, e as que engravidam em decorrência de estupro. O profissional de segurança pública e o atendimento do Sistema Único de Saúde foi submetido a novas normas, que dão prioridade ao atendimento dos casos de mulheres vítimas de violência sexual pelos profissionais. Segundo o autor Greco (2014, p. 257): Seja a gestante vítima de estupro ou ato violento ao pudor, para que seja realizado o aborto há necessidade imperiosa de que ela consinta a sua realização, pode ocorrer, e não raro acontece, que a gestante mesmo tendo sido violentada, leve a temor a gravidez e dê à luz ao seu filho. Para tanto, deverá emitir seu consentimento de maneira inequívoca, sem o qual torna impossível a realização do aborto. O autor afirma, a importância do poder de decisão da gestante, vítima de estupro ou atentado violento ao pudor. Nesses casos, fica a critério da vítima decidir se dá continuidade à gravidez ou se pratica aborto com o produto da concepção, ficando claro que o código faz a devida previsão. 6 RESULTADOS E DISCUSSÕES Realizou-se uma pesquisa de campo, que teve como instrumento de coleta de dados um questionário, buscando delinear pontos pertinentes ao crime de aborto no Brasil, pela ótica de poder avaliar o entendimento, comparar os seus respectivos posicionamentos a respeito do tema demandado e, assim, obter mais informações. 14 Quanto à abordagem, trata-se de um estudo qualitativo, que busca, por meio de interpretações, elucidar os fatos que decorrem da pesquisa, em que se utilizam técnicas específicas para tal finalidade. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório, visto que foi realizada com base em instrumentos já existentes, o que evidencia uma maior familiaridade do autor com o tema abordado. Em relação ao seu procedimento técnico, é uma pesquisa bibliográfica. Foi entregue um questionário com sete perguntas, onde juristas e um profissional da saúde responderam, com ênfase em seus respectivos conhecimentos, práticos e teóricos, sobre o exposto. Os questionários foram entregues no dia 03 de maio de 2018 e recebidos até o dia 08 de maio de 2018, na cidade de Teresina-PI. Os sujeitos da pesquisa foram juízes, advogado e médico. Através do respectivo questionário, podemos notar e verificar divergências e semelhanças entre as respostas dos profissionais entrevistados, que com base no Código Penal Brasileiro e a guarda da Constituição Federação de 1988, trazem os casos em que é permitida a interrupção da gravidez, bem como os casos tidos como crime. Resalta a possibilidade de legalização do aborto e segue detalhando e analisando as respostas em que se deu a uma pergunta aberta para os entrevistados. Qual a posição de cada entrevistado em relação ao aborto? MÉDICA OBSTRETA: Não sou contra nem a favor, acho que cada caso é um caso, só sabe quem está passando pela situação; não gosto de julgar quem faz. ADVOGADO: Sou a favor da legalização. JUÍZA: Eu pessoalmente sou contra o aborto provocado na maioria dos casos. JUIZ: A proibição do aborto é discriminatória em relação às mulheres de baixo nível socioeconômico, que são levadas ao aborto autoinduzido ou clandestino. As mais diferenciadas economicamente podem sempre viajar para obter um aborto seguro. Pode-se observar que as respostas foram distintas. A médica relatou seu posicionamento de forma genérica, em que se deve observar cada caso, não sendo contra nem a favor da prática. O advogado apenas pontuou que é a favor da legalização do aborto. A juíza posicionou-se contra o aborto provocado. O juiz afirmou que o aborto autoinduzido ou clandestino é praticado por mulheres de baixo nível socioeconômico, enquanto que as que tem mais poder econômico viajam para fazer um aborto seguro. O Ministério da Saúde (2009) tem o raciocínio semelhante: adverte sobre os riscos impostos pela prática do aborto ilegal, vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para um aborto seguro. 15 Vale ressaltar que a atual lei que trata do aborto trouxe também uma questão que interroga a respeito da opinião sobre a lei: MÉDICA OBSTETRA: Muito arbitrária, pois proíbe, mas faz vista grossas aos inúmeros casos de mortes maternas por abortos clandestinos. ADVOGADO: A atual lei confere o direito à prática, entretanto limitada a alguns casos específicos. No entanto, discordo de como ela se dá. JUÍZA: Penso que já contempla exatamente os casos de admissibilidade abortiva. JUIZ: No Brasil, o aborto é considerado crime em quase todos os casos, não sendo, entretanto, punido se realizado pelo médico nas circunstâncias: se a gravidez é originada por meio de um estupro ou se não há outro meio de salvar a vida da mulher, gravidez de risco e feto anencefálico. Na condição de aplicador da lei, enquanto a mesma vige, esta deve ser aplicada. Observa-se, diante das respostas obtidas, que a médica afirma ser proibido, mas na maioria das vezes se faz vista grossa na ocorrência de inúmeros casos de mortalidade por aborto clandestino. O advogado relata que a lei se limita a poucos casos em específico, o que o leva a discordar da lei que se tem em vigor. Os juízes tiveram posicionamentos semelhantes, nos quais a juíza colocou que a lei atual contempla os casos de admissibilidade abortiva, enquanto o juiz pontua que o aborto é considerado crime em quase todos os casos, citando, em específico, os que constam no Código Penal Brasileiro. Salienta-se que na condição de aplicador da lei, consistirá em aplicá-la enquanto vige. O crime de aborto está previsto no Código Penal Brasileiro, nos artigos 124 ao 128, sendo tipificado crime contra a vida do produto da concepção. (CAPEZ, 2012). Ao serem questionados sobre a eventual solução preventiva para a prática abortiva, os sujeitos pesquisados forneceram as seguintes informações: MÉDICA OBSTETRA: Educação em saúde, investimentos em educação; educação na família; educação em saúde nas escolas, incentivos para as crianças e adolescentes. ADVOGADO: Aumento do esclarecimento e conscientização a respeito do assunto e aferimento de acompanhamento psicológico para as mulheres que estiverem pensando em abortar. JUÍZA: A solução ou prevenção para a prática abortiva seria a informação sobre o funcionamento do corpo da mulher, orientação sobre a prática do sexo responsável e momento ideal para a prática do sexo. JUIZ: A falta de escolaridade de boa parte da população e a ausência de conhecimento sobre métodos contraceptivos fazem com que o número de gravidez indesejada seja alto. Por más condições, optam por fazer o aborto, ainda que ilegal. Pelo código penal brasileiro, essas mulheres cometem um crime com pena de um a três anos de detenção. 16 Observou-se semelhança nas respostas de todos os profissionais, onde se pontuou a educação e a orientação como os principais instrumentos de combate ao aborto clandestino. A médica considera que o principal foco para a prevenção está na educação, que a educação fará o grande diferencial, o que se assemelha ao pensamento do juiz, que considera que a falta de educação e orientação em relação aos métodos contraceptivos gera o grande índice de gravidez indesejada, acarretando em um aborto ilegal, em que sua prática implica penalidade de um a três anos de detenção. Já o advogado e a juíza apostam no esclarecimento e orientação para as mulheres que pensam em praticar o aborto, e ainda o conhecimento sobre o próprio corpo, e qual momento seria ideal para o ato sexual seguro e responsável. No que se refere ao fato de as religiões serem ou não uma barreira para a legalização do aborto, foram obtidas as seguintes respostas: MÉDICA OBSTETRA: Sim, pois considero o aborto um crime contra a vida. ADVOGADO: Sim, um dos grandes motivos que barram a legalização é o fato de a religião se posicionar contra. JUÍZA: Não deveria ser, mas são, pois é difícil ainda hoje separar a religião do estado, e ainda influencia diretamente nas decisões. JUIZ: Não, uma vez que a Constituição Federal, lei maior do Brasil resguarda entre os direitos individuais, a liberdade de direitos, independentemente de crença religiosa, levando em conta, a sua laicidade, sendo o Brasil Estado laico, aquele que não adota religião alguma como oficial e serve como regra, e ordenamento para todas as pessoas, sejam qual for sua crença ou religião. Considerando a questão em análise, pode-se verificar a divisão de pensamento, em que a médica e o advogado afirmam que a legalização do aborto tem tido resistência por parte das religiões, que se posicionam contra. A juíza profere que a religião não deveria ser uma barreira, que é difícil separar a religião do Estado, o que influencia nas decisões. A médica considera que o aborto é um crime contra a vida. Em contrapartida, o juiz afirma que não, que se deve ter como fundamento a lei maior, a Constituição Federal, que resguarda os direitos individuais. Segundo o pensamento de Prado (2007), há um questionamento no meio religioso acerca do aborto, onde a igreja na sua maioria se posiciona contra, até mesmo os casos já previstos em lei. Sobre o direito à vida, como um bem tutelado pela Constituição Federal de 1988, a eventual descriminalização do aborto irá ferir este princípio fundamental? MÉDICA OBSTETRA: É uma questão bem complexa; não sei opinar. 17 ADVOGADO: Isso é relativo e pode mudar de acordo com o posicionamento de cada um em relação ao momento que se entende que existe vida. JUÍZA: O direito à vida é um direito de todos, inclusive do nascituro, mesmo não considerado como uma pessoa, o código cível também guarda seu direito de capacidade cível. JUIZ: Sim, uma vez que a vida de consciente deve ser protegida constitucionalmente como um direito fundamental, aliás, ressalta-se que é o maior dos direitos, dele derivam os demais, que a Constituição Federal proteja estas garantias, dentro de uma visão pragmática buscando cumprir o que está estabelecido em lei, não permitindo alterações sob o pretexto de que faz parte da política de redução de danos. As repostas do juiz e da juíza foram semelhantes, em que se destaca o direito à vida como princípio previsto na Constituição Federal, bem como a capacidade cível prevista no Código Civil. Deve ser considerado o produto da concepção como uma vida de direitos constituídos. Existe algum caso em que seria válida a prática do aborto, além dos que já são previstos em lei e da decisão do Supremo Tribunal Federal ? MÉDICA OBSTETRA: Acredito que os casos em que a gestante não tenha condições psicológicas e/ou financeiras de ter filhos. ADVOGADO: Não. JUÍZA: Não. JUIZ: Não. Ainda dependem de um novo anteprojeto do novo Código Penal, em que o aborto se torne legal em outras situações além dos três casos já permitidos, como estupro, risco de vida à mulher e feto anencefálico, quais sejam, quando a mulher sofre inseminação artificial sem o seu consentimento; quando o feto for anencéfalo ou tiver grave doença de formação que o tornara inviável; e por escolha da gestante, mas com a confirmação do médico de que a mulher não tem condições mentais de arcar com a gravidez. Analisando as respostas, é notório que o advogado e a juíza foram objetivos em responder que não existem casos, além dos já permitidos em lei, em que seria válida a prática do aborto. O juiz e a médica nessa questão tiveram um entendimento semelhante, em que citam o caso da mulher que sofre de problemas mentais, que neste caso seria válida a interrupção terapêutica, se provado que a gestante não tem capacidade mental de arcar com a gravidez. A liberdade de escolha da mulher em dar ou não continuidade a uma gravidez indesejada, em sua opinião, traz um desequilíbrio social: MÉDICA OBSTETRA: Acredito que não 18 ADVOGADO: Não, se adotadas as medidas de controle. A criminalização já tem causado inúmeros males. JUÍZA: A princípio não vejo a liberdade de escolha abortiva como fato de desequilíbrio social. JUIZ: Não, uma vez que à mulher não deve ser atribuída a culpa nem os custos decorrentes do aborto. Pelo contrário, a mulher em gravidez indesejada deve ser cuidada, acompanhada por equipe médica e de psicólogos, de forma a garantir a integridade física e o pleno gozo dos direitos humanos tanto pela mãe como pelo filho. Considerando os resultados da questão, podemos concluir que todos respondem com semelhança que a liberdade de escolha da mulher não traria um desequilíbrio social. Com garantias inerentes à genitora e o produto da concepção. Da mesma forma que todos abraçam o princípio do direito à vida, entendem que o aborto é um caso de saúde pública. O Estado não tem mais condições de barrar práticas abortivas tipificadas como criminosas, dessa maneira, aquela parcela da população mais fragilizada financeiramente, caso realize aborto clandestino, poderia ter feito pelo sistema de saúde pública, se a prática do aborto fosse encarada diferentemente pela legislação. Pela análise das entrevistas realizadas, considera-se, ainda, que o posicionamento dos profissionais entrevistados configura uma voz que não é unânime, que difere entre si. CONSIDERAÇÕES FINAIS A presente pesquisa analisou o crime de aborto e os problemas concernentes à saúde pública, partindo o estudo do seguinte questionamento: as leis brasileiras que regem o aborto contribuem para a diminuição da prática clandestina no Brasil, estando ligada diretamente a problema de saúde pública? Em estudo do Código Penal Brasileiro e à guarda da Constituição Federal de 1988, foi constatado que o aborto é considerado crime e que, em alguns casos, é permitida a interrupção terapêutica do produto da concepção. A Constituição Federal de 1988 resguarda o direito à vida, como um princípio fundamental, que dá base à importância do direito na vida da pessoa humana, bem como o reconhecimento do direito do nascituro, que para alguns doutrinadores tem início com a concepção, desde então será protegido pela legislação. Ficou constatado que a religião interfere diretamente na legislação que trata do aborto, entendendo como questão moral e religiosa, e desprezando como caso de saúde pública. Desde que o aborto clandestino existe, é realizado, sem oferecer qualquer segurança para a mulher. As diferentes religiões posicionam-se, na grande maioria, de maneira contrária ao aborto. Conclui-se, portanto, que antes de ser crime, o aborto é um problema de saúde pública. Embora a mulher deva ter o direito de decidir abortar ou não, o fato de ser criminalizado 19 não impede que ela procure clínicas e métodos clandestinos para realizar o ato abortivo. Conforme o Ministério da Saúde, a ilegalidade do aborto traz graves consequências para as mulheres, visto que a grande maioria quando procura métodos ilegais sofre sérias consequências. Os casos mais arriscados ocorrem quando a mulher, não tendo condições financeiras para pagar um médico clandestino, faz o procedimento em casa, agravando ainda mais o estado da sua saúde. Esta pesquisa contribuiu para um estudo aprofundado sobre a lei do aborto no Brasil, seus principais problemas e benefícios para a sociedade, como a diminuição da mortalidade de mulheres em decorrência do aborto. Acredita-se que este estudo foi útil no sentido de obter um entendimento aprofundado sobre a lei do aborto no ordenamento jurídico brasileiro, onde há inúmeras divergências sobre o tema. Favoreceu, ainda, a verificação do aborto como problema de saúde pública e a análise do posicionamento das religiões diante do tema abordado. Diante disso, servirá como base para novas discussões e questionamentos com o propósito de chegar- se a um consenso e, assim, minimizar os aspectos negativos inerentes a essa prática. 20 REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ciência e Tecnologia. Aborto e Saúde Pública no Brasil: 20 anos. Brasília: Ministério da Saúde, 2009. (Série B. Textos Básicos de Saúde). CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal II. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 11. ed. Niterói, Rio de Janeiro: Impetus, 2014. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18. ed. São Paulo: Saraiva 2014. MAIA, Monica Bara. Direito de decidir: múltiplos olhares sobre o aborto. Belo Horizonte: Regane Dias , 2008. PRADO, Danda. O Que é Aborto. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Coleção Primeiros Passos, 126). RIBEIRO, Daniela Menengoti; DIAS, José Francisco de Assi; MUNEKATA, Larissa Yukie Couto (Orgs.). Ética e Direito à Vida I. Maringá (PR): Vivens, 2015. ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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