Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Narrativas femininas e ditadura militar: a atuação das mulheres na greve operária de 1968 em Contagem/MG1 CAROLINA DELLAMORE BATISTA SCARPELLI∗ DÉBORA RAIZA CAROLINA ROCHA SILVA∗∗ “Ela é tão livre que um dia será presa. - Presa por quê? - Por excesso de liberdade. - Mas essa liberdade é inocente? - É até mesmo ingênua. - Então por que a prisão? - Porque a liberdade ofende.” (Clarice Lispector. Um sopro de vida, 1977). Falar sobre o período da ditadura que vigorou no Brasil a partir da instauração do golpe civil-militar em 1964, e que durou vinte e um anos, implica na importância ainda atual de se pensar sobre a memória social produzida acerca desse período, com suas disputas, esquecimentos, silêncios e ausências. Ainda há muito o que discutir sobre o tema e muitos silêncios e ausências a serem desvelados e desvendados, tanto no campo da memória quanto na produção historiográfica. Exemplo disso é o estudo ainda lacunar sobre os trabalhadores durante o período da ditadura, cujo debate, se por um lado ganhou espaço considerável na historiografia dos anos de 1980 e 1990, por outro concentrou suas análises nos movimentos grevistas de repercussão nacional, privilegiando a atuação de determinadas categorias, lugares e períodos como, por exemplo, as greves de Osasco e Contagem em 1968 e as greves dos metalúrgicos do ABC paulista em 1978. Percebe-se, contudo, que mesmo ao tratar das greves, ainda são poucos os trabalhos que pensam esse evento dentro de um conjunto mais amplo das ações dos operários. Dessa forma, considera-se que sobre a atuação dos trabalhadores durante a ditadura ainda existem inúmeros questionamentos a serem feitos e respondidos. 1 Essa pesquisa encontra-se em andamento, apresentaremos aqui algumas discussões iniciais. ∗ Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em História. Linha de pesquisa: História e Culturas Políticas. Bolsista FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Email: carolinadellamore@yahoo.com.br. ∗∗ Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduanda em História, Historiografia e Culturas Políticas. Email: raiza.rocha@hotmail.com. 2 Em relação à produção historiográfica acerca da mulher, Rachel Soihet (2009) argumenta que somente a partir dos anos de 1960 as mulheres, juntamente com os chamados subalternos, tais como os camponeses, escravos e demais pessoas “comuns”, foram alçadas à condição de objeto e sujeito da história. De maneira geral, timidamente, os estudos relacionados à questão feminina começaram a ganhar espaço na academia a partir dos anos de 1960; inicialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, países onde o Movimento Feminista estava em ebulição, e posteriormente no Brasil, em meados dos anos de 1970. Neste período, as feministas começavam a questionar a diferenciação entre homens e mulheres através da palavra “sexo”. Segundo este movimento, as especificidades femininas estão presentes na vida social, indo muito além das questões biológicas. Tal discussão contribuiu para o surgimento do conceito de gênero, no qual se estuda o papel da mulher nos âmbitos público e privado e as relações de poder existentes entre as mulheres e os homens, sua família, etnia, classe, lugar de origem, etc. Neste sentido, discutir a história a partir do conceito de gênero pressupõe perceber as diferenças inseridas em um contexto social, em que se tem a mulher como sujeito histórico. O presente trabalho propõe incorporar a história dos trabalhadores, à história das mulheres, a partir da análise da experiência operária feminina. Tais práticas e vivências serão analisadas no contexto político da ditadura militar, cujos silêncios, ausências e invisibilidades são ainda maiores quando se discute essa experiência no período em tela, visto que nesse momento o movimento operário e sindical foram duramente sufocados. Nessa conjuntura, esta pesquisa se apresenta com um desafio a mais, pois conforme aponta Soihet (2009), existe uma imensa dificuldade em se obter fontes para reconstruir a atuação das mulheres, tendo em vista que não existem registros organizados2, e quando há, são parcos e fragmentados. Diante do exposto, busca-se analisar o papel das mulheres na greve operária de 1968, em Contagem/MG, utilizando como recurso teórico-metodológico a história oral, tendo em vista que as fontes orais tornam-se muitas vezes peça fundamental para o exame da participação das mulheres em determinados períodos históricos. Nesse caso, além de ser uma necessidade metodológica imposta pela escassez de outras fontes, tal metodologia apresenta-se como recurso privilegiado para o tipo de trabalho que se 2 A autora tem se utilizado de documentação policial e judiciária para realizar pesquisas sobre a contribuição feminina no processo histórico. 3 pretende desenvolver, pois possibilita a percepção das representações construídas pelos sujeitos acerca do passado e de outras versões e interpretações da história. Lucília de Almeida Neves Delgado (2006) informa que: A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais. (DELGADO, p. 6). Para utilização dessa metodologia a autora apresenta três modelos de entrevista que podem ser utilizados na produção historiográfica, entre eles: a história de vida, entrevista temática e a trajetória de vida. Na presente proposta optou-se por trabalhar com a entrevista temática cuja escolha para Verena Alberti (2005) é a mais adequada para o caso de temas que têm estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos entrevistados, seja em termos cronológicos, uma atuação num determinado período ou conjuntura, uma função ou experiência. Dessa forma, as entrevistas temáticas levam em conta a especificidade do que se está pesquisando e versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado no tema escolhido. Contudo, mesmo sendo uma entrevista temática, ela terá como eixo a biografia do entrevistado, sua vivência, sua experiência. Além disso, definiu-se por não seguir um roteiro rígido para realização da entrevista, constituindo um relato de um narrador sobre um determinado tema, contando para isso com a intermediação do pesquisador. Assim, procura-se associar as discussões de gênero à metodologia da história oral para recuperar as narrativas femininas de resistência à ditadura militar no Brasil, a partir da greve operária de 1968, tendo em vista que a memória construída sobre este evento, principalmente no espaço público, é essencialmente masculina. Diante disso, como foi a atuação das mulheres na greve de 1968? Como era a participação no sindicato e na resistência à ditadura militar? Para responder estas questões, inicialmente, foram realizadas duas entrevistas: a primeira com Delsy Gonçalves de Paula3, estudante de Serviço Social, professora de jovens e adultos na região da Cidade Industrial e militante da Ação Popular (AP), organização criada em 1962, em Belo Horizonte e composta predominantemente por 3 Entrevista realizada pela pesquisadora Débora Raíza Rocha, no dia 26 de outubro de 2013, em Belo Horizonte/MG. 4 cristãos progressistas. A segunda entrevista foi com Conceição Imaculada de Oliveira4, militante, inicialmente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e depois da Corrente Revolucionária de Minas Gerais (CORRENTE), uma dissidência do PCB de Minas Gerais que atuou comoresistência armada à ditadura entre os anos de 1967 e 1969. Conceição à época da greve era também secretária do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais de Belo Horizonte e Contagem5. As entrevistas foram registradas, sendo a primeira em áudio e vídeo, e a segunda apenas em áudio. Ambas têm aproximadamente duas horas de duração, com falas corridas e pequenas intervenções para seguimento do roteiro. A partir da utilização dessas fontes, será possível encontrar respostas para os problemas e questionamentos acerca da participação do gênero feminino na luta por questões trabalhistas, ao passo que também atuavam contra uma forma de governo autoritário e repressor, além disso, será possível compreender as representações construídas por essas mulheres militantes acerca da sua atuação no período. O fato dessas mulheres se inserirem em partidos e organizações de esquerda, ou seja, se colocarem como agentes de transformação social nesse contexto, por si só já era uma ruptura com a estrutura vigente, tendo em vista que as mulheres ocupavam posição submissa na cena política. Pois como afirma Marcelo Ridenti (1990): “A norma era a não participação das mulheres na política, exceto para reafirmar seus lugares de “mães- esposas-donas-de-casa” como ocorreu com os movimentos femininos que apoiaram o golpe militar de 1964”. (p.1). Nesse sentido, tanto Conceição Imaculada quanto Delsy Gonçalves ingressaram em um duplo mundo masculino, o da política e o do trabalho, tendo em vista que tiveram de enfrentar também o ambiente machista das fábricas. O espaço de luta dessas mulheres foi Contagem, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte, escolhido para abrigar um importante parque industrial de Minas Gerais. Sua implantação ocorreu ao longo dos anos de 1940 e sua consolidação só se daria nos anos de 1960. Construído em formato de um hexágono, baseado em um projeto da cidade de Camberra, na Austrália, tinha por objetivo racionalizar o trabalho industrial, concentrando as fábricas no mesmo espaço. Essa 4 Entrevista realizada pelos pesquisadores Thiago Veloso e Isabel Leite, no dia 23 de setembro de 2009, em Belo Horizonte/MG. 5 Ao citar o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais de Belo Horizonte e Contagem será utilizado Sindicato dos Metalúrgicos ou apenas Sindicato para efeito de fluência do texto. 5 ocupação da área do hexágono, de acordo com Delsy Gonçalves de Paula (1994), atingiu sua capacidade total em 1966, com 105 indústrias em funcionamento. O pleno funcionamento das indústrias da Cidade Industrial nos anos de 1960 foi acompanhado pela exploração dos trabalhadores e também das trabalhadoras que nesse período já constituíam grande parte da mão de obra operária, atuando principalmente nas indústrias têxteis, alimentícias, eletrônicas e em pequenas metalúrgicas, o que demonstrava uma divisão sexual do trabalho como aponta Magda de Almeida Neves (1994), pois os homens trabalhavam nas indústrias de cimento, nas siderúrgicas e metalurgia pesada. Muitas dessas trabalhadoras, vivenciando a experiência operária nesse contexto, percebem a exploração a qual elas e os demais trabalhadores estavam submetidos, bem como as precárias condições de trabalho e buscam formas de atuar para modificar essa realidade. Foi o caso de Conceição Imaculada. Filha de ferroviário e de uma dona de casa, nascida em Marinhos/MG, no dia 12 de junho de 1946, começou a trabalhar com quase 16 anos em uma metalúrgica de esmaltados da Cidade Industrial, de onde saiu em 1962, quando tomou conhecimento da luta operária: Logo quando eu tava trabalhando, ainda em 62, um dia eu tô indo pro trabalho e vejo umas pessoas jogando papeizinhos, que eram panfletos, né? Eu peguei aquilo e li, e achei muito simpático, porque me identifiquei imediatamente com aquilo, porque era denúncia dos problemas que existiam dentro das empresas. Depois eu li aquilo, achei interessante, e comecei a comentar com as pessoas que tavam indo pro trabalho. Então já fui falando com as pessoas que eu tava encontrando, e peguei uns e já fui levando também, e tinha, claro, gente olhando. Depois tal foi a minha surpresa que na rua que eu morava, eu morava aqui de um lado e do outro lado, mais em embaixo, morava um senhor, que era o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, e era um militante comunista. [...] Ai quando eu tô vindo ele me chamou lá no portão, e falou comigo. Perguntou como eu chamava, me cumprimentou e falou pra mim, quando eu falei aonde que eu trabalhava: ah porque eu vi você hoje lá na Cidade Industrial, vi que você tava lendo uns papéis, tava contando. Começou uma conversa assim toda, né?... E achei você muito inteligente, gostei do que você tava falando, se você gostou daqueles papéis, pra mim pareceu que você gostou muito. Ai eu falei: Claro, gostei. É exatamente o que tá acontecendo. E aí comecei a contar pra ele tudo de ruim que tava na fábrica. (Conceição, 23/09/2013). Na fala de Conceição é possível perceber quais eram as condições em que se encontravam os trabalhadores de Contagem, sendo este o motivo que ocasionou sua integração à luta. É notório como o interesse de Conceição pelo que era dito nos panfletos chama a atenção do líder comunista fazendo-o convidá-la para participar da reunião do Partido e ainda como ela mesma percebe interlocutores em potencial ao contar o que de ruim acontecia na fábrica na qual trabalhava: 6 Porque na fábrica naquele tempo, existia situações muito precárias, porque as fábricas ainda, a Cidade Industrial era muito nova, tava tudo começando. O maquinário não era avançado, a tecnologia ainda era muito atrasada, e naquele momento tava um avanço muito grande, eu num sabia nada disso, eu vou entender isso mais tarde, mas naquele momento tava um avanço muito grande do movimento sindical que tava cortando pra ter mudança, então eles estavam meio nervosos, e tava assim um autoritarismo muito grande, exigências muito grandes, problemas de acidente no trabalho também, porque as condições de trabalho eram muito ruins. Então eu falo, conto uma porção de coisas pra ele né? E ele fala pra mim que é isso mesmo, que nós temos que lutar contra todas essas coisas, e que pra isso precisamos nos organizar e aquela coisa toda. E perguntou pra mim se eu gostaria de participar da organização e falou pra mim que a gente tem que lutar que sem luta a gente não consegue mudar essas coisas. E falou: na minha casa vai ter uma reunião essa noite, se você quiser trabalhar junto com a gente pra ajudar a mudar essas coisas você pode vim. Só que isso não pode falar pra ninguém, porque senão se as pessoas ficam sabendo que você tá participando, a gente tem que fazer isso com muita discrição, porque senão você pode ser demitida da empresa também às vezes o pessoal não gosta muito e você pode sofrer perseguição até política e tudo, então, tem que fazer isso com muita discrição. (Conceição, 23/09/2013). Se já no ano de 1963 é visível a preocupação do líder comunista ao convidar Conceição para a reunião do Partido, recomendando discrição, depois do golpe civil- militar em 1964, essa discrição transformou-se em clandestinidade, tendo em vista que todos os partidos e organizações de esquerda existentes até então tornaram-se ilegais e foram perseguidos e suas principais lideranças presas, torturadas e/ou cassadas. O golpe seguido da instauração da ditadura procurou reprimir imediatamente todos os movimentos populares e aí inclui-se o movimento dos trabalhadores que desde 1946 vinha crescendo e ganhando importante espaço no cenário político brasileiro. Houve intervenção imediata nas Confederações e Federações do trabalho e nos Sindicatos. Segundo JacobGorender (1987) “de 1964-1970, o Ministério do Trabalho destituiu as diretorias de 563 sindicatos, a metade deles de trabalhadores da indústria.” (p.141). Assim como em todo o país, os trabalhadores da Cidade Industrial, em Contagem tiveram suas organizações desarticuladas, tanto na base quanto nos sindicatos. O Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem tiveram suas lideranças afastadas e impossibilitadas de se elegerem, já nos primeiros meses de 1964. A constituição de uma nova política direcionada aos trabalhadores pela ditadura buscava reprimir e dificultar a rearticulação de suas organizações e sufocar qualquer movimento. Além disso, foi criada uma legislação com o objetivo de enfraquecer o sindicalismo brasileiro. Houve modificação na política salarial, o governo transferiu para si o poder de fixar o índice de reajuste anual dos salários, tirando dos sindicatos as condições legais para pressionar os patrões. As greves foram proibidas e passaram a ser 7 encaradas como crimes contra a Segurança Nacional. Outra medida foi a implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que colocou fim à estabilidade no emprego e incentivou a rotatividade, dificultando a organização sindical. (FREDERICO, v.1, 1987) 6. É nesse contexto do pós-golpe que Delsy Gonçalves, nascida em Poté, Minas Gerais, em novembro de 1943, começou sua atuação como professora no meio operário da Cidade Industrial e logo após ingressou na Ação Popular: Eu fui fazendo as coisas que eu achava que devia fazer. Como eu estava com uma dificuldade econômica muito grande, porque eu tava dando aula, o Estado ficou oito meses, sem pagar, a minha situação assim de sobrevivência era uma situação muito complicada. Então ele (um padre amigo) me ofereceu no final de 66, pra eu poder trabalhar no colégio, situado na Cidade Industrial, Colégio Municipal de Contagem, e eu comecei a dar aula lá. E aí, quando eu comecei a dar aula lá, aí então eu encontrei um pessoal da AP, que eram também meus amigos e nós nos reunimos. (Delsy, 26/10/2013). Nesse momento a AP, passava por um processo de proletarização de seus militantes, com o objetivo de promover “a transformação ideológica dos militantes da AP, cuja maioria era de origem pequeno-burguesa”. (LIMA; ARANTES, 1984, p.70). A partir daí militantes e dirigentes passaram a ir para as fábricas e para o campo para participar do trabalho junto aos trabalhadores rurais e aos operários7. Esse processo possibilitou a criação de uma célula da AP na região da Cidade Industrial. Com o aumento de operários adeptos e da quantidade de militantes que se deslocaram para a Cidade Industrial, Delsy, em função de toda a atividade já desenvolvida na localidade, passou a fazer parte da equipe que dirigia a célula8: Em 66 nós então abrimos a primeira célula dentro da Cidade Industrial, da AP. Eu fazia parte dela, com mais alguns operários. Não só operários, com outras pessoas, né? Que eram pessoas que também eram da AP, que queriam estar fazendo trabalho nessa área operária e aí eu fiquei lá. Eu fui pro setor operário porque eu já estava lá, entendeu? E aí eu fui desenvolver um trabalho político muito grande a partir desse Colégio Municipal de Contagem. Eu fazia o seguinte, eu dava aula de português, isso em 1966, pra todas as turmas da noite. 99% dos meus alunos trabalhavam na Cidade Industrial, naquelas fábricas da Cidade Industrial. Então eu comecei a criar um método, pra poder trabalhar ao mesmo tempo que eu trabalhava a língua, e a capacidade de expressão e de escrita, ao mesmo 6 A política salarial passou a ser organizada a partir dos Decretos 54.018/64 e 54.228/64, das leis 4.725/65 e 4.903/65 e os decretos leis 15/66 e 17/66. Implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) pela lei 5.170/66. 7 Jacob Gorender (1987) analisa que a diretiva de integração na produção da AP é um fenômeno derivado de simbiose cristã-maoísta. 8 A célula é a base de um partido. É uma forma de organização dos militantes que tem como objetivo ligar o partido às chamadas “massas”, ou seja, aos operários, camponeses e estudantes. 8 tempo eu politizava. Com base nos rudimentos que eu tinha aprendido lá do Paulo Freire. Então, primeira coisa, eu não adotei livro. Eu tinha um trabalho enorme, aí eu tive que largar a universidade inclusive porque eu não tinha tempo pra poder estudar. [...] Então ao mesmo tempo que ele aprendia o texto ele tava trabalhando a consciência, a consciência política. E quê que isso resultou? Ora, se eu tinha 99% dos meus alunos, eles eram... trabalhavam nas fábricas. Então eu tive acesso. E aí nós começamos a montar grupos. Aqueles alunos onde a semente caía mais fértil, abria ali um grupo naquela fábrica pra gente discutir. Então eu passei praticamente o ano de 67 inteiro, eu passei na Cidade Industrial. [...] Além disso eu fazia as panfletagens em todas aquelas fábricas. Tinham uns alunos assim, que não percebiam direito, aí me encontravam às vezes, quatro horas da manhã distribuindo panfleto na porta da Mannesmann “– uai professora, quê que cê tá fazendo aqui?”. Tomavam aquele susto. Aí quando ele percebia, no geral, era mais um que a gente podia contar, chamar pra reunião, discussão, etc. Eu passava a semana lá, fim de semana, meu fim de semana era na Cidade Industrial. (Delsy, 26/10/2013). Delsy como professora na região da Cidade Industrial buscava através do método de ensino que ela criou, baseado no método de Paulo Freire ensinar português e política aos alunos, como uma forma de ampliar politicamente a ação da AP junto aos operários. Enquanto isso, Conceição atuava internamente nas fábricas distribuindo panfletos e boletins cujo objetivo era conscientizar o operário para sua condição. Ela começou pelo seu local de trabalho, passando depois a entregar boletins em todas as fábricas da região, criando laços de amizade e vínculos de luta: Então eu peguei aqueles boletins, pus na minha bolsa, levei o envelope na, que eu levava uma bolsa, tinha que levar marmita, num tinha restaurante, a gente tinha que levar comida de casa, o uniforme também pra trocar lá, então eu enfiei aquilo tudo no meio da minha marmita e do meu uniforme, cheguei lá escondi, e depois que eu vesti o uniforme enfiei por dentro da calça assim. Nosso uniforme era uma calça comprida, com bota e uma blusa. Então eu enfiei assim, e em cada lugar que eu ia, se eu ia tomar água, que era em outra seção, quando cê ia tomar água cê passava em outra seção, ai eu olhava pros lados não tinha ninguém eu tirava alguns e punha ali né? Aí eu ia no banheiro e aproveitava que tinha que passar em outra seção, pra ir também tinha que sair, eu trabalhava, por sorte minha, eu trabalhava na primeira seção, e era um galpão muito grande. Ai eu passava e deixava. Todo lugar que eu... dava um jeitinho né? Eu punha... Eu ia numa máquina buscar uma peça, e tinha várias assim, e quando eu ia de uma máquina pra outra eu dava um jeito assim, num tinha ninguém observando eu enfiava o papelzinho. Então eu fiquei assim, treinada em colocar papelzinho pra todo lado. E com isso depois, também, eles já foram... eu passei de outras reuniões, e eles assim, ganhando mais carinho pelo negócio né? Já comecei a falar com colegas de outras fábricas. Aí eu já virei uma pessoa que coordenava outros grupos. (Conceição, 23/09/2013). Aos poucos Conceição foi ganhando mais espaço no PCB, participando de reuniões e coordenando outros grupos. Participou da dissidência mineira ao Partido 9 Comunista Brasileiro, tornando-se parte da Corrente Revolucionária (CORRENTE), além disso, tornou-se a primeira e única mulher a fazer parte da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, eleita em 1967, essefato ganha uma importância ainda maior tendo em vista que a participação das mulheres no Sindicato dos Metalúrgicos só voltaria a acontecer em 1987. Conceição comenta que por ser mulher e no meio metalúrgico, tão marcadamente masculino, o seu nome não foi aceito tão facilmente para compor a Chapa Verde, de oposição na eleição do Sindicato: [...] É a primeira vez, né? Que uma mulher vai pra diretoria do sindicato na parte mais executiva e de metalúrgicos, podia ver no perfil no gráfico até aí então. A metalúrgica foi uma coisa assim que não foi muito fácil negociar, mas no fim eles aceitaram. Porque eu me destacava mesmo, né? Pelo fato de ter visto aquilo eles viram que não ia ter muito jeito, porque eu tinha todo mundo ali dependia, porque eu tava muito envolvida no trabalho e pra fazer uma coisa, pra levar a marcha eles tinham que me levar também. (Conceição, 23/09/2013). Entretanto, os demais componentes da Chapa ao perceberem o envolvimento dela no trabalho e seu destaque junto aos trabalhadores, não tiveram alternativa, a não ser aceitá-la. A eleição para o Sindicato dos Metalúrgicos ocorrida no mês de agosto de 1967 foi autorizada pela Delegacia Regional do Trabalho. Disputou a eleição a Chapa Azul, apoiada pelos interventores e a Chapa Verde, da oposição sindical, cuja proposta era a renovação do sindicato, colocado sob intervenção desde 1964. Foi eleita a Chapa Verde composta pelos seguintes trabalhadores: José Nilson Santos, Ênio Seabra, Antônio Santana Barcerlos e Luís Fernando de Souza operários da Mannesmann; Mário Bento da Silva, mecânico da Retífica de Motores Minas Gerais; Joaquim José de Oliveira trabalhava empresa de pré-moldados de aço Única,; Renato B. Viegas e Argentino Martins trabalhadores da Belgo-Mineira; Conceição Imaculada de Oliveira, metalúrgica Santo Amaro. Essa “renovação sindical” representou na opinião de Francisco Weffort (1972), “uma pequena fissura no dique que por tanto tempo represara as insatisfações produzidas pela crise”. (p.25). Ênio Seabra, cassado em 1964, foi impedido de tomar posse como presidente do Sindicato. Em seu lugar assumiu Antônio Santana. Conceição Imaculada de Oliveira rapidamente tornou-se uma referência, ao lado de Joaquim de Oliveira e Luiz Fernando, pois eram membros mais atuantes do Sindicato, com presença constante nas portarias das fábricas. (BRANCO, 2008). 10 A partir daí o Sindicato passou a articular seus trabalhos dentro das empresas, em comissões de fábricas que devido ao contexto, funcionavam de maneira clandestina. As comissões tinham como função distribuir boletins e orientar os trabalhadores nas portas das fábricas e realizar também o trabalho dentro da fábrica. Nesse contexto, praticamente todas as fábricas, em alguma medida tinham trabalhadores organizados em comissões. As comissões surgiram após o dissídio de 1967, estimuladas pelas organizações de esquerda. Nessa época, o Sindicato tinha uma formação bastante heterogênea, reuniram-se nele militantes do Comando de Libertação Nacional (COLINA), Corrente Revolucionária de Minas Gerais (CORRENTE), Ação Popular (AP), Política Operária (POLOP) e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), juntamente com trabalhadores independentes. Apesar das divergências ideológicas quanto ao caráter do trabalho junto às bases, Conceição Imaculada chama atenção para o fato de que as reivindicações eram as mesmas: “Todo mundo estava contra a lei do arrocho, todo mundo estava contra o FGTS e acreditavam na importância das Cipas9. Todo mundo era contra a ditadura. Aí não tinha divergência”10. As comissões de fábrica eram também chamadas de “comissões de cinco”. Conceição Imaculada explica como funcionavam e ressalta a importância dessas comissões para o surgimento e êxito do movimento grevista: Nessa primeira greve a gente tinha, formava comissões, você tinha... Tinha as bases do partido que atuava também e tinha as comissões de fábrica que a gente fazia, a gente criava as comissões de cinco pessoas, e buscava que as pessoas não se conhecessem muito, daquele grupo de cinco só aqueles cinco que sabiam [...] Só organizava de cinco em cinco, pra não... Porque era tudo fechado né? Então aquilo nós fomos... Nessa sessão aqui tem trezentos trabalhadores, por exemplo. Então eu sei de todos que estão organizados, mas só sabem cinco cinco e cinco, e todos pensam que são únicos. E a base do partido que tá ali dentro também ela não faz parte dos grupos de cinco, elas são à parte, mas ela faz um trabalho também, ela só instiga é aquela pessoa que provoca, mas eles não são da comissão, porque eles não vai queimar muito, fica mais na retaguarda né? Ele é pra empurrar, ele não é pra... Porque o trabalho sindical, ele pode abrir porque ele não era, era uma coisa que deveria ser legal, mas não era não, então ele, o pessoal do partido ele atuava tentando empurrar o sindicato e quem destacava no sindicato vinha pra cá, aí ficava assim nesse trabalho o tempo todo, então foi montando assim esses grupos de cinco e tudo, que um dia a gente estourou a greve pelo Belgo Mineira. (Conceição, 23/09/2013). 9 Comissões Internas de Prevenção de Acidente. A criação das Cipas era uma reivindicação relevante devido ao número de acidentes de trabalho nas fábricas da Cidade Industrial de Contagem à época. 10 Trecho de entrevista de Conceição Imaculada de Oliveira, coletada por ocasião da comemoração dos 40 anos da greve de 1968, no dia 23 de abril de 2008, no Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem. In: BRANCO, Andréa Castello. A História contada pelos protagonistas. Teoria e Debate, São Paulo, ano 21, Edição Especial, 2008, p.14-20. 11 Nesse contexto marcado pela repressão e perseguição aos sindicalistas e ao movimento operário, solicitação de aumento de salário recusado, direitos civis suspensos, constantes demissões nas fábricas da região e situação econômica precária, os trabalhadores metalúrgicos paralisaram os trabalhos e deram início ao movimento grevista (OLIVEIRA, 2010). No dia 16 de abril, cerca de 1.200 operários da seção de trefilaria da Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira da Cidade Industrial de Contagem, decidiram parar suas atividades e começaram a maior greve do ano de 1968, no Brasil, e a primeira após o golpe civil-militar de 1964, servindo de inspiração para os movimentos grevistas do Estado de São Paulo que ocorreriam meses depois. Reivindicavam principalmente um aumento de 25% nos salários e melhorias nas condições de trabalho. A greve mobilizou grande contingente de trabalhadores e trabalhadoras da Cidade Industrial de Contagem, inclusive, aqueles não sindicalizados, mas que viram nesse movimento um espaço para mostrar sua insatisfação diante da exploração e do processo de empobrecimento a que estavam submetidos. Operários de outras empresas foram aderindo ao movimento: pararam a Sociedade Brasileira de Eletrificação (SBE), Mannesman e logo a RCA Victor, Demisa, Industam, Acesita, Minas Ferro, Material Ferroviário S/A (Mafersa), Cimec, Pollig-Haeckel, além de outras seções da própria Belgo-Mineira. No dia 23 de abril a Cidade Industrial de Contagem já contava com cerca de 16.000 trabalhadores em greve e vinte empresas paralisadas. Um aspecto da greve a ser analisado são as redes de solidariedade criadas para ajudar na manutenção do movimento. Foi criado um “Comitê de Apoio à Greve” cujas tarefas eram realizadas em sua maioria por mulheres e consistia em arrecadar dinheiro e alimentos para ajudar os grevistas e suas famílias e elaborar boletins denunciando a situação dos operários e o caráter justo do movimento dos trabalhadores, mesmo sendo declarado ilegal pelas autoridades. (NEVES, p.153-154, 1995). Mesmo com a decretação pela Delegacia Regionaldo Trabalho da ilegalidade da greve o movimento não enfraqueceu, pelo contrário, alcançou novas adesões o que obrigou o Ministro do Trabalho, coronel, Jarbas Passarinho a vir a Minas Gerais negociar diretamente com os grevistas. Em termos de conquista salarial, os trabalhadores conseguiram 10% de aumento que se estendeu a todo país, em termos políticos, os operários questionaram a legitimidade da proibição de greve. Entretanto, isso trouxe consequências para a continuidade da atuação do movimento operário. 12 A Cidade Industrial foi tomada por cerca de 1500 policiais, o Sindicato dos Metalúrgicos foi fechado, as principais lideranças foram presas. As empresas começaram a convocar os operários para retornar ao trabalho sob ameaça de demissão por justa causa. Com a greve esvaziada, os operários voltaram contrariados ao trabalho. (BRANCO, 2008). Além disso, as assembleias e a distribuição de boletins foram proibidas, assim como qualquer tipo de aglomeração. Nesse contexto de enfrentamentos destaca-se a ação de uma operária, Conceição e de uma universitária que abandonou a faculdade para atuar na Cidade Industrial, Delsy, dentre muitas outras mulheres cuja atuação na greve de 1968, no movimento operário e nos movimentos populares nesse período em Contagem ainda carece de mais estudos. A lembrança da greve no espaço público é masculina e o que se guarda sobre a atuação feminina, segundo Magda Neves (1995) é sua participação em vigílias ou o apoio aos maridos levando comida e cobertor. Essa memória construída e consolidada secundariza o papel das trabalhadoras que lutavam por seus direitos sem necessariamente atuar no sindicato e/ou nos partidos e organizações e o das esposas dos operários que em alguma medida assumiram um protagonismo importante durante a greve e depois dela quando seus maridos passaram a ser perseguidos e perderam o emprego11. No ambiente privado lutaram pela manutenção de suas famílias. E algumas no ambiente público, formaram redes de solidariedade, atuando nos movimentos ligados à igreja progressista e em associações de bairros, reivindicando melhores condições de vida, infraestrutura e saneamento básico para os bairros da região da Cidade Industrial. Outra questão que poderia explicar a memória masculina construída em torno da greve de 1968 é que “tradicionalmente, nos movimentos operários, a greve é um ato masculino” (NEVES, p.151, 1995), pois leva os trabalhadores para o embate, para as ruas, ou seja, para o espaço público, o que no imaginário social é considerado o lugar dos homens, enquanto às mulheres estaria reservado o espaço doméstico. Assim também é o sindicato, compreendido com um espaço de política, predominantemente masculino era pouco frequentado pelas mulheres operárias. No Sindicato e durante a greve, Conceição foi figura de relevância, adentrando no espaço público, foi uma das pessoas mais ativas no movimento, atuando, entre discursos e riscos, subindo em caminhões para falar aos operários, nas convocações de 11 Trabalho relevante nesse sentido, sobre a greve de 1968 em Osasco/SP é a Tese de doutorado de Marta Gouveia de Oliveira Rovai (2012), intitulada: Osasco 1968: a greve no feminino e no masculino. 13 companheiros para as comissões de fábricas, reuniões secretas, entregas de boletim e principalmente na organização da greve. Delsy por sua vez, agiu na greve e em meio ao movimento operário, realizando importante trabalho de agitação nos bairros e junto às igrejas da região, por meio da educação, pichações, confecção e entrega de folhetos, entre outras coisas, de grande valia para a continuidade e sucesso da greve. A população desses bairros, na época, era composta por operários e suas famílias; todos com mais ou com menos implicação com a greve. Tinha muita animação, assembleias, em lugares diferenciados, onde hoje é o sindicato, aquilo ali era um mato, uma área em construção, com um barracão. Então, tinha assembleia, tinha encontros nas igrejas pra reuniões com trabalhadores, em vários pontos pra poder fazer a animação, vamos dizer assim, da greve [...] mas a parte mais importante eram essas reuniões de vários grupos nos bairros, nas igrejas, onde a gente tinha apoio [...] e panfletagem, por isso que eu falava, o movimento estudantil, aquele pessoal [...] a gente falava, na época, ideologicamente mais comprometido, tava lá direto, fazendo panfletagem dia e noite, entendeu? Pra poder dar a informação sobre a greve e os informes. Agora, não teve jeito de ficar quieto, parado, por quê? [...] Porque eles ficavam, a ditadura ficava entre a legalidade e a repressão, então, foram cinco dias que eu acho que ela sustenta, ou quase uma semana, de muita mobilização. (Trecho de entrevista com Delsy Gonçalves de Paula. In: OLIVEIRA, p.94, 2010). Em outubro do mesmo ano os trabalhadores e o sindicato iniciaram novo movimento, sendo imediatamente declarado ilegal pela Delegacia Regional do Trabalho e reprimido pela polícia. Isso levou a uma nova intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos, dificultando a continuidade do trabalho das organizações e partidos que ali estavam e mesmo dos operários independentes comprometidos com a luta dos trabalhadores. Conceição foi uma das atingidas pela intervenção conforme relata: Então depois de outubro quando sofre a intervenção, a orientação ainda é pra eu continuar no meio operário e trabalhando legalmente né? Eu não consigo mais conseguir emprego na Cidade Industrial. Foi feito mil formas, mil contatos, mil coisas pra mim conseguir, todo mundo batalhou junto, assessores da Igreja, gente pra conseguir um trabalho pra mim dentro da Cidade Industrial e não foi possível. (Conceição, 23/09/2013). Tanto Delsy quanto Conceição foram presas em 1969, momento em que o foco da repressão se dirige com mais precisão e de maneira mais violenta para as organizações clandestinas e de luta armada. Delsy foi torturada física e psicologicamente durante o tempo em que esteve na cadeia. Foi presa em 14 de junho de 1969, em Belo Horizonte e transferida para a Penitenciária de Linhares em Juiz de Fora e libertada em junho de 1970. Viveu na clandestinidade até ser presa novamente em Porto Alegre e transferida para o DOI-CODI de São Paulo, na Operação 14 Bandeirantes. Posteriormente, foi transferida para Piraquara, e por fim foi para Juiz de Fora novamente, sendo libertada somente em 1973, quando saiu da AP. Conceição foi alvo de inúmeras prisões, sendo detida no DOPS/MG, na Penitenciária de Neves, no 12º Regimento de Infantaria/Belo Horizonte, Penitenciária de Mulheres de Belo Horizonte e de Juiz de Fora e na Polícia do Exército/RJ. (VELOSO, p.65, 2013). Ficou presa de abril de 1969 até início de 1971 quando foi trocada pelo embaixador da Suíça, sequestrado no Brasil pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e partiu para o Chile. Considerações finais Quando se estuda sobre a memória da ditadura militar brasileiro, identifica-se em muitas obras, de forma sútil, uma história sobre a resistência masculina, sendo citados, em alguns casos, somente a atuação dos homens. Quando não há essa evidência, percebe-se uma história “assexuada”, em que não há diferenciação entre homens e mulheres. Contudo, nota-se que a atuação feminina possui especificidades que as diferenciam, necessitando que, em certos casos, se faça uma “história do feminino”, uma “história de mulher”, uma “história de gênero”. É preciso diferenciar, especificar e não generalizar as múltiplas visões possíveis. Para se entender a história da atuação da mulher, requer que seja observado o histórico do papel feminino no âmbito público, pois ao longo dos anos e principalmente a década anterior a essa luta, os “anos dourados”, ditava que a mulher dessaépoca deveria simplesmente ser: dona-de-casa. Embora esse pensamento permeasse o imaginário social nesse período, muitas mulheres começaram a ingressar na universidade e a “transgredir” os padrões e modelos “predestinados” a elas. Com isso, o presente trabalho pretende contribuir para o debate acadêmico, articulando diálogos possíveis entre gênero, movimento operário, resistência e ditadura militar, a partir da história oral. Essa interlocução tem o intuito de colaborar com a discussão acerca de questões prementes como o silenciamento, a exclusão e a invisibilidade da mulher nos espaços públicos, apresentando-as como protagonistas e sujeitos históricos. Dessa forma, considera-se que a atuação dessas duas mulheres, e de tantas outras que participaram da greve de 1968, do movimento operário e da resistência à ditadura militar, lutando contra as péssimas condições de trabalho e exploração, e pelo direito de 15 organização sindical e ainda de maneira tangencial pela condição da mulher, contribuiu com a luta dos trabalhadores pela melhoria nas condições de vida e trabalho dos operários, com a estruturação dos movimentos sociais da década de 1970 e pela emancipação feminina. Além de romperam com as “regras” de gênero impostas às mulheres de sua época. Referências Bibliográficas ALBERTI, Verena. Manual de História oral. 3.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005. BRANCO, Andréa Castello. A História contada pelos protagonistas. Teoria e Debate, São Paulo, ano 21, Edição Especial, 2008, p.14-20. DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. História Oral: memória, tempo, identidades. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. FREDERICO, Celso. A esquerda e o movimento operário: 1964/1984: A resistência à ditadura 1964/1971. São Paulo: Novos Rumos, 1987. v.1. GONÇALVES DE PAULA, Delsy. No labirinto das minas – a modernidade postergada. 1994. 107f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, Belo Horizonte. GORENDER, Jabob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. 3.ed. São Paulo: Ática, 1987. LIMA, Haroldo; ARANTES, Aldo. História da Ação Popular: da JUC ao PCdoB. 2.ed. São Paulo: Alfa-Omega,1984. NEVES, Magda de Almeida. Trabalho e cidadania: as trabalhadoras de Contagem. Petrópolis: Vozes, 1994. OLIVEIRA, Edgard Leite. Conflito social, memória e experiência: as greves dos metalúrgicos de Contagem em 1968. 2010. 229f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação, Belo Horizonte. RIDENTI, Marcelo Siqueira. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social, São Paulo, v.2, n.2, 1990. p. 113-128. ROVAI, Marta Gouveia de Oliveira. Osasco 1968: a greve no feminino e no masculino. 2012. 592f. Tese (Doutorado). Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo. 16 SOIHET, Rachel. Mulheres pobres e violência no Brasil urbano. In: PRIORE, Mary Del. (Org.); BASSANEZI, Carla. (Coord. de textos). História das mulheres no Brasil. 9.ed. São Paulo: Contexto, 2009. p. 362-400. VELOSO, Thiago Vitral. Corrente Revolucionária de Minas Gerais: resistência ativa à ditadura civil militar em Minas Gerais (1967-1969). 2013. 158 f. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em História, Belo Horizonte. WEFFORT, Francisco. Participação e conflito industrial: Contagem e Osasco (1968). Cadernos CEBRAP, São Paulo, n.6, 1972. Referências das entrevistas OLIVEIRA, Conceição Imaculada de. Entrevista realizada por Thiago Veloso e Isabel Leite, no dia 23 de setembro de 2013, em Belo Horizonte/MG. GONÇALVES DE PAULA, Delsy. Entrevista realizada pela pesquisadora Débora Raíza Rocha, no dia 26 de outubro de 2013, em Belo Horizonte/MG.
Compartilhar