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Narrativas femininas e ditadura militar a atuação das mulheres na greve operária de 1968 em Contagem (MG)

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Narrativas femininas e ditadura militar: a atuação das mulheres na greve operária 
de 1968 em Contagem/MG1 
 
CAROLINA DELLAMORE BATISTA SCARPELLI∗ 
DÉBORA RAIZA CAROLINA ROCHA SILVA∗∗ 
 
“Ela é tão livre que um dia será presa. 
- Presa por quê? 
- Por excesso de liberdade. 
- Mas essa liberdade é inocente? 
- É até mesmo ingênua. 
- Então por que a prisão? 
- Porque a liberdade ofende.” 
 
(Clarice Lispector. Um sopro de vida, 1977). 
 
Falar sobre o período da ditadura que vigorou no Brasil a partir da instauração 
do golpe civil-militar em 1964, e que durou vinte e um anos, implica na importância 
ainda atual de se pensar sobre a memória social produzida acerca desse período, com 
suas disputas, esquecimentos, silêncios e ausências. Ainda há muito o que discutir sobre 
o tema e muitos silêncios e ausências a serem desvelados e desvendados, tanto no 
campo da memória quanto na produção historiográfica. 
Exemplo disso é o estudo ainda lacunar sobre os trabalhadores durante o período 
da ditadura, cujo debate, se por um lado ganhou espaço considerável na historiografia 
dos anos de 1980 e 1990, por outro concentrou suas análises nos movimentos grevistas 
de repercussão nacional, privilegiando a atuação de determinadas categorias, lugares e 
períodos como, por exemplo, as greves de Osasco e Contagem em 1968 e as greves dos 
metalúrgicos do ABC paulista em 1978. Percebe-se, contudo, que mesmo ao tratar das 
greves, ainda são poucos os trabalhos que pensam esse evento dentro de um conjunto 
mais amplo das ações dos operários. Dessa forma, considera-se que sobre a atuação dos 
trabalhadores durante a ditadura ainda existem inúmeros questionamentos a serem feitos 
e respondidos. 
 
1
 Essa pesquisa encontra-se em andamento, apresentaremos aqui algumas discussões iniciais. 
∗
 Universidade Federal de Minas Gerais. Doutoranda em História. Linha de pesquisa: História e Culturas 
Políticas. Bolsista FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais). Email: 
carolinadellamore@yahoo.com.br. 
∗∗
 Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduanda em História, Historiografia e Culturas Políticas. 
Email: raiza.rocha@hotmail.com. 
2 
 
 
Em relação à produção historiográfica acerca da mulher, Rachel Soihet (2009) 
argumenta que somente a partir dos anos de 1960 as mulheres, juntamente com os 
chamados subalternos, tais como os camponeses, escravos e demais pessoas “comuns”, 
foram alçadas à condição de objeto e sujeito da história. 
De maneira geral, timidamente, os estudos relacionados à questão feminina 
começaram a ganhar espaço na academia a partir dos anos de 1960; inicialmente nos 
Estados Unidos e na Inglaterra, países onde o Movimento Feminista estava em ebulição, 
e posteriormente no Brasil, em meados dos anos de 1970. Neste período, as feministas 
começavam a questionar a diferenciação entre homens e mulheres através da palavra 
“sexo”. Segundo este movimento, as especificidades femininas estão presentes na vida 
social, indo muito além das questões biológicas. Tal discussão contribuiu para o 
surgimento do conceito de gênero, no qual se estuda o papel da mulher nos âmbitos 
público e privado e as relações de poder existentes entre as mulheres e os homens, sua 
família, etnia, classe, lugar de origem, etc. Neste sentido, discutir a história a partir do 
conceito de gênero pressupõe perceber as diferenças inseridas em um contexto social, 
em que se tem a mulher como sujeito histórico. 
O presente trabalho propõe incorporar a história dos trabalhadores, à história das 
mulheres, a partir da análise da experiência operária feminina. Tais práticas e vivências 
serão analisadas no contexto político da ditadura militar, cujos silêncios, ausências e 
invisibilidades são ainda maiores quando se discute essa experiência no período em tela, 
visto que nesse momento o movimento operário e sindical foram duramente sufocados. 
Nessa conjuntura, esta pesquisa se apresenta com um desafio a mais, pois conforme 
aponta Soihet (2009), existe uma imensa dificuldade em se obter fontes para reconstruir 
a atuação das mulheres, tendo em vista que não existem registros organizados2, e 
quando há, são parcos e fragmentados. 
Diante do exposto, busca-se analisar o papel das mulheres na greve operária de 
1968, em Contagem/MG, utilizando como recurso teórico-metodológico a história oral, 
tendo em vista que as fontes orais tornam-se muitas vezes peça fundamental para o 
exame da participação das mulheres em determinados períodos históricos. Nesse caso, 
além de ser uma necessidade metodológica imposta pela escassez de outras fontes, tal 
metodologia apresenta-se como recurso privilegiado para o tipo de trabalho que se 
 
2
 A autora tem se utilizado de documentação policial e judiciária para realizar pesquisas sobre a 
contribuição feminina no processo histórico. 
3 
 
pretende desenvolver, pois possibilita a percepção das representações construídas pelos 
sujeitos acerca do passado e de outras versões e interpretações da história. 
Lucília de Almeida Neves Delgado (2006) informa que: 
 
 A história oral é um procedimento metodológico que busca, pela construção 
de fontes e documentos, registrar, através de narrativas induzidas e 
estimuladas, testemunhos, versões e interpretações sobre a História em suas 
múltiplas dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, 
consensuais. (DELGADO, p. 6). 
 
Para utilização dessa metodologia a autora apresenta três modelos de entrevista 
que podem ser utilizados na produção historiográfica, entre eles: a história de vida, 
entrevista temática e a trajetória de vida. 
Na presente proposta optou-se por trabalhar com a entrevista temática cuja 
escolha para Verena Alberti (2005) é a mais adequada para o caso de temas que têm 
estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos entrevistados, seja em termos 
cronológicos, uma atuação num determinado período ou conjuntura, uma função ou 
experiência. Dessa forma, as entrevistas temáticas levam em conta a especificidade do 
que se está pesquisando e versam prioritariamente sobre a participação do entrevistado 
no tema escolhido. Contudo, mesmo sendo uma entrevista temática, ela terá como eixo 
a biografia do entrevistado, sua vivência, sua experiência. Além disso, definiu-se por 
não seguir um roteiro rígido para realização da entrevista, constituindo um relato de um 
narrador sobre um determinado tema, contando para isso com a intermediação do 
pesquisador. 
Assim, procura-se associar as discussões de gênero à metodologia da história 
oral para recuperar as narrativas femininas de resistência à ditadura militar no Brasil, a 
partir da greve operária de 1968, tendo em vista que a memória construída sobre este 
evento, principalmente no espaço público, é essencialmente masculina. Diante disso, 
como foi a atuação das mulheres na greve de 1968? Como era a participação no 
sindicato e na resistência à ditadura militar? 
Para responder estas questões, inicialmente, foram realizadas duas entrevistas: a 
primeira com Delsy Gonçalves de Paula3, estudante de Serviço Social, professora de 
jovens e adultos na região da Cidade Industrial e militante da Ação Popular (AP), 
organização criada em 1962, em Belo Horizonte e composta predominantemente por 
 
3
 Entrevista realizada pela pesquisadora Débora Raíza Rocha, no dia 26 de outubro de 2013, em Belo 
Horizonte/MG. 
4 
 
cristãos progressistas. A segunda entrevista foi com Conceição Imaculada de Oliveira4, 
militante, inicialmente do Partido Comunista Brasileiro (PCB), e depois da Corrente 
Revolucionária de Minas Gerais (CORRENTE), uma dissidência do PCB de Minas 
Gerais que atuou comoresistência armada à ditadura entre os anos de 1967 e 1969. 
Conceição à época da greve era também secretária do Sindicato dos Trabalhadores nas 
Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais de Belo Horizonte e Contagem5. As 
entrevistas foram registradas, sendo a primeira em áudio e vídeo, e a segunda apenas em 
áudio. Ambas têm aproximadamente duas horas de duração, com falas corridas e 
pequenas intervenções para seguimento do roteiro. 
A partir da utilização dessas fontes, será possível encontrar respostas para os 
problemas e questionamentos acerca da participação do gênero feminino na luta por 
questões trabalhistas, ao passo que também atuavam contra uma forma de governo 
autoritário e repressor, além disso, será possível compreender as representações 
construídas por essas mulheres militantes acerca da sua atuação no período. 
O fato dessas mulheres se inserirem em partidos e organizações de esquerda, ou 
seja, se colocarem como agentes de transformação social nesse contexto, por si só já era 
uma ruptura com a estrutura vigente, tendo em vista que as mulheres ocupavam posição 
submissa na cena política. Pois como afirma Marcelo Ridenti (1990): “A norma era a 
não participação das mulheres na política, exceto para reafirmar seus lugares de “mães-
esposas-donas-de-casa” como ocorreu com os movimentos femininos que apoiaram o 
golpe militar de 1964”. (p.1). Nesse sentido, tanto Conceição Imaculada quanto Delsy 
Gonçalves ingressaram em um duplo mundo masculino, o da política e o do trabalho, 
tendo em vista que tiveram de enfrentar também o ambiente machista das fábricas. 
O espaço de luta dessas mulheres foi Contagem, município da Região 
Metropolitana de Belo Horizonte, escolhido para abrigar um importante parque 
industrial de Minas Gerais. Sua implantação ocorreu ao longo dos anos de 1940 e sua 
consolidação só se daria nos anos de 1960. Construído em formato de um hexágono, 
baseado em um projeto da cidade de Camberra, na Austrália, tinha por objetivo 
racionalizar o trabalho industrial, concentrando as fábricas no mesmo espaço. Essa 
 
4
 Entrevista realizada pelos pesquisadores Thiago Veloso e Isabel Leite, no dia 23 de setembro de 2009, 
em Belo Horizonte/MG. 
5
 Ao citar o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Materiais de Belo 
Horizonte e Contagem será utilizado Sindicato dos Metalúrgicos ou apenas Sindicato para efeito de 
fluência do texto. 
5 
 
ocupação da área do hexágono, de acordo com Delsy Gonçalves de Paula (1994), 
atingiu sua capacidade total em 1966, com 105 indústrias em funcionamento. 
O pleno funcionamento das indústrias da Cidade Industrial nos anos de 1960 foi 
acompanhado pela exploração dos trabalhadores e também das trabalhadoras que nesse 
período já constituíam grande parte da mão de obra operária, atuando principalmente 
nas indústrias têxteis, alimentícias, eletrônicas e em pequenas metalúrgicas, o que 
demonstrava uma divisão sexual do trabalho como aponta Magda de Almeida Neves 
(1994), pois os homens trabalhavam nas indústrias de cimento, nas siderúrgicas e 
metalurgia pesada. 
Muitas dessas trabalhadoras, vivenciando a experiência operária nesse contexto, 
percebem a exploração a qual elas e os demais trabalhadores estavam submetidos, bem 
como as precárias condições de trabalho e buscam formas de atuar para modificar essa 
realidade. Foi o caso de Conceição Imaculada. Filha de ferroviário e de uma dona de 
casa, nascida em Marinhos/MG, no dia 12 de junho de 1946, começou a trabalhar com 
quase 16 anos em uma metalúrgica de esmaltados da Cidade Industrial, de onde saiu em 
1962, quando tomou conhecimento da luta operária: 
 
Logo quando eu tava trabalhando, ainda em 62, um dia eu tô indo pro 
trabalho e vejo umas pessoas jogando papeizinhos, que eram panfletos, né? 
Eu peguei aquilo e li, e achei muito simpático, porque me identifiquei 
imediatamente com aquilo, porque era denúncia dos problemas que existiam 
dentro das empresas. Depois eu li aquilo, achei interessante, e comecei a 
comentar com as pessoas que tavam indo pro trabalho. Então já fui falando 
com as pessoas que eu tava encontrando, e peguei uns e já fui levando 
também, e tinha, claro, gente olhando. Depois tal foi a minha surpresa que 
na rua que eu morava, eu morava aqui de um lado e do outro lado, mais em 
embaixo, morava um senhor, que era o presidente do Sindicato dos 
Metalúrgicos, e era um militante comunista. [...] Ai quando eu tô vindo ele 
me chamou lá no portão, e falou comigo. Perguntou como eu chamava, me 
cumprimentou e falou pra mim, quando eu falei aonde que eu trabalhava: ah 
porque eu vi você hoje lá na Cidade Industrial, vi que você tava lendo uns 
papéis, tava contando. Começou uma conversa assim toda, né?... E achei 
você muito inteligente, gostei do que você tava falando, se você gostou 
daqueles papéis, pra mim pareceu que você gostou muito. Ai eu falei: Claro, 
gostei. É exatamente o que tá acontecendo. E aí comecei a contar pra ele 
tudo de ruim que tava na fábrica. (Conceição, 23/09/2013). 
 
 Na fala de Conceição é possível perceber quais eram as condições em que se 
encontravam os trabalhadores de Contagem, sendo este o motivo que ocasionou sua 
integração à luta. É notório como o interesse de Conceição pelo que era dito nos 
panfletos chama a atenção do líder comunista fazendo-o convidá-la para participar da 
reunião do Partido e ainda como ela mesma percebe interlocutores em potencial ao 
contar o que de ruim acontecia na fábrica na qual trabalhava: 
6 
 
 
Porque na fábrica naquele tempo, existia situações muito precárias, porque 
as fábricas ainda, a Cidade Industrial era muito nova, tava tudo começando. 
O maquinário não era avançado, a tecnologia ainda era muito atrasada, e 
naquele momento tava um avanço muito grande, eu num sabia nada disso, eu 
vou entender isso mais tarde, mas naquele momento tava um avanço muito 
grande do movimento sindical que tava cortando pra ter mudança, então eles 
estavam meio nervosos, e tava assim um autoritarismo muito grande, 
exigências muito grandes, problemas de acidente no trabalho também, 
porque as condições de trabalho eram muito ruins. Então eu falo, conto uma 
porção de coisas pra ele né? E ele fala pra mim que é isso mesmo, que nós 
temos que lutar contra todas essas coisas, e que pra isso precisamos nos 
organizar e aquela coisa toda. E perguntou pra mim se eu gostaria de 
participar da organização e falou pra mim que a gente tem que lutar que sem 
luta a gente não consegue mudar essas coisas. E falou: na minha casa vai ter 
uma reunião essa noite, se você quiser trabalhar junto com a gente pra 
ajudar a mudar essas coisas você pode vim. Só que isso não pode falar pra 
ninguém, porque senão se as pessoas ficam sabendo que você tá 
participando, a gente tem que fazer isso com muita discrição, porque senão 
você pode ser demitida da empresa também às vezes o pessoal não gosta 
muito e você pode sofrer perseguição até política e tudo, então, tem que fazer 
isso com muita discrição. (Conceição, 23/09/2013). 
 
Se já no ano de 1963 é visível a preocupação do líder comunista ao convidar 
Conceição para a reunião do Partido, recomendando discrição, depois do golpe civil-
militar em 1964, essa discrição transformou-se em clandestinidade, tendo em vista que 
todos os partidos e organizações de esquerda existentes até então tornaram-se ilegais e 
foram perseguidos e suas principais lideranças presas, torturadas e/ou cassadas. 
O golpe seguido da instauração da ditadura procurou reprimir imediatamente 
todos os movimentos populares e aí inclui-se o movimento dos trabalhadores que desde 
1946 vinha crescendo e ganhando importante espaço no cenário político brasileiro. 
Houve intervenção imediata nas Confederações e Federações do trabalho e nos 
Sindicatos. Segundo JacobGorender (1987) “de 1964-1970, o Ministério do Trabalho 
destituiu as diretorias de 563 sindicatos, a metade deles de trabalhadores da indústria.” 
(p.141). Assim como em todo o país, os trabalhadores da Cidade Industrial, em 
Contagem tiveram suas organizações desarticuladas, tanto na base quanto nos 
sindicatos. O Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e Contagem tiveram suas 
lideranças afastadas e impossibilitadas de se elegerem, já nos primeiros meses de 1964. 
A constituição de uma nova política direcionada aos trabalhadores pela ditadura 
buscava reprimir e dificultar a rearticulação de suas organizações e sufocar qualquer 
movimento. Além disso, foi criada uma legislação com o objetivo de enfraquecer o 
sindicalismo brasileiro. Houve modificação na política salarial, o governo transferiu 
para si o poder de fixar o índice de reajuste anual dos salários, tirando dos sindicatos as 
condições legais para pressionar os patrões. As greves foram proibidas e passaram a ser 
7 
 
encaradas como crimes contra a Segurança Nacional. Outra medida foi a implantação 
do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) que colocou fim à estabilidade no 
emprego e incentivou a rotatividade, dificultando a organização sindical. 
(FREDERICO, v.1, 1987) 6. 
É nesse contexto do pós-golpe que Delsy Gonçalves, nascida em Poté, Minas 
Gerais, em novembro de 1943, começou sua atuação como professora no meio operário 
da Cidade Industrial e logo após ingressou na Ação Popular: 
 
Eu fui fazendo as coisas que eu achava que devia fazer. Como eu estava com 
uma dificuldade econômica muito grande, porque eu tava dando aula, o 
Estado ficou oito meses, sem pagar, a minha situação assim de sobrevivência 
era uma situação muito complicada. Então ele (um padre amigo) me 
ofereceu no final de 66, pra eu poder trabalhar no colégio, situado na 
Cidade Industrial, Colégio Municipal de Contagem, e eu comecei a dar aula 
lá. E aí, quando eu comecei a dar aula lá, aí então eu encontrei um pessoal 
da AP, que eram também meus amigos e nós nos reunimos. (Delsy, 
26/10/2013). 
 
Nesse momento a AP, passava por um processo de proletarização de seus 
militantes, com o objetivo de promover “a transformação ideológica dos militantes da 
AP, cuja maioria era de origem pequeno-burguesa”. (LIMA; ARANTES, 1984, p.70). A 
partir daí militantes e dirigentes passaram a ir para as fábricas e para o campo para 
participar do trabalho junto aos trabalhadores rurais e aos operários7. Esse processo 
possibilitou a criação de uma célula da AP na região da Cidade Industrial. 
Com o aumento de operários adeptos e da quantidade de militantes que se 
deslocaram para a Cidade Industrial, Delsy, em função de toda a atividade já 
desenvolvida na localidade, passou a fazer parte da equipe que dirigia a célula8: 
 
Em 66 nós então abrimos a primeira célula dentro da Cidade Industrial, da 
AP. Eu fazia parte dela, com mais alguns operários. Não só operários, com 
outras pessoas, né? Que eram pessoas que também eram da AP, que queriam 
estar fazendo trabalho nessa área operária e aí eu fiquei lá. 
Eu fui pro setor operário porque eu já estava lá, entendeu? E aí eu fui 
desenvolver um trabalho político muito grande a partir desse Colégio 
Municipal de Contagem. Eu fazia o seguinte, eu dava aula de português, isso 
em 1966, pra todas as turmas da noite. 99% dos meus alunos trabalhavam 
na Cidade Industrial, naquelas fábricas da Cidade Industrial. Então eu 
comecei a criar um método, pra poder trabalhar ao mesmo tempo que eu 
trabalhava a língua, e a capacidade de expressão e de escrita, ao mesmo 
 
6
 A política salarial passou a ser organizada a partir dos Decretos 54.018/64 e 54.228/64, das leis 4.725/65 
e 4.903/65 e os decretos leis 15/66 e 17/66. Implantação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço 
(FGTS) pela lei 5.170/66. 
7
 Jacob Gorender (1987) analisa que a diretiva de integração na produção da AP é um fenômeno derivado 
de simbiose cristã-maoísta. 
8
 A célula é a base de um partido. É uma forma de organização dos militantes que tem como objetivo ligar 
o partido às chamadas “massas”, ou seja, aos operários, camponeses e estudantes. 
8 
 
tempo eu politizava. Com base nos rudimentos que eu tinha aprendido lá do 
Paulo Freire. Então, primeira coisa, eu não adotei livro. Eu tinha um 
trabalho enorme, aí eu tive que largar a universidade inclusive porque eu 
não tinha tempo pra poder estudar. [...] Então ao mesmo tempo que ele 
aprendia o texto ele tava trabalhando a consciência, a consciência política. 
E quê que isso resultou? Ora, se eu tinha 99% dos meus alunos, eles eram... 
trabalhavam nas fábricas. Então eu tive acesso. E aí nós começamos a 
montar grupos. Aqueles alunos onde a semente caía mais fértil, abria ali um 
grupo naquela fábrica pra gente discutir. Então eu passei praticamente o ano 
de 67 inteiro, eu passei na Cidade Industrial. [...] Além disso eu fazia as 
panfletagens em todas aquelas fábricas. Tinham uns alunos assim, que não 
percebiam direito, aí me encontravam às vezes, quatro horas da manhã 
distribuindo panfleto na porta da Mannesmann “– uai professora, quê que cê 
tá fazendo aqui?”. Tomavam aquele susto. Aí quando ele percebia, no geral, 
era mais um que a gente podia contar, chamar pra reunião, discussão, etc. 
Eu passava a semana lá, fim de semana, meu fim de semana era na Cidade 
Industrial. (Delsy, 26/10/2013). 
 
Delsy como professora na região da Cidade Industrial buscava através do 
método de ensino que ela criou, baseado no método de Paulo Freire ensinar português e 
política aos alunos, como uma forma de ampliar politicamente a ação da AP junto aos 
operários. 
Enquanto isso, Conceição atuava internamente nas fábricas distribuindo 
panfletos e boletins cujo objetivo era conscientizar o operário para sua condição. Ela 
começou pelo seu local de trabalho, passando depois a entregar boletins em todas as 
fábricas da região, criando laços de amizade e vínculos de luta: 
 
Então eu peguei aqueles boletins, pus na minha bolsa, levei o envelope na, 
que eu levava uma bolsa, tinha que levar marmita, num tinha restaurante, a 
gente tinha que levar comida de casa, o uniforme também pra trocar lá, 
então eu enfiei aquilo tudo no meio da minha marmita e do meu uniforme, 
cheguei lá escondi, e depois que eu vesti o uniforme enfiei por dentro da 
calça assim. Nosso uniforme era uma calça comprida, com bota e uma blusa. 
Então eu enfiei assim, e em cada lugar que eu ia, se eu ia tomar água, que 
era em outra seção, quando cê ia tomar água cê passava em outra seção, ai 
eu olhava pros lados não tinha ninguém eu tirava alguns e punha ali né? Aí 
eu ia no banheiro e aproveitava que tinha que passar em outra seção, pra ir 
também tinha que sair, eu trabalhava, por sorte minha, eu trabalhava na 
primeira seção, e era um galpão muito grande. Ai eu passava e deixava. 
Todo lugar que eu... dava um jeitinho né? Eu punha... Eu ia numa máquina 
buscar uma peça, e tinha várias assim, e quando eu ia de uma máquina pra 
outra eu dava um jeito assim, num tinha ninguém observando eu enfiava o 
papelzinho. Então eu fiquei assim, treinada em colocar papelzinho pra todo 
lado. E com isso depois, também, eles já foram... eu passei de outras 
reuniões, e eles assim, ganhando mais carinho pelo negócio né? Já comecei 
a falar com colegas de outras fábricas. Aí eu já virei uma pessoa que 
coordenava outros grupos. (Conceição, 23/09/2013). 
 
Aos poucos Conceição foi ganhando mais espaço no PCB, participando de 
reuniões e coordenando outros grupos. Participou da dissidência mineira ao Partido 
9 
 
Comunista Brasileiro, tornando-se parte da Corrente Revolucionária (CORRENTE), 
além disso, tornou-se a primeira e única mulher a fazer parte da diretoria do Sindicato 
dos Metalúrgicos, eleita em 1967, essefato ganha uma importância ainda maior tendo 
em vista que a participação das mulheres no Sindicato dos Metalúrgicos só voltaria a 
acontecer em 1987. Conceição comenta que por ser mulher e no meio metalúrgico, tão 
marcadamente masculino, o seu nome não foi aceito tão facilmente para compor a 
Chapa Verde, de oposição na eleição do Sindicato: 
 
[...] É a primeira vez, né? Que uma mulher vai pra diretoria do sindicato na 
parte mais executiva e de metalúrgicos, podia ver no perfil no gráfico até aí 
então. A metalúrgica foi uma coisa assim que não foi muito fácil negociar, 
mas no fim eles aceitaram. Porque eu me destacava mesmo, né? Pelo fato de 
ter visto aquilo eles viram que não ia ter muito jeito, porque eu tinha todo 
mundo ali dependia, porque eu tava muito envolvida no trabalho e pra fazer 
uma coisa, pra levar a marcha eles tinham que me levar também. 
(Conceição, 23/09/2013). 
 
 
Entretanto, os demais componentes da Chapa ao perceberem o envolvimento 
dela no trabalho e seu destaque junto aos trabalhadores, não tiveram alternativa, a não 
ser aceitá-la. 
A eleição para o Sindicato dos Metalúrgicos ocorrida no mês de agosto de 1967 
foi autorizada pela Delegacia Regional do Trabalho. Disputou a eleição a Chapa Azul, 
apoiada pelos interventores e a Chapa Verde, da oposição sindical, cuja proposta era a 
renovação do sindicato, colocado sob intervenção desde 1964. Foi eleita a Chapa Verde 
composta pelos seguintes trabalhadores: José Nilson Santos, Ênio Seabra, Antônio 
Santana Barcerlos e Luís Fernando de Souza operários da Mannesmann; Mário Bento 
da Silva, mecânico da Retífica de Motores Minas Gerais; Joaquim José de Oliveira 
trabalhava empresa de pré-moldados de aço Única,; Renato B. Viegas e Argentino 
Martins trabalhadores da Belgo-Mineira; Conceição Imaculada de Oliveira, metalúrgica 
Santo Amaro. Essa “renovação sindical” representou na opinião de Francisco Weffort 
(1972), “uma pequena fissura no dique que por tanto tempo represara as insatisfações 
produzidas pela crise”. (p.25). 
Ênio Seabra, cassado em 1964, foi impedido de tomar posse como presidente do 
Sindicato. Em seu lugar assumiu Antônio Santana. Conceição Imaculada de Oliveira 
rapidamente tornou-se uma referência, ao lado de Joaquim de Oliveira e Luiz Fernando, 
pois eram membros mais atuantes do Sindicato, com presença constante nas portarias das 
fábricas. (BRANCO, 2008). 
10 
 
A partir daí o Sindicato passou a articular seus trabalhos dentro das empresas, em 
comissões de fábricas que devido ao contexto, funcionavam de maneira clandestina. As 
comissões tinham como função distribuir boletins e orientar os trabalhadores nas portas das 
fábricas e realizar também o trabalho dentro da fábrica. Nesse contexto, praticamente todas 
as fábricas, em alguma medida tinham trabalhadores organizados em comissões. 
As comissões surgiram após o dissídio de 1967, estimuladas pelas organizações de 
esquerda. Nessa época, o Sindicato tinha uma formação bastante heterogênea, reuniram-se 
nele militantes do Comando de Libertação Nacional (COLINA), Corrente Revolucionária 
de Minas Gerais (CORRENTE), Ação Popular (AP), Política Operária (POLOP) e do 
Partido Comunista Brasileiro (PCB), juntamente com trabalhadores independentes. Apesar 
das divergências ideológicas quanto ao caráter do trabalho junto às bases, Conceição 
Imaculada chama atenção para o fato de que as reivindicações eram as mesmas: “Todo 
mundo estava contra a lei do arrocho, todo mundo estava contra o FGTS e acreditavam na 
importância das Cipas9. Todo mundo era contra a ditadura. Aí não tinha divergência”10. 
As comissões de fábrica eram também chamadas de “comissões de cinco”. 
Conceição Imaculada explica como funcionavam e ressalta a importância dessas comissões 
para o surgimento e êxito do movimento grevista: 
 
Nessa primeira greve a gente tinha, formava comissões, você tinha... Tinha 
as bases do partido que atuava também e tinha as comissões de fábrica que a 
gente fazia, a gente criava as comissões de cinco pessoas, e buscava que as 
pessoas não se conhecessem muito, daquele grupo de cinco só aqueles cinco 
que sabiam [...] Só organizava de cinco em cinco, pra não... Porque era tudo 
fechado né? Então aquilo nós fomos... Nessa sessão aqui tem trezentos 
trabalhadores, por exemplo. Então eu sei de todos que estão organizados, 
mas só sabem cinco cinco e cinco, e todos pensam que são únicos. E a base 
do partido que tá ali dentro também ela não faz parte dos grupos de cinco, 
elas são à parte, mas ela faz um trabalho também, ela só instiga é aquela 
pessoa que provoca, mas eles não são da comissão, porque eles não vai 
queimar muito, fica mais na retaguarda né? Ele é pra empurrar, ele não é 
pra... Porque o trabalho sindical, ele pode abrir porque ele não era, era uma 
coisa que deveria ser legal, mas não era não, então ele, o pessoal do partido 
ele atuava tentando empurrar o sindicato e quem destacava no sindicato 
vinha pra cá, aí ficava assim nesse trabalho o tempo todo, então foi 
montando assim esses grupos de cinco e tudo, que um dia a gente estourou a 
greve pelo Belgo Mineira. (Conceição, 23/09/2013). 
 
 
9
 Comissões Internas de Prevenção de Acidente. A criação das Cipas era uma reivindicação relevante 
devido ao número de acidentes de trabalho nas fábricas da Cidade Industrial de Contagem à época. 
10
 Trecho de entrevista de Conceição Imaculada de Oliveira, coletada por ocasião da comemoração dos 40 
anos da greve de 1968, no dia 23 de abril de 2008, no Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e 
Contagem. In: BRANCO, Andréa Castello. A História contada pelos protagonistas. Teoria e Debate, São 
Paulo, ano 21, Edição Especial, 2008, p.14-20. 
 
11 
 
Nesse contexto marcado pela repressão e perseguição aos sindicalistas e ao 
movimento operário, solicitação de aumento de salário recusado, direitos civis suspensos, 
constantes demissões nas fábricas da região e situação econômica precária, os 
trabalhadores metalúrgicos paralisaram os trabalhos e deram início ao movimento 
grevista (OLIVEIRA, 2010). 
No dia 16 de abril, cerca de 1.200 operários da seção de trefilaria da Companhia 
Siderúrgica Belgo-Mineira da Cidade Industrial de Contagem, decidiram parar suas 
atividades e começaram a maior greve do ano de 1968, no Brasil, e a primeira após o 
golpe civil-militar de 1964, servindo de inspiração para os movimentos grevistas do 
Estado de São Paulo que ocorreriam meses depois. 
Reivindicavam principalmente um aumento de 25% nos salários e melhorias nas 
condições de trabalho. A greve mobilizou grande contingente de trabalhadores e 
trabalhadoras da Cidade Industrial de Contagem, inclusive, aqueles não sindicalizados, 
mas que viram nesse movimento um espaço para mostrar sua insatisfação diante da 
exploração e do processo de empobrecimento a que estavam submetidos. Operários de 
outras empresas foram aderindo ao movimento: pararam a Sociedade Brasileira de 
Eletrificação (SBE), Mannesman e logo a RCA Victor, Demisa, Industam, Acesita, 
Minas Ferro, Material Ferroviário S/A (Mafersa), Cimec, Pollig-Haeckel, além de 
outras seções da própria Belgo-Mineira. No dia 23 de abril a Cidade Industrial de 
Contagem já contava com cerca de 16.000 trabalhadores em greve e vinte empresas 
paralisadas. 
Um aspecto da greve a ser analisado são as redes de solidariedade criadas para 
ajudar na manutenção do movimento. Foi criado um “Comitê de Apoio à Greve” cujas 
tarefas eram realizadas em sua maioria por mulheres e consistia em arrecadar dinheiro e 
alimentos para ajudar os grevistas e suas famílias e elaborar boletins denunciando a 
situação dos operários e o caráter justo do movimento dos trabalhadores, mesmo sendo 
declarado ilegal pelas autoridades. (NEVES, p.153-154, 1995). 
Mesmo com a decretação pela Delegacia Regionaldo Trabalho da ilegalidade da 
greve o movimento não enfraqueceu, pelo contrário, alcançou novas adesões o que 
obrigou o Ministro do Trabalho, coronel, Jarbas Passarinho a vir a Minas Gerais 
negociar diretamente com os grevistas. Em termos de conquista salarial, os 
trabalhadores conseguiram 10% de aumento que se estendeu a todo país, em termos 
políticos, os operários questionaram a legitimidade da proibição de greve. Entretanto, 
isso trouxe consequências para a continuidade da atuação do movimento operário. 
12 
 
A Cidade Industrial foi tomada por cerca de 1500 policiais, o Sindicato dos 
Metalúrgicos foi fechado, as principais lideranças foram presas. As empresas 
começaram a convocar os operários para retornar ao trabalho sob ameaça de demissão 
por justa causa. Com a greve esvaziada, os operários voltaram contrariados ao trabalho. 
(BRANCO, 2008). Além disso, as assembleias e a distribuição de boletins foram 
proibidas, assim como qualquer tipo de aglomeração. 
Nesse contexto de enfrentamentos destaca-se a ação de uma operária, Conceição 
e de uma universitária que abandonou a faculdade para atuar na Cidade Industrial, 
Delsy, dentre muitas outras mulheres cuja atuação na greve de 1968, no movimento 
operário e nos movimentos populares nesse período em Contagem ainda carece de mais 
estudos. 
A lembrança da greve no espaço público é masculina e o que se guarda sobre a 
atuação feminina, segundo Magda Neves (1995) é sua participação em vigílias ou o 
apoio aos maridos levando comida e cobertor. Essa memória construída e consolidada 
secundariza o papel das trabalhadoras que lutavam por seus direitos sem 
necessariamente atuar no sindicato e/ou nos partidos e organizações e o das esposas dos 
operários que em alguma medida assumiram um protagonismo importante durante a 
greve e depois dela quando seus maridos passaram a ser perseguidos e perderam o 
emprego11. No ambiente privado lutaram pela manutenção de suas famílias. E algumas 
no ambiente público, formaram redes de solidariedade, atuando nos movimentos ligados 
à igreja progressista e em associações de bairros, reivindicando melhores condições de 
vida, infraestrutura e saneamento básico para os bairros da região da Cidade Industrial. 
Outra questão que poderia explicar a memória masculina construída em torno da 
greve de 1968 é que “tradicionalmente, nos movimentos operários, a greve é um ato 
masculino” (NEVES, p.151, 1995), pois leva os trabalhadores para o embate, para as 
ruas, ou seja, para o espaço público, o que no imaginário social é considerado o lugar 
dos homens, enquanto às mulheres estaria reservado o espaço doméstico. Assim 
também é o sindicato, compreendido com um espaço de política, predominantemente 
masculino era pouco frequentado pelas mulheres operárias. 
No Sindicato e durante a greve, Conceição foi figura de relevância, adentrando 
no espaço público, foi uma das pessoas mais ativas no movimento, atuando, entre 
discursos e riscos, subindo em caminhões para falar aos operários, nas convocações de 
 
11
 Trabalho relevante nesse sentido, sobre a greve de 1968 em Osasco/SP é a Tese de doutorado de Marta 
Gouveia de Oliveira Rovai (2012), intitulada: Osasco 1968: a greve no feminino e no masculino. 
13 
 
companheiros para as comissões de fábricas, reuniões secretas, entregas de boletim e 
principalmente na organização da greve. Delsy por sua vez, agiu na greve e em meio ao 
movimento operário, realizando importante trabalho de agitação nos bairros e junto às 
igrejas da região, por meio da educação, pichações, confecção e entrega de folhetos, 
entre outras coisas, de grande valia para a continuidade e sucesso da greve. 
 
A população desses bairros, na época, era composta por operários e suas 
famílias; todos com mais ou com menos implicação com a greve. Tinha muita 
animação, assembleias, em lugares diferenciados, onde hoje é o sindicato, 
aquilo ali era um mato, uma área em construção, com um barracão. Então, 
tinha assembleia, tinha encontros nas igrejas pra reuniões com 
trabalhadores, em vários pontos pra poder fazer a animação, vamos dizer 
assim, da greve [...] mas a parte mais importante eram essas reuniões de 
vários grupos nos bairros, nas igrejas, onde a gente tinha apoio [...] e 
panfletagem, por isso que eu falava, o movimento estudantil, aquele pessoal 
[...] a gente falava, na época, ideologicamente mais comprometido, tava lá 
direto, fazendo panfletagem dia e noite, entendeu? Pra poder dar a 
informação sobre a greve e os informes. Agora, não teve jeito de ficar quieto, 
parado, por quê? [...] Porque eles ficavam, a ditadura ficava entre a 
legalidade e a repressão, então, foram cinco dias que eu acho que ela 
sustenta, ou quase uma semana, de muita mobilização. (Trecho de entrevista 
com Delsy Gonçalves de Paula. In: OLIVEIRA, p.94, 2010). 
 
Em outubro do mesmo ano os trabalhadores e o sindicato iniciaram novo 
movimento, sendo imediatamente declarado ilegal pela Delegacia Regional do Trabalho 
e reprimido pela polícia. Isso levou a uma nova intervenção no Sindicato dos 
Metalúrgicos, dificultando a continuidade do trabalho das organizações e partidos que 
ali estavam e mesmo dos operários independentes comprometidos com a luta dos 
trabalhadores. Conceição foi uma das atingidas pela intervenção conforme relata: 
 
Então depois de outubro quando sofre a intervenção, a orientação ainda é 
pra eu continuar no meio operário e trabalhando legalmente né? Eu não 
consigo mais conseguir emprego na Cidade Industrial. Foi feito mil formas, 
mil contatos, mil coisas pra mim conseguir, todo mundo batalhou junto, 
assessores da Igreja, gente pra conseguir um trabalho pra mim dentro da 
Cidade Industrial e não foi possível. (Conceição, 23/09/2013). 
 
Tanto Delsy quanto Conceição foram presas em 1969, momento em que o foco 
da repressão se dirige com mais precisão e de maneira mais violenta para as 
organizações clandestinas e de luta armada. Delsy foi torturada física e 
psicologicamente durante o tempo em que esteve na cadeia. Foi presa em 14 de junho 
de 1969, em Belo Horizonte e transferida para a Penitenciária de Linhares em Juiz de 
Fora e libertada em junho de 1970. Viveu na clandestinidade até ser presa novamente 
em Porto Alegre e transferida para o DOI-CODI de São Paulo, na Operação 
14 
 
Bandeirantes. Posteriormente, foi transferida para Piraquara, e por fim foi para Juiz de 
Fora novamente, sendo libertada somente em 1973, quando saiu da AP. 
Conceição foi alvo de inúmeras prisões, sendo detida no DOPS/MG, na 
Penitenciária de Neves, no 12º Regimento de Infantaria/Belo Horizonte, Penitenciária 
de Mulheres de Belo Horizonte e de Juiz de Fora e na Polícia do Exército/RJ. 
(VELOSO, p.65, 2013). Ficou presa de abril de 1969 até início de 1971 quando foi 
trocada pelo embaixador da Suíça, sequestrado no Brasil pela Vanguarda Popular 
Revolucionária (VPR) e partiu para o Chile. 
 
Considerações finais 
 
Quando se estuda sobre a memória da ditadura militar brasileiro, identifica-se 
em muitas obras, de forma sútil, uma história sobre a resistência masculina, sendo 
citados, em alguns casos, somente a atuação dos homens. Quando não há essa 
evidência, percebe-se uma história “assexuada”, em que não há diferenciação entre 
homens e mulheres. Contudo, nota-se que a atuação feminina possui especificidades que 
as diferenciam, necessitando que, em certos casos, se faça uma “história do feminino”, 
uma “história de mulher”, uma “história de gênero”. 
É preciso diferenciar, especificar e não generalizar as múltiplas visões possíveis. 
Para se entender a história da atuação da mulher, requer que seja observado o histórico 
do papel feminino no âmbito público, pois ao longo dos anos e principalmente a década 
anterior a essa luta, os “anos dourados”, ditava que a mulher dessaépoca deveria 
simplesmente ser: dona-de-casa. Embora esse pensamento permeasse o imaginário 
social nesse período, muitas mulheres começaram a ingressar na universidade e a 
“transgredir” os padrões e modelos “predestinados” a elas. 
Com isso, o presente trabalho pretende contribuir para o debate acadêmico, 
articulando diálogos possíveis entre gênero, movimento operário, resistência e ditadura 
militar, a partir da história oral. Essa interlocução tem o intuito de colaborar com a 
discussão acerca de questões prementes como o silenciamento, a exclusão e a 
invisibilidade da mulher nos espaços públicos, apresentando-as como protagonistas e 
sujeitos históricos. 
Dessa forma, considera-se que a atuação dessas duas mulheres, e de tantas outras 
que participaram da greve de 1968, do movimento operário e da resistência à ditadura 
militar, lutando contra as péssimas condições de trabalho e exploração, e pelo direito de 
15 
 
organização sindical e ainda de maneira tangencial pela condição da mulher, contribuiu 
com a luta dos trabalhadores pela melhoria nas condições de vida e trabalho dos 
operários, com a estruturação dos movimentos sociais da década de 1970 e pela 
emancipação feminina. Além de romperam com as “regras” de gênero impostas às 
mulheres de sua época. 
 
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Referências das entrevistas 
 
OLIVEIRA, Conceição Imaculada de. Entrevista realizada por Thiago Veloso e Isabel 
Leite, no dia 23 de setembro de 2013, em Belo Horizonte/MG. 
 
GONÇALVES DE PAULA, Delsy. Entrevista realizada pela pesquisadora Débora Raíza 
Rocha, no dia 26 de outubro de 2013, em Belo Horizonte/MG.

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