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20 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Unidade II 5 10 15 20 2 A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOURBANAS NO BRASIL As pesquisas sobre os índios, negros e sertanejos no Brasil, intensificaram-se na década de 1940, momento em que também apareceram os estudos e as interpretações sobre a sociedade em sua totalidade, ou seja, a pesquisa que considera o chamado “povo brasileiro”. Essas análises elaboradas a partir de 1930 e 1940 tiveram como propostas compreender a “identidade nacional”, resultado do contexto histórico-político do país. Essa fase da antropologia brasileira estendeu-se até a década de 1960. A partir da década de 1980, as análises antropológicas voltaram-se para temáticas como a diversidade de valores, expressões culturais e variados modos de ser e viver dos grupos sociais urbanos, destacando-se as pesquisas sobre gênero; sobre o papel da mulher na sociedade e seus direitos; sobre a prostituição; análises que buscavam interpretar os diferentes modelos de família, a arquitetura urbana, as chamadas minorias étnicas, incluindo pesquisas de memória histórico-cultural e as formas de interação e sociabilidade nas grandes cidades. Com o surgimento da antropologia urbana, são contemplados nas análises os valores do homem urbano, as representações e as práticas socioculturais dos diversos grupos que vivem nas vilas, cidades e grandes centros, além da questão da cultura capitalista e da industrialização. 21 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Nesse contexto, encontra-se a obra do antropólogo Darcy Ribeiro que buscou elaborar uma teoria para o Brasil, preocupando-se em entender seu desenvolvimento e as desigualdades sociais existentes desde a formação nacional. Assim, reconstituindo os aspectos históricos, Darcy Ribeiro desenvolve uma análise voltada à compreensão sobre a gestação do Brasil e dos brasileiros como povo: ”Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos”. (Ribeiro,1995, p.19) Nesse processo de confluência, ocorre, na visão do antropólogo, um novo modelo de estruturação societária representado por uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada. Para Darcy Ribeiro, essa gente fez-se também diferente porque: Se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam. Povo novo ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização socioeconômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros (1995, p. 19). Romancista, etnólogo e político, Darcy Ribeiro, de formação acadêmica funcionalista, contribuiu em sua análise para desmistificar a ideia de integração racial 5 10 15 20 25 30 22 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 pacífica no Brasil. De acordo com seus estudos, a unidade nacional resultou de “um processo continuado e violento de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão de toda identidade étnica discrepante e de repressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista”. Apesar da unidade étnica existente, ressaltada pelo antropólogo, não há uniformidade no país, pois atuaram sobre ele três forças diversificadoras: a ecológica, fazendo surgir paisagens distintas; a econômica, criando formas diferenciadas de produção; e a imigração, que introduziu nesse magma, novos contingentes humanos. Como resultado desse processo histórico surgiram no país o que Darcy Ribeiro considerou como “modos rústicos de ser dos brasileiros”, ou seja, grupos que se diferenciam devido às adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação, mas que têm em comum a brasilidade. Entre eles destacam- se os sertanejos do nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do sudeste e centro-oeste do país, gaúchos, além dos ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros, entre outros. Nesse processo, a urbanização contribui para uniformizar os brasileiros no plano cultural, sem, contudo, interferir em suas diferenças. 2.1 O processo de industrialização e urbanização e a constituição do povo brasileiro As pesquisas etnográficas no contexto urbano contribuíram para consolidar o campo de conhecimento sobre o fenômeno de modernização das cidades brasileiras e a construção social da condição de indivíduo moderno. Os antropólogos brasileiros que investigaram esse universo urbano constituíram um conhecimento sobre as formas de viver urbano, as relações 5 10 15 20 25 30 23 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 de poder e conflito, o cotidiano e o itinerário dos habitantes desses locais. Dessa maneira, Darcy Ribeiro em sua obra O povo brasileiro descreve um perfil do processo de urbanização e industrialização brasileira, que cria suas próprias paisagens humanas, além das novas formas de comunicação de massa, difusoras e uniformizadoras de novos estilos. A civilização urbana brasileira tem sua origem separada dos conteúdos rurais, com funções diferentes, mas complementares, e comandadas por grupos eruditos da cidade. Com efeito, as classes ricas e pobres se separaram umas das outras. Para Darcy Ribeiro, essas características sociais interferiram nas instituições democráticas, permanecendo a ordenação oligárquica que se mantém pela compressão das forças majoritárias e condena o país ao atraso e à pobreza. Para o autor, todas as instituições políticas se constituem como superfetações de um poder efetivo que se mantém intocado: o poderio do patronato brasileiro. Assim, há uma única saída para essa estrutura de opressão: “o surgimento e a expansão do movimento operário. Nas cidades, ao contrário do que acontece na roça, o operário sindicalizado já atua como um lutador livre diante do patrão, chegando a ser arrogante na apresentação de suas reivindicações. É por esse caminho que as instituições podem aperfeiçoar- se, dando realidade funcional à República”. (Ribeiro, 1995, p. 219) 5 10 15 20 25 24 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 Sugestões de leituras complementares CARDOSO, Ruth. Aventura antropológica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. DA MATTA, R. A Casa e a Rua. Espaço, cidadania, mulher e morte no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1985. DURHAM, E. R. A caminho da cidade. A vida rural e a migração para São Paulo. São Paulo: Ática, 1973. Sites: Núcleo de Antropologia Urbana USP – NAU (<http://www.n-a- u.org/br>). 2.2 Classe, cor e preconceito no Brasil A relação entre cor, posição social e preconceito no Brasil faz parte de muitos debates e pesquisas, principalmente entre a Sociologia e a Antropologia. A teoria da democracia social, de Gilberto Freyre, foi transformada com o tempo em teoria da democracia racial, e parecia responder os dilemas da sociedade brasileira. Para o autor, a mestiçagem representaria a superação da distância existente entre os grupos sociais do país. No entanto, durante os anosde 1930 e 1940 começam as críticas a essa visão, que passou a ser considerada o “mito da democracia racial”. As denúncias da continuidade das distâncias sociais, do preconceito e da discriminação mostram que as desigualdades sociais e raciais ainda existiam no país. A profunda distância social existente no Brasil tem suas raízes no processo de formação que a produziu. Para Darcy Ribeiro o povo-nação surge no país a partir da concentração de uma 5 10 15 25 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 força de trabalho escrava, recrutada para servir os propósitos mercantis, que se valiam de processos tão violentos de ordenação e repressão que constituíram, de fato, um continuado genocídio e um etnocídio implacável. Assim, há o aumento do distanciamento social entre as classes dominantes e as subordinadas, e entre estas e a oprimida. O agravamento das tensões e conflitos se opõe à ideia de uniformidade étnico-cultural e contribui para criar o pânico das elites dirigentes. Para Darcy Ribeiro, a distância social mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos, pois destaca a discriminação existente no país, que pesa sobre negros, mulatos e índios, mas, sobretudo, sobre os negros. Para o autor, os descendentes dos grandes senhores, membros da classe dominante do país, justificam a situação social dos negros livres, mulatos e brancos pobres pela característica da raça. No entanto, ao criticar essa visão, Darcy Ribeiro afirma que esse preconceito não ocorre por causa da raça e sim devido à cor da pele. “A luta mais árdua do negro africano e de seus descendentes brasileiros foi – e ainda é – a conquista de um lugar e de um papel de participante legítimo na sociedade nacional”. (1995, p. 220) Sobre a questão negra, é destacada sua influência no idioma do povo brasileiro. Para Darcy Ribeiro, nossa matriz africana é a mais abrasileirada já que, desde a primeira geração, o negro, nascido aqui, é um brasileiro. Ao se referir ao mulato, o autor o define como sendo o resultado da miscigenação do negro com o branco, e, portanto, participante desses dois mundos. Diante disso, o mulato pode também possuir o lado erudito do branco. No entanto, a ascensão social desse grupo só seria alcançada se negassem a negritude possuída. “Posto entre dois mundos conflitantes – o do negro, que ele rechaça, e o do branco, que o rejeita – o 5 10 15 20 25 30 26 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 mulato se humaniza no drama de ser dois, que é o mesmo de ser ninguém”. (1995, p. 223) Para ele, essa situação comprova a inexistência de uma democracia racial, como defende Gilberto Freyre e outros estudiosos, visto a carga de opressão, preconceito e discriminação presente no país. “Não o é também, obviamente, porque a própria expectativa de que o negro desapareça pela mestiçagem é um racismo. Mas o certo é que contrasta muito, e contrasta para melhor, com as formas de preconceito propriamente racial que conduzem ao apartheid” (Ribeiro, 1995, p. 226). Darcy Ribeiro considera o aspecto mais perverso do racismo chamado assimilacionista, o fato de apresentar uma imagem de maior sociabilidade, quando, na prática, desarma o negro para lutar contra a pobreza que lhe é imposta, e dissimula as condições de terrível violência a que é submetido: É de assinalar, porém, que a ideologia assimilacionista da chamada democracia racial afeta principalmente os intelectuais negros. Conduzindo-os a campanhas de conscientização do negro para a conciliação social e para o combate ao ódio e ao ressentimento do negro. Seu objetivo ilusório é criar condições de convivência em que o negro possa aproveitar as linhas de capilaridade social para ascender, através da adoção explícita das formas de conduta e de etiqueta dos brancos bem-sucedidos (Ribeiro, 1995, p. 226). Para o autor, cada negro de talento extraordinário realiza sua própria carreira, como a de Pelé, a de Pixinguinha ou a de Grande Otelo e inumeráveis outros esportistas e artistas, sem encontrar uma linguagem apropriada para a luta antirracista. O assimilacionismo, como se vê, cria uma atmosfera de fluidez 5 10 15 20 25 30 27 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 nas relações inter-raciais, mas dissuade o negro para sua luta específica, sem compreender que a vitória só é alcançável por meio da revolução social. O antropólogo chega à conclusão de que: “A democracia racial é possível, mas só é praticável conjuntamente com a democracia social. Ou há democracia para todos, ou não há democracia para ninguém, porque à opressão do negro condenado, à dignidade de lutador da liberdade, corresponde o opróbrio do branco posto no papel de opressor dentro da sua própria sociedade”. (Ribeiro,1995, p. 227) Assim, a ciência antropológica no Brasil teve em seu desenvolvimento o desafio de interpretar e compreender a sociedade em suas diferentes épocas e suas diversidades. Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, define como característica fundamental do brasileiro a cordialidade. Darcy Ribeiro, por sua vez, entende que as diversas contribuições étnicas existentes na sociedade brasileira nos identificam como um povo-novo, diferente daquele da origem. No entanto, fica evidente a necessidade em definir a questão da identidade e a busca de uma especificidade local que retrate o que é o povo brasileiro. Sugestões de leituras complementares GUIMARÃES, Antonio Sérgio. “Preconceito de cor e racismo no Brasil”. Revista de Antropologia. Vol.47, no 1. São Paulo, 2004. GUIMARÃES, Antonio Sérgio A. Classes, raças e democracia. São Paulo: Editora 34, 2002. 5 10 15 20 28 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 QUESTÕES 1. Leia o texto e responda as questões: “É essa representação mestiça do país que de negativa se transforma em erótica, de científica se modifica em espetáculo. Não é à toa que nos cartões postais o Brasil é ainda representado como país multicolor (...). Seja na representação mestiça de finais do século XIX, seja na reelaboração culturalista dos anos 1930, eis que o tema da identidade e da busca de uma singularidade local aparece novamente transvertido nesse país tão afeito à criação de novos mitos de brasilidade” (Schwarcz, 1993, p. 249-250). a. Segundo a autora, como se apresenta a representação mestiça no Brasil? b. O que se entende por novos mitos de brasilidade? 2. “Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos” (Darcy Ribeiro, O povo brasileiro, 1995). A frase expressa: a. Uma maneira positiva de analisar o processo de colonização brasileira. b. Uma concepção crítica a respeito do encontro das três raças no Brasil. c. Que o autor concorda com a visão de Gilberto Freyre de que houve uma aculturação pacífica no Brasil. d. Uma visão preconceituosa acerca das relações raciais no Brasil. e. A neutralidade do pesquisador perante os fatos. 5 10 15 20 25 29 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 3. O termo democracia racial se refere: a. À crença de que no Brasil há uma convivência harmoniosa entre os grupos e que inexiste o racismo e a discriminação racial. b. A um conceito especificamente antropológico que define as relaçõessociais brasileiras. c. A um conceito que reflete as perspectivas do povo brasileiro. d. À ideia de conflito social. e. Às análises sobre a convivência entre europeus e brasileiros. 4. Explique a frase: “A democracia racial é possível, mas só é praticável conjuntamente com a democracia social”. Respostas 1.a. A questão da mestiçagem no Brasil esteve sempre presente nos debates e representações, ora de uma maneira negativa como previam os cientistas do determinismo, ora de uma forma erótica; por outro lado se apresenta cientificamente ou como espetáculo. A autora conclui que esta representação se reflete até os dias atuais, pois o Brasil é ainda apresentado como país multicolor. 1.b. A história da sociedade brasileira é marcada pela busca em interpretar ou definir o que é ser brasileiro. A identidade do povo brasileiro está sempre em processo de construção. 2. Resposta correta - B Darcy Ribeiro desenvolveu uma análise crítica sobre a construção da sociedade brasileira, considerando os conflitos existentes em sua formação. 5 10 15 20 25 30 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 3. Resposta correta - A Democracia racial é um termo utilizado para descrever as relações raciais no Brasil. De acordo com essa concepção, há aqui uma convivência harmoniosa entre os diversos grupos. 4. Resposta: De acordo com a visão de Darcy Ribeiro, é possível por em prática a democracia racial a partir de uma política de igualdade social. Referências bibliográficas CANDIDO, Antonio. “A literatura durante o Império”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de. História geral da civilização brasileira, livro 3º. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967. COSTA, Cristina. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. São Paulo: Moderna, 2001. FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e senzala. 34. ed. Rio de Janeiro: Record, 1992. GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. GUSMÃO, Neusa Maria Mendes. “Antropologia e educação: origens de um diálogo”. Cadernos CEDES 43. Antropologia e Educação: Interfaces do ensino e da pesquisa. Ano XVIII, n. 43. Campinas: CEDES. Dezembro, 1997. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: Liv. José Olympio, 1999. LARAIA, R. B. Cultura: um convite antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. 5 31 ANTROPOLOGIA SOCIAL Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0 MELLO e SOUZA, Laura de. “Aspectos da historiografia da cultura sobre o Brasil colonial”. In: FREITAS, Marcos Cezar de. Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo: Contexto, 1998. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. VELHO, Gilberto. “Gilberto Freyre: trajetória e singularidade”. Revista Sociologia, problemas e práticas, n. 58, 2008, p. 11-21. 32 Unidade II Re vi sã o: A m an da - D ia gr am aç ão : L éo 0 6/ 09 /2 01 0
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