Buscar

Modelo de Concessão Ferroviário: uma análise do impacto no desenvolvimento pós-desestatização

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS 
Instituto de Economia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Modelo de Concessão Ferroviário: uma análise do impacto no 
desenvolvimento pós-desestatização 
 
 
 
 
 
 
Luiz Fernando de Figueiredo Talvik 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Campinas 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Luiz Fernando de Figueiredo Talvik 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Modelo de Concessão Ferroviário: uma análise do impacto no 
desenvolvimento pós-desestatização 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado à Graduação do Instituto de 
Economia da Universidade Estadual de 
Campinas para obtenção do título de 
Bacharel em Ciências Econômicas, sob 
orientação do Prof. Dr. Ana Lucia Gonçalves 
da Silva. 
 
 
 
 
 
 
 
Campinas 
2014 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TALVIK, Luiz Fernando de Figueiredo. Modelo de Concessão Ferroviário: 
uma análise do impacto no desenvolvimento pós-desestastização. 2014. 51 
páginas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Instituto de 
Economia. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 Este trabalho tem como objetivo analisar a evolução do 
sistema ferroviário após sua desestatização e qual foi a influência dos contratos 
e modelos de concessão em seu desenvolvimento. A desestatização, que se 
iniciou em 1996, levou a uma série de avanços econômicos no setor, mas por 
outro lado, é possível constatar uma série de distorções, como a 
baixa concorrência, abandono de alguns trechos da malha ferroviária e pela 
falta de integração entre eles. Por esses motivos, serão analisados o 
processo histórico que levou a desestatização, o modelo de 
concessão ferroviário, as principais concessionárias, artigos fundamentais 
do contrato de concessão e o desenvolvimento após a desestatização. 
 
Palavras-chave: Brasil. Sistema Ferroviário. Modelo de Concessão. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This work aims to analyze the evolution of the railway system after its 
privatization and what was the influence of contracts and concession models in 
their development. The privatization, which began in 1996, led to a series of 
economic advances in the industry, but on the other hand, there appears a 
series of distortions such as low competition, abandoning some parts of the 
railway network and the lack of integration between the rail network. For these 
reasons, the historical process will be analyzed which led to privatization, the 
rail concession model, the main concessionaires, fundamental articles of the 
concession contract and the development after privatization. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
CAPÍTULO 1 – A DESESTATIZAÇÃO DAS FERROVIAS BRASILEIRAS........3 
 
1.1 1ntrodução.............................................................................................................................................3 
1.2 A situação das ferrovias pré-desestatização.......................................................................................8 
1.3 Motivos para a desestatização das malhas ferroviárias brasileiras................................................14 
1.4 Modelos de concessão..........................................................................................................................17 
1.5 O processo de desestatização........................................................................ ......................................21 
1.6 ANTT, o órgão regulatório..................................................................................................................25 
 
 
CAPÍTULO 2 – DESENVOLVIMENTO DO SETOR FERROVIARIO PÓS-
DESESTATIZAÇÃO..................................................................................................27 
 
2.1 Principais ferrovias e suas concessionárias.......................................................................................27 
2.2 Contratos de concessão e metas.................................................................................. .......................31 
2.3 Investimentos realizados pós-desestatização.....................................................................................36 
2.4 Cenário ferroviário pós-desestatização..............................................................................................39 
 
CONCLUSÃO..............................................................................................................43 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................46 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
1. A DESESTATIZAÇÃO DAS FERROVIAS NO BRASIL 
 1.1 Introdução 
 No ano de 1852, o governo imperial concedeu ao Irineu 
Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, permissão para construir a primeira 
ferrovia do Brasil, que partia da cidade do Rio de Janeiro. Ela foi inaugurada 
em 30 de abril de 1954, ligando o Porto da Estrela até a Raiz da Serra, 
totalizando 14,5 km. 
Após a inauguração da Estrada de Ferro Petrópolis, outras companhias 
ferroviárias expandiram a malha ferroviária por 22 dos 26 estados atuais do 
país. Assim, em 1854 o Brasil, que detinha aproximados 14,15 km de ferrovias 
em 1870, saltou para 1.011,7 km de malha ferroviária, um crescimento 
expressivo em menos de duas décadas, sendo empresas inglesas as grandes 
responsáveis por este rápido crescimento. 
No ano de 1877 os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo se uniram 
com os da Estrada de Ferro Dom Pedro II, fazendo a ligação Rio-São Paulo e 
unindo as duas cidades mais importantes do Brasil. O crescimento da malha 
ferroviária nacional continuou acelerado, sendo que em 1889 as ferrovias 
estavam com aproximados dez mil quilômetros. 
No início do século XX, o governo federal fica responsável por ampliar 
parte da malha e também assume outras malhas que antes pertenciam a 
empresas estrangeiras, chegando a aproximadamente 29 mil km em 1922 
(ANTT). Mas é nessa década que o transporte ferroviário, antes o principal 
modal de transporte de cargas, começa a perder o seu lugar para o modal 
rodoviário. 
A década de 1950 trouxe o crescimento da indústria automobilística e 
rapidamente o modal rodoviário começa a ganhar expressão mediante as 
ferrovias. Com isso, as deficiências da rede ferroviária começam a aparecer e o 
governo, na tentativa de evitar falências, estatiza várias companhias. As 
ferrovias tinham grande extensão, sofriam forte regulação estatal e seu sistema 
4 
 
de tarifas baseava-se no valor das mercadorias transportadas. Em 
contrapartida, o modal rodoviário tinha pouca intervenção estatal, fretes 
baseados nos custos e possibilidade de transportar em uma escala menor, 
fatores estes relevantes na concorrência entre os modais. 
Em 1957, a Rede Ferroviária Federal S.A foi criada, uma empresa de 
economia mista que tinha como objetivo administrar as 18 malhas nacionais. 
Nos anos seguintes ela apresentou um resultado satisfatório, mas com o 
avanço do modal rodoviário, ocorreram substanciais quedas. Isso se deve à 
maior flexibilidade e aos custos artificialmente mais baixos da modal rodoviário 
em relação às ferrovias. As rodovias possuem menores custos de implantação 
e manutenção, o que a levaram a conquistar o mercado. 
Na década de 1970 e 1980 o Brasil passa por uma série de crises 
econômicas, agravadas pelo contexto internacional, pressão por recursos 
fiscais compensatórios e principalmente a crise do petróleo, o que levoua uma 
escassez de recursos para investir na malha ferroviária. 
“A drástica redução da poupança pública nos últimos 
quinze anos inibiu e inibirá ainda, no médio prazo, a capacidade 
de investimento público, o que levou o país a uma crescente 
deficiência da infraestrutura.” 
 (MARQUES, 2006) 
Ademais, há problemas estruturais como dependência externa de 
investimento, falta de planejamento que considere a organização do território (a 
maior parte do investimento ferroviário foi voltado para atender as exportações) 
e prioridade dos interesses privados sobre o da coletividade (VENCOVSKY, 
2006). Como consequência, ocorreu a degradação de algumas linhas e 
materiais rodantes e o setor passa então a apresentar dívidas. No final da 
década de 1980, a malha ferroviária havia se reduzido para 30 mil km. Diante 
dessa situação, o Governo Federal decide pela privatização das linhas férreas 
(IPEA, 2010). 
5 
 
"De 1980 a 1992, os sistemas ferroviários pertencentes à 
Rede Ferroviária Federal S.A. – RFFSA e à FEPASA – Ferrovia 
Paulista S.A., foram afetados de forma dramática, quando os 
investimentos reduziram-se substancialmente, atingindo, na 
RFFSA em 1989, apenas 19% do valor aplicado na década de 
1980. Em 1984, a RFFSA, encontrava-se impossibilitada de gerar 
recursos suficientes à cobertura dos serviços da dívida contraída." 
 (DNIT, 2009) 
O processo de privatização das estatais começou de uma forma 
inexpressiva durante a década de 1980, no governo Figueiredo, com a atuação 
do Ministério da Desburocratização, que tinha como objetivo reduzir o impacto 
da estrutura burocrática brasileira. 
Mas somente na década de 1990 esse movimento ganha força, 
impulsionado pela globalização e a influência do movimento liberal na política 
brasileira. 
"No Brasil, a globalização veio acompanhada de uma 
mudança no papel do Estado, que até então era o maior agente 
de mudanças. A partir dos anos 1990, com as políticas neoliberais 
e a abertura dos mercados, o papel do Estado não é mais o 
mesmo, compartilhando com outros agentes, do mercado e da 
sociedade civil organizada, a responsabilidade pelas principais 
decisões econômicas, políticas e sociais e, portanto, pelo 
ordenamento territorial". 
 (VENCOVSKY, 2006) 
Devido à crise financeira, à divida e ao déficit na década de 1980, o 
Brasil aumentou sua dependência externa. Instituições financeiras como o FMI 
e o Banco Mundial, que são dominadas pela política norte-americana, passam 
a exercer influência na política brasileira, apresentando, como solução para os 
problemas econômicos, o neoliberalismo (MARTIN, 2002). 
6 
 
Essa resposta vem em um pacote de medidas políticas chamado 
Consenso de Washington, dirigido principalmente aos países da América 
Latina, que reúne um conjunto de regras que visavam promover o ajuste 
macroeconômico necessário. Redução dos gastos públicos, disciplina fiscal, 
abertura comercial e privatização das estatais eram os principais pontos. Essas 
medidas contribuíram para o investimento insuficiente no sistema ferroviário 
brasileiro, e consequentemente seu declínio, e apresentavam a privatização 
como o único caminho para a decadência ferroviária e desse modo atender às 
novas necessidades do momento e das empresas. 
"Os programas de estabilização do FMI e os programas 
de ajuste estrutural do Banco Mundial contribuíram para a 
inabilidade dos governos de investir o suficiente em ferrovias e em 
outras áreas dos serviços públicos, já que aquelas instituições 
insistiam que a despesa pública devia ser reduzida em vez de 
aumentada. As mesmas instituições insistiram na privatização 
como uma condição do seu apoio para organizar investimento 
para superar os problemas que elas mesmas tinham ajudado a 
criar”. 
 (MARTIN, 2002) 
A privatização tinha como objetivo aumentar o investimento no sentido 
de recuperar, modernizar e ampliar a infraestrutura ferroviária, captar recursos 
privados a fim de alavancar o setor, desonerar o Estado dos gastos, de modo a 
melhor alocar seus recursos, e ainda melhorar a competitividade e eficiência do 
sistema. Desse modo se previa a capacitação da ferrovia para que pudesse 
adquirir um novo papel na matriz de transporte brasileira (CNT, 2009). 
A Lei n.º 8.031/90 instituiu o Programa Nacional de Desestatização - 
PND em 1990, sendo que com ela o setor ferroviário passou a integrar o 
programa em 1992 pelo Decreto n.º 473. O primeiro leilão ocorreu em 
05/03/1996, sendo leiloada a malha da região oeste para a concessionária 
Ferrovia Novoeste S.A. e terminou em 1998 com o leilão da malha paulista, 
antes FEPASA. A antiga RFFSA se dividiu em 6 novas empresas privatizadas 
7 
 
por concessão de 30 anos, com possibilidade de prorrogação pelo mesmo 
período. A RFFSA ainda mantém o direito de propriedade da infraestrutura, 
mas agora as empresas privadas são responsáveis por administrar, renovar, 
operar e manter essa infraestrutura. No fim, o processo de privatização resultou 
em 11 malhas ferroviárias concedidas à iniciativa privada, que podem ser 
observadas no Mapa 1.1 
MAPA 1 - Malhas ferroviárias operadas pela iniciativa privada 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Fonte: ANTF 
A RFFSA continuou existindo com o objetivo de gerir o patrimônio não-
operacional (bens móveis e imóveis não arrendados às concessionárias), 
assim como os inúmeros processos judiciais cíveis e trabalhistas. Em 2007 ela 
deixou de existir como empresa. Atualmente há apenas alguns escritórios que 
são responsáveis pelo o inventário de seus bens. 
8 
 
1.2 A situação das ferrovias pré-desestatização 
Em 1981 o Brasil recorre ao FMI, passando então a praticar políticas 
ortodoxas com o objetivo de controlar a economia interna do país, a inflação 
galopante e o desequilíbrio interno. Com o empréstimo, o Brasil passa a seguir 
políticas ortodoxas do FMI, ocasionando uma grande redução dos gastos do 
Estado. Essa década é chamada por muitos economistas como a década 
perdida, na qual a economia sofreu uma grande retração da produção industrial 
e um baixo crescimento econômico. Com o objetivo de controlar a inflação, são 
lançados diversos planos sem sucesso, como o Plano Cruzado, Cruzado Novo, 
Bresser, Verão, Collor I e Collor II. 
Os problemas econômicos dessa época se arrastaram até o início da 
década de 1990 e afetando negativamente a estrutura do transporte nacional. 
Como é possível observar no Gráfico1, o corte no investimento ocorreu de 
forma brusca em 1982 e continuou caindo até 1995, quando ocorreu a 
desestatização. 
Gráfico 1 - Investimento Público em ferrovias (1980-1995) 
 Fonte: IPEA – Reestruturação Financeira e Institucional do Sub-setor Ferroviário (2002) 
9 
 
Com a incapacidade do Estado de investir nas ferrovias estatais, elas 
passam a se deteriorarem e a ser depreciadas de forma significativa, afetando 
assim sua infraestrutura e a qualidade de seus serviços, gerando um sério 
desequilíbrio técnico-operacional. Já em 1984, a RFFSA passa a operar de 
forma deficitária, pois não era capaz de gerar recursos suficientes para cobrir 
os serviços da dívida contraída (DNIT, 2006). 
A extensão da malha da RFFSA era de aproximadamente 22 mil km, 
sendo sua maior parte com bitola de 1 metro e o restante de 1,60 metro. Já a 
FEPASA era composta de 4.186 km de trilhos com bitola de 1 metro, 1.463 km 
com bitola de 1,60 e 298 km de mista, totalizando 4.186 km. Os diferentes 
tamanhos de bitola adotados dificultavam a integração entre as ferrovias e 
elevavam os custos do transporte. Sua extensão abrange o estado de São 
Paulo, se integrando com a RFFSA e a EFVM pelo norte do estado (MG), o 
corredor Oeste-Leste. No oeste e sudoeste do estado, ela se conecta com o 
corredor de Paranaguá(MS) e o sistema hidroviário Tietê-Paraná (PR). No 
noroeste do estado, ela se conecta com as linhas FERRONORTE, o que 
permite acesso a Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Rondônia. 
TABELA 1 - Ferrovias: Tamanhos de bitola (1994) 
(em km) 
Empresa 0,6 0,76 1,00 1,35 1,60 Mista (1,0/1,6) Total 
RFFSA 0 13 20.286 0 1.770 0 22.069 
FEPASA 0 0 2.508 0 1.463 298 4.186 
Outras 33 0 995 194 2.354 0 3.576 
Total 33 13 23.789 194 4.398 274 29.831 
 Fonte: ANTT - Adaptada 
Analisando a situação financeira apresentada na Tabela 2, pode-se 
observar que há uma redução das receitas da RFSSA de 42%, passando de 
936,7 milhões de reais para 594,9 milhões. As despesas operacionais não 
acompanharam essa redução, passando de 961,4 para 755,5 milhões. Isso se 
deve ao fato de a maior parte dos gastos operacionais decorrer de gastos com 
funcionários. 
Em 1989, as despesas com pessoal representavam cerca de 70,6% do 
total das despesas operacionais. Nessa época, a RFFSA contava com cerca de 
10 
 
59 mil funcionários. Mesmo com uma redução no quadro de funcionários, 
passando para 45 mil em 1994, as despesas com pessoal continuaram em um 
patamar elevado, representando certa de 58% das despesas operacionais. 
TABELA 2 - RFFSA - Indicadores 1989 - 1994 
Discriminação 1989 1990 1991 1992 1993 1994 
Receitas operacionais (milhões R$) 
 
936,7 
 
686,4 
 
681,7 
 
748,8 
 
666,9 
 
594,9 
Despesas operacionais (milhões R$) 
 
961,4 
 
780,2 
 
738,0 
 
729,4 
 
842,7 
 
755,5 
Resultado Operacional 
- 
24,7 
- 
93,8 
- 
56,3 
 
19,4 
- 
175,8 
- 
160,6 
Número de empregados 
 
59.130 
 
56.281 
 
51.158 
 
48.550 
 
46.911 
 
45.355 
Desp. Pessoal / receita oper. (%) 72,5 
 
74,3 64,9 63,6 81,5 73,8 
Desp. Pessoal / despesa oper. (%) 70,6 
 
65,3 60,0 60,1 64,5 58,1 
 Fonte : RFFSA elaborada Marques (1996) - Adaptada 
A situação da FEPASA, apesar de melhor, não é muito diferente da 
RFFSA. No mesmo período, a receita operacional recuou em 37,3%, passando 
de 282 milhões para 176,9 milhões de reais. Em 1991 as despesas 
operacionais passam a superar a receita, gerando assim um resultado negativo 
de 22,8 milhões. Também ocorreu uma redução no quadro de funcionários 
com objetivo de reduzir as despesas, passando de quase 17 mil funcionários 
para 15.570. Os gastos com pessoal representavam cerca de 60% das 
despesas operacionais. 
TABELA 3 - FEPASA - Indicadores 1989 - 1994 
Discriminação 1989 1990 1991 1992 1993 1994 
Receitas operacionais (milhões R$) 
 
282,0 
 
300,9 
 
207,8 
 
228,7 
 
199,2 
 
176,9 
Despesas operacionais (milhões R$) 
 
237,1 
 
250,8 
 
230,6 
 
230,0 
 
207,6 
 
183,0 
Resultado Operacional 
 
44,9 
 
50,1 
- 
22,8 
- 
1,3 
- 
8,4 
- 
6,1 
Número de empregados 
 
16.747 
 
16.732 
 
16.595 
 
1.629 
 
15.797 
 
15.570 
Desp. Pessoal / receita oper. (%) 50,6 
 
47,1 62,3 62,1 66,9 62,2 
Desp. Pessoal / despesa oper. (%) 60,2 
 
56,5 56,1 61,7 64,2 60,1 
 Fonte : FEPASA elaborada Marques (1996) - Adaptada 
11 
 
A evolução do transporte de carga no período manteve-se estável no 
período que precede a desestatização. Em 1989 a RFFSA transportava cerca 
de 37.600 milhões de TKU, passando para 39.200, um aumento de 4,2%. No 
entanto, na FEPASA, mesmo com sua localização estratégica entre o norte, sul 
e o interior do país, se situando na região mais desenvolvida do país, com 
acesso para o mar e países do Mercosul, ocorreu uma redução. Em 1989, ela 
transportou 7.100 milhões de TKU e em 1994 6.400 milhões de TKU. 
 
TABELA 4 - Transporte Ferroviário de Cargas 
1989 - 1994 (em milhões de TKU) 
 
RFFSA FEPASA Total 
1989 37.600 7.100 44.700 
1990 34.600 6.500 41.100 
1991 36.400 6.300 42.700 
1992 37.000 6.500 43.500 
1993 39.500 7.000 46.500 
1994 39.200 6.400 45.600 
 Fonte: Marques (1996) - Adaptada 
O transporte ferroviário compõe-se basicamente da movimentação de 
cinco grupos de produtos: minérios de ferro, granéis agrícolas para exportação, 
combustíveis, produtos siderúrgicos e cimento. Na maioria dos sistemas 
ferroviários dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento, esses cinco 
grupos de produtos são os principais produtos transportados. No entanto, há 
uma concentração muito maior no sistema ferroviário brasileiro. Eles 
representam cerca de 90% do total transportado, sendo que nos outros países 
a média fica em torno de 70% (MARQUES, 1996). 
Os principais produtos transportados pela RFFSA eram minérios de ferro 
(43,2%), derivados de petróleo (11,9%), cimento (7,7%), farelos (6,5%) e 
produtos siderúrgicos (6,1%). O minério de ferro é um dos principais produtos 
exportados, representando 50% do transportado, é voltado principalmente para 
a exportação. Cerca 74% do minério total transportado pela RFFSA é 
destinado para a exportação. Essa concentração de produtos transportados 
também ocorre se analisarmos os clientes da RFFSA. 
12 
 
"A concentração do tráfego em poucos segmentos do 
mercado de transportes, ou em alguns fluxos desses segmentos, 
é salientada ainda pelo fato de apenas 20 clientes reunirem 70% 
da produção e 72% da receita da RFFSA." 
 (MARQUES, 1996) 
 
 
TABELA 5 - RFFSA - Principais Mercadorias 1991 - 1996 (média) 
Mercadoria 
TKU (em 
milhões) 
Participação 
(%) 
TU (em 
milhões) 
Participação 
(%) 
Minério de ferro 16446,5 43,2% 38,7 38,7% 
Derivados de 
petróleo 
4545,7 11,9% 9,6 9,6% 
Cimento 2944,8 7,7% 5,9 5,9% 
Farelos 2476,4 6,5% 6,1 6,1% 
Produtos siderúrgicos 2308,1 6,1% 8,6 8,6% 
Soja 1546,4 4,1% 3,3 3,3% 
Álcoois 1327,3 3,5% 2,0 2,0% 
Adubos 1041,1 2,7% 3,0 3,0% 
Calcários 928,3 2,4% 5,0 5,0% 
Trigo 649,7 1,7% 2,0 2,0% 
Minérios diversos 625,7 1,6% 1,5 1,5% 
Carvão mineral 411,7 1,1% 4,6 4,6% 
Outros 2797,6 7,4% 9,7 9,7% 
Total 38049,2 100,0% 100,0 100,0% 
 Fonte : RFFSA elaborada Marques (1996) 
Assim como a RFFSA, a FEPASA é uma ferrovia predominantemente de 
cargas, o transporte de cargas representa cerca de 95% do faturamento total 
da empresa. Como é possível observar na Tabela 6, também ocorre uma 
concentração dos produtos transportados: cerca de 85% do total transportado 
vem de um pequeno número de produtos. Os derivados de petróleo e o álcool 
automotivo têm uma participação de 39,5%, os produtos agrícolas 24%, 
minérios 18% e cimento 4,7%. 
 
 
13 
 
É importante destacar que ocorre uma concentração dos clientes da 
FEPASA: 
"A concentração apontada é ainda salientada pelo fato de 
apenas 26 clientes reunirem 80% da produção e 84% da receita 
de transporte da FEPASA em 1993. Desses clientes, sete são 
ligados à distribuição de derivados de petróleo e representam 
38% do total do transporte de cargas." 
 (MARQUES, 1996). 
 
TABELA 6 - FEPASA - Principais Mercadorias 1991 - 1996 (média) 
Mercadoria 
TKU (em 
milhões) 
Participação 
(%) 
TU (em 
milhões) 
Participação 
(%) 
Derivados de 
petróleo 
1850,5 28,1% 4,5 24,2% 
Álcool 746,9 11,4% 3,3 17,7% 
Fosfato 694,410,6% 1,1 5,9% 
Soja 599,2 9,1% 1,0 5,4% 
Farelos 509,2 7,7% 1,1 5,9% 
Bauxita 342,7 5,2% 1,3 7,0% 
Cimento 306,3 4,7% 1,5 8,1% 
Açúcar 244,3 3,7% 0,5 2,7% 
Trigo 227,1 3,5% 0,7 3,8% 
Calcário 157,0 2,4% 0,7 3,8% 
Adubos 126,6 1,9% 0,3 1,6% 
Outros 772,9 11,8% 2,6 14,0% 
Total 6577,1 100,0% 18,6 100,0% 
 Fonte : FEPASA elaborada Marques (1996) 
 
 
 
 
 
14 
 
1.3 Motivos para a desestatização das malhas ferroviárias 
brasileiras 
Assim como os outros processos de desestatização, a ferrovia teve as 
diligências do BNDES, mas, devido ao grande volume de pendências e 
restrições técnicas e jurídicas, foi necessário contratar dois trabalhos: o 
primeiro, com o objetivo de propor o modelo de desestatização; e o segundo 
sendo responsável pela avaliação econômico-financeira. 
Os principais motivos apontados no artigo “O Processo de 
Desestatização da RFFSA: Principais Aspectos e Primeiros Resultados” 
(SOUZA & PRATES, 1997) são: 
• As projeções preliminares de resultados indicavam que o potencial de 
geração de caixa dos ativos da RFFSA era reduzido em face do valor do 
investimento neles realizado, devido à carência de recursos para a sua 
manutenção e modernização, o que comprometia o desempenho 
operacional da empresa. 
• O valor econômico da RFFSA, em seu status quo, era negativo, pois as 
projeções de recursos gerados pela operação eram inferiores ao montante 
estimado da dívida, de aproximadamente R$ 3 bilhões, boa parte dela 
vencida ou a vencer em curto prazo e junto a entidades da administração 
direta e indireta do governo federal. 
• Não se vislumbrava a possibilidade de equacionamento dessa dívida a 
médio prazo, capaz de melhorar a estrutura de capital da empresa e 
viabilizar um valor econômico positivo para sua privatização. 
• Parte relevante desse endividamento, cerca de R$ 1 bilhão, correspondia a 
passivos trabalhistas, cuja comprovação era considerada difícil por auditoria. 
O acompanhamento de processos judiciais da RFFSA é descentralizado, 
pela própria estrutura da empresa, em todo o país. Com isso, muitas vezes 
ações com o mesmo fato gerador tinham decisões diferenciadas, tanto por 
serem julgadas por tribunais locais quanto pelo fato de a própria 
argumentação jurídica da empresa ser diferente. Além disso, o controle do 
andamento dos processos era precário, o que representava um fator 
15 
 
extremamente relevante, visto que a incerteza quanto ao potencial de valor 
dessa dívida certamente afastaria eventuais interessados na privatização, 
inviabilizando o processo. 
• O volume de ações judiciais contra a empresa acentuava-se diante do 
agravamento de suas dificuldades financeiras, prejudicando uma estimativa 
concreta do valor de seu endividamento em determinada data-base. 
• A RFFSA possui um volume de cerca de R$ 4 bilhões em ativos não-
operacionais, basicamente estações ferroviárias desativadas, terrenos, 
hortos florestais e imóveis diversos. Esses ativos estão em praticamente 
todo o território nacional e sua avaliação provavelmente demoraria vários 
anos. A maior parte deles não tinha sua documentação regularizada, devido 
ao próprio processo de formação da RFFSA, fruto de uma fusão de ferrovias 
privadas, algumas existentes desde o século passado. Se o modelo de 
privatização fosse o tradicionalmente adotado no PND, esses ativos 
deveriam ser avaliados para serem incluídos no cálculo do preço mínimo, o 
que delongaria o processo por muito tempo. Além disso, os objetivos 
pretendidos de melhorar o serviço de transporte de carga seriam 
desvirtuados, uma vez que a maior parte do valor da empresa viria 
justamente dos ativos não-operacionais, atraindo um público mais 
interessado em administração de imóveis que em operar eficientemente o 
serviço. 
• A configuração operacional da malha ferroviária da RFFSA - estendendo-se 
por 22 mil quilômetros, do Maranhão até o Rio Grande do Sul -, por si só, 
dificultava uma administração eficiente e integrada, resultando em 
permanente conflito entre interesses e peculiaridades locais com os 
interesses da administração central da empresa. Ademais, o resultado da 
privatização poderia ser potencializado com a licitação independente de 
diversos trechos ferroviários, tanto para atrair os interessados apenas em 
determinados trechos quanto para melhorar sua atratividade comercial, 
explorando as sinergias existentes. 
• A malha da Rede Ferroviária Federal é interrompida no Estado de São Paulo, 
onde também opera a Fepasa. Apesar de a RFFSA ter firmado convênios de 
tráfego mútuo com essa empresa, o acesso às linhas de ambas não se dava 
16 
 
de maneira eficiente, o que causava insegurança aos potenciais 
interessados. 
• Existem duas bitolas (distância entre os eixos dos trilhos) na malha da 
RFFSA: a de 1 m, denominada bitola métrica, que constitui a maior parte da 
via, e a de 1,60 m, conhecida como bitola larga. Essa é uma dificuldade 
adicional para o intercâmbio de cargas, pois uma composição que circula 
numa bitola não pode circular em outra diferente. Uma operação de 
transbordo de cargas eficiente pode superar essa dificuldade, mas, de 
qualquer forma, ocorrem perdas na eficiência do transporte. 
• A RFFSA operava, em pequena escala, o transporte de passageiros de média 
distância. Em 1994, a receita apurada com esses serviços foi de cerca de 
0,5% do faturamento total da empresa, sem contar o transporte urbano de 
passageiros, que foi transferido à CBTU, atualmente em processo de 
estadualização. Historicamente, o transporte ferroviário de passageiros é um 
serviço deficitário, de pouca atratividade para a iniciativa privada. 
• A RFFSA era estruturada em 12 superintendências regionais (SR) e a 
administração geral. Cada superintendência operava, na prática, como uma 
empresa independente, visto que tinha estruturas administrativa, comercial, 
operacional, jurídica e de manutenção próprias. 
 
 Esses foram os principais pontos utilizados na elaboração do modelo de 
desestatização da ferrovia nacional. O modelo foi aprovado em 1993 pela 
Comissão Diretora do Programa Nacional de Desestatização e, por fim, 
ratificado pelo CND. Pretendia-se, dessa forma, melhorar a qualidade da 
qualidade do serviço público de transporte ferroviário de carga, de modo a 
otimizar a matriz de transportes do país, atualmente direcionada ao setor 
rodoviário. 
 
 
17 
 
1.4 Modelos de concessão 
 
Segundo Benini (2012), há três principais modelos em que a indústria 
ferroviária pode se organizar. O primeiro modelo, utilizado no caso brasileiro, 
seria o da estrada de ferro verticalmente integrada. Nesse caso uma firma 
controla a infraestrutura, a operação e a comercialização. As ferrovias podem 
ser tanto públicas quanto privadas, e também separadas por regiões. Esse 
modelo foi adotado nas ferrovias públicas da Europa, e também nas malhas 
separadas por região nos EUA, Brasil e Japão. 
“Os pontos positivos deste modelo são: permite um 
planejamento integrado das operações, facilita o planejamento 
dos investimentos de longo prazo e reduz os custos de transação. 
Já os pontos negativos são: falta de resposta às demandas de 
mercado, falta de incentivo para reduzir as ineficiências, o que 
gera resultados financeiros fracos.” 
 (BENINI, 2012) 
O segundo modelo seria o da abordagem interna. Nesse modelo, as 
ferrovias são separadas em divisões de acordo com o tipo de produto e região 
onde irá atuar, portanto não há competição entre as divisões. Se uma divisão 
utiliza os ativos de outra divisão, ela deve remunerá-la. A desvantagem desse 
modelo seria a falta de competição na operação das malhas. 
O terceiro modelo é o da estrada de ferro verticalmente separada. Toda 
a infraestrutura é de responsabilidade de uma única firma, que pode ser pública 
ou privada. Osoperadores de transporte pagam uma taxa pela utilização da 
infraestrutura, de modo que diferentes empresas podem operar sobre uma 
mesma infraestrutura, gerando assim maior competitividade e eficiência para 
atender às necessidades de mercado. 
Como mencionado anteriormente, o modelo adotado na desestatização 
ferrovia brasileira foi o da estrada de ferro verticalmente integrada. Assim a 
inclusão da RFFSA no PND seguiu o modelo de concessão que foi indicado 
18 
 
pelo BNDES. As doze superintendências foram divididas em seis malhas: a 
malha Nordeste, Oeste, Centro-leste, Sudeste, Teresa Cristina e Sul. Elas 
foram leiloadas juntamente com os bens de pequeno valor para compradores 
pré-conhecidos, com um prazo de concessão de 30 anos, podendo ser 
prorrogado pelo mesmo período. 
Os editais de licitação das seis maiores malhas continham um novo 
conceito de obrigações e metas que deveriam ser cumpridas pelas 
concessionárias. Para atrair as empresas, o modelo não exigia nenhum 
investimento pré-definido. O objetivo era estimular o investimento pelas metas 
de desempenho. Desse modo, para que as metas fossem atendidas, as 
concessionárias eram livres para decidir como investir na malha sob sua 
administração. Isso parte do pressuposto que a iniciativa privada sabe 
identificar o melhor caminho para prestar o serviço com qualidade sem perder a 
rentabilidade (SOUZA & PRATES, 1997). 
Foram escolhidas duas metas de desempenho, que deveriam ser 
atendidas constantemente, para acompanhar a qualidade da prestação de 
serviço por parte das concessionárias. Foi determinado que as malhas 
ferroviárias deveriam aumentar o volume transportado e reduzir os acidente. 
Cada meta foi determinada de acordo com as especificidades de cada malha e 
de seu desempenho operacional projetado. 
Apesar de não haver nenhuma imposição formal de investimento, era 
esperado um grande volume de investimentos das concessionárias para a 
recuperação das malhas ferroviárias, melhorias e modernização dos ativos 
operacionais para o cumprimento das metas de desempenho e, principalmente, 
dar rentabilidade ao negócio. 
“O aumento previsto da participação da ferrovia na matriz 
de transporte do país trará reflexos diretos na economia de 
combustível, redução no número de acidentes e 
descongestionamento das rodovias. Além do mais, espera-se que 
uma ferrovia eficiente proporcione melhorias nas condições de 
infraestrutura e transporte, reduzindo o custo-Brasil. Com isso, 
19 
 
haverá um efeito multiplicador em diversos outros setores da 
economia, com a viabilização econômica de novos negócios e 
melhoria na rentabilidade dos demais setores ligados à ferrovia, 
gerando novos investimentos e empregos.“ 
 (SOUZA & PRATES, 1997) 
 Isso pode ser observado no art. 1° da Lei nº 8.031, de 12 de abril de 
1990, que instituiu o PND: 
Art. 1° - É instituído o Programa Nacional de 
Desestatização, com os seguintes objetivos fundamentais: 
I - reordenar a posição estratégica do Estado na 
economia, transferindo à iniciativa privada atividades 
indevidamente exploradas pelo setor público; 
II - contribuir para a redução da dívida pública, 
concorrendo para o saneamento das finanças do setor público; 
III - permitir a retomada de investimentos nas empresas e 
atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada; 
IV - contribuir para modernização do parque industrial do 
País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade 
empresarial nos diversos setores da economia; 
V - permitir que a administração pública concentre seus 
esforços nas atividades em que a presença do Estado seja 
fundamental para a consecução das prioridades nacionais; 
VI - contribuir para o fortalecimento do mercado de 
capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e 
da democratização da propriedade do capital das empresas que 
integrarem o Programa. 
20 
 
 O modelo de concessão ferroviário foi feito por meio de leilão por 
licitação. As concessionárias assumiriam o serviço de transporte ferroviário, 
antes público, pelo período de 30 anos, também o arrendamento dos ativos 
operacionais e vendas dos bens de pequenos valores. 
 Os bens de pequenos valores eram constituídos por bens mobiliários, 
veículos de apoio e linhas telefônicas. Esses bens foram vendidos por se 
tratarem de materiais cujo custo, caso fossem arrendados, seria maior que seu 
próprio valor. Além disso, eles seriam substituídos pelas concessionárias com o 
passar do tempo. 
 Cada malha regional passou a constituir uma unidade de negócio 
independe e autossuficiente. O endividamento da empresa estatal não seria 
repassado à iniciativa privada, os ativos não-operacionais seriam administrados 
pela estatal, desse modo auferindo receita sobre eles e amortizando essa 
dívida. Também foi necessária a criação de uma entidade que ficaria 
encarregada de fiscalizar as concessionárias e resolver problemas de caráter 
administrativo entre elas, usuários e o Estado. Desse modo o licitante vencedor 
passaria a ser o titular do direito de prestar o serviço público, que é a 
concessão. 
 
 
21 
 
1.5 O processo de desestatização 
Na década de 1990, a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) estava 
inserida em uma grave crise financeira, necessitando de grandes volumes de 
recursos para o adequado funcionamento das suas operações, a manutenção 
dos equipamentos e o pagamento das dívidas contraídas. Nesse contexto, ela 
foi incluída no Programa Nacional de Desestatização (PND), pelo decreto n.º 
473, de 1992. Segundo Durço (2011), por ser o primeiro setor público a integrar 
o PND, o processo trazia diversas incertezas de ordem política e jurídica, 
principalmente sobre a repercussão que ocorreria em torno da redução do 
quadro de funcionários. A RFFSA possuía um quadro de empregados 
superdimensionado. Com a desestatização, deveria ser reduzido para torna-la 
rentável. 
Outro problema era a legislação sobre a concessão do serviço público. 
Ela estava apenas começando e os contratos eram de longos prazos, o que 
poderia ser um risco para as concessionárias. Esse risco foi afastado com as 
Leis 8.987 e 9.074 de 1995. Ambas tratavam sobre o regime de concessão e a 
permissão do serviço público. 
“A desestatização da RFFSA sofreu grande impulso após 
a nomeação, em abril de 1995, da atual diretoria, que se mostrou 
intensamente colaborativa e participativa. Na gestão dessa 
administração, foi elaborado um programa de desligamento de 
pessoal. A maior vantagem para as concessionárias é que foram 
reduzidos os gastos em incentivos à demissão no início da 
operação, o que melhorou substancialmente a atratividade do 
negócio. “ 
 (SOUZA & PRATES, 1997) 
 
Essa mesma diretoria negociou um empréstimo com o Banco Mundial 
com o propósito de financiar um programa de reestruturação pré-privatização. 
Esse programa tinha como objetivo recuperar parte da malha ferroviária, para 
22 
 
torná-la mais atrativa ao setor privado. Devido ao longo processo de 
negociação, o financiamento só ocorreu depois que algumas ferrovias já tinham 
sido privatizadas. Como parte da malha já estava sobre administração privada, 
não havia a necessidade de utilizar o empréstimo nelas. O valor não utilizado 
pode ser aplicado na Malha Nordeste, que apresentava os ativos em pior 
estado de conservação e de atualização tecnológica, em uma região de menor 
densidade econômica. Esse fato criou a oportunidade para o desenvolvimento 
da malha. O Projeto Nordeste tinha como objetivo a recuperação do material de 
tração, modernização do sistema de telecomunicações e licenciamento e 
melhoria da via permanente. 
A RFFSA consistia uma única malha ferroviária que possuía 22 mil km 
de extensão. Ela foi dividida em seis malhas. Um dos fatores levado em conta 
para fazer essa separaçãofoi a existência da Fepasa. Ainda não era cogitada a 
sua privatização. Isso levou a divisão de trechos da RFFSA que se conectavam 
apenas pela Fepasa, sendo divididos conforme descritos a seguir. 
A malha sul foi composta pela SR-5 com sede em Curitiba, SR-6 em 
Porto alegre e SR-9 em Tubarão, sendo essa última parte da Estrada de Ferro 
Tereza Cristina, todas elas localizadas ao sul da FEPASA. A SR-10, localizada 
em Bauru, deu origem à malha Oeste na Região Noroeste da FEPASA. Já a 
malha Sudeste foi composta pelas SR-3 (Juiz de Fora) e SR-4 (São Paulo), 
presentes a nordeste da FEPASA. A malha Centro-Oeste foi composta pelas 
SR-2 (Belo Horizonte), SR-7 e SR-8 (Campos, no Rio de Janeiro) e a malha 
Nordeste formada pelas SR-1 (Recife), SR-11 (Fortaleza) e SR-12 (São Luis). 
 
 
 
 
 
23 
 
Tabela 7 – Malhas Regionais
Fonte: BNDES 
 Mapa 2 - Superintendências Regionais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fonte : ANTT 
24 
 
As seis malhas foram transferias para o setor privado por meio de leiloes 
públicos. A primeira malha leiloada foi a da malha oeste, o que ocorreu no dia 5 
de março de 1995, e a última malha, Malha Nordesta da RFFSA, foi leiloada no 
dia 18 de julho de 1997. O total arrecadado foi de R$ 1,5 bilhão. E assim 
terminou o processo de desestatização da RFFSA, mas não do setor. Ainda 
havia a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), empresa pertencente ao Estado de 
São Paulo, que se encontra em fase de federalização para posterior 
desestatização (BNDES). 
Tabela 8 - Malhas ferroviarias desestatizadas e valor apurado no leilão 
(em milhões de reais) 
Malhas 
regionais 
Data do 
leilão 
Extensão 
(km) 
 Concessionária 
Valor 
apurado no 
leilão 
Oeste 05.03.96 
 
1.621 Ferrovia Novoeste S.A. 
 
62.360 
Centro-Leste 14.06.96 
 
7.080 Ferrovia Centro-Atlântica S.A. 
 
316.900 
Sudeste 20.09.96 
 
1.674 MRS Logística S.A. 
 
888.911 
Tereza Cristina 26.11.96 
 
164 Ferrovia Tereza Cristina S.A. 
 
216.600 
Sul 13.12.96 
 
6.586 ALL 
 
18.510 
Nordeste 18.07.97 
 
4.238 Companhia Ferroviária do Nordeste 
 
15.800 
Paulista 10.11.98 
 
4.236 Ferrovias Bandeirantes S.A. 237.370 
Total 
 
25.599 
 
1.756.451 
 Fonte: BNDES (1996) 
A Fepasa foi criada em 1971 e unificou as 5 ferrovias paulistas que 
totalizam 4,3 mil km. Em 1995 o governo paulista determinou um estudo com o 
objetivo de reestruturar a empresa para ser incluída no processo de 
desestatização. O processo foi finalizado em 1998, quando ela foi incorporada 
à RFFSA, sendo finalmente privatizada em 10 de novembro de 1998 (DURÇO, 
2011). 
 
 
25 
 
1.6 ANTT, o órgão regulatório 
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) é uma autarquia 
federal brasileira responsável pela regulação das atividades de exploração da 
infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e da prestação de serviços de 
transporte terrestre. 
Em princípio, para apresentar os problemas decorrentes da privatização 
do setor ferroviário tem-se que apresentar o órgão regulatório e fiscal que 
acompanha esse modal e enfrenta os problemas que serão apresentados ao 
longo desse trabalho. 
A ANTT foi criada em 2001, por meio da Lei 10.233 do mesmo ano, 
durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Seu papel 
consiste na regulação e fiscalização dos transportes no setor rodoviário, 
ferroviário, dutoviário e intermodalidade no Brasil. Segundo o artigo 21 da Lei, 
trata-se de uma entidade integrante da Administração Federal indireta, 
vinculada ao Ministério dos Transportes e submetida ao regime autárquico 
especial, caracterizado pela independência administrativa, autonomia 
financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes. 
Ainda seguindo as diretrizes da Lei 10.233 de 2001, a Agência tem como 
objetivo programar, dentro do seu perímetro de atuação, as políticas 
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte 
e pelo Ministério dos Transportes, segundo os princípios e as diretrizes 
estabelecidos na citada lei, e junto a isso supervisionar, também dentro de seu 
perímetro de atuação, as atividades de prestação de serviço e de exploração 
da infraestrutura de transportes, resultando em: 
• Garantia de movimentações de pessoas, bens, cumprindo os padrões 
de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade 
nos fretes e tarifas. 
• Harmonia, prezando o interesse público, os objetivos dos usuários, das 
empresas concessionárias, permissionárias, autorizadas e arrendatários, e de 
26 
 
entidades delegadas, arbitrando conflitos de interesses e impedindo situações 
que configurem competição “imperfeita” ou infração de ordem econômica. 
Sabendo o papel da ANTT na mediação entre o poder concedente e as 
concessionárias, pode-se, agora, discutir os problemas que a Agência enfrenta 
perante esse relacionamento econômico entre as duas partes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
 
2. DESENVOLVIMENTO DO SETOR FERROVIÁRIO PÓS- 
DESESTATIZAÇÃO 
2.1 Principais ferrovias e suas concessionárias 
Após a total desestatização da RFFSA, observam-se alguns problemas 
a respeito da regionalização das malhas, ou seja, desde a existência da 
RFFSA as malhas eram especializadas somente para a região de localização 
(nichos comerciais), reduzindo a integração entre as malhas e dando a 
responsabilidade do transporte de longas distâncias ao modal rodoviário. 
Com essa regionalização, os esforços das concessionárias são 
direcionados apenas a alguns trechos de movimentações de interesse para a 
empresa, cumprindo todas as suas metas estipuladas em contrato (redução de 
acidentes, investimentos, produção) de forma direcionada a esses fragmentos 
da malha, levando todo o resto da infraestrutura cedida em concessão pelo 
governo ao total abandono. Como fator resultante da regionalização, tem-se 
ainda o caso do usuário cativo, que fica à mercê dos preços estipulados pela 
concessionária responsável pela sua região; ou precisa aceitar as altas taxas 
impostas ou escolher o modal rodoviário como solução logística. 
Na Tabela 9, observa-se essa relação entre os principais acionistas de 
cada concessionária com o produto transportado. É possível destacar o caso 
da MRS Logística S.A, Seus principais acionistas são a CSN, Usiminas, MBR 
(Minerações Brasileiras Reunidas S.A.), Ferteco, Ultrafértil, Gerdau (Consigua). 
Todas ligadas ao ramo de mineração, com exceção da Ferteco, que é do ramo 
petroquímico. 
Como a própria concessionária era formada pelos principais clientes, há 
uma formação de um oligopólio privado, o que favoreceu a monofuncionalidade 
do sistema ferroviário, que tinha como objetivo atender às demandas e 
necessidades de seus controladores. 
 
 
28 
 
 
TABELA 9 - Relação entre Concessionária e principal produto transportado 
Empresa 
Original 
Concessionária Sócios 
Principal produto 
transportado 
Participação 
sobre total 
(%) 
RFFSA 
Malha Sul 
ALL - América 
Latina Logistica 
do Brasil S.A. 
Varbra, Railtex Intl 
Holding Inc., Ralph 
Partners, Jurori, 
Interférrea 
soja/farelo de 
soja/derivados de 
petróleo 
21/10/9 
RFFSA 
Malha 
Sudeste 
MRS Logistica 
S.A 
CSN, Usiminas, 
MBR, Ferteco, 
Cosígua, Ultrafértil, 
Celato 
minério de 
ferro/produtos 
siderurgicos 
86/5 
RFFSA 
Malha 
Tereza 
Cristina 
FTC - Ferrovia 
Tereza Cristina 
S.A. 
Banco 
Interfinance, 
Geemon, Santa 
Lúcia, Ago-
Indústria e Com. 
carvão mineral 99 
RFFSA 
MalhaNordeste 
CFN - 
Companhia 
Ferroviaria do 
Nordeste 
Taquari 
Participações,CVRD 
e CSN 
derivados de 
petróleo/cimento/ferro 
gusa 
18/13/6 
RFFSSA 
Malha 
Centro-
Leste 
FCA - Ferrovia 
Centro-
Atlântica S.A. 
Mineração 
Tacumã, Ralph 
Partners, Varbra, 
Judoria, Railtex Intl 
Holdin Inc., 
Tupinambaran, 
Interférrea, CSN 
farelo de 
soja/soja/calcário 
siderúrgico 
17/13/13 
RFFSA 
Malha 
Paulista 
Ferroban - 
Ferrovias 
Bandeirantes 
S.A. 
Funcef, Previ, 
CapMelissa, Chase, 
Shearer, Logística 
Bandeirantes 
Participações 
bauxita/derivado de 
petróleo/soja 
5/39/17 
RFFSA 
Malha Oeste 
Ferrovia 
Novoeste S.A. 
Noel Group, Brazil 
Railpartners, 
Western Rail 
Investors 
derivados de 
petróleo/soja/ minério 
de ferro 
22/20/18 
 Fonte: BNDES e Vencovisk (2006) - Adaptada 
 
29 
 
 
"Após 15 anos do início da desestatização, o monopólio 
estatal foi substituído por um oligopólio privado, favorecendo a 
monofuncionalidade do sistema e o transporte de alto 
desempenho para atender, em grande parte, as necessidades dos 
controladores das ferrovias. No caso da Vale e da CSN, essa 
prática se verifica diretamente com a prioridade de transporte de 
minério de ferro e produtos siderúrgicos, respectivamente. No 
caso da ALL, que não tem produtos próprios para transportar, 
essa relação se estabelece por intermédio de contratos 
celebrados com as tradings agrícolas, a partir dos quais o 
transporte de produtos agrícolas para exportação se torna 
prioritário." 
 (VENKOVSKY, 2011) 
Em 2011 se considerarmos a EFC - Estrada de ferro Carajás e a EFVM - 
Estrada de ferro Vitória Mina, a Vale tem controle de 57,7% do total 
transportado, em 9.096 km (31,7%) de ferrovia. A EFC transporta 
principalmente o minério de ferro. A movimentação de carga se dá quase que 
de forma exclusiva em um único sentido para os portos, podendo assim ser 
classificada como extrovertida e unidirecional. 
A EFC e a EFVM são consideradas de alto desempenho, podendo ser 
comparadas com as ferrovias mais modernas do mundo. A EFC foi inaugurada 
em 1985. Seu surgimento está ligado principalmente ao Projeto Grande 
Carajás, um projeto de exploração de minérios que se iniciou na década de 
1980, na região entre o Pará, Tocantins e o Maranhão. A EFVM, criada em 
1904, é utilizada pela Vale para transportar minérios provenientes do 
Quadrilátero Ferrífero. As duas representam cerca 6,1% do total da malha 
ferroviária com 1.790 km, transportando 53,09% do total. 
Por outro lado, as concessionárias controladas pela ALL - América 
Latina Logística possuem 12.955 km (45,2%), transportado apenas 11,56% do 
total nacional. 
30 
 
 
 
Tabela 10 - Empresas controladoras das concessionárias de 
ferrovias e sua participação no transporte de mercadoria 
 
 Fonte: Vencovisk (2011) 
 
 
 
31 
 
2.2 Contratos de concessão e metas 
Para melhor compreender o desenvolvimento do setor ferroviário é 
necessário analisar os principais pontos do contrato de concessão e as 
obrigações impostas às concessionárias. Para cada malha foi estipulado um 
valor meta diferente, definido pelo governo em dois pontos principais: redução 
do índice de acidentes e aumento da produtividade. 
Quando o modelo de concessão das ferrovias foi elaborado, havia uma 
lógica política e econômica bem diferente da dos dias atuais. O objetivo 
principal da época era reduzir os gastos do Estado via transferências dos 
déficits das estatais para a iniciativa privada. Então, os contratos deveriam 
atrair o interesse privado e gerar os valores de arrendamento necessários para 
que o Estado conseguisse arrecadar o máximo possível (DURÇO, 2011). 
O texto seguinte, extraído do contrato de concessão da Malha 
Ferroviária Nordeste, ilustra como era a cláusula do aumento de produtividade 
e redução de acidentes. As metas no contrato eram estipuladas para os 5 anos 
seguintes à celebração do contrato, tendo as concessionárias a total liberdade 
de decidir como seria aplicado o investimento para atingi-las. Desse modo, há 
uma abertura para que as concessionárias investissem de uma forma que não 
era prevista no contrato. 
 Fonte: Contrato de concessão Malha Nordeste 
32 
 
"Constata-se que o problema do risco moral também está 
presente nesse caso, pois vem induzindo as concessionárias a 
utilizarem apenas os trechos mais rentáveis da malha ferroviária, 
transportando majoritariamente a granel. Cumpre dizer que esse 
modelo não atende ao preceito de utilização de bem público para 
o qual a ferrovia foi concedida. Ainda nesse contexto, os mesmos 
contratos de concessão não estabelecem nenhum critério para 
fixação de metas, ou seja, não existe nenhuma qualificação do 
modo como essa meta é determinada". 
 (DURÇO, 2011) 
A cláusula de redução de acidentes segue a mesma regra da anterior. É 
determinado um percentual de redução de acidentes para os 5 anos seguintes, 
sendo revisados os valores para os próximos períodos. A forma como esse 
valor seria revisado depois de 5 anos não é coberta pelo contrato, assim como 
a revisão das metas de produtividade. 
 
 Fonte: Contrato de concessão Malha Nordeste 
Os contratos de concessão das ferrovias estabeleceram restrições 
mínimas e máximas das tarifas para a prestação do serviço de transporte 
ferroviário. Seu cálculo é feito sobre o volume e o tipo de produto, mas não há 
um detalhamento de como esse cálculo deve ser feito. 
Como os principais concessionários são os próprios usuários, é possível 
que a tarifa mínima tenha como objetivo impedir que se estabeleçam tarifas 
33 
 
muito baixas para si, e que, ao mesmo tempo, se mantenham tarifas elevadas 
para os outros usuários (DURÇO, 2011). 
 Fonte: Contrato de concessão Malha Nordeste 
Outra cláusula importante no contrato que afeta diretamente o 
investimento realizado, é a décima-sexta cláusula, que trata do processo de 
reversão ao término do contrato. Ou seja, a concessionária fica impossibilitada 
de reaver os valores investidos. 
 "Decorridos os primeiros quinze anos das 
concessões de ferrovias, parece haver pouco interesse da 
iniciativa privada na expansão da malha existente, uma vez que 
os investimentos realizados não são reversíveis ao final da 
concessão, válida por trinta anos e renovável por mais trinta anos. 
Além disso, os investimentos efetuados entre 1996 e 2010 
concentraram-se na recuperação da malha existente, na 
aquisição de equipamentos de material rodante e na contratação 
e capacitação de mão de obra especializada, de forma que, nesse 
caso, o tempo necessário para os projetos de infraestrutura 
ferroviária parece ser insuficiente, se a renovação dos contratos 
não se confirmar com antecedência." 
 (DURÇO, 2011) 
34 
 
 Fonte: Contrato de concessão Malha Nordeste 
 
Um ponto importante, que não aparece no contrato, é sobre o abandono 
de malhas ferroviárias menos rentáveis, e sobre como elas devem ser 
devolvidas. Alguns trechos hoje se encontram em situação inferior ao momento 
da privatização. Segundo a ANTT, há 5.554 km de ferrovia nessa situação, 
48,25% correspondem a ferrovias operadas pela ALL, 29,27%, pela 
Transnordestina Logística e 22,47%, pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA). 
Por fim, um ponto importante previsto no contrato refere-se ao 
compartilhamento da infraestrutura e recursos operacionais entre as 
concessionárias, o trafego mútuo e o direito de passagem. O direito de 
passagem e o trafego mútuo são caracterizados como obrigações das 
concessionárias de serviço de transporte ferroviário de carga e temcomo 
objetivo maximizar a eficiência do sistema ferroviário (DURÇO, 2012). 
No trafego mútuo, o transporte da carga é feito por uma concessionária 
até o ponto final de sua malha e onde inicia outra malha. A partir de então deve 
ser feito o transbordo da carga para dar continuidade ao transporte. No direito 
de passagem, a concessionária, mediante ao pagamento de uma tarifa, 
tem permissão de adentrar na outra malha ferroviária com sua própria tração. 
Segundo Durço (2012), a primeira opção é realizar o trafego mútuo e, na 
impossibilidade do mesmo, se dá o direito de passagem. É importante destacar 
que o direito de passagem é praticamente inexistente, devido aos valores 
elevados que são cobrados na tarifa. 
35 
 
 Fonte: Contrato de concessão Malha Nordeste 
 
 
36 
 
2.3 Investimentos realizados pós-desestatização 
A partir de 1997 as concessionárias passam a investir pesado na 
revitalização da malha ferroviária. Com base no Gráfico 2, percebe-se que a 
participação de investimentos privados vem evoluindo ao longo dos anos de 
forma crescente, e em sentido oposto, com os investimentos do Estado 
perdendo progressivamente sua participação no total investido em ferrovias 
brasileiras. 
 
 Fonte: ANTT (2012) 
De 1997 até 2011 foram investidos R$ 29,97bilhões, sendo que desse 
total 95% foram feitos pelas concessionárias e 5% pelo poder público. Com o 
desenvolvimento do setor ferroviário, a indústria nacional de material ferroviário 
voltou a surgir no cenário, gerando emprego, renda e alavancando a economia 
do país. Um dos principais gastos foi com a expansão da frota, de acordo com 
os dados da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária (Abifer). No período 
de 1997 a 2011 foram fabricados 39.358 vagões, 2.853 carros de passeio e 
310 locomotivas. 
 
 
412 386 538 617 766 668
1.089
1.958
3.114
2.221 2.597
4.173
2.499 2.924
4.901
162 113 45 56
58 56
35
8
44
72
140
225
123
112
143
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
Gráfico 2 - Investimentos nas Malhas Existentes concedidas à 
Iniciativa Privada (R$ Milhões)
Estado União
37 
 
Tabela 11 – Produção de material ferroviário (1997-2011) 
Ano 
Carros de 
passageiros 
Vagões Locomotivas 
2011 336 5616 113 
2010 430 3261 68 
2009 438 1022 22 
2008 447 5118 29 
2007 283 1327 30 
2006 113 3668 14 
2005 179 7597 6 
2004 45 4740 0 
2003 79 2399 0 
2002 218 294 5 
2001 79 748 4 
2000 62 1283 1 
1999 98 1297 7 
1998 46 869 9 
1997 0 119 2 
 Fonte: ABIFER 
Estima-se que em 2011 tenham sido investidos aproximadamente R$ 
100 milhões, segundo a Abifer, na produção de cinco mil vagões, o que 
representa um crescimento de 53%, quando comparado aos investimentos 
realizados no ano anterior. 
Sobre a produção de novas linhas, no Brasil existem dezesseis fábricas 
de dormente. Embora o país seja autossuficiente na produção de dormentes, 
importa da Europa e da China a totalidade dos trilhos. Estima-se que sejam 
necessários investimentos da ordem de R$ 1,5 bilhão para colocar em 
funcionamento uma fábrica de trilhos no Brasil. A Companhia Siderúrgica 
Nacional (CSN) produzia trilhos no país até 1996, mas cancelou essas 
operações pela falta de demanda. 
Outro foco do investimento é na eliminação dos gargalos logísticos. 
Esse tipo de investimento é feito por meio da parceria do governo com a 
iniciativa privada na busca de maiores investimentos para eliminar estes 
problemas, gerando benefícios sociais além de redução de custos para os 
concessionários. 
38 
 
De acordo com a CNT (2011), um dos principais problemas a ser 
equacionado no sistema ferroviário brasileiro é a invasão da faixa de domínio, 
que consiste em construções em áreas muito próximas aos trilhos, que obrigam 
as locomotivas a reduzirem bruscamente sua velocidade, além do risco de 
acidentes, há um maior desgaste do material. O segundo problema grave 
seriam as passagens de nível em situação crítica. Passagem em nível é o 
cruzamento de uma ou mais linhas com uma rodovia principal ou secundária, 
no mesmo nível. Por último, há os gargalos físicos e operacionais. Isso ocorre 
quando veículos, pedestres e composições ferroviárias usufruem de uma 
mesma via, podendo causar congestionamentos e acidentes. 
 
39 
 
2.4 Cenário ferroviário pós-desestatização 
Entre 1997 e 2011 a produção ferroviária passou de 136 bi de TKU para 
292 bi de TKU, um aumento de 87,5%. Os principais produtos transportados 
são o minério de ferro e o carvão mineral. Apenas esses dois produtos 
representavam aproximadamente 75% do total em 1997 e vem se mantendo 
estável em 2011. Pode-se assim concluir que não ocorreu uma diversificação 
dos produtos transportados, apesar do aumento da produção. A tonelada por 
km útil é um dos pontos de meta estabelecidos pelos contratos de concessão. 
Apesar de a produção ter quase que dobrado no período, segundo a ANTT, 
algumas companhias não conseguiram cumprir as metas em alguns anos, 
como a Ferroeste S.A, ALL Malha Oeste S.A. e a Transnordestina Logística 
S.A. 
 
 Fonte: ANTT (2012) 
Analisando o Gráfico 4, a tonelada útil aumentou de 253 milhões de 
toneladas em 2007 para 475 milhões, um aumento 219 milhões, uma variação 
percentual de 117%. O minério de ferro e o carvão mineral têm a participação 
de 76,7% do total em 2011, chegando a 360 milhões. 
111 111 107 118 122 125 136
155 165 184
200 208 185 213
22326 31 32
36 40 43
45
47 56
49
58 63 58
65 68
0
50
100
150
200
250
300
350
Gráfico 3 - Produção Ferroviária
(Bilhões de TKU)
Minério de ferro e Carvão Mineral Carga Geral
40 
 
 
 Fonte: ANTT (2012) 
Comparando o crescimento do PIB com o crescimento do transporte 
ferroviário de carga, pode-se observar que crescimento foi mais que o dobro do 
aumento do PIB. Isso demonstra que os investimentos foram fundamentais 
para o aumento da produtividade, que conseguiu manter um crescimento 
elevado. 
 
 Fonte: ANTT (2012) 
190 190 185 210 201 221
241 272 275
304 332 341 296
345 360
63 70 71
78 91 94
96
97
12
101
113 109
99
125 115
0
100
200
300
400
500
Gráfico 4 - Movimentação de Carga Transportada pelas Ferrovias 
(em milhões de TU)
Minério de ferro e Carvão Mineral Carga Geral
100103,1101,2
112,1
117,9
122,3
132,3
147,6
161,2
169,3
187,6
197,3
177,4
203
211,7
104,6106
108,8110
116,3
120
124,8
132,4
139,2139,5
149,9
154
Ín
d
ic
e
Gráfico 5 - Comparativo do Transporte Ferroviario de 
Carga x PIB (Índice base 100 em 1997)
TKU
PIB
41 
 
O Gráfico 6 trata dos índices de acidentes. O índice de acidentes é a 
segunda meta necessária para cumprir as obrigações contratuais. É possível 
observar um declínio acentuado entre 1997 e 2006, passando de 75,5 para 
14,7. A partir desse momento o número se estabiliza nesse patamar, 
mantendo-se praticamente inalterado. Segundo a ANTT, a ALL Malha Oeste 
S.A. e a Transnordestina Logística S.A. não conseguiram a redução necessária 
para cumprir as metas contratuais. 
 
 
 Fonte: ANTT (2012) 
 
Apesar dos altos investimentos para aumentar a produtividade, eficiência 
e redução de acidentes, segundo dados do IBGE, entre o período de 1996 a 
2007 ocorreu uma redução da malha ferroviária. Em 2007 a malha ferroviária 
possuía cerca de 28,6 mil km, dos quais 5 mil km inoperantes (ANTT). 
75,5
69,3
64,9
53,1
39,4
35,5 33,6
30,4 32,9
14,7 14,4 14,7 15,63 16,1 14,22
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Gráfico 6 - Índice de acidentes
(acidentes por milhão trens.km)
42 
 
 
 Fonte: IPEADATAPode-se concluir que os investimentos foram focados nos trechos que 
mais interessavam as concessionárias como usuários, não tendo ocorrido uma 
diversificação dos produtos transportados ou um aumento da malha ferroviária. 
As metas de produção e redução de acidentes foram cumpridas em apenas 
alguns trechos. Os outros trechos, de menor importância econômica para as 
concessionárias, foram abandonados. 
 
 
 
 
 
 
 
 
28.000
28.400
28.800
29.200
29.600
30.000
1
9
9
6
1
9
9
7
1
9
9
8
1
9
9
9
2
0
0
0
2
0
0
1
2
0
0
2
2
0
0
3
2
0
0
4
2
0
0
5
2
0
0
6
2
0
0
7
Gráfico 7 - Extensão da rede ferroviária
Km
43 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Em contexto de grande desorganização econômica da RFFSA e da 
FEPASA, ineficiências operacionais e a incapacidade do Estado de realizar os 
investimentos necessários, o setor ferroviário passou a ser foco de discussões 
se era necessário privatizar, o que ocorreu na segunda metade da década de 
1990. 
O principal objetivo, no momento que o modelo de concessão foi 
elaborado, partiu da premissa que era necessário reduzir as despesas do 
Estado, transferindo para a iniciativa privada as atividades que eram 
exploradas de forma ineficiente pelo setor público. 
A desestatização foi feita de forma apressada devido à gravidade da 
situação financeira da ferrovia e da crise econômica do Estado brasileiro, e 
tinha também como objetivo reduzir a participação do Estado na economia. 
Assim foram excluídas quaisquer obrigações de investimentos específicos, 
objetivando aumentar a atratividade das ferrovias e conseguir arrecadar um 
maior valor no leilão. 
Após a privatização, as concessionárias eram formadas pelos principais 
usuários da própria ferrovia, ligados a extração de minérios e indústria 
petroquímica. Esses produtos geralmente envolvem um grande volume e baixo 
valor agregado, de modo que o transporte ferroviário assume para esses 
produtos extrema importância. Ao assumirem o controle das ferrovias, elas 
teriam como fazer os investimentos necessários para revitalizar a malha 
ferroviária e aumentar sua eficiência. 
O contrato celebrado estabelecia metas de produção e redução de 
acidentes, que seriam revistas a cada 5 anos, mas não havia exigência de 
como o investimento deveria ser feito. Desse modo, os investimentos foram 
focados apenas nos trechos de maior rentabilidade e que eram importantes 
44 
 
para o transporte de seus produtos. Diversos trechos foram abandonados e 
hoje se encontram em situação igual ou pior à etapa pré-desestatização. As 
metas de redução de acidentes e de aumento de produtividade foram 
cumpridas apenas para parte da malha. 
Para evitar que as empresas concessionárias praticassem valores 
menores para si mesmas, o contrato continha uma cláusula de preço de frete 
mínimo e máximo. O frete máximo impedia que elas praticassem um preço 
mais alto para os outros usuários. Outro ponto importante celebrado no 
contrato, para o desenvolvimento ferroviário, foi o direito de passagem e o 
tráfego mútuo. O modo como o contrato trata esses dois pontos acarretou uma 
série de ineficiências, principalmente em relação aos outros modais de 
transporte. Alguns problemas como o transbordo da carga de uma composição 
para outra, e elevação do custo do frete e a falta de eficiência energética teriam 
sido evitados, se o assunto fosse pensado com mais cautela. 
Não há dúvidas de que a desestatização implicou melhorias para a rede 
ferroviária nacional e o Estado. Nos últimos 15 anos a produção mais que 
dobrou e o Estado deixou de arcar com os déficits recorrentes, que já 
totalizavam mais de 2 bilhões de reais (RFFSA). As metas de redução de 
acidentes foram cumpridas e diversos gargalos logísticos foram resolvidos. 
Mas, por outro lado, surgiu uma espécie de oligopólio privado, o que de 
certa forma levou à perda da função pública e social da ferrovia. Somente as 
ferrovias sob o controle da Vale e da CSN são responsáveis por 87,5% do total 
transportado. A malha ferroviária não foi ampliada e alguns trechos foram 
abandonados. Após 15 anos, não ocorreu uma diversificação dos produtos 
transportados pelas ferrovias. A participação de cada grupo de produtos se 
mantém praticamente de forma inalterada. O minério de ferro e o carvão 
mineral, que representavam aproximadamente 74,8% do total em toneladas 
transportado em 1997, após 15 anos mantiveram praticamente inalterado esse 
número, em 2011. Os mesmos produtos passaram a responder por 75,7% do 
total transportado. 
45 
 
A impossibilidade de reversão dos investimentos feitos pelas 
concessionárias funciona como um entrave para o investimento, principalmente 
ao se aproximar do término do contrato e a incerteza de que eles serão 
renovados. 
Não há dúvidas que o modelo de concessão atingiu alguns dos objetivos 
do Estado na época, como desonerar os gastos do Estado, que era incapaz de 
investir na malha ferroviária. Mas o processo de privatização falhou em muitos 
outros pontos, como a ampliação da infraestrutura e melhoria da 
competitividade do setor. E isso se deve em parte pelos contratos de 
concessão, que não foram feitos com a devida cautela. 
Atualmente o Brasil encontra-se em um momento de forte investimento 
estatal e participação na economia, e a ferrovia é um sistema de transporte 
extramente estratégico para o seu desenvolvimento, principalmente devido à 
sua extensão territorial e às características de sua produção. Portanto, hoje, as 
ferrovias estão muito aquém das necessidades do Estado e por isso o modelo 
de concessão deve ser revisto para atingir os outros objetivos. A atual malha 
ferroviária é insuficiente para atender um país com proporções continentais. Os 
gargalos logísticos e as ineficiências estruturais geradas pelo modelo de 
concessão adotado reduzem a competitividade do setor, principalmente em 
relação ao modal rodoviário. 
 
 
 
 
 
 
 
46 
 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
 
ANTT. Disponível em: <www.antt.gov.br>. Acesso em 1 agosto 2014. 
BRASIL (2011). Programade Aceleração do Crescimento - PAC. Parte 
4 Infraestrutura Logística, 11º Balanço, 2007 a 2010. Disponível em: 
<http://www.brasil.gov.br/pac/relatorios/nacionais/11o-balanco-4-anos>. Acesso 
em 2 maio 2012. 
CASTRO, Newton. Privatização do setor de transportes no Brasil. Rio 
de Janeiro, RJ, 1998 
CNT - Confederação Nacional de Transporte. Boletim Estatístico CNT. 
Brasília, DF, maio de 2011. 
CNT - Confederação Nacional de Transporte. Pesquisa CNT de 
Ferrovias 2009. Brasília, DF, 2009. 
 CNT – Confederação Nacional do Transporte. Plano CNT de Logística - 
Brasil.Brasília, DF, 2011. 
 
 COSTA, Mario V. O futuro sobre novos investimentos no setor ferroviário 
vai garantir transporte mais competitivo no Brasil. Desafios do Desenvolvimento 
IPEA, p. 16-23. Brasília, DF, out./nov. 2009. 
 
 DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE 
TRANSPORTES (DNIT). Histórico das ferrovias brasileiras. Disponível em: 
<http://www.dnit.gov.br/menu/ferrovias/historico>. Acesso em: 05 maio 2012. 
 
DURÇO, Fabio F. A Regulação do setor ferroviário brasileiro: Monopólio 
Natural, Concorrência e Risco Moral. São Paulo, SP, 2011 
IPEA. IPEADATA. Disponível em: <www.ipeadata.gov.br>. Acesso em 
2 maio 2012. 
 IPEA. Transporte Ferroviário de Cargas no Brasil: Gargalos e 
Perspectivas para o Desenvolvimento Econômico e Regional. Rio de Janeiro, 
RJ, maio 2010. 
 
MARQUES, Sérgio de Azevedo. Privatização do sistema ferroviário 
brasileiro. Brasília: IPEA, n. 434, 1996. 
 
 Ministério dos Transportes; Ministério da Defesa. Plano Nacional de 
Logística e Transportes - Relatório Executivo. Brasília, DF, nov. 2009. 
 
47 
 
 MORALES, Paulo Roberto Dias. Documento Setorial:Ferrovias. 
Relatório de Pesquisa do Projeto PIB: perspectivas de investimento no Brasil. 
 
SOUSA, Raimunda Alves de; PRATES, Haroldo Fialho. O processo de 
desestatização da RFFSA: principais aspectos e primeiros resultados. Revista 
do BNDES, Rio de Janeiro, n. 8, 1997. 
 
 VENCOVSKY, V.P. Sistema Ferroviário e o Uso do Território Brasileiro. 
Uma Análise do Movimento de Produtos Agrícolas. Dissertaçãode Mestrado, 
Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociência, UNICAMP, Campinas, 
SP, jan. 2006. 
 
VENCOVSKY, V.P. FERROVIA E LOGÍSTICA DO AGRONEGÓCIO 
GLOBALIZADO: Avaliação das políticas públicas e privadas do sistema 
ferroviário brasileiro. Tese Doutorado, Pós-Graduação em Geografia, Instituto 
de Geociência, UNICAMP, Campinas, SP, jan. 2011.

Outros materiais