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G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 123 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 Garantia literária: elementos para uma revisão crítica após um século Literary warrant: elements for a critical review after one century Mario BARITÉ1 Juan Carlos FERNÁNDEZ-MOLINA2 José Augusto Chaves GUIMARÃES3 João Batista Ernesto de MORAES3 R E S U M O Considerando o princípio da garantia literária, formulado por Hulme em 1911, para quem os termos de um sistema de classificação devem derivar antes da literatura a ser efetivamente classificada (o que se encontra documentado) do que de considerações puramente teóricas (classificações científicas ou filosóficas ou em uma suposta autoridade dos primeiros classificacionistas), observa-se uma ruptura com as concepções de Harris e de Dewey que, por sua vez, haviam se baseado em Bacon e Leibnitz. Deste modo, busca-se contribuir para uma síntese crítica do referido princípio como subsídio teórico aos estudos de organização do conhecimento. Para tanto, estuda-se a vigência deste princípio ao longo de um século por meio de distintos dados documentais (registro em dicionários, recuperação no Google etc.), reconhecendo-o enquanto elemento metodológico em sistemas de classificação e em padrões de registro. Nesse âmbito discutem-se os procedimentos top-down ou bottom-up de desenho de sistemas e se resenham três aplicações tradicionais da garantia literária, sugerindo-se três novas aplicações, em virtude de seu potencial metodológico. Tais aspectos levam a concluir pela crescente perspectiva de aplicação da garantia literária dentro e fora do campo da Ciência da Informação. Palavras-chave: Garantia literária. Sistemas de organização do conhecimento. Vocabulário controlado. A B S T R A C T This study contributes to a critical synthesis of the principle of literary warrant, initially formulated by Hulme in 1911. Hulme proposed that the terms of a classification system should be derived from the literature to be classified, rather than based on purely theoretical considerations. Founding literary warrant on literature which is actually documented rather than on scientific or philosophical classifications or on the supposed authority of the first classificationists implied a clear departure from the conceptions of Harris and Dewey, who had used the classifications of Bacon and Leibniz as models. The validity of this principle over the past century is studied by means of diverse documental data (entries in dictionaries, retrieval by Google, etc.), as it is recognized as a 1 Professor, Universidad de la República. Montevideo, Uruguay. 2 Professor Doutor, Universidad de Granada, Faculdade de Comunicação e Documentação. Granada, Espanha. 3 Professores Doutores, Universidade Estadual Paulista, Departamento de Ciência da Informação. Av. Hygino Muzzi Filho, 737, 17525-900, Marília, SP, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: J.A.C. GUIMARÃES. E-mail: <guima@marilia.unesp.br>. Recebido em 26/7/2010 e aceito para publicação em 23/8/2010. A RTIG O ARTIC LE M . BARITÉ et al. 124 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 main methodological element for classification standards and systems. This study also discusses the situation with respect to the top-down or bottom-up methodologies of system design. Three traditional applications of literary warrant are described as well as three new applications are suggested, in light of its methodological potential. It is possible to conclude that this principle will find increasing applications in other contexts, within and beyond Information Science. Keywords: Literary warrant. Knowledge organization systems. Controlled vocabularie. I N T R O D U Ç Ã O Este trabalho encontra fulcro em uma revisão crítica exaustiva da literatura acerca da garantia literária, princípio teórico-metodológico cunhado em 1911 pelo britânico E. Wyndham Hulme para quem “Literary warrant meaning that the basis for classification is to be found in the actual published literature rather than abstract philosophical ideas or concepts in the universe of knowledge or the order of nature and system of the sciences” (Hulme, 1911, citado por Chan et al., 1985, p.48). Após estabelecer as limitações que contribuem para a validação da terminologia realizada a partir das classificações científicas ou formais, tomando como exemplo a Química, Hulme enunciou que, [...] a class heading is warranted only when a literature in book form has been shown to exist, and the test of the validity of a heading is the degree of accuracy with which it describes the area of subject-matter common the class. Definition therefore, may be described as the plotting of areas pre-existing in literature (Hulme, 1911, p.447). Como se pode observar, a concepção original de garantia literária se sustenta na ideia nuclear de que a literatura de um domínio deve ser a fonte para extração e validação da terminologia a ser incorporada em um sistema de classificação, ou em qualquer outro sistema de organização do conhecimento. Vista sob esse prisma, a documentação atua como catalisadora do processo pelo qual se passa do estado-da-arte de uma disciplina ou espaço temático até a sua reconfigu- ração sob a forma de uma estrutura conceptual desti- nada à classificação e à indexação de documentos e recursos de informação de qualquer natureza, com vista a sua recuperação em face de demandas concretas de usuários com distintos níveis de instrução e com variados interesses e necessidades de informação. Nessa catálise, a documentação opera como o agente estável que sintetiza o conhecimento científico e especializado e o exibe para que o olhar experto dos classificacionistas sobre ele recaia, por meio de metodologias de construção previamente estabelecidas em normas, padrões ou mesmo acordos locais, de maneira a reapresentar esse conhecimento em sistemas de organização do conhecimento de diversas naturezas: sistemas de classificação, tesauros, listas de cabeçalhos de assunto, taxonomias, ontologias temáticas etc. O princípio da garantia literária teve um tratamento esporádico - e muitas vezes superficial - na literatura especializada da área, sendo considerado como carecedor de um marco teórico-metodológico que pudesse favorecer sua aplicação sistemática. Assim, nesse tímido e irregular transcurso ao longo de um século, passou por décadas de esquecimento gene- ralizado até que, mais recentemente, fosse revalorizada sua importância como respaldo terminológico a sistemas de organização do conhecimento e, inclusive, a estruturas de conceitos mais recentes, hierarquizadas com o apoio da tecnologia, tais como as ontologias e os diretórios de ferramentas de busca da Internet. Nesse contexto, e a partir da revisão de literatura realizada, foi possível identificar, entre outras, as seguintes questões ou carências: a) falta de estudos regulares sobre o estado de reconhecimento do princípio na literatura da área; b) os autores fazem apenas menções ocasionais e superficiais acerca do tipo de metodologia de delineamento de sistemas de organização do conhecimento, em cujo âmbito se enquadra a garantia literária; c) também não se realizaram análises detalhadas acerca das aplicações atuais e eventuais da garantia literária. À vista de tais aspectos, neste trabalho são descritas e avaliadas as características e possibilidades da garantia literária, assim como se desenvolve uma síntese crítica de possíveis respostas às três questões anteriormente mencionadas, tendo por objetivo geral identificar e resgatar os aportes diferenciais da garantia m12891131 Realce G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 125 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 literária, seja em seus componentes conceptuais, seja em seus componentes aplicativos, a partir da expe- riênciaacumulada no desenvolvimento de sistemas de classificação. Relativamente à primeira questão, vislumbram- -se alguns indicadores da vigência da garantia literária, tais como o seu registro em obras de referência es- pecializadas em Biblioteconomia e Documentação, assim como os resultados de buscas no Google. Observa-se sua menção específica como ferramenta orientadora em sistemas de classificação e em padrões de descrição. Com relação à segunda questão, se coloca o problema da localização da garantia literária acerca das técnicas mais usuais de concepção e desenvolvi- mento de sistemas de organização do conhecimento (top-down e bottom-up), e o modo em que essa situação é vista na literatura. No tocante à terceira carência, sistematizam-se três aplicações tradicionais da garantia literária na Biblioteconomia e também em outras áreas relacionadas à sistematização de vocabulários especializados, tais como a Terminologia e sua variante prática, a Termi- nografia, bem como se discutem novos âmbitos em que a garantia literária pode ser considerada uma ferramenta privilegiada de justificação e de avaliação de terminologia fundamentando, em cada caso, a contribuição que pode dar esse centenário princípio. G A R A N T I A L I T E R Á R I A Valorização Hulme sedimentou a concepção original do princípio da garantia literária em sua obra Principles of Book Classification, publicada na forma seriada no Library Association Record, entre 1911 e 1912 (Hulme, 1911/1912). No entanto, foi necessário que se pas- sassem quase quarenta anos para que essa obra fosse editada no todo em uma publicação independente da AAL (Association of Assistant Librarians), seguramente como resposta a uma necessidade lenta, mas latente, de permitir seu acesso e seu conhecimento (Hulme, 1950). E foram necessários ainda outros trinta anos para que se tivesse uma edição facsimilar, a cargo da Universidade de Michigan (Hulme, 1980). Há de se registrar que um reconhecimento efetivo à obra de Hulme ocorreu por ocasião da inclusão das partes de Principles of book classification referentes à garantia literária na coletânea teórica de Subject Analysis, editada por Chan et al. (1985). Na referida coletânea, os compiladores entenderam que a obra de Hulme havia dado conta com três critérios fundamentais de seleção: ênfase teórica, significado ou impacto científico e perspicuity, palavra inglesa que reúne a abrangência e a clareza de estilo. Como já mencionado, Hulme propugnou a ideia de que os termos integrantes de um sistema de classificação devem antes ser derivados da literatura a ser classificada que de considerações puramente teóricas (Foskett, 1996; Yee, 2001). Dito de outro modo, “a garantia literária pode ser geralmente caracterizada como o conjunto de tópicos ao redor dos quais uma literatura foi estabelecida” (Beghtol, 1995, p.31), e por isso encontra-se em condições de representar a estrutura conceptual de um domínio, uma vez que cada área de conhecimento conta com um corpo de literatura que lhe é específico e lhe configura. Por meio dessa visão, Hulme pode ser consi- derado o responsável por trasladar a fonte de autoridade (entendida como fonte de legitimação) dos com- piladores, tal como ocorria nos primeiros sistemas de classificação (a partir da supremacia do juízo de classificacionistas como Dewey, Cutter, Brown etc.) para o conjunto documental em uma dada área temática. Dessa forma, tem-se que o princípio de garantia literária não parte de uma organização do conhecimento apriorística ou baseada em aspectos formais da teoria da classificação. Também não propugna uma teoria do conhecimento própria à Biblioteconomia e Do- cumentação, uma vez que é a documentação que efetivamente atua como fonte de validação dos termos a serem incluídos em um sistema de organização do conhecimento, pois o que se classifica e se indexa são temas presentes nos documentos. Assim, a coerência desse pensamento se manifesta no sentido de que, se se compila uma bibliografia sobre um determinado tema, para Hulme estará assegurada a garantia do mesmo, por haver cumprido o teste de validação que exige, permitindo ainda estabelecer um valor quantitativo para essa garantia (Hulme, 1911). Trata-se, portanto, de uma visão racionalista e pragmática da classificação, que aponta para a interpretação e descrição de dados m12891131 Realce M . BARITÉ et al. 126 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 objetivos presentes em documentos reais, o que revela, ainda, a contribuição de Hulme ao pensamento científico em Biblioteconomia, assentando as bases daquilo que hoje se conhece como Bibliometria (Spinak, 1996). O fato de basear a garantia literária antes naquilo que se encontra efetivamente documentado do que em classificações científicas ou filosóficas do conhecimento ou em uma suposta autoridade científica dos classificacionistas, reforça a concepção de que o universo da documentação possui leis ou, pelo menos, manifestações diferentes das do universo das clas- sificações do conhecimento. Hulme firmou expressa- mente a ideia de que as classificações bibliográficas deveriam construir-se a partir de uma abordagem diferente das classificações científicas ou filosóficas do conhecimento. (Langridge, 1977; Xiao, 1994), uma vez que estas últimas, como destaca Pombo (1998, p.3), constituem uma “actividade filosófica autônoma, determinada por razões teóricas, especula-tivas, de conquista de uma mais rica compreensão das relações entre os saberes, ou visando efeitos normativos sobre as ciências da época”. Por sua vez, a documentação - e em especial a documentação científica - rege-se por lógicas próprias, relacionadas com o modo pelo qual os autores propõem, definem, privilegiam, intercambiam, acordam, associam e analisam criticamente os tópicos que estudam, em seus conceitos e denominações. Na documentação são expressos tanto os tópicos cujo estudo não perde vigência ao longo do tempo como os que já não denotam interesse para a pesquisa uma vez que conseguiram superar as incertezas, mas também aqueles que recebem um tratamento intenso, porém efêmero, em virtude de situações da realidade ou de necessidades concretas. E isso ocorre não apenas nas denominadas ciências em sentido amplo, mas, também, em qualquer outra área do conhecimento ou da atuação humana - desde a religião até o esporte - que, em virtude de seu desenvolvimento ou especialização, gere documentos (temáticos, regulamentares, interpretativos, de divulgação, etc.) em uma quantidade significativa. Essa visão implicou uma ruptura profunda com a concepção epistemológica em que se haviam baseado Harris, Dewey e seus seguidores, os quais haviam partido das classificações de Bacon e de Leibniz, entre outras, sem tampouco discutir se as classificações bibliográficas deviam estar diretamente inspiradas nas classificações científicas e especializadas, ou se deviam ajustar-se à natureza e à dinâmica da documentação, sem perder de vista as sistematizações próprias de cada disciplina e os avanços do conhecimento. Hulme foi o primeiro a estabelecer uma distinção entre uma teoria do conhecimento voltada à sistema- tização e à transmissão (a dos filósofos e científicos) e uma concepção pragmática, centrada na recuperação da informação a partir de uma “necessidade de res- gate do conhecimento registrado em documentos” (Guimarães, 2001, p.63, grifo do autor). Nesse sentido, Hulme pode ser visto tanto como um pioneiro quanto como “uma voz dissidente” (Mills, 2004) no universo dos primeiros pesquisadores que estudaram os processos de criação de sistemas de classificação para bibliotecas. Vale destacar que o propósito de Hulme não consistia em negar o valor ou mesmo a transcendência das classificações científicas nem sua condição de estatutos de referência para as classificações biblio- gráficas, mas sim empropor um novo enfoque, centrado antes na documentação propriamente dita que na ciência, na tecnologia ou nas disciplinas humanas e sociais. A noção introduzida por Hulme, na medida em que se refere à busca e extração de terminologia a partir da análise da documentação, assume não apenas um status empírico como, também, de representação do conhecimento. Sob um ponto de vista biblioteconô- mico, a garantia literária encontra-se estreitamente vinculada aos aspectos semânticos das formas de representação próprias à classificação e à indexação (descritores, cabeçalhos de assunto, notações classificatórias). Hulme, na essência de suas ideias, considerou os assuntos dos livros como “primitivos semânticos” de um sistema de classificação (Beghtol, 1986, p.114). Não obstante, igualmente os elementos de sintaxe e de relação (tanto semântica como funcional) que perpassam toda a organização conceptual do conhecimento, podem ser revelados e ressignificados a partir da aplicação de métodos de garantia na literatura (Foskett, 1996; Hjørland, 2005). O transcurso de um século de reflexão e de prática demonstrou que a garantia literária, a partir desse status, é capaz de servir a distintos propósitos e ir além do objetivo a que inicialmente se propôs seu idealizador (a seleção de termos de referência para a classificação e a indexação, a partir dos principais temas G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 127 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 presentes nos documentos), visto que o delineamento de tabelas ou esquemas de classificação não é o único espaço no qual esses aspectos semânticos, sintáticos e funcionais se fazem necessários. Uso Ao se analisar a literatura da área com uma perspectiva de cem anos (Barité, 2009), pode-se constatar que a produção acadêmica e profissional gerada pelo princípio da garantia literária foi relativamente escassa em volume, e manteve uma existência um tanto tangencial nos corpos teórico e metodológico do que hoje se chama Organização do Conhecimento. Ao seu favor, pode-se dizer que a produção de conhecimento não deixou de ser regular e estável a seu respeito, e que pesquisadores de renome, como Beghtol, Olson e outros, participaram das reflexões. Quase não se encontram referências à garantia literária na literatura da área na primeira metade do século XX (Barité, 2009). Avançando no tempo, alguns pesquisadores voltaram seu olhar para a obra de Hulme. Desta forma, no início dos anos 1960, Farradane (1961) convalida uma combinação de garantia literária e ponto de vista do usuário (user’s point of view) como justificável e desejável para as classificações especializadas. Na mesma linha, Lancaster julga a garantia do usuário como um complemento tanto ou mais valioso que a garantia literária “para a construção de vocabulários controlados eficientes para a recuperação da informação” (Lancaster, 1977, p.9). Raymond Knox Olding ministrou uma palestra na Universidade da Califórnia, em 16 de fevereiro de 1968, sob o título Wyndham Hulme’s literary warrant & information indication, que nesse momento deve-se ver mais como uma excentricidade pontual do que como um elo na continuidade da influência do pensamento de Hulme (Olding, 1968). Além de referências ocasionais, entre os anos 1950 e 1980, o nome de Hulme não era quase mencionado, e o termo literary warrant era “raramente encontrado na literatura da área” (Rodríguez, 1984, p.17). Outras provas das vicissitudes do princípio de Hulme podem ser dadas, que são também testemunho de sua tenaz sobrevivência: a) A partir da análise de quatro tesauros, ou similares, da área de Informação em língua espanhola, a saber, o Tesauro Latinoamericano en Ciencia Bibliotecológica y de la Información (Naumis et al., 1999), o Tesauro de Biblioteconomía y Documentación (Mochón; Sorli, 2003), o Tesauro de Ciencias de la Documentación (DOCUTES) elaborado na Universidad de León (Rodríguez Bravo et al., 2004) e o Vocabulario controlado en Bibliotecología, Ciencia de la Información y temas afines (Peniche, 1992), pode-se afirmar que os três primeiros não registram o termo ‘garantia literária’ e, portanto, não o consideram significativo na terminologia da área, nem assumem que - sutil ironia - conte com garantia literária suficiente, ou seja, um conjunto mínimo aceitável de documentos específicos centrados no tema, para justificar a sua inclusão. b) Uma busca de livros utilizando a expressão literary warrant, realizada com o uso do Google em 20 de março de 2010, obteve apenas 721 resultados, enquanto que a busca por garantia literária/garantía literária obteve 55 resultados, ainda que quase nenhum destes últimos tenha referência com o significado biblioteconômico do termo. Deve-se destacar que este mecanismo de busca realiza-se em fontes de texto parcial ou texto completo de livros e de publicações periódicas especializadas que estão disponíveis on-line, ou cujos conteúdos parciais estão voltados para a Internet e, portanto, têm uma cobertura extremamente ampla. c) A busca livre do termo em inglês, em espanhol e em português literary warrant e garantia literária) no conjunto de inúmeras fontes de informação manejadas pelo Google, também levada a cabo em 20 de março de 2010, obteve como resultado 28.499 e 329 impactos, respectivamente, cifras muito baixas por se tratar de um termo com estatuto científico4. Menos nebulosa é a visibilidade do tópico nas obras de referência da disciplina. Como exemplo, o termo é registrado por seis de oito dicionários e glossários importantes da especialidade que foram cotejados, correspondendo a seis menções a obras de referência que foram publicadas nos últimos vinte anos, e as duas omissões a dicionários anteriores a década de 1980. Com efeito, há registros no Glosario ALA de Bibliotecología y Ciencias de la Información (American 4 Buscas similares realizadas no mesmo dia, por termos estabelecidos na área obtiveram estes resultados: mutual exclusion, 870.000; subject analysis, 243.000; e information retrieval, 6.270.000. M . BARITÉ et al. 128 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 Library Association, 1988), no Concise Dictionary of Library and Information Science (Keenan, 1996), no Harrod’s Librarian’s Glossary of terms (Prytherch, 1990), no Elsevier’s dictionary of Library Science, Information and Documentation (Clason, 1973) na Encyclopedia of Library and Information Science (Drake, 2003) e no Dictionary for Library and Information Science (ODLIS) (Reitz, 2003), omitem sua menção Terminology of Documentation (Wersig; Neveling,1976) e o Diccionario de Bibliotecología (Buonocore, 1976). A reaparição da garantia literária como termo de referência nos dicionários mais recentes poderia confirmar uma maior atenção dos especialistas sobre o tópico. Apesar disso, o mérito maior pelo ressurgimento e pela justa avaliação do princípio de garantia literária como ferramenta metodológica deve ser creditado, em primeiro lugar, aos editores do Sistema de Classificação e Lista de Cabeçalhos da Biblioteca do Congresso e do Sistema Decimal de Dewey, e em segundo lugar aos responsáveis pela atualização do padrão norte- americano para a construção, formato e gestão de vocabulários controlados monolíngues (National Information Standards Organization, 2005). De fato, tanto o Sistema de Classificação da Biblioteca do Congresso como sua lista de cabeçalhos (Library of Congress Subject Headings) a reconhecem explicitamente como um de seus princípios ou alicerces fundamentais. Ambas as linguagens evoluíram e se expandiram considerando como referência direta a garantia literária do vasto fundo documental da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos (Rodríguez, 1984; Yee, 2007; Library of Congress, 2009). No caso da classificação de Dewey em particular, há que se distinguir duas fases na vinculaçãodo sistema com a garantia literária: uma, na qual o princípio de Hulme foi ignorado, e outra, na qual se verifica um crescente reconhecimento e desenvolvimento metodológico. Com respeito à primeira fase, existem várias razões para omitir a noção de ‘garantia literária’ de todo o processo de organização histórica do sistema de classificação de Dewey, pelo menos até o final dos anos 1960. A primeira é óbvia: o sistema foi formulado em suas bases fundamentais cerca de 35 anos antes de Hulme formular o seu princípio. Pode-se argumentar que Dewey viveu até 1931, e que podia tomar contato com o princípio e incluí-lo na base de atualização de seu sistema. Sem dúvida, não existem indícios de que isto aconteceu, nem há uma constante troca de correspondências entre Dewey e Hulme. Num segundo momento, embora a garantia literária constitua um princípio pragmático de atuação, e o sistema de Dewey constitua também um marco de sua visão prática, o certo é que esta inclinação para a realidade se dá em duas direções diferentes. Para Hulme, o pragmatismo de seu princípio estava mais voltado a resolver os problemas da organização do saber a partir da evidência dos conteúdos dos documentos do que a partir de teorias prévias do conhecimento, por mais cientificamente legitimadas que estivessem. Para Dewey, o pragmatismo se orientava desde a recuperação rápida do pedido do usuário. Na introdução da edição 15 em espanhol afirma-se que “uma classificação bibliográfica deve ter um caráter essencialmente funcional: é um meio para localizar as obras e não um sistema filosófico” (Dewey, 1955, p.xxvii), e que, neste sentido, deve servir de ponte para passar por cima dos debates próprios de cada especialidade, uma vez que “se deve lembrar que raramente os especialistas estão de acordo com respeito à classificação das matérias de suas especialidades” (Dewey, 1955, p.xxvii). Miksa (1998) destaca que somente a partir dos anos 1950 torna-se perceptível uma maior preocupação dos responsáveis pelo sistema de Dewey por incorporar elementos da teoria da classificação nas novas edições. Embora houvesse empenho na utilização mais sistemática da garantia literária na revisão dos esquemas de Dewey pelo menos desde a edição 16o em inglês em diante (Cockshutt, 1976), o certo é que na edição vinte revisada em espanhol, que corresponde à edição vinte em inglês, é introduzida pela primeira vez no Glossário, e de maneira expressa, a noção de garantia literária sob o título de ‘Respaldo na literatura’, e a define como “justificativa para a aparição de uma classe ou de um tópico nos Esquemas, Tabela ou Índice, baseada na experiência sobre o tópico” (Sistema de Clasificación Decimal..., 1995, p.xiv). Por outro lado, formaliza-se a inclusão de termos como “tópico em espera” (aqueles que não contam com literatura suficiente com respaldo para que tenham seu próprio número de classificação) e “nota de ‘em espera’”, que adquirem seu sentido dentro de um marco metodológico associado à garantia literária. Na edição seguinte, 21o em espanhol (Sistema de Clasificación Decimal de Dewey e Índice relativo, 2000), ampliada da mesma edição em inglês, o respaldo na literatura é uma referência constante ao G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 129 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 longo de toda Introdução e em outros setores do sistema. Este enfoque continua presente com a mesma intensidade na edição mais recente em inglês do ano de 2003 (Dewey Decimal Classification and Relative Index, 2003). Deve-se destacar que, para os responsáveis pelo sistema de Dewey, a medida de literatura suficiente sobre um tópico que justifique a inclusão de um número próprio de classificação, ou a conveniência de uma subdivisão do mesmo, é de vinte obras, medida que se manteve ao longo de trinta anos (Cockshutt, 1976; Beall, 2003). Por sua vez, o padrão norte-americano Z39.19- 2005, para a construção, conformação e gestão de vocabulários controlados monolíngues (National Information Standards Organization, 2005), de amplo reconhecimento internacional, situa a garantia literária como a principal ferramenta para a coleta e para a seleção de vocabulário, junto a outros dois tipos de justificativa: a garantia do usuário e a garantia organizacional. O padrão norte-americano define a garantia literária na seguinte conformidade: “justification for the representation of a concept in an indexing language or for the selection of a preferred term because of its frequent occurrence in the literature” (National Information Standards Organization, 2005, p.6). Como se pode ver nesta definição, o critério central se constitui na ocorrência frequente de um termo na literatura, o que leva a duas reflexões: a primeira, é que a garantia literária não parece ser entendida, neste caso, como formação de um corpo ou volume de literatura sobre um tema, mas como o surgimento recorrente de um tópico no corpo textual de uma especialidade. Neste sentido, a concepção da garantia literária parece mais perto da ‘garantia terminológica’ propagada, nos anos 1950, pelo Classification Research Group de Londres (Beghtol, 1986), anterior ao recorte conceitual proposto por Hulme. A segunda questão liga-se com a não- -proposição pelo padrão de nenhuma medida quantitativa para determinar a ‘ocorrência frequente’ de um termo na literatura, razão pela qual, em princípio, a decisão pela inclusão/exclusão fica a critério dos classificadores. Mais adiante, na seção 5.3.5 (Using warrant to select terms) aparecem algumas instruções operacionais para a utilização das três garantias (literária, do usuário e organizacional) de forma combinada, já que se propõe consultar: a) a linguagem natural, como forma de garantia literária; b) a linguagem dos usuários, como garantia do usuário; e c) as necessidades e as prioridades das organizações, como garantia organiza- cional (National Information Standards Organization, 2005, p.16). O teor da norma norte-americana Z39.19-2005 parece orientar-se por uma visão mais integrada das garantias, embora não determine em quais situações deve utilizar-se uma ou outra, ou se as três garantias podem ser utilizadas de forma indiscriminada nos processos de seleção e verificação de termos. Na seção 5.3.5.1 a norma estabelece que a garantia literária se avalia na revisão de fontes primárias e secundárias que o vocabulário utilizará para indexar, assim como na consulta de fontes de referência, tais como dicionários, manuais e outros vocabulários existentes para o domínio (National Information Standards Organization, 2005, p.16). Desta forma, estabelece-se um circuito de alimentação contínua entre as fontes que serão indexadas pelo vocabulário e o próprio vocabulário. As três garantias voltam a aparecer na seção 6.6., na qual são dadas instruções para a seleção de termos preferentes. Quanto à garantia literária, as diferenças que dizem respeito a edições anteriores do padrão são duas: 1) Amplia de certa forma as fontes de consulta aos serviços de resumos e indexação; 2) É dado um protagonismo maior à opinião dos usuários na escolha das categorias ou classes sob as quais se organizam os termos, a identificação de termos faltantes, incorretos ou obsoletos e a criação de novos termos. Desta forma, o padrão parece mostrar a preferência para uma maior utilidade da garantia literária na recopilação de termos e na seleção de termos preferentes, e por uma aplicação mais genera- lizada da garantia do usuário nos processos de verificação e seleção final dos termos. Este ponto de vista representa um avanço substancial e original na revisão de sistemas de organização do conhecimento, integrando-se com os dois atores que mais têm a dizer na entrada de uma nova terminologia: a documentação e os usuários. Uma referência inovadora às três garantias se dá na seção 10.2 na qual são enumerados os fatoresque afetam a interoperabilidade entre vocabulários. Neste ponto consta a seguinte advertência: “if the M . BARITÉ et al. 130 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 [three] warrants for each database / system are sufficiently different, there could be little commonality among the terms across the vocabularies or there could be different meanings for the same term without distinguishing qualifiers” (National Information Standards Organization, 2005, p.84). O padrão norte-americano de 2005 para vocabulários controlados monolíngues é chamado a provocar uma ruptura nas metodologias de criação e desenvolvimento de estruturas conceituais por várias razões. Uma delas se relaciona com a inclusão siste- mática dos três tipos de garantia mencionados (literária, do usuário, organizacional) como modalidades legiti- madoras da terminologia, indo além das regras formais de composição de termos (singular/plural, formas compostas etc.). Desta forma, oferece perspectivas para a pesquisa na matéria e para a exploração de interfaces entre as garantias e o uso efetivo da informação nos entornos digitais. Metodologia top-down ou bottom-up? Na literatura, identificam-se pelo menos três metodologias relevantes de criação de sistemas de organização do conhecimento (classificações, listas, tesauros, taxonomias, etc.): I) Abordagem top-down (top- down approach), que se apoia primordialmente no método dedutivo. Neste enfoque, os classificadores seguem um processo de divisão lógica do conhecimento, desde os conceitos mais gerais (normalmente as disciplinas ou subdisciplinas) aos mais particulares (os tópicos específicos). A abordagem ‘top-down’ costuma partir das classificações científicas e especializadas, e de outras classificações formais, uma vez que encontram nestes marcos as divisões tradicionalmente aceitas das macrodisciplinas e disciplinas. Da mesma forma que tais classificações, os sistemas organizacionais do conhecimento assim desenvolvidos são hierárquicos em grande medida, pois cada termo está subordinado a outro, e cada subclasse de elementos é um conjunto da classe imediatamente anterior (Cann, 1997). Estas hierarquias reproduzem as taxonomias que estão estabelecidas nas distintas disciplinas. Esta abordagem está associada ao desenvolvimento de sistemas como Dewey e CDD (Gnoli; Mei, 2006), embora também tenha dado suporte às classificações facetadas tradicionais, segundo alguns autores que se dedicam a explicar a metodologia de análise de facetas (Mills, 2004; Herring, 2007). II)Abordagem bottom-up (bottom-up approach), que utiliza em especial o método indutivo, uma vez que parte da coleta e da análise detalhada de casos, objetos, ou expressões da linguagem especializada, para obter uma estrutura organizada de conceitos. Esta abordagem centra-se na coleta dos termos que apa- recem na documentação ou são usados na comunica- ção e na prática cotidiana de uma comunidade de usuários, com o aval da opinião de especialistas (Farradane, 1950; Centelles, 2005). A coleta de termos pode ser exaustiva ou seletiva considerando os objetivos almejados. Uma vez cumprida esta coleta, os termos candidatos são agrupados segundo as classes a que pertencem, isto é, o conjunto homogêneo em função de pelo menos um de seus atributos mais distintivos. Para alguns autores, a metodologia facetada - em especial a que foi desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa de Clasificação (Classification Research Group o CRG) de Londres -, fez prevalecer esta abordagem (Quintarelli, 2005; Gnoli; Mei, 2006), uma vez que parte da decomposição dos objetos e das disciplinas em seus elementos ou constituintes. III) Uma abordagem híbrida, que se apoia na ideia de que as duas abordagens, a dedutiva e a indutiva, são necessárias para assegurar uma correta delimitação e organização de um domínio do saber. Esta abordagem combina elementos das metodologias top-down e bottom up, sem excluir outros métodos (Cann, 1997; National Information Standards Organization, 2005; Szostak, 2008). Argumenta-se que os enfoques ‘bottom-up’ e ‘top-down’ não são necessariamente excludentes. Cann, por exemplo, sugere iniciar uma análise de domínio pela primeira, uma vez que deste modo se assegura uma coleta adequada de termos candidatos em quantidade suficiente agrupando, a seguir, os termos em classes, de cima para baixo, formalizando estas classes a partir de uma perspectiva ‘’top-down’ (Cann, 1997). Outros autores como Yang et al. (2004) afirmam que a combinação dos dois enfoques torna-se a melhor solução para construir una classificação facetada. Neste sentido, surge a indagação: em qual destas três aproximações metodológicas deve situar-se a garantia literária? Para Rafferty, a seleção dos termos que se distribuem ao longo das sucessivas divisões (abordagem top-down) não está fundada - em princípio G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 131 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 - na garantia literária, a não ser no valor aceito nas classificações formais pré-existentes ou de certos supostos filosóficos e epistemológicos (Rafferty, 2001). Vários autores destacam que é o enfoque ‘bottom-up’ o que permite a inserção natural da garantia literária - ou de outras formas de garantia - como ferramenta de justificação (Cann, 1997; Prieto-Díaz, 2002; Miwa; Kando, 2007). Entretanto, existem exemplos na literatura nos quais a garantia literária é utilizada em projetos do tipo top-down: por exemplo, Hudon propôs uma metodologia para criar estruturas facetadas para organizar recursos em uma biblioteca virtual especiali- zada em Educação, usando uma abordagem dedutiva fortemente dependente da garantia literária (Hudon, 2007). Por outro lado, as metodologias de revisão utilizadas pelos responsáveis pelo Sistema de Classificação de Dewey, constituem de fato um caso no qual a garantia literária é utilizada para atualizar a terminologia de um sistema organizado segundo a abordagem top-down. Esta é uma discussão que ainda não se en- cerrou, talvez porque tampouco tenha sido suficientemente estudada na literatura da área. Na mesma linha, sente-se a necessidade de pesquisas que abordem, com certa profundidade, a articulação entre a garantia literária e a análise de facetas, o que resulta em algo no mínimo curioso, considerando-se que tratam de duas das metodologias mais reconhecidas no desenvolvimento de sistemas de organização do conhecimento, de cujo uso tratam estudos recentes que buscam a aplicação de ambas em ambientes digitais (Broughton, 2002; Hudon, 2007). Essa é uma discussão que ainda se encontra em aberto, talvez porque ainda não tenha sido suficientemente estudada pela literatura da área. Na mesma linha, percebe-se a necessidade de pesquisas que estudem com mais profundidade a articulação entre a garantia literária e a análise de facetas, aspecto ao menos curioso, considerando tratar-se de duas das metodologias mais reconhecidas no desenvolvimento de sistemas de organização do conhecimento a cuja vigência referem-se estudos recentes voltados à aplicação de ambas a recursos digitais. Aplicações tradicionais A partir da análise indutiva das modalidades de utilização da garantia literária como orientação metodológica (Barité, 2009), surgem pelo menos três aplicações tradicionais do princípio: 1) Teste de justificação (validação de termino- logia para o desenvolvimento de sistemas de organiza- ção do conhecimento. A garantia literária tem sido considerada tradicionalmente como uma ferramenta de validação de termos de classificação e indexação. Subjaz a este pensamento tradicional, alimentado desde sua origem por Hulme, que a garantia literária se associa com a análise termo a termo e não é compatível com o processo de construção da estrutura conceitual global de um domínio. Talvez por este motivo, não se chegou a um consenso sobrea qualificação deste princípio como uma expressão de uma abordagem top- down, bottom-up ou mista. A partir desta visão tradicional, parece mais adequada a utilização da garantia literária nos processos de revisão de sistemas de organização do conheci- mento, uma vez que, nestes casos, a atualização dá-se sobre notações ou termos de indexação pontuais ou, em uma aplicação mais extensiva, sobre uma classe ou um segmento (como ocorria nas antes denominadas “tabelas fênix” do Sistema de Classificação de Dewey). Sem dúvida, deveria considerar-se o potencial da garantia literária para justificar o desenvolvimento completo da estrutura de um domínio. Toda equipe de classificadores obriga-se a obter, como produto de seu trabalho especializado, uma estrutura conceitual que seja suficientemente representativa, seja da documen- tação da qual provém, seja do estado-da-arte da disciplina da qual trate, em termos de exaustividade e especificidade que se entendam necessários para a recuperação temática da informação (Lancaster, 1977; Iyer, 1995; Rafferty, 2001; Mai, 2004). Se, por exemplo, se pretende elaborar um sistema de classificação que contenha todas as crateras lunares de impacto nominadas, dois caminhos podem ser tomados: ou se elabora uma tabela formal e exaustiva que inclua as 1 517 crateras lunares de impacto nomi- nadas à espera que surjam documentação sobre elas (o que implica “copiar” a classificação científica pré- existente ou utilizá-la diretamente); ou se incluem somente aquelas que contam com garantia literária suficiente, uma vez que as que não a têm não requerem, em princípio, um termo de indexação ou um número de classificação próprios. Naturalmente, nesta última opção, a lista formal e exaustiva se converteria em reserva de eventuais termos de indexação, na medida em que M . BARITÉ et al. 132 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 se aumenta a garantia literária relativa a outras crateras de impacto. Existe uma ‘área problema’ na qual a garantia literária, junto com outras ferramentas de gestão de terminologia, principia a ser vista como uma ferramenta distintiva para assegurar uma adequada representação do conhecimento de um domínio especializado para a recuperação da informação: os espaços interdisci- plinares ou interdisciplinas. O problema de fundo a ser atendido, a partir da perspectiva da Organização do Conhecimento é que existe uma acentuada defasagem entre a realidade terminológica e conceitual dos espaços interdisciplinares emergentes e a das linguagens do- cumentais tradicionais (Williamson, 1998; Vaver, 2002). Como uma consequência natural da expansão de um espaço interdisciplinar que se consolida, surgem as bibliotecas e centros de documentação que dão cobertura às interdisciplinas, e que encontram dificulda- des sérias para representar o conhecimento contido nos documentos das novas áreas (Zipp, 1999). É perceptível que muitos dos espaços inter, multi, ou transdisciplinares vão se constituindo em conjuntos mais ou menos orgânicos do conhecimento em torno de um núcleo de conhecimento específico, ao qual se somam aportes de distintas disciplinas de base para formar “algo diferente”. Nos países anglo-saxões estes espaços são denominados Studies, e referem-se a expressões não-disciplinares do conhecimento (por exemplo: estudos da mulher ou de gênero, estudos asiáticos, violência doméstica, estudos do trabalho etc.). Em língua portuguesa não existe uma palavra aceita unanimemente para traduzir o termo Studies, uma vez que, em alguns casos, adequa-se bem o literal “Estudos”, e em outros, expressões mais genéricas como “Áreas” ou “Estudos interdisciplinares” podem ser utilizadas. Também há casos nos quais os vínculos interdisciplinares são tão sólidos e estáveis que deram lugar ao nascimento de novas disciplinas (a Astrofísica, as Ciências do Meio Ambiente, a Engenharia Genética, dentre outras). Existem várias ordens de problemas de representação do conhecimento em torno dos espaços interdisciplinares, ao menos dos que começam a ser tratados com a contribuição de certas formas da garan- tia literária. Em primeiro lugar, caber mencionar as dificuldades para estabelecer um corpus documental representativo e equilibrado, considerando-se o nível de dispersão disciplinar da produção especializada de uma interdisciplina, o que, além disso, expressa-se na dispersão de sua documentação em bibliotecas especializadas em distintas disciplinas. Este problema torna-se agudo nas etapas primárias de desenvolvimento do domínio, em razão de que, neste ponto, não surgiram revistas de melhor nível acadêmico, nem existe uma infraestrutura de comunicação suficiente (Barité, 2006). Em segundo lugar, constam dificuldades para distinguir a terminologia que é própria do espaço interdisciplinar da que pertença a alguma das disciplinas constituintes, inclusive da que está em trânsito da disciplina para a interdisciplina, mediante esforços complexos e experimentais de reconceitualização. Sobretudo quanto às áreas interdisciplinares com uma forte participação das ciências sociais, não é fácil encontrar conceituações ou denominações mais ou menos homogêneas dos tópicos, de tal modo que o alcance semântico de um termo pode expandir-se ou restringir-se em função de autores, correntes ou contextos concretos nos quais esse termo ganha valor de referência (Barité, 2006). Uma pesquisa pioneira, que permitiu estabelecer o território e as fronteiras de um domínio interdisciplinar a partir da documentação, é a conduzida por Zipp (1999) sobre a Geologia do Meio Ambiente, com o objetivo principal de identificar as publicações periódicas nucleares deste espaço interdisciplinar, para que sirvam de referência aos usuários de diversas procedências disciplinares. Para isso, utilizou-se de técnicas de análise de intercitações em periódicos de várias disciplinas envolvidas, cujos títulos foram sugeridos por bibliote- cários. Essas revistas especializadas correspondem a disciplinas e áreas temáticas tais como engenharia civil, química do meio-ambiente e medicina do meio- ambiente, dentre outras. 2) Respaldo a trabalhos terminológicos de conjunto. A relação entre garantia literária e Termino- grafia (aqui entendida como a vertente pragmática da Terminologia, encarregada, portanto, da produção de obras terminológicas dentre as quais se encontram os sistemas de organização do conhecimento) tem sido interdependente e indissolúvel ao longo do tempo. Como destaca com propriedade Cabré, “la do- cumentación está necesariamente presente no sólo en los inicios de un trabajo terminoló-gico, sino a lo largo de todo su proceso de elaboración. Y el producto final, que es la terminología elaborada, constituye también, a su vez, un documento” (Cabré, 1993, p.113). G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 133 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 Dito de outra forma, não é possível realizar um trabalho sério de recompilação da terminologia de uma área do saber sem apelar ao conhecimento prévio acumulado e registrado em documentos. As razões pelas quais um terminólogo deve ter como referência a documentação são extremamente variadas: a busca das formas gráficas e das definições do termo; a exploração da estrutura geral do domínio; a avaliação da qualidade de cada fonte; os contextos discursivos nos quais aparece o termo; a associação entre termos ou a afiliação de um termo a determinada corrente de pensamento, etc. Para um trabalho de terminografia (por exemplo, a elaboração de um dicionário especializado), há decisões a serem tomadas que têm pontos de contato estreitos com decisões relativas ao desenvolvimento de um tesauro ou uma lista de descritores: a identificação de formas equivalentes de um termo (sinônimos e quase sinônimos), a necessidade de resolver problemas de homonímia e polissemiaapelando aos contextos de aplicação dos termos, a situação hierárquica de um termo em respeito a outros, a inclusão ou exclusão de termos de um autor em função de seu reconhecimento suficiente por outros autores, dentre outros aspectos. Da mesma forma, uma das fases metodológicas primárias e necessárias no desenvolvimento de um trabalho terminográfico tradicional é a seleção do corpus, isto é, do conjunto de fontes documentais que se tomará como marco para a extração da terminologia. Muitas das questões - como as mencionadas - que estabelecem para a elaboração de um trabalho terminográfico, são resolvidas seguindo técnicas de aplicação similares com as da garantia literária, embora talvez a partir de uma ótica mais qualitativa. Entretanto, os observatórios de neologias terminológicas geralmente recorrem a técnicas quantitativas de frequência de palavras, tal qual as utilizadas em Biblioteconomia y Documentação, para selecionar expressões que prima facie podem ser vistas como neologismos5. Esta aplicação pode ser vista como uma prova do compar- tilhamento de espaços disciplinares que contam com a linguagem e com os documentos como ferramentas comuns de pesquisa para atingir propósitos similares. Entretanto, a aproximação de pesquisadores de Biblioteconomia à área de Terminologia tem permitido revelar a existência destas pontes invisíveis, e considerar a potencialidade de cruzamento de suas ferramentas metodológicas. De fato, os bancos de dados que sustentam a atualização de alguns sistemas de organização do conhecimento são, na realidade, bancos de dados terminológicos biblioteconomicamente orientados, como é o caso do Arquivo Mestre de Referência (‘Master Reference File’) da Classificação Decimal Universal (McIlwaine, 1996; McIlwaine, 1997). 3) Teste de justificação e validação de terminologia pontual: entende-se por estudo de terminologia pontual aquela que “tiene como centro de atención no todo un sistema de conceptos y denominaciones, sino un término aislado, o un pequeño número de ellos, y su realización implica llegar a una conclusión en plazos breves” (Alpízar, 1997, p.131). A situação mais comum se dá quando os responsáveis por um sistema de organização do conhecimento preparam uma nova edição, e devem tomar decisões sobre os termos de referência os quais serão excluídos, e os que serão incorporados ao mesmo (Yee, 2007). Outro âmbito de aplicação da garantia literária de terminologia pontual dá-se quando em uma biblioteca, ou sistema de bibliotecas, se planeja uma revisão local de um sistema de classificação, uma vez que este não atende à qualidade terminológica requerida pelo serviço e por seus usuários. Uma terceira situação, cada vez mais generalizada, corresponde à necessidade de enri- quecimento dos sistemas de relações de um tesauro ou de uma ferramenta similar, oferecendo novos sinônimos ou relações entre conceitos, em função da consulta registrada dos usuários ou do avanço do conhecimento. Este caminho também se abre para solucionar os casos nos quais se deseja proporcionar termos adicionais de acesso aos usuários, em sistemas de informação que utilizam a linguagem natural para a indexação. Nestes últimos exemplos, pode-se perceber claramente a aproximação entre os produtos da aplicação da garantia literária e entre as necessidades dos classifica- dores e dos usuários de documentos. Novas aplicações Além das três aplicações tradicionais vistas anteriormente, é possível identificar três novos âmbitos 5 Nesse sentido, veja-se o site do Observatório de Neologia do Instituto de Linguística Aplicada (IULA) da Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, Espanha: <http://www.iula.upf.edu/obneo/obpreses.htm>. M . BARITÉ et al. 134 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 que ampliam o território de uso da garantia literária, em razão de seu potencial metodológico, ou como uma extensão razoável de suas reais utilidades, a saber: 1) Extensão do teste de justificação relativa- mente às relações conceituais: o sistema de relações entre termos é um elemento essencial para dar consistência e coerência conceitual para um sistema de classificação. Neste ponto, deve-se perguntar se a garantia literária não é capaz de gerenciar novas técnicas, para garantir a pertinência das relações presentes nos sistemas de organização do conhecimento (de sinonímia, hierárquicas ou associativas). Uma ferramenta que pode ser construída a partir da garantia literária para o controle de formas sinonímicas, por exemplo, é chamada de “anel de sinônimos”, regulamentado em sua estrutura pelo padrão norte-americano para o desenvolvimento de vocabulários monolíngues controlados (National Information Standards Organization, 2005). O princípio de Hulme asseguraria não apenas a entrada no anel dos termos com suficiente respaldo na literatura, mas também a seleção do descritor ou termo preferente, como afirmado anteriormente. O processo de validação de relações hierárquicas ou associativas constitui-se numa operação delicada devido ao fato que, enquanto algumas relações entre conceitos estão fortemente consolidadas na documen- tação e no mundo do conhecimento, outras são ocasionais e, inclusive, manifestam-se em documen- tos, mas não foram convalidadas pela ciência (por exemplo, documentos que tratam sobre substâncias ou medicamentos que se encontrem em fase experimental). Existem relações entre conceitos que são permanentes em função de haver nexos ou vínculos estáveis entre os objetos aos quais se referem, devido a sua origem, suas propriedades ou características. Estas relações, denominadas paradigmáticas (Gardin et al., 1968; Tálamo, 1997) são as que deveriam ser obser- vadas em primeiro lugar, pois constituem a estrutura básica do sistema nocional de que se trata. Conforme a norma ISO 704, um sistema nocional permite que “les notions d’un domaine donné, prises dans leur ensemble, peuvent être présentées sous la forme d’un système où chaque notion occupe une place déter- minée” (International Organization For Standarization, 1987, p.4), com os objetivos de ordenar os conheci- mentos, precisar a relação recíproca entre as noções, unificar ou normalizar a terminologia e estabelecer as equivalências entre terminologias de idiomas diferentes. As relações que ocorrem em um sistema nocional (como um tesauro ou um sistema de classificação) devem estar expressas quando se deseja representar com fidelidade um domínio, porque aquelas determinam a estrutura conceitual - paradigmática - que foi sendo construída pelos especialistas ao longo do tempo. As relações ocasionais ou eventuais entre conceitos que se expressam na documentação, também chamadas de sintagmáticas (Gardin et al., 1968; Tálamo, 1997), não precisam ser transladadas para o sistema de organização do conhecimento, sempre que, em seu lugar, as linguagens pré-coordenadas ofereçam mecanismos ou sinais para sua conexão (por exemplo, sinais como “:” ou “+” na Classificação Decimal Universal). Existe, pois, um amplo espaço a ser explorado para determinar se a garantia literária pode ser utilizada como uma ferramenta útil para a distinção entre relações paradigmáticas e sintagmáticas, e para legitimar aquelas relações paradigmáticas que, por sua fortaleza e estabilidade, deveriam estabelecer-se em um tesauro ou em outro vocabulário, sob a forma de relações hierárquicas ou associativas. 2) Utilização da garantia literária em análise ou mapeamentos de domínios: o fato de que se pode reconstruir a estrutura conceitual de um domínio para sua organização dentro de um sistema de organização do conhecimento, a partir da identificação dos termos que representam o conteúdo dos documentos, possibilita considerar-se que, por este caminho, também se podem realizar mapeamentos de campos temáticos para diferentes finalidades e propósitos. Neste ponto, a garantia literária voltaa aproximar-se de outro filho dileto de Hulme: os estudos bibliométricos, que habi- tualmente partem de estudos de citações ou cocitações. A partir desta perspectiva, a garantia literária pode ser uma ferramenta analítica decisiva para a identificação dos termos nucleares (‘core topics’) e dos termos periféricos (‘fringe topics’) de um domínio. Os ‘core topics’ são os termos que expressam conceitos centrais ou nucleares de uma disciplina ou área do conhecimento. São aqueles termos que pertencem naturalmente ao domínio do qual se trata, e que, por este motivo, são em princípio candidatos naturais a descritores ou cabeçalhos temáticos em uma linguagem documental especializada da área. Por outro lado, os G ARAN TIA LITERÁRIA: REVISÃO C RÍTIC A 135 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 termos nucleares não podem faltar no mapa de um domínio; sua ausência é um indicador da qualidade relativa da ferramenta que se está construindo. Os ‘fringe topics’ são termos que representam conceitos satélites ou periféricos de um domínio. Apesar de integrarem o domínio, não estão no núcleo do mesmo e, portanto, podem ou não integrar o vocabulário do sistema. As análises de ocorrências de termos na literatura podem contribuir para a distinção entre ‘core topics’ and ‘fringe topics’. Neste ponto em particular, além da aplicação da garantia literária, talvez possa recorrer- se à opinião de especialistas e à garantia organiza- cional, no caso de uma terminologia própria de uma corporação ou organização, pois a opinião dos envolvidos diretamente como a linguagem especializada pode solucionar muitas questões nas quais haja dúvidas. É possível que a conexão entre diversas formas de análise de domínios sugerida por Hjørland (2002), em especial a ponte entre garantia literária e estudos bibliométricos, possa fomentar o desenvolvimento de uma metodologia de justificativa literária que auxilie na determinação das áreas nucleares e das áreas periféricas ou marginais de um domínio, uma questão de grande importância nos dias atuais. 3) A garantia literária como um dispositivo de avaliação de linguagens ou estruturas conceituais: tradicionalmente, a garantia literária é vista como um referencial para a extração de termos candidatos a integrar uma linguagem, porém, não como um caminho para a avaliação destas linguagens. De fato, estudos rigorosos que estabeleceram um marco conceitual para a análise comparativa e para a avaliação de esquemas de representação do conhecimento (Bingi et al., 1995, não citam a garantia literária). Sem dúvida, a avaliação de estruturas conceituais a partir da perspectiva da garantia literária pode auxiliar na avaliação da qualidade da terminologia utilizada nos sistemas de organização do conhecimento, através de indicadores tais como: pertinência; reconhecimento de especialistas; reconhecimento de usuários não especialistas; atualidade versus obsolescência; e representação idiomática. Em uma recente pesquisa exploratória, Good e Tennis (2009) adotam a análise métrica para a caracterização e a comparação de conjuntos de termos presentes em 22 sistemas de organização do conhecimento. Através desta análise, estabelece-se, também, o nível de sobreposição de termos com aqueles presentes em algumas folksonomias. Embora os autores proponham a denominação de “garantia termo-conjunto” (‘term-set warrant’) a este tipo de justificativa, também pode ser vista como um avanço dada a utilização da garantia literária na avaliação de esquemas de vocabulários controlados e de outras estruturas conceituais menos rigorosas, como as folksonomias. Este é um território no qual a pesquisa metodológica pode apresentar muitas contribuições. C O N C L U S Ã O Depois de cem anos de formulação, o princípio da garantia literária alcançou um amplo reconhecimento como uma ferramenta teórica e metodológica, a qual foi constantemente adotada nos processos de atualização de dois dos mais importantes sistemas de classificação mundiais, ao mesmo tempo em que é tomada como referência direta por um dos padrões mais reconhecidos da atualidade. Sem dúvida, são provas contundentes de sua utilização e projeção. Existem, entretanto, diferentes aspectos metodológicos e de aplicação relacionados à garantia literária que apresentam baixa produção científica. Sente-se falta, por exemplo, de estudos concludentes sobre: a) a situação do princípio de Hulme com respeito aos enfoques top-down e bottom-up de esboços de sistemas de organização do conhecimento; a autoridade que a garantia literária possa contribuir com o desenvolvimento de sistemas criados segundo a abor- dagem top-down, que é a modalidade tradicionalmente mais utilizada; c) a articulação entre garantia literária e análise de facetas, um vínculo que tem sido tratado de maneira superficial, inclusive por autores da categoria de Ranganathan (veja-se a este respeito a referência realizada por este autor em seu Prolegomena, Ranganathan, 1967, p.196); e , d) a contribuição que a garantia literária pode oferecer para a organização de folksonomias, ontologias temáticas, taxonomias, topic maps e outras formas de estruturação de pacotes de informação em formato digital. Por outro lado, apesar de feitas algumas considerações transversais a este respeito neste trabalho, a revisão sugeriu também que a garantia literária poderia ser insuficiente como única base para uma metodologia de construção de estruturas conceituais. M . BARITÉ et al. 136 TransInformação, Campinas, 22(2):123-138, maio/ago., 2010 Por isso, diversos autores propõem outras formas de garantia (garantia de usuário, garantia cultural, garantia organizacional, opinião de especialistas, etc.) para melhorar a qualidade de sistemas de classificação, de vocabulários controlados e de outras linguagens. Estas outras garantias poderiam demonstrar sua pertinência e complementaridade, enriquecendo o conceito original. A opinião de especialistas, em particular, é valiosa, pois permite avaliar as soluções encontradas por estes profissionais, uma vez que estes são, por sua vez, usuários qualificados dos sistemas de informação. Com relação às aplicações da garantia literária ao longo do tempo, observa-se que são centradas em oferecer, principalmente, formas de justificativa para a seleção de termos nos processos de elaboração ou revisão de sistemas de organização do conhecimento, embora tenha sido utilizada de fato no desenvolvimento de trabalhos terminográficos gerais ou pontuais de um domínio. Este é um ponto de coerência e constância oferecido pela prática, que permite situar a garantia literária no âmbito metodológico dos sistemas de organização do conhecimento, e em áreas relativamente próximas à Organização do Conhecimento, nas quais se necessita do apoio da documentação para respaldar um trabalho da área. Por isso, é possível prever que o princípio será utilizado de forma crescente em outros contextos de informação, inclusive em outros contextos que não o da Ciência da Informação. Sugerem-se três âmbitos nos quais a garantia literária possa ser aplicada: a) como justificativa das relações presentes em um sistema de organização do conhecimento; b) como respaldo a mapas de domínios; como dispositivo de avaliação de estruturas conceituais. Uma pesquisa mais ampla nessas direções poderá acrescentar resultados e conclusões sobre os limites destas possibilidades. Em todo caso, a revisão de literatura demonstra, finalmente, que a garantia literária é um conceito aberto e em plena evolução, e que se manteve vivo um século depois de sua formulação, talvez porque consiga expressar uma visão dinâmica do avanço do conhecimento. Sua sobrevivência em uma área como a da Ciência da Informação, que precisou remodelar-se profundamente em razão das mudanças tecnológicas, sociais e epistemológicas que se produziram com forte impactoem poucos anos, mostra também a força da ideia de Hulme, e sua vocação para a universalidade. O fato de sistemas (como a Classificação de Dewey, a classificação e a lista de cabeçalhos da Biblioteca do Congresso) e padrões da categoria da norma National Information Standarts Organization (NISO) a terem assumido como uma orientação metodológica principal assegura que a garantia literária terá, nos próximos anos, uma projeção crescente na Organização do Conhecimento. R E F E R Ê N C I A S ALPÍZAR, R. ¿Cómo hacer un diccionario científico-técnico? Buenos Aires: Memphis, 1997. AMERICAN Library Association. Glosario ALA de Bibliotecología y Ciencias de la Información. Madrid: Díaz de Santos, 1988. BARITÉ, M. La garantia literaria: revisión crítica y propuesta teóri- co-metodológica. 2009. 255f. Dissertação (Mestrado) - Universidad de Granada, España, 2009. BARITÉ, M. La gestión de la terminología de áreas interdisciplinarias en unidades de información especializadas. In: ENCUENTRO DE EDIBCIC, 7., 2006, Marília. Marília: UNESP, 2006. 1 CD-Rom. BEALL, J. 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