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SENADO FEDERAL SECRETARIA ESPECIAL DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES SUBSECRETARIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA 3ª edição, revista e atualizada até a EC 48/05 BRASÍLIA - 2005- Capa: Palácio Monroe, Rio de Janeiro - RJ. Inaugurado em 23/07/1906, foi sede da Câmara dos Deputados (1914-1922) e do Senado Federal (1925-1960). Em 11/10/1975, o Presidente Ernesto Geisel autorizou o Patrimônio da União a providenciar a demolição do Palácio Monroe, sob o argumento de que atrapalharia o trânsito e as obras do metrô. Em 1976 o Palácio foi demolido. M i randa, Henrique Savonitti M672c C u rso de d i re ito constitucional I Henrique Savonitti M i randa; Prefácio do Ministro Carlos Mário da Silva Velloso.-- 3. ed., rev. e atual. Brasília : Senado Federal, 2005. 725 p. I SBN 85-70182-40-6 1 . Direito Constitucional 2. Di reito Constitucional positivo 3. C iência do Di reito Constitucional 4. Hermenêutica e I nterpretação Constitucional. Editor: Senado Federal Impresso na Secretaria Especial de Editoração e Publicações Produzido na Subsecretaria de Edições Técnicas Diretor: Raimundo Pontes Cunha Neto Praça dos Três Poderes, Via N-2 Unidade de apoio 111 CEP 70165-900 Brasília, DF Telefones: (61) 3311-3575, 3311-3576 e 3311-3579. Fax: (61) 3311-4258 E-mail: ssetec@senado.gov.br : Para Guilherme e /sabe/a que, na alegria do sorriso ou na irreverência do protesto, estimulam, ensinam, divertem, realizam. A Constitu ição sintética possui um número reduzido de d ispositivos e busca controlar o poder estatal, estabelecendo os pri ncípios gerais e as regras que irão determ inar a organiza ção do Estado, a forma e os limites de exercício do poder. A Constitu ição analítica, por sua vez, é aquela que trata de matérias que não são substancialmente constitucionais, além de estabe lecer programas a serem perseguidos em busca de uma sociedade melhor, sem dizer, objetivamente, como isso será efe tivado. São Constitu ições sintéticas, a americana de 1 787 , as chilenas de 1 833 e 1 925, a dominicana de 1 947 e a francesa de 1 946. Por outro lado, são analíticas as Constituições mexicana de 1 9 1 7, i ndiana de 1 950 e portuguesa de 1 976. Exemplo clássico, ainda, de constituição analítica é a Car ta bras i leira de 1 988, que conta, atualmente, com 344 art igos (sendo 250 do Texto Constitucional permanente e 94 do Ato das Disposições Constitucionais "Transitórias" que, diga-se de passagem , até hoje vem sofrendo emendas) . Tal fato deveu-se ao momento h istórico pelo qual su rgiu nossa atual Constituição e do equ ívoco do legislador consti tuinte em pensar que, inserindo o maior número possíve l de dispositivos na Constituição, os direitos ali veiculados estariam automaticamente protegidos. Entre os exageros do legislador da Carta da República de 1 988 podemos lembrar o parágrafo 2º do art . 242 , ao prescrever que "o Colégio Pedro 11, localizado na cidade do Rio de Janeiro, será mantido na órbita federa f'. 66 Curso de Direito Constitucional Capítulo 111 ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• PODER CONSTITUINTE 1 . NOÇÕES INICIAIS Para José Crete l la Jún ior, o Poder Constituinte apresen ta-se como "o órgão legis lativo do Estado, dotado de autoridade política, cuja f ina lidade é a de criar a Constituição ou de revê-la , o que só ocorre nos casos de Constitu ição ríg ida"29• Ce lso R ibeiro Bastos o def ine como "aquele que põe em vigor, cr ia, ou mesmo constitui normas ju ríd icas de valor cons titucional . Com efeito, por ocuparem estas o topo da ordenação ju ríd ica, sua criação suscita caminhos próprios, uma vez que os normais da formação do direito, quais sejam, aqueles ditados pela própr ia o rdem ju rídica, não são uti lizáveis quando se trata de e laborar a própria Constitu ição"30 . M ichel Temer ens ina que, o Poder Constitu inte , que deriva do "poder de constituir" , consiste na "manifestação soberana de 29 C RETELLA J R. , J osé. Elementos de d i reito constitucional . Rio de Janeiro : Forense, 1990. p. 89. 30 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo : Saraiva , 1999. p. 20. 67 vontade de um ou a lguns ind iv íduos capazes de fazer nascer um n úcleo social"31. Para e le , tais noções refug i riam da preocupa ção do ju r ista, na medida em que tal fato dar-se- ia em momento anter ior à formação do Estado. Ass im também é o pensamento · de g rande parte da Dogmática ju r íd ica mundial que conta, en tre tantos, com os ensinamentos de Celso Antôn io Bandei ra de Mel lo e Lu ís Recaséns Siches, como veremos a segu i r. Ressalte-se que o Poder Constituinte referido por Celso R ibe i ro Bastos e M ichel Temer é apenas o que dá i n ício a uma nova ordem estata l: o Poder Constituinte originário. Este , não se confunde com o Poder Constituinte derivado, que é aque le que se manifesta quando da necessidade de proceder-se a lguma alteração no Texto Supremo que inaugura o Estado e busca seu fundamento de val idade no poder anterior, conforme adiante será abordado. 2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE A natureza do Poder Constitu inte é tema bastante controver tido na Dogmática jurídica mundial . Os autores de cunho normati vista· não reconhecem exist ir juridicidade nesse Poder, atribuindo lhe características h istóricas e pol íticas, af i rmando que sua origem advém da força ou energia social. Assim sendo, não seria objeto de estudo da Ciência do Direito, mas de outros ramos do conheci mento humano que se preocupam com esses dados sociais. Outros autores, ent retanto, como o abade E m manue l Joseph Sieyês, sustentam a ju r id ic idade do Poder Constitu i nte, atribu indo- lhe uma expl icação jusnaturalista. Celso Antôn io Bandei ra de Mel lo manifesta-se: "A pr imeira inqagação que ocorreria é se o Poder Constituinte é um Poder Jurídico ou não. Se se trata de um dado interno ao mundo do d i reito, ou se, pelo contrário, é algo que ocorre no plano das rela- 31 TEMER, M ichel . Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 31. 68 Curso de Direito Constitucional ções pol ítico-sociais, mu ito mais do que no plano da real idade do d ireito. E a minha resposta é que o chamado Poder Constitu inte orig inário não se constitui num fato ju rídico. Em rigor, as carac terísticas, as notas que se apontam para o Poder Constitu inte, o ser incondicionado, o ser ilimitado, de conseguinte, o não conhecer nenhuma espécie de restrição, já estão a indicar que ele não tem por referencial nenhuma espécie de norma jurídica, pelo contrário, é a parti r dele que vai ser produzida a lei suprema, a norma jurídica suprema, o texto constitucional; tem se conc lu i r que o Poder Constitu inte é algo pré-jurídico, precede, na verdade, a formação do di reito" 32 (grifas nossos) . Na mesma l i nha de racioc ín io, Recaséns Siches afi rma que ta l problema não poderia ser explicado pelo puro ju rista, na medida em que este move-se dentro do campo do ordena mento jurídico positivo. Produzido o fato vio lento que arru ína o sistema, ele sente como se estivesse destru ída a esfera onde morava. "Poderá transportar-se para a nova esfera , para o novo sistema cr iado pelo movimento tri unfante; mas não poderá adu zir para isto razões ju rídico-positivas, mas sim outro t ipo de ra zões (h istóricas, pol íticas, sempre em conexão com pontos de vistas est imativos)"33. F ina lmente, cremos que seja pert inente referi rmo-nos ao pensamento de Georges Burdeau, que - em posição diame tra lmente oposta aos demais - aponta três características es senciais ao Poder Constituinte: "É inicial, porque nenhum outro poder existe acima dele, nem de fato nem de d i re ito,exprim indo a idéia de d i re ito predominante na coletividade; é autônomo, porque somente ao soberano (titu lar) cabe decid i r qual a idéia de dire ito prevalente no momento h istórico e que moldará a es trutura ju rídica do Estado; é incondicionado, porque não se 32 M ELLO, Celso Antôn io Bandei ra de. Revista de d i reito constitucional, v. 4, p. 69. 33 RECASÉNS SICHES, Lu ís. Tratado general de filosofia del derecho. 2. ed. M éxico: Porrúa, 1953. pp. 297-8. Poder Constituinte 69 subord ina a qualquer regra de forma ou de fundo. Não está regido pelo direito positivo do Estado (estatuto jurídico an terior) , mas é o mais brilhante testemunho de um direito anterior ao Estado. Para Burdeau seria paradoxal recusar a qual idade jurídica de um poder mediante o qual a idéia de di reito se faz reconhecer e , por conseqüência, se impõe no orde namento ju rídico i ntei ramente"34 (grifos nossos) . Note-se o n ítido caráter jusnaturalista do pensamento de Burdeau, ao afi rmar que o Poder Constitu inte "é o mais br i l han te testemun ho de um d i re ito anterior ao Estado" . Ass im, para a lguns autores, como Celso Antôn io Bandei ra de Mel lo, Recaséns Siches, M ichel Temer e Celso Ribeiro Bas tos, o Poder Const itu i nte or ig inário possui natu reza metajurídi ca, por não encontrar fundamento em d i re ito (natu ral ) anter ior, mas em uma manifestação social . Para outros, como Georges Burdeau e Emmanuel S ieyês o Poder Constitu inte or ig i nário ter ia natureza jurídica, advindo do Di reito natu ral . Como agora veremos, Sieyês defendia que o poder de fazer a Constitu ição seria um direito natural da bur guesia , por ser e la quem suportava todas as atividades produ tivas do Estado. O que todos concordam é que, pelo caráter de inicialida de do Poder Constituinte orig inário, este jamais poderá bus car fundamento em Direito posit ivo anterior. Assim, ou o Poder Constitui nte or ig inário terá fundamento em Di reito natural (va lores eternos e un iversais), ou em manifestações sociais não explicáveis pelo Cientista do Di re ito. 2.1. O pensamento de Emmanuel Sieyes Na árdua tarefa de invest igação acerca da natu reza do Poder Constitu inte , necessitamos incursionar pelo pensamen- 34 B U RDEAU, Georges apud BASTOS, Celso R ibe i ro. Curso de direito constitucional . 20. ed . São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25. 70 Curso de Direito Constitucional to do abade Emmanue l Joseph S ieyês ( 1 748-1 836), manifes tado por u m pequeno panfleto int i tu lado Que é o Terceiro Es tado?, pub licado sem o nome de seu autor no i níc io de jane i ro de 1 789, que acabou por tornar-se um dos def lag radores da Revo l ução Francesa, g raças ao seu teor de re ivindicação bu rg uesa contra o privi légio e o absol utismo. Segu ndo as l i ções de Celso Ribei ro Bastos, para Sieyês, "a nação (ou o povo) se identif icava com o Terce i ro Estado (ou a burguesia) . Demonstrava isto, afirmando que o Terce i ro Estado suportava todos os trabal hos particu lares (a at ivida de econôm ica, desde a exercida na indústria, no comércio, na agricu ltura , e nas profissões c ientíficas e l iberais, até os serviços domésticos) e a inda exercia a q uase-totalidade das funções públ icas, exclu ídos apenas os l ugares l ucrativos e ho noríf icos, correspondentes acerca de um vigés imo do total , os quais eram ocupados pelos outros dois Estados, o c lero e a nobreza, p rivilegiados sem mérito. A classe priv i legiada cons titu ía um corpo estranho à nação, que nada fazia e poder ia ser suprimida sem afetar a subsistência da nação; ao contrário, as coisas só poderiam andar melhor sem o estorvo deste corpo i ndolente" . E conclui: "O poder constituinte é , assim, um poder d e di reito, que não encontra lim ites em direito positivo anterior, mas apenas e tão-somente no d i reito natural , existente antes da na ção e acima dela . Além disso, o poder constituinte é inal ienáve l , permanente e incondicionado"35. Suas idé ias reivindicavam uma representação por meio de deputados que pertencessem, realmente, ao Terceiro Estado, e le itos por seus integrantes e que comporiam o parlamento igual itar iamente , ao lado dos representantes das outras duas classes (nobreza e clero) . Para isso, necessitava-se de uma 35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. pp. 21-2. Poder Constituinte .71 Constitu ição que def in isse as formas, os órgãos e as funções do Estado, bem como a manei ra de exercício do Poder36. Para Sieyês, o Tercei ro Estado era uma nação completa , porque o que se precisava para que uma nação subsistisse e prosperasse eram trabalhos particu lares e funções públ icas e isto, como vimos, a burguesia detinha. Em belíss imo trecho de sua obra, Emmanuel S ieyês afi r ma que "em toda nação l ivre - e toda nação deve ser l ivre - só há uma forma de acabar com as d ife renças, que se produzem com respeito à Const itu ição. Não é aos notáveis que se deve recorrer, é a própr ia nação. Se p recisamos de Constitu ição, devemos fazê- la . Só a nação tem d i re ito de fazê- la . Se temos uma Constitu ição, como a lguns se obst inam em afi rmar, e que por e la a assemblé ia geral é d iv id ida , de acordo com o q ue p retendem , em três câmaras de três ordens de cidadãos, não podemos, por isso de ixar de ver que existe da parte de uma dessas ordens uma rec lamação tão forte , que é i mpossíve l avançar sem ju lgá- la . E quem é que deve resolver tais d iver gências?"37 . 36 Moacyr Amaral Santos, em primoroso estudo sobre o Poder Constituin te, ensina que: " Em seu l ivro Manifesto, empenhou-se Sieyês em salien tar o anacronismo do absolutismo vigente, reg ime de privilégios odiosos sustentado por um injusto sistema de votação por estamentos, que fazia prevalecer a vontade da nobreza e do clero em detrimento do Terceiro Es tado( . . . ) O abade de Chartres, contudo, se consagrou no mundo jurídico por ter tido a primazia de conceber a existência de um poder criador da Constituição, poder estabelecedor da organização pol ítico-jurídica do Es tado, que denominou Poder Constituinte. Sobre esse poder que antecede a Constituição, poder não compreendido entre os poderes constituídos, o i lustre Cura desenvolveu longamente seu pensamento nas páginas do seu citado opúsculo. Do tema ainda cuidou em estudos esparsos e em pronunciamentos feitos perante a Assembléia Nacional Francesa". Cf.: SANTOS, Moacyr Amaral. O poder constituinte . p. 20. 37 S I EYES, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa . Trad.: Norma Azevedo. 4. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001. p. 45. 72 Curso de Direito Constitucional 3. TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE A q uestão da titu laridade do Poder Constitu i nte encontra se absolutamente atrelada ao problem� de sua natureza. Conforme demonstrado por trechos extraídos das obras de juri stas i nternacionais de renome - e, também , para que sejamos coerentes com a l i nha de raciocín io que vimos desen volvendo desde nosso pr imei ro capítu lo - encontramo-nos em consonância com o pensamento de Celso Bastos, que af i rma "parecer certo conclu i r que o poder constitu i nte não é um poder juríd ico e , em conseqüência, não existe um problema de sua titular idade dentro da ciência do D i re ito"38 . Exp l icitemos melhor, uti l izando as palavras de Jorge Rei- naldo Vanossi: "A i nterrogação sobre a titu laridade, o sujeito do ,Poder Constitu i nte, aponta sobretudo o plano das crenças. E uma questão cuja resposta é dada pela filosofia política. Quem detém o Poder Constitu i nte? A quem pertence? A quem cor responde? Quem é o titu lar? Isto só pode ser respondido nos termos de crença, que são os termos da legitimidade. A legit im idade, como bem diz ia Weber, é a crença numa certa lega l idade. Portanto, ao problema da titu lar idade do Poder Cons titu inte correspondem tantas respostas quantas posturas filosófico-políticas possam ser imaginadas. Antigamente , na época do apogeu das crenças teocrátic�s , em que se af i rn:ava que todo o poder provinha de Deus, obv1a�ente que ta�be� o Poder Constituinte provinha de Deus. Nas epocas monarqUico aristocráticas, o Poder Constitu inte provinha do rei , da nobre za; ou seja, dos estamentos privi leg iados; ao passo que, nas concepções democráticas, o Poder Constituinte pertence ao povo, entendendo por povo a cidadan ia que se expressa de forma d i reta ou representativa através do sufrágio un iversal" . 38 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de d ire.ito constitucional . 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 28. Poder Constituinte 73 E conclui: "No século atual , com a aparição dos fenômenos totalitários, o tema da titularidade do Poder Constituinte cobra nova atualidade, devendo ser encarado atendendo às novas pos turas que têm aparecido; por isso, hoje, pode-se dizer que há duas respostas ao tema da titularidade do Poder Constituin te: a resposta autocrática e a resposta democrática. A respos ta autocrática fará fundar a titularidade do Poder Constituinte no princípio minoritário. Ao passo que a resposta democrática ubica rá a t �tul��ida�e do , Poder Constituinte no princípio majoritário. oque s1gn1f1ca 1sto? E que para as novas tendências autocráticas o Poder Co.nsti�uinte sempre vai estar protagonizado como sujeito P?� uma m1nona, bem seja, por uma minoria de raças, de reli g•ao, de classe social, de grupo militar que detenha o poder ou uma .. �inoria oligárquica econômica. Já, para a concepção democrat1ca, o Poder Constituinte residirá sempre na soberania do . P�",o� que se expressa através de um princípio precisamente�aJO�Itano, que é o da metade mais um e que requer uma veri f!caçao do �r�cesso através do único mecanismo possível , que e o das ele1çoes. Enquanto as tendências autocráticas falam do assentime�to popular, as tendências democráticas só podem falar do �onsent1mento popular. Assentimento é assentir, tolerar, aceitar resignadamente. Com isto, os autocratas invocam a presença do pov�, mas não indicam o seu consenso. Ao passo que na demo cracia, requer-se uma verificação concreta, objetiva, matemática, do conse.nso que só pode se realizar através de eleições livres, como me1o de absoluta liberdade de expressão"39 (gritos nossos). 4. AGENTES DO PODER CONSTITUINTE . . M�noel Gonçalves Ferreira Filho chama a atenção para a d1st1nçao que deve haver entre os temas da "titularidade" e dos "agentes" do Poder Constituinte . 39 VAN OSS I , Jorge Reinaldo. Revista de direito constitucional v 1 pp 16-7. ' . ' . 74 Curso de Direito Constitucional Para ele , o agente do Poder Constituinte seria o homem ou o grupo de homens que, em rep resentação do titular (nas concepções democráticas, o povo) e labora a nova Lei Funda mental de um país. E , nesse diapasão, chama a atenção para duas conse qüências importantes que surgem da diferenciação entre titular e agente: "Uma, a de que o Poder Constituinte do titular perma nece, não se exaurindo depois de sua manifestação, enquanto o do agente se esgota, concluída a sua obra . Outra , a de que a obra do agente está sempre sujeita a uma condição de eficá cia. Com efeito, antes disso não é uma verdadeira Constituição, para seguir as l ições de Kelsen"40. 5. ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE Examinadas as questões da natureza, da titularidade e dos agentes do Poder Constituinte, cabe-nos versar sobre suas es pécies, bem como quanto à forma de sua uti lização. A dogmá tica constitucionalista pátria distingue duas espécies de poder constituinte: o originário ou genuíno e o derivado ou cons tituído. 5.1 . Poder constituinte originário O poder constituinte originário apresenta-se como a prerro gativa de elaboração da nova ordem estatal . Possui três caracte rísticas fundamentais: é inicial, autônomo e incondicionado. A inicialidade do poder constituinte originário advém de seu caráter revolucionário. Seu surgimento representa uma ruptura com a ordem jurídica estabelecida anteriormente. Tanto assim que ele é o responsável pelo surgimento de um novo Estado, na hipótese de elaboração da p rimeira Constituição de 4° FERRE I RA FI LHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 22. Poder Constituinte 75 um país, ou de profundas alterações em país já constituído, re presentan<:fo, de qualquer forma, o término de um ciclo e início d: outro. E autônomo, por apresentar-se como causa de si, nao d:pendendo de nada para existir. É, ainda, incondicionado, por nao demonstrar qualquer limitação de forma ou conteúdo. , . Todavia, cremos que entender o poder constituinte origi nano �orno incondicionado, apresenta-se como prerrogativa �x�1u_ s1va ?aqueles que defendem que sua natureza é meta JUrl� lca, _ firmando sua origem por meio da força ou energia soc1al, nao encontrando, assim, explicação em direito natural. �a.ra aquele:_s que a, dvogam a natureza jurídica desse poder, a un1ca soluçao poss1vel está em vislumbrá-lo como condiciona do . , na �edida em que estaria limitado pelos valores eternos e un1versa1s do Direito natural. Não teria, pois, caráter absoluto. . Le�b.ra: �inda, Celso Ribeiro Bastos, que "o poder constituinte ong1nano sempre cria uma ordem jurídica, ou a partir do n�da, no caso do surgimento da primeira Constituição, ou me � lante a ruptura da ordem anterior e a implantação revolucioná na de uma nova ordem. O poder reformador apenas modifica a Constituição"41. . . �u!to� autores afirmam que apenas o Poder Constituinteong·rn·a�1o e �?der Constituinte, porque apenas ele possui cará ter 1�1c1al e Ilimitado, obrigando o Poder Constituinte derivado a r.et1rar da própria Constituição já posta seu fundamento devahdade42. Na verdade, podemos dizer que existem duas espécies de Poder Constituinte que,. de fato, possuem natureza diversa. Ao P.asso que um é ilimitado e inicial, o outro é limitado e condiCionado .. Feitas ��sas_ importantes distinções, não há nada que desautonze a ut1hzaçao da expressão "Poder Constituinte" pelo 41 BAST OS, c.e lso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. SãoPau l o: Sara1va, 1999. p. 31. 42 N este sen!id? são as . lições de Ca . r l Schimitt, Lu ís Recaséns Siches e Celso Anton1o Bande1ra de Mel lo, entre outros. 76 Curso de Direito Constitucional segundo, bastando que não nos esqueçamos que tais expres sões possuem conteúdos semânticos diferenciados. 5.2. Poder constituinte derivado O Poder constituinte derivado, ao contrário do que se verifica com o poder constituinte originário, não é inicial, autô nomo e incondicionado, mas secundário, dependente e con dicionado. É secundário porque pressupõe a existência de uma Constituição vigente, sobre a qual serão realizadas alterações, ou que servirá como parâmetro objetivo à elaboração das Cons tituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais e distrital. Tam- . bém não é autônomo, mas dependente, pois tem sua atuação diretamente ligada à Constituição pré-existente. E, finalmente, é condicionado, por encontrar quatro ordens de limitações à sua atuação. Vejamos, pois, quais as três espécies de Poder consti tuinte derivado para, depois, analisarmos as limitações que a Constituição Federal de 1988 impõe ao seu exercício. 5.2. 1. E spéci es de Poder consti tui nte deri vado O Poder constituinte derivado, prerrogativa de alterar o texto da Constituição originária, bem como de os Estados membros, Municípios e Distrito Federal elaborarem suas Cons tituiçõesEstaduais e Leis Orgânicas, apresenta três espécies: a) poder constituinte derivado revisional; b) poder consti tuinte derivado reformador, e; c) poder constituinte deriva do decorrente. 5.2.1.1. Poder constituinte derivado revisional O Poder constituinte derivado revisional consistia na .Possibilidade de elaboração de uma revisão constitucional, a partir do quinto ano de promulgação da Constituição, conforme Poder Constituinte 77 determinação expressa do art. 3º do Ato das Disposições Cons titucionais Transitórias - ADCT. Durante o período de revisão constitucional, as alterações no Texto Supremo seriam realizadas pelo voto da maioria ab soluta dos membros do Congresso Nacional, reunidos em ses- · são unicameral. Essa prerrogativa já foi exaurida, tendo dado origem a seis Emendas Constitucionais de Revisão, sendo a de nº 1 , de 1 º de março de 1 994, e as de números 2 a 6, de 7 de junho de 1 994. 5.2.1 .2. Poder constituinte derivado reformador O Poder constituinte derivado reformador apresenta-secomo a prerrogativa de elaborar Emendas ao Texto Supremo,observado o procedimento previsto no art. 60 da ConstituiçãoFederal de 1 988. · A proposta de Emenda à Constituição poderá ser encaminhada: a) por um terço, no mínimo, dos membros da Câmarados Deputados ou do Senado Federal; b) pelo Presidente daRepública; c) por mais da metade das Assembléias Legislativasdas unidades da Federação, incluindo-se a Câmara Legislativa do Distrito Federal, manifestàndo-se, cada uma delas, pelamaioria relativa de seus membros. Segundo previsão do parágrafo 2º do art . 60, " a propostaserá di scuti da e votada em cada C asa do C ongresso Naci onal, em doi s turnos, consi derando-se aprovada se ob ti ver, em amb os, trê s q ui ntos dos votos dos respecti vos memb ros'. A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara dosDeputados e do Senado Federal, com o respectivo número deordem. É importante ressaltar, com vistas ao que fora exposto, naoportunidade em que conceituamos e classificamos as Constituições, que o poder reformador só encontra razão de ser nosordenamentos jurídicos firmados por Constituições rígidas ou 78 Curso de Direito Constitucional semi-rígidas, na medida em que nos demais (compostos por constituições flexíveis), o poder reformador confunde-se com o próprio procedimento utilizado para a elaboraçã� das l�is ordi nárias, não havendo distinção formal entre os ve1culos Introdu tórios de normas ordinárias e constitucionais. 5.2.1 .3. Poder constituinte derivado decorrente Uma importante espécie de Poder Constituinte derivado, esquecido por parte dos constitucionalistas nacionais, trata-se do Poder Constituinte derivado decorrente. Consiste na prerrogativa que detém os Estados-mem bros de elaborarem suas próprias Constituições Estaduais e os Municípios e Distrito Federal de elaborarem suas Leis Orgânicas. É bom que se esclareça que os diplomas normativos mu nicipais possuem um conteúdo bem mais delimitado do que o das Constituições Estaduais e o da Lei Orgânica Distrital, mes mo porque a natureza de menor circunscrição territorial do Mu nicípio assim exige. Todavia, seu estudo, dentro deste tópico, justifica-se pelo fato de apresentarem-se como a lei máxima de um Município, dotada de características que fazem lembrar a natureza de uma Constituição em sentido substancial, qual seja, a de dispor so bre a organização e estruturação de um ente político. É mister lembrar que, por se tratar de manifestação do Poder Constituinte derivado, tal prerrogativa não se apresenta ilimi tada e incondicionada, mas retira seu fundamento de validade e os limites de sua atuação da própria Constituição originária vigente. 5.2.2. Li mi tações ao Poder consti tui nte deri vado O Poder Constituinte derivado ou instituído encontra limita ções na esfera I ícita de seu atuar. Poder Constituinte 79 Tais limitações são de quatro ordens, podendo ser classificadas em materiais explícitas, materiais implícitas, circuns tanciais e procedimental. 5.2.2. 1 . Limitações materiais explícitas A maior limitação ao poder constituinte derivado encontrase insculpida no parágrafo 4º do art . 60 da Constituição Federal,que traz o conjunto de normas que a doutrina convencionou denominar "ciáusulas pétreas". Vejamos: "Nã o será obj eto de delib eraçã o a proposta de emendatendente a ab oli r: I- a forma federati va de E stado; 11- o voto di reto, secreto, uni versal e perió dico; 111 - a separaçã o dos Poderes; IV- os di rei tos e garanti as i ndi vi duai s." Tratam-se, portanto, de limitações materiais explícitasao poder de alteração constitucional, que não permitem sequera deliberação sobre proposta que objetive ferir essas matériastidas por insuprimíveis pelo legislador constituinte, tamanha arelevância que este lhes atribuíra. Ressalte-se que a expressão " tendente a ab oli r", utilizadapelo legislador constituinte, chegou a ser objeto de algumacontrovérsia doutrinária. Para alguns, a Constituição Federalvedaria a "abolição de tais direitos", sendo que a supressãode tópicos de alguns dos itens relacionados não caracterizariauma abolição. Para outros, no entanto, qualquer supressão dedireitos é uma abolição - mesmo que parcial - e, portanto, estaria vedada pelo constituinte originário. Atualmente, predomina o segundo entendimento, considerando-se inconstitucionala tentativa de eliminar-se quaisquer desses direitos. Note-se que o legislador constituinte originário houve porbem vedar qualquer "abolição", restando permitido que o constituinte derivado faça alterações sobre esses tópicos que visemao acréscimo de outros direitos inicialmente não previstos, bem 80 Curso de Direito Constitucional como a reestruturação dos já existentes, conforme ocorreu com a edição da Emenda Constitucional nº 45/04 �u d e C acres� t e�t�u mais um inciso e dois parágrafos no rol do art . 5- a onst1 UIÇao Federal. 5.2.2.2. Limitações materiais implícitas Segundo as lições de Michel Temer, "s�o implí� ita� as ve dações atinentes à supressão do próprio .artigo �ue 1mpoem ex pressamente aquelas proibições. Não tena sent1do emenda q�e suprimisse o disposto no§ 4º do art. 60,. da. CF. Outra vedaçao implícita é a impediente de reforma const1tuc1on_a1 �ue re��za as competências dos Estados federados. Assim, �ao e perm1t1do " ao exercente da competência reformadora loc�l�zar as comp�ten cias residuais dos Estados e, por emenda ad1t1va, �crescenta-�s às da União ou do Município, pois isto tende a abolir a fede raça�. É que, em dado instante, o Texto Constituci_onal, embora .�antlvesse intacta a sua letra, estaria substancialmente mod1f 1cado na medida em que os Estados federados não tivessem n�nhuma competência. Também se veda, implicitamente, alteraçao cons titucional que permita a perpetuidade do m�nd, a�o, dado �ue a temporariedade daqueles é assento do pnnc1�1o repubhcan�. Finalmente, é proibição implícita aquela que at1n� ao pr�cedl mento de criação da norma constitucional, �m n1vel , �envado. Isto porque o constituinte estabeleceu proced1m��to ng1do para a reforma e em grau determinado"43 (gritos no ong1�al). Em razão desta última restrição relacionada por Michel Temer, que impediria a alteração do procedimento c?ns�ituci_ o nalmente previsto para edição das emendas con�t1tuc1ona1s, podemos afirmar que fica vedada qualquer tentat1va de n o ova revisão constitucional, assegurada uma vez pelo art. 3- do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e já realiza da, pois isso implicaria em alteração do rit� c?ns�tu� ion�l�en te previsto, representando ofensa a essa hm1taçao 1mpl1c1ta. 43 T EM E R , Michel. Elementos de direito constitucional . 11. ed. São Paulo: Malhe i ros, 1995. p. 37. Poder Constituinte 81 5.2.2.3. Limitações circunstanciais Por fim, são limitações circunstanciais ou temporaisaquelas contidas no parágrafo 1 º do art. 60, que impedem a edição de Emenda Constitucional durante a vigência de estado de defesa, estado de sítio ou intervenção federal. Tal fato justifica-se pelo grave abalo da serenidade e do equilíbrio nacional causados por esses eventos. Com essa de terminação, o constituinte pretendeu vedar que o Texto Consti tucional - Lei Maior que cria e organiza um Estado - pudesse vir a ser alterado em situações que, pelo seu alto grau de insta bilidade, levassem à adoção de medidas casuísticas, provoca das pelas circunstâncias. 5.2.2.4. Limitação procedimental A limitação procedimental ao poder de alteração consti tucional está veiculada pelo parágrafo 5º do art. 60 da Consti tuição da República, que veda que a matéria constante de pro posta de emenda rejeitada ou prejudicada possa ser objeto de nova proposição na mesma sessão legislativa. A sessão legislativa ordinária apresenta-se como o ano parlamentar que, nos termos do art. 57 da Constituição Federal, corresponde ao período compreendido entre 1 5 de fevereiro a 30 de junho e 1 º de agosto a 1 5 de dezembro. 5.2.3. O pensamento de Jorge Reinaldo Vanossi e o problema das limitações ao Poder constituinte derivado As limitações materiais expressas ao poder de alteração constitucional, vale dizer, as chamadas "cláusulas pétreas", que no ordenamento jurídico brasileiro encontram-se insculpidas no parágrafo 4º do art. 60 da Constituição da República, possuem defensores na maior parte da dogmática constitucionalista mundial. 82 Curso de Direito Constitucional Todavia, alguns autores falam da insustentabilidade e do mal que, muitas vezes, essa impossibilidade de mudança aca ba trazendo ao ordenamento jurídico de determinado Estado. Dentre esses autores, ressaltamos o jurista argentino Jorge Reinaldo Vanossi, que relaciona uma série de argumentos con tra essa medida, sendo os principais citados na obra de Celso Ribeiro Bastos, que abaixo transcrevemos: "a) a função essencial do poder reformador é a de evitar o surgimento de um poder constituinte revolucionário e, pa radoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa função; b) elas não conseguem se manter além dos tempos normais e fracassam nos tempos de crise, sendo incapazes de superar as eventualidades críticas; c) trata-se de um 'renasci mento' do direito natural, perante o positivismo jurídico; d) antes de ser um problema jurídico é uma questão de crença, a qual não deve servir de fundamento para obstaculizar os reformado res constituintes futuros. Cada geração deve ser artífice de seu próprio destino; e) argumento de Biscaretti: admite-se que um Estado pode decidir sua própria extinção; 'não se compreende porque o estado não poderia, então, modificar igualmente em forma substancial seu próprio ordenamento supremo, ou seja, sua própria Constituição, ainda atuando sempre no âmbito do direito vigente. Por esses motivos, Vanossi conclui pela inutilida de e relatividade jurídica das cláusulas pétreas expressas. Sua virtual idade jurídica se reduz a zero nas seguintes hipóteses: a) a cláusula proibitiva é desrespeitada e a reforma do conteúdo proibido torna-se eficaz, com vigência perante os órgãos do Es tado e acatamento comunitário; b) superação revolucionária de toda a Constituição, em que desaparece a própria norma proi bitiva; c) derrogação da norma constitucional que estabelece a proibição, mediante procedimento regular, e ulterior modifica ção do conteúdo proibido"44. 44 BASTOS, Celso R ibei ro. Curso de direito constituciona l . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 36. Poder Constituinte 83 Note-se que a idéia defendida por Vanossi assemelha-se ao modelo de uma constituição semi-rígida, como tivemos em 1824. Nada seria imutável, porém, determinada categoria de normas exigiria um procedimento extremamente gravo so para que pudesse sofrer alterações. Lembre-se que na Constituição de 1824, existiam normas que se modificavam pelo simples procedimento utilizado para a elaboração de uma lei ordinária (normas formalmente constitucionais) ao passo que, outras, só poderiam sofrer alterações . após qua tro anos do juramento da Constituição Brasileira e, ainda, se aprovadas em uma determinada legislatura, tal ato fosse ratificado na legislatura subseqüente (normas materialmente constitucionais). É certo que as "cláusulas pétreas não se sustentam além dos tempos de crise" e que "cada geração deve ser artífice de seu próprio destino", como assevera Vanossi. Todavia, se é verdade que em situações absolutamente extremas as limita �ões ao poder de reforma não conseguem impor-se, também e verdade que, em situações de crise menos acentuada as restrições ao poder constituinte derivado possuem import�nte . papel na tarefa de proteção ao núcleo essencial da Constitui ção, constituindo-se como indispensável elemento de seguran ça jurídica. É importante notar que, em provas objetivas de concursos públicos, não devem ser consideradas as posições defendidas por Vanossi - a menos que as afirmações sejam expressamen te atribuídas. a ele - por tratar-se de ponto de vista que não encontra guarida no direito positivo brasileiro, apresentando-se apenas como especulação científica. 6. EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE Atualmente, é consenso afirmar-se que a titularidade do Poder Constituinte pertence ao povo. Tal fato justifica-se pela grande aceitação que a ideologia democrática adquiriu em todo o contexto mundial nos dias atuais. · 84 Curso de Direito Constitucional Embora tenhamos afirmado que a natureza do Poder Constituinte encontra uma explicação metajurídica, seu exer cício é assunto que concerne ao estudioso do Direito Consti tucional. Celso Ribeiro Bastos relaciona, com sua habitual pro priedade, as formas de exercício do Poder Constituinte. Ve jamos: "As distintas respostas ao exercício desse poder estão da das pelos diversos mecanismos que as Constituições contem plam para efeitos de funcionamento dos procedimentos de re visão ou de emenda constitucional, e aqui, sim, cabem formas de exercício muito variadas: os regimes autocráticos praticam formas de exercício autocrático. Estes são os casos típicos dos atos institucionais ou estatutos do processo, como se de nominam na Argentina. Nas concepções democráticas, o exercício do poder constituinte pode-se realizar através da democracia direta ou da democracia representativa, ou de fórmulas mistas que combinem ambas as formas . Democracia direta, em matéria de poder constituinte, são os referendos de aprovação da Constituição. Democracia representativa são os sistemas de conven ções constituintes, em que o povo é convocado para eleger uma assembléia que especificamente e unicamente vai exercer o poder constituinte. Já os sistemas mistos são aqueles que combinam a nota representativa com a participação direta do povo"45 (gri tos nossos). O Estado brasileiro adotou a forma representativa (ou indireta) para o exercício do Poder Constituinte originário que culminou na Constituição de 1 988. Deixou, todavia, uma 45 BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 32. Poder Constituinte 85 possibilidade para o exercício da Democracia direta quando d . a .�tuação do poder constituinte derivado, prevendo a posSibllld��e de recurs� ao plebiscito e ao referendo popular para a dec1sao de questoes que se apresentarem polêmicas, bem como para que se examinasse, após cinco anos da elaboração do Text?" Su.premo (o que ocorreu em 7 de setembro de 1 993), ac?nven1enc1a da manutenção da forma e do regime de governov1gentes. · . Ressalte-se que, embora a iniciativa popular tambémseJa forma de manifestação de democracia direta nos termosdo inciso 11 I do art. 1 4 da Constituição Federal de ' 1 988, ela sótem lugar quando da propositura deprojetos de lei ordinária conforme prevê o parágrafo segundo do art. 61 , não se reve�lando, assim, forma direta de exercício do poder constituintederivado. 86 Curso de Direito Constitucional Capítulo IV ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL 1 . INTRODUÇÃO Segundo as lições de Maria Helena Diniz, "o homem é, ao mesmo tempo, indivíduo e ente social. Embora seja um ser independente, não deixa de fazer parte, por outro lado, de um todo, que é a comunidade humana. Para que as criaturas racionais atinjam seus objetivos, a condição fundamental é a de se associarem. Sozinho, o homem é incapaz de vencer os obstáculos que o separam de seus ob jetivos fins". E conclui: "O fundamento das normas está na exigência da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre o comportamento dos seus membros. A sociedade sempre foi regida e se há de reger por um certo número de normas, sem o que não poderia subsistir"46 (gritos no original). Já afirmamos que é inato ao ser humano viver em socieda de, conforme reconhecem os filósofos desde a antigüidade. 46 D I N IZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 7. ed. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 301. 87 Capítulo XVI ••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 1 . CONSTITUIÇÃO DE 1 824 Com a Independência do Brasil, em 1822, fez-se necessá ria a elaboração de nossa primeira Constituição. Antes mesmo da proclamação da Independência, O. Pedro I já havia convo cado uma Assembléia Nacional Constituinte, que acabou por entrar em funcionamento apenas em 3 de maio de 1823, tendo sida dissolvida em seguida, em razão das sérias divergências existentes entre o Imperador e os parlamentares constituintes. Em virtude disso, o Imperador criou um Conselho de Es tado para a elaboração de um projeto de Constituição para o Império do Brasil, que deveria ser_submetido à aprovação das Câmaras Municipais antes de sua entrada em vigência, o que acabou não ocorrendo, resultando na outorga ·da "Carta da Lei de 25 de março de 1824". 1 .1 . Divisão dos Poderes Políticos Um dos traços característicos fundamentais da Constitui ção do Império do Brasil foi a existência de um quarto poder, denominado Poder Moderador, que refletia as tendências do 685 pensamento político-social da época e era exercido pelo pró prio Imperador. Tal poder moldou o regime político que tivemos durante os 65 anos em que vigorou a Constituição de 1 824. Concebido para ser uma "esponja entre cristais", o Poder Moderador aca bou transformando-se no mais importante instrumento de ma nifestação autoritária, ao ponto de Afonso Arinos destacar que nenhum outro assunto foi tão esmiuçado nessa Constituição quanto a existência deste Poder. Historicamente, seu único registro de aplicação mundial deu-se na Constituição Política do Império brasileiro, e com tal amplitude agravante que interferia na órbita de atuação do Le gislativo (por meio de nomeações de senadores, convocando e dissolvendo a Câmara, e suspendendo interinamente as reso luções das Assembléias provinciais), do Executivo (nomeando e demitindo livremente os Ministros de Estado) e do Judiciário (suspendendo Magistrados e perdoando ou moderando as pe nas impostas a�s réus por sentença). 1 .2. Semi-rigidez da Constituição do Império Quanto à mutabilidade, a Constituição do Império dife renciava-se de outras mundialmente existentes, em virtude da presença de dispositivos que se alteravam de forma fle xível, ao passo que outros, para serem alterados, exigiam um processo bastante rígido: foi a criação da Constituição semi-rígida. Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos afirma que "a Consti tuição Imperial de 1 824 é bastante original na matéria (rigidez) criando uma terceira categoria de Constituições, aquela mar cada pela existência de dispositivos rígidos e dispositivos flexí veis. Em outras palavras, a Constituição encampa a distinção entre Constituição material e Constituição formal. Todos os dis positivos que integrassem a primeira, isto é, que entendessem com a própria substância ou cerne do Estado, seriam apenas 686 · Curso de Direito Constitucional modificáveis por maioria, extremamente exigente em três legis laturas consecutivas"369• Para Octaviano Nogueira, essa solução encontrada para a mutabilidade constitucional garantia à Constituição do Império uma plasticidade e capacidade de adaptação à conjuntura polí tica, econômica e social jamais vista. Monografando o tema, afirma que "era tão plástica a Cons tituição monárquica, que a própria República poderia ter sido implantada no País com uma simples emenda constitucional. E isto, por duas razões. A primeira é que, ao contrário do que passou a ser tradição nas Cartas republicanas, que impediam, e ainda impedem, modificar a forma republicana e o sistema federativo por meio de emenda, a Constituição do Império não estabelecia restrições ao poder constituinte derivado. Todos os dispositivos, portanto, eram reformáveis, inclusive o que consa grava a monarquia como forma de governo. A segunda razão é que, embora as emendas constitucionais tivessem o mesmo rito de lei ordinária (como ocorreu com o Ato Adicional de 1 934) e, portanto, dependessem da sanção do Imperador, no caso de mudança da forma de governo, como em qualquer outra matéria constitucional reformada por lei ordinária, não podia o Monarca negar a sanção, se aprovada por duas Legislaturas seguintes, em face do que dispunha o art. 65"370. 1 .3. Centralização político-administrativa Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder, a Carta de 1 824 era extremamente centralizadora, estabele cendo uma profunda concentração das p·rerrogativas político- 369 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 101. 370 NOG U E I RA, Octaviano. Constituições brasileiras: 1 824. v. l . 2. ed. Bras íl ia: Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratég icos, 2001. pp. 16-7. Histórico das constituições brasileiras 687 administrativas, o que acabou por colaborar sobremaneira para a manutenção da unidade do Estado brasileiro. O território na cional era dividido em Provínci as, na forma em que já se en contrava, as quais poderiam ser subdivididas, "como pedi sse o bem do E stado" , nos termos de seu art. 2º. Além do aspecto positivo de manutenção da integridade nacional, ressalte-se que foi por meio dessa Constituição que foram dados os primeiros passos no sentido de uma democra ti zação nacional (por meio do parlamentarismo, paulatinamen te implantado no país), e o fato de ter sido a mais duradoura de nossas Cartas Políticas. 1 .4. Ideologi a liberal da Consti tui ção de 1 824 Outro aspecto relevante da Constituição de 1 824, obser vado por Paulo Bonavides, foi "a sua sensibilidade precursora para o social"371 . À época da elaboração da Constituição de 1824, vigia no mundo um forte ideal liberali sta, caracterizado pela exaltação das liberdades individuais e restrição das prerrogativas esta tais, o que acabaria por determinar as características principais da Carta do Império. Assim é que, embora se tratasse de uma Constituição outorgada, era possível encontrar em seu texto várias restrições ao poder do Imperador. Aclarando esse entendimento, cabe lembrar a oportuna lição de Celso Ribeiro Bastos ao afirmar que "a Constituição outorgada de 1 824, embora sem deixar de trazer consigo ca racterísticas que hoje não seriam aceitáveis como democráti cas, era marcada, sem ·dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época"372. 371 BONAV I DES, Paulo apud BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 103. 372 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Pau lo : Saraiva, 1999. p. 98. 688 Curso de Direito Constitucional 1 .5. Reformas Estruturalmente, a Constituição passou por duas revisões, como lembra Pinto Ferreira: "A primeira, constando do Ato Adi- . cional de 12.8.1834, que suprimiu o Conselho de Estado e substituiu a Regência Trina Permanente por uma Regência Una Provisória. Esse Ato ainda deu mais ampla expansão a uma tendência federalista, ampliando os poderes dos Conselhos Gerais das províncias e os transformando em Assembléias Le gislativas das províncias. Outra revisão foi efetivada com a lei de interpretação do Ato Adicional, de 12.3.1840, de forte inspiração conservadora, quando se restabeleceu o Conselho de Estado e se reduziu um pouco a competência das Assembléias Legislativas das provín cias"373-374. A partir de então, a Constituição do Império do Brasil não sofreu mais revisões, tendo assumido de forma definitiva este perfil conservador, sustentado pela aristocracia agrícola das culturas de açúcar e café, que sucumbiriam à libertação da es cravatura, iniciando-se, assim, o processo revolucionário que, um ano depois, resultaria na proclamação da República. 2. CONSTITUIÇÃO· DE 1 891 Com a Proclamação da República, em 1 5 de novembro de 1889, inicia-se uma nova fase no constitucionalismo brasileiro. Nessa mesma data, Rui Barbosa edita o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, instituindo o "Governo Provisório da Repú- 373 F E R R E I RA, P into. Curso de direito constitucional . 10. ed. São Pau lo : Saraiva, 1999. p. 50. 374 Note-se que alguns autores entendem que a Constitu ição do I m pério sofreu uma ú n ica Emenda, a de 1 834, inc lusive pelo próprio nome de "lei de i nterpretação" que se atribui à de 1 840. No entanto, cremos não tratar-se de mera norma interpretativa, representando, efetivamente, uma segunda alteração substancial ao Texto de 1 824. Histórico das constituições brasileiras 689 blica dos Estados Unidos do Brazil", que funcionou como Cons tituição provisória até a entrada em vigência da Carta de 1 89 1 . É importante salientar que a República não resultou de um forte movimento popular, mas de uma movimentação elitista de tropas situadas na cidade do Rio de Janeiro, assistida pela na ção, muito embora os ideais republicano e federativo fossem idéias assentes perante a população brasileira375• O grande mentor da primeira Constituição da República foi Rui Barbosa, que quase a redigiu por inteiro, encampando em seu texto muitas das idéias advindas do federalismo nor te-americano, do qual era grande conhecedor, dentre as quais podemos ressaltar o controle difuso de constitucionalidade, a forma federativa de Estado, a separação dos poderes e o pró prio nome: Estados Unidos do Brasil. Em 24 de fevereiro de 1 89 1 é promulgada a nova Consti tuição, composta de 9 1 artigos, mais 8 das Disposições Tran sitórias, o que faria dela a Carta mais enxuta de toda a história da República. 2.1 . Federalismo e República Com essa Constituição surgem definitivamente em nosso país os institutos da Federação e da República, até mesmo em virtude de uma grande necessidade de transformação, na medida em que o Brasil era o único país do mundo que ado tava um Poder Moderador, e a tendência natural e inevitável acabou sendo seu enquadramento ao modelo instituído pelo federalismo americano. Para preservá-los, estatüiu-se que não poderiam ser suprimidos por via de Emenda Constitucional, ori ginando as denominadas cláusulas pétreas. A criação da Federação, que a Constituição determina va ser indissolúvel, resultou em outorga de poderes às antigas 375 BASTOS, Celso R ibe i ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Pau lo : Saraiva , 1 999. p. 1 04. 690 Curso de Direito Constitucional províncias, que assim passaram a governar seus assuntos com autonomia e finanças próprias, tornando-se Estados in clusive com poderes para editarem suas próprias Constitui�ões Estaduais. O art. 2º determinava que o antigo "município neutro" cons tit . uiria o Distrit . o Federal, " enq uanto nã o se der ex ec uçã o ao d1 sposto no art1 go seguinte" . O art. 3º, por sua vez, previa ficar "pertenc endo à U niã o, no planalto c entral da Repú blic a, uma z ona de 14400 q ui lô metros q uadrados, q ue será oportunamente de:n ar� ada, para nela estabelec er- se a f utura C apital Federal'. Alem d1sso, seu parágrafo único determinava que, " efetuada a mudança da C apital, o atual D istrito Federal passará a c onsti tuir um E stado" . Assegurava-se a autonomia dos Municípios para tratar ?e todos , os �ssuntos que dissessem respeito a seu "peculiar Interesse , alem de autonomia para a eleição de prefeito e ve readores, só não lhes sendo conferida competências tributárias próprias, provindo seus recursos das arrecadações estaduais. " .só a. Un�ã? e Estados-membros, pois, detinham competenclas !nb�tan.as, iniciando-se um esquema de repartição decompetenc1as, Inerente a um pacto federativo. Resta lemb��r, ainda, que o art. 80 autorizava a decretação do estado de s1t1o, em caso de "agressão estrangeira ou co moção intestina", e o art. 6º previa a possibilidade de interven ção federal nos Estados. R�to . ma-se a tripartição dos poderes, segundo o esque ma class1co elaborado por Montesquieu, com a supressão do Poder Moderador, e os poderes Executivo, Legislativo e Judici ário assumindo suas características estruturais. · 2.2. Sistema de governo Adota-se, ainda, um sistema de governo presidencialis ta, segundo o modelo clássico norte-americano, no qual era vedado ao Presidente da República dissolver a Câmara dos Histórico das constituições brasileiras 691 r i Deputados, sendo que, em contrapartida, não estava obrigado a escolher para Ministros de Estado pessoas que fossem da confiança dela. Asseguravam-se eleições diretas para Presidente e Vice Presidente da República, dentre brasileiros natos que estives- . sem no exercício de seus direitos políticos. • O processo e julgamento dos crimes de responsabilida- de do Presidente da República davam-se perante o Senado Federal, após declarada procedente a acusação pela Câmara dos Deputados, sendo que, nos crimes comuns, o processo e julgamento far-se-ia perante o Supremo Tribunal Federal, se guindo as disposições de impeach ment da Constituição ameri cana de 1 787, que vêm séndo adotadas até os dias atuais. 2.3. Rigidez constitucional Para a mutabilidade do Texto Constitucional, passou-se a adotar o conceito de Constituição rígida, consubstanciado por um procedimento de reforma extremamente gravoso, previsto em seu art. 90 e parágrafos, segundo o qual, para a admissão de uma proposta de alteração constitucional, exigia-se a anu ência da quarta parte, pelo menos, dos membros de qualquer das Câmaras do Congresso Nacional, sendo aceita, em três discussões, por dois terços dos votos numa e noutra câmara, ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decur so de um ano, representado cada Estado pela maioria de votos de sua Assembléia. Para a aprovação, no entanto, exigiam-se três votações no ano seguinte ao da propositura da reforma, e a aquiescência de, no mínimo, dois terços dos membros das duas Câmaras do Congresso. 2.4. Declaração de direitos Pinto Ferreira chama a atenção para a importância de um capítulo destinado à declaração de direitos e suas garantias, 692 Curso de Direito Constitucional embora a Constituição tivesse um aspecto eminentemente libe ral. Segundo o juspublicista pernambucano, "a industrialização do país não se tinha processado profundamente, não havia um proletariado organizado, e a massa campesina era absoluta mente inerte e passiva, manejada pelos prepotentes usineirose senhores de terra, chamados pitoresca.mente de 'coronéis' . Entretanto, a Constituição garantiu e enunciou as clássicas li berdades privadas, civis e políticas, silenciando sobre a pro teção ao trabalhador"376 (gritos nossos). Esse silêncio quanto à proteção ao trabalhador criou um coronelismo dotado de um "poder real e efetivo, a despeito das normas constitucionais traçarem esquemas formais da organi zação nacional com teoria de divisão de poderes"377 • Como decorrência dessa declaração de direitos, assiste-se a um abrandamento das penas criminais, suprimindo-se as penas de galés, morte e banimento. Eleva-se o instituto do h abeas cor pus, que já havia sido instituído no ordenamento jurídico brasileiro com o Código Criminal de 1 832, à categoria constitucional. A crise econômica de 1 929, a Revolução de 1 930 e a al ternância de paulistas e mineiros ·na Presidência da República (política do "café-com-leite") foram alguns dos fatores decisivos que suprimiram a longevidade da Constituição de 1 89 1 , pondo fim ao período histórico da Primeira República. 3. CONSTITUIÇÃO DE 1 934 A Constituição de 1 934 vem substituir o Decreto nº 1 9.398, de 1 1 de novembro de 1 930, que havia instituído juridicamente o Governo Provisório, fruto da revolução vitoriosa, que pôs fim à denominada República Velha. 376 F E R R E I RA, P into. Curso de direito constituciona l . 1 O . ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 52. 377 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Paulo : Malheiros, 2000. p. 80. Histórico das constituições brasileiras 693 Assim, a Constituição de 1 89 1 fpi posta em derrocada por este Decreto, que funcionou como Constituição provisória por quase quatro anos, e não pela Carta Política de 1 934, promul gada em 1 6 de julho. Merece destaque, ainda, o movimento revolucionário consti tucionalista paulista de 9 de julho de 1 932 que, apesar de ser de flagrado após o ato do Governo que apontava a data de realização das eleições para a formação da Assembléia Constituinte, teve o indispensável papel de, mesmo derrotado, sufocar qualquer even tual tentativa de ampliação dos poderes do Governo Provisório, bem como de adiamento da data prevista para as eleições, e con seqüentemente do início dos trabalhos da Constituinte. Destarte, embora a Revolução Constitucionalista tenha fracassado, não res tam dúvidas de que o ideal que apregoava saiu vitorioso. José Afonso da Silva, comparando-a com a Constituição de 1 89 1 , afirma que "a nova Constituição não era tão bem es truturada quanto a primeira. Trouxera conteúdo novo. Mantivera da anterior, porém, os princípios formais fundamentais : a repú blica, a federação, a divisão de poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si), o presi dencialismo, o regime representativo"378 (gritos no original). Pontes de Miranda, no entanto, em seu C omentá rios à C onst it uiçã o dos E st ados U nidos do B rasil, levado à cabo ain da em 1 934, qualificou-a como "a mais completa, no momento, das Constituições americanas"379. 3.1 . Característi cas princi pai s Segundo Paulino Jacques, citado por Celso Ribeiro Bas tos, as principais alterações ocorridas foram: "a) quanto à for- 378 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Pau lo : Malhei ros, 2000. p. 81. 379 PONTES D E M I RAN DA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Cons tituição dos Estados Unidos do Brasil . R io de Janeiro : Guanabara, s.d. , passim. 694 Curso de Direito Constitucional ma: 1 ) introdução do nome de Deus no preâmbulo ; 2) incorpo ração ao texto de preceitos de Direito Civil, de Direito Social e de Direito Administrativo ; 3) multiplicação dos títulos e ca pítulos, ficando a Constituição com mais do dobro de artigos que a anterior ; b) quanto à substância: 1 ) reforço dos vínculos federais; 2) poderes independentes e coordenados entre si; 3) sufrágio feminino e voto secreto ; 4) o Senado com função de prover a coordenação dos poderes, manter a continuidade administrativa e velar pela Constituição ; 5) os Ministros de Es tado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presi dente da República e obrigados a comparecer ao Congresso para prestarem esclarecimentos ou pleitearem medidas legis- . lativas; 6) a Justiça Militar e Eleitoral como órgãos do Poder Judiciário ; 7) o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os Conselhos T écnicos coordenados em Conselhos Gerais, as sistindo aos Ministros de Estado, como órgãos de cooperação nas atividades governamentais; 8) normas reguladoras da or dem econômica e social, da família, educação e cultura, dos funcionários públicos, da segurança nacional"380. Note-se, aí, o início do processo de enri jeci mento cons ti tuci onal, na medida em que a Constituição, incorporando tantos dispositivos formalmente constitucionais, passa a con tar com 1 87 artigos, mais 26 das Disposições Transitórias, per fazendo um total de 2 1 3 artigos, em contrapartida aos 99 da Constituição anterior. 3.2. Senado Federal Uma característica da Constituição de 1 934 que merece especial destaque é a atribuição de competências, ao Senado Federal, para promover, nos termos dos artigos 90, 9 1 e 92, " a coordenaçã o dos poderes federais ent re si, mant er a cont inui- 38o JACQUES, Pau l ino apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 113. Histórico das constituições brasileiras 695 dade administrativa, velar pela C onstituiçã o, colab orar na feitu ra das leis e praticar os demais atos de sua competê ncia" . Tal prerrogativa vinha prevista no art. 8 8 da Carta em co mento, e acabou por provocar um grande desequilíbrio entre as três funções estatais (Executiva, Legislativa e Judiciária) quase que assemelhando-se ao que havia ocorrido durante a vigência da Constituição do Império, em virtude da existência do Poder Moderador. 3.3. Controle de constitucionalidade A Constituição de 1 934 trouxe, ainda, importantes inova ções no tema do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos. Passou a prever a possibilidade de recurso extraordinário, à Suprema Corte, das decisões proferidas em última ou única instância, como forma de possibilitar a deflagra ção de efeitos erga omnes nessas ações. Isto porque o inciso IV do art. 9 1 outorgou ao Senado Fe deral a competência para sustar a execução de lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário. Na visão de Ronaldo Poletti, essa foi a mais importante ino vação da Carta de 1 934 no tocante ao assunto, por apresentar se como "a maneira de solucionar um dos mais graves problemas do controle da constitucionalidade. A ausência da regra do stare decisis implica que os juízes não estão obrigados a deixar de aplicar a lei, declarada inconstitucional pelo Supremo. A solução da Constituição permitia dar efeitos erga omnes a uma decisão num caso concreto. Além disso, atenuava-se o problema da que bra de harmonia e equilíbrio entre os poderes, pois remetia a um órgão do Poder Legislativo a atribuição de suspender a execução da lei declarada inconstitucional"381 • 381 POLETTI , Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934. v. l l l . 2. ed. Bra sí l ia : Senado Federal e Min istério da C iência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 51. 696 Curso de Direito Constitucional Cabe ressaltar que, ainda nos dias atuais, a Constituição Federal de 1 988 adota essa solução nas hipóteses sujeitas ao controle difuso de constitucionalidade. Para a declaração de inconstitucionalidade, ainda, passou se a exigir o q uorum de maioria absoluta dos votos, além da presença de todos os juízes, instituindo o já estudado Princípio da reserva de plenário. 3.4. A influência da Constituição de Weimar PauloBonavides, ao introduzir suas reflexões à Constitui ção de 1 988 , faz menção à importância que a Constituição de 1 934 deu ao aspecto social, sob a influência da Constituição alemã de Weimar, de 1 9 1 9 , mundialmente reconhecida por ins titucionalizar a social-democracia382. Além dela, merece men ção a influência sofrida pela Carta de 1 934 da Constituição da República Espanhola de 1 93 1 . Ouçamo-lo: "Com a Constituição de 1 934 chega-se à fase que mais de perto nos interessa porquanto nela se insere a penetração de uma nova corrente de princípios, até então ignorados do direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas Constituições precedentes. O social a í assinalava a presença e a influência do modelo de Weimar numa variação substan cial de orientação e de rumos para o constitucionalismo bra sileiro". E conclui, afirmando que essa influência "fez brotar no Bra sil desde 1 934 o modelo fascinante de um Estado social de inspiração alemã, atado politicamente a formas democráticas, 382 Como q uestão de justiça, no entanto, ressalte-se que a primeira mani festação desses d i reitos data de 1917, na Constitu ição m exicana. Histórico das constituições brasileiras 697 em que a Sociedade e o homem-pessoa - não o homem-indiv í duo - são os valores supremos. Tudo porém indissoluvelmente vinculado a uma concepção reabilitadora e legitimante do papel do Estado com referência à democracia, à liberdade e à igual dade"383. 3.5. Momento políti co Como vimos, a Constituição de 1 934 é fruto da revolução irrompida em outubro de 1 930. Todavia, o clima de eferves cência política, que acabou por resultar na edição desta Cons tituição, não terminou com sua edição. Basta lembrar que foi a partir de sua edição que o movimento comunista liderado por Luís Carlos Prestes fortaleceu-se, dando início a focos de guerrilha . Para debelá-lo, a Carta de 1 934 sofreu três 'emendas de cunho autori tári o que, respectivamente, dispunham sobre: a) equiparação do estado de comoção intestina ao estado de guerra; b) permissão de perda de patente ou posto, sem preju ízo de outras sanções cabíveis, a oficial das Forças Armadas tido por subversivo, e; c) demissão do funcionário civil que in corresse na hipótese mencionada no item anterior, igualmente sem prejuízo de outras penalidades. Nesse sentido também são as lições de Celso Ribeiro Bas tos, para quem, a breve duração da Carta de 1 934 - um triênio - "não deve ser explicada pelos defeitos que trazia em si, mas, em verdade, pela radicalização do clima social de então. Tanto a extrema esquerda, quanto a extrema direita tornaram inviável a sua plena aplicação, gerando condições para que fosse pos sível o golpe de 1 937"384. 383 BONAVI DES, Paulo. Curso de direito constitucional . 12. ed. São Paulo : Malhei ros, 2002. pp. 332-4. 384 BASTOS, Celso R i beiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 117. 698 Curso de Direito Constitucional 4� CONSTITUIÇÃO DE 1 937 Com o golpe militar de 1 937, o Brasil recebe, em 1 O de no vembro daquele ano, sua segunda Carta outorgada. Inspirada no modelo fascista e de cunho eminentemente autoritário, dis punha, entre outras arbitrariedades, em seu art. 73 que " o Pre s idente da Repú blic a, autoridade s uprema do Es tado, c oordena a ativ idade dos ó rgã os repres entativ os, de grau s uperior, dirige a polític a internac ional e ex terna, promov e e orienta a polític a legis lativ a de interess e nac ional, e s uperintende a adminis traçã o do país' . 4.1 . A Consti tuição " polaca" Com as características ditatoriais que podem ser percebi das pela transcrição de seu art. 73, a edição da Constituição de 1 937 faz cair por terra a expectativa de consolidação de um Es tado Democrático de Direito em nosso país. Como toda Carta outorgada, concentra as principais prerrogativas nas mãos do Chefe do Poder Executivo, e, indo além, eli mina o princípi o da separação e i ndependência entre os poderes, institucionali zando o regime autoritário. Em virtude da grande semelhança existente entre esta e a Constituição polonesa de 23 de abril de 1 935, notada mente em razão da ênfase dada a proemi nênci a do Poder Executivo, sob o argumento de que esta concentração for taleceria o Governo sem que ·isso significasse poder pessoal e absoluto, a Constituição Federal de 1 937 ganha o apelido de "Polaca" . 4.2. Momento hi stóri co Tentando demonstrar a exata dimensão da cri se uni versal existente neste momento histórico, Walter Costa Porto lembra entrevista concedida por Francisco Campos, principal autor da Constituição de 1 937, para o qual esta fora "outorgada em um Histórico das constituições brasileiras 699 momento de crise de ordem e de autoridade em todo o mundo. A disputa política ultrapassara os moldes de uma luta dentro dos quadros clássicos da democracia l iberal. Os atores, nesse conflito, tinham, como objetivo explícito, a destruição tradicio nal não somente no domínio político como no domínio social e econômico"385. Não custa lembrar que, nesse mesmo período, a Itália en contrava-se em situação bastante se(Tlelhante, com os teóricos do fascismo denominando-a " Itália mussolínica de democracia autoritária". 4.3. Características principais Pinto Ferreira, em seu estudo sobre a Carta de 1 937, aponta suas dez principais alterações em relação à Constitui ção anterior, a saber: " 1 ) suprimiu o nome de Deus, o que tam bém ocorre na Constituição do Estado do Vaticano; 2) outorgou poderes amplos ao presidente, como a suprema autoridade do Estado, alterando a sistemática do equilíbr io dos Poderes; 3) restr ingiu as prerrogativas do Congresso e a autonomia do Po der Judiciário, já que em determinadas hipóteses o presidente podia ir de encontro a este, fazendo valer as leis que o Poder reputasse inconstitucionais; 4) ampliou o prazo do mandato do presidente da República; 5) mudou o nome do Senado para Conselho Federal; 6) instituiu o Conselho de Economia Na cional, como órgão consultivo; 7) l imitou a autonomia dos Es tados-membros; 8) cr iou a técnica do estado de emergência, . que foi disciplinado pelo seu art. 1 86; 9) dissolveu a Câmara e o Senado, bem como as Assembléias Estaduais; 1 O) restaurou a pena de morte"386. 385 PORTO, Walter Costa. Constituições brasileiras: 1937. v. IV. 2. ed. Brasí l ia : Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratégicos, 2001. p. 20. 386 F E R R E I RA, Pinto. Curso de direito constitucional . 1 O . ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 57. 700 Curso de Direito Constitucional Além disso, deixou de existir a liberdade de imprensa, cuja restrição consubstanciou-se por meio da realização de censu ra prévia, além da dissolução dos partidos poiíticos. Algumas medidas veiculadas pela Constituição de 1 937, no entanto, beneficiaram a classe trabalhadora, como a cr ia ção, pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1 º de maio de 1 943, da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, bem como a unificação da Pre·vidência Social, pelo Decreto-Lei nº 7.526, de 7 de maio de 1 945, que cr iou o Instituto dos Ser v iços Sociais. 4.4. lnaplicabilidade da Constituição de 1 937 A Constituição de 1 937 nunca obteve aplicabilidade prá tica, em razão da prevalência do denominado "Estado Novo", cujas características principais eram a arbitrariedade e a ine xistências de quais quer controles jurídicos, predominando a vontade autoritária de Getúlio Vargas. Pela falta de aplicação regular, José Afonso da Silva lem bra-nos que "muitos de seus dispositivos permaneceram letra morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Exe cutivo e Legislativoconcentrado nas mãos do Presidente da República, que legislava por via de decretos-lei que ele próprio depois aplicava, com órgão do Executivo"387. Essa Constituição recebeu, ainda, em menos de dez anos de duração, vinte e uma emendas, que eram editadas de acor do com as necessidades, interesses e até conveniências cir cunstanciais do Presidente da República. Além disso, do ponto de vista lógico-jurídico, é de se no tar que seu art. 1 87 rezava: "E sta C onstituiçã o entrará em vigor na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da Repú blica" . 387 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed . São Pau lo: Malheiros, 2000. p. 83. · Histórico das constituições brasileiras 701 O "plebiscito"388 jamais ocorreu, o que implicou no fato de que a Constituição de 1 937, que dependia dele, tecnicamente nunca vigorou. 5. CONSTITUIÇÃO DE 1 946 A vitória das nações aliadas contra o nazismo e o fascis mo, que contou com a participação brasileira, notadamente pelo envio das forças expedicionárias à Itália , apresentou-se como fator determinante para a redemocratização do país em 1 945, diante da impossibilidade de manter-se u.m modelo constitucio nal inspirado nessas ideologias derrotadas . Com esses antecedentes, em 1 8 de setembro de 1 946 o Brasil ganha sua quinta Constituição, a terceira promulgada e, indubitavelmente, a melhor de todas que já tivemos, incluindo-se a de 1 988, e que não nasceu de nenhum anteprojeto, conforme ocorrera com as de 1 891 e 1 934. Sua marca foi a restauração do regime democrático, destruído pelo golpe de Estado de 1 937. Foi uma Constituição Republicana, Federativa e Democrática. Nas palavras de Pinto Ferreira, "essa Constituição foi lon gamente esperada, como necessária à democracia. Represen tou um ponto intermédio. entre as forças do conservantismo e as forças do progresso. Restaurou as liberdades e garantias tradicionais asseguradas ao povo brasileiro, que a ditadura an teriormente havia violado"389. 388 É de se lembrar que a solução correta , in casu, seria a uti l ização do vocábu lo "referendo" e não "pleb iscito" , já q u e se real izaria uma con su lta popu lar a part ir de um Texto pronto, em verdadei ro exercício de democracia d i reta , por mais absurdo que isso possa parecer, em face do caráter autoritário desta Constitu ição. No entanto, Francisco Cam pos entendia não exist ir diferença conceitual entre as duas expressões, tendo sido uti l izada, exclusivamente, a palavra "plebiscito" em toda a Constituição, para designar tanto uma quanto outra real idade. 389 F E R R E I RA , P into. Curso de direito constitucional . 1 O. ed. São Pau lo : Saraiva, 1999. p. 59. 702 Curso de Direito Constitucional José Afonso da Silva elucida que essa Constituição "não deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propician do condições para o desenvolvimento do país durante os vinte anos em que o regeu"390. 5.1 . Estrutura da Constituição de 1 946 O saudoso Aliomar Baleeiro, ao escrever sobre a estru tura da Constituição de 1 946 afirmou: "Literalmente tão bem redigida quanto a de � 891 , a Constituição de 1 946 possuía 2 1 8 artigos, além de um 'Ato das Disposições Transitórias' com mais 36 artigos. Dividia-se em nove títulos, que se subdividiam em capítulos e este em secções. A estrutura e as linhas gerais assemelham-se às da Constituição de 1 89 1 , mas sem a rigidez presidencialista des ta , pois foram conservados os dispositivos que permitiam a convocação ou o comparecimento espontâneo dos Ministros ao Pleno; as Comissões de Inquérito parlamentar por iniciati va de 1 /5 dos membros de cada Câmara; a possibilidade de o congressista aceitar ministério sem perder o mandato etc"391 . É importante enfatizar que, embora contasse com os mencio nados 254 artigos, incluindo-se os das disposições perm.anentes e transitórias, a Constituição de 1 946 era bem mais enxuta que a nossa atual, que conta com 333 artigos, na medida em que cada um dos artigos da Carta de 1 946 possuía um número bem menor de dispositivos, diferentemente do que ocorre com o Texto atual . 5.2. Características principais Como corolário do forte ideal republicano, a Constitui ção de 1 946 apresenta as seguintes características deter- 390 S I LVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. ed. São Pau lo : Malheiros, 2000. p. 85. 391 BALE E I RO, A l iomar. Constituições brasileiras: 1946. v. V. 2. ed. Bra sí l ia : Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro de Estudos Estratég icos, 200 1 . p. 16. Histórico das constituições brasileiras 703 minantes: a) eleições diretas para Presidente e Vice-Pre sidente da República ; b) devolução das prerrogativas que haviam sido suprimidas do Legislativo pela criação de um Conselho Federal que eliminou o Senado em 1 937; c) re tomada do rol de direitos individuais da Carta de 1 934 ' acrescendo-se, ainda, o direito ao acesso incondicionado ao Poder Judiciário ; d) a redefinição dos direitos políticos, com o princípio da liberdade de criação e organização dos partidos pol íticos, e o conseqüente pluralismo partidário ; e) retorno das garantias do mandado de segurança e da ação popular, suprimidas pela Carta autoritária de 1 937; f) a pro teção aos trabalhadores, à família, à educação e à ordem econômica; g) o forte enfoque municipalista, tendo-lhes sido devolvida a autonomia suprimida quando da implemen tação da República; h) introdução do controle concentrado de constitucionalidade das leis pela Emenda Constitucional 1 6/65 o que, em virtude da manutenção do controle difuso, inaugura o sistema misto que mantém-se até os dias atuais, e; i) explicitação da espécie tributária da contribuição de melhoria, além de ampliação das imunidades tributárias, com contornos idênticos aos atuais. 5.3. O municipalismo e a política do homem Celso Ribeiro Bastos enfatiza o cunho municipalista da Constituição de 1 946 quando afirma que, "no campo local, pro priamente dito, prestigia-se o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje' o fez. Foi sem dúvida nenhuma a Constituição mais municipalista que tivemos"392• Conforme mencionado, desde a implementação da Repú blica, os Municípios vinham sofrendo uma diminuição crescente em suas autonomias, chegando-se ao ponto de ficarem com menos de sete por cento das receitas tributárias. 392 BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São ' Paulo: Saraiva , 1 999. p. 1 27. 704 Curso de Direito Constitucional Nas precisas lições de Aliomar Baleeiro, "os constituintes de 1 946 partiram do princípio filosófico kantiano de que o Esta do não é fim em si mesmo, mas meio para o fim. Este fim seria o homem . O Estado deveria fazer convergir seus esforços preci puamente para elevar material, f ísica, moral e intelectualmente o homem"393 (gritos no original). . Como o Brasil era um país eminentemente agrícola, e a ma1or parte da população encontrava-se situada no interior percebeu-se que a única forma de promover o desenvolviment� nacional seria pela descentralização dos sistemas de saúde educação e cultura, o que passava pela concessão de maio� autonomia aos Municípios, com o conseqüente aumento de participação na repartição das receitas tributárias. Assim é que a Constituição de 1 946 passou a destinar a totalidade das receitas resultantes do Imposto de Indú stria e Profissões aos Municípios e dez por cento do total arrecadado do Imposto sobre a Renda. Além disso, dispunha o art. 20 que "q uando a arrecadaçã o estadual de impostos, salvo a do imposto de exportaçã o, exce der, em M unicípio q ue nã o sej a o da capital, o total das rendas locais de q ualq uer naturez a, o E stado dar- lh e-á anualmente trinta por cento do excesso arrecadado"
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