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MIRANDA, Henrique Savonitti - Curso de Direito Constitucional

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SENADO FEDERAL 
SECRETARIA ESPECIAL DE EDITORAÇÃO E PUBLICAÇÕES 
SUBSECRETARIA DE EDIÇÕES TÉCNICAS 
CURSO DE DIREITO 
CONSTITUCIONAL 
HENRIQUE SAVONITTI MIRANDA 
3ª edição, 
revista e atualizada até a EC 48/05 
BRASÍLIA - 2005-
Capa: Palácio Monroe, Rio de Janeiro - RJ. 
Inaugurado em 23/07/1906, foi sede da Câmara dos Deputados 
(1914-1922) e do Senado Federal (1925-1960). Em 11/10/1975, 
o Presidente Ernesto Geisel autorizou o Patrimônio da União a
providenciar a demolição do Palácio Monroe, sob o argumento 
de que atrapalharia o trânsito e as obras do metrô. Em 1976 o 
Palácio foi demolido. 
M i randa, Henrique Savonitti 
M672c C u rso de d i re ito constitucional I Henrique Savonitti 
M i randa; Prefácio do Ministro Carlos Mário da Silva 
Velloso.-- 3. ed., rev. e atual. Brasília : Senado Federal, 2005. 
725 p. 
I SBN 85-70182-40-6 
1 . Direito Constitucional 2. Di reito Constitucional 
positivo 3. C iência do Di reito Constitucional 
4. Hermenêutica e I nterpretação Constitucional.
Editor: Senado Federal 
Impresso na Secretaria Especial de Editoração e Publicações 
Produzido na Subsecretaria de Edições Técnicas 
Diretor: Raimundo Pontes Cunha Neto 
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E-mail: ssetec@senado.gov.br : 
Para Guilherme e /sabe/a que, na alegria 
do sorriso ou na irreverência do protesto, 
estimulam, ensinam, divertem, realizam. 
A Constitu ição sintética possui um número reduzido de 
d ispositivos e busca controlar o poder estatal, estabelecendo 
os pri ncípios gerais e as regras que irão determ inar a organiza­
ção do Estado, a forma e os limites de exercício do poder. 
A Constitu ição analítica, por sua vez, é aquela que trata de 
matérias que não são substancialmente constitucionais, além de 
estabe lecer programas a serem perseguidos em busca de uma 
sociedade melhor, sem dizer, objetivamente, como isso será efe­
tivado. 
São Constitu ições sintéticas, a americana de 1 787 , as
chilenas de 1 833 e 1 925, a dominicana de 1 947 e a francesa de
1 946. Por outro lado, são analíticas as Constituições mexicana
de 1 9 1 7, i ndiana de 1 950 e portuguesa de 1 976.
Exemplo clássico, ainda, de constituição analítica é a Car­
ta bras i leira de 1 988, que conta, atualmente, com 344 art igos
(sendo 250 do Texto Constitucional permanente e 94 do Ato
das Disposições Constitucionais "Transitórias" que, diga-se de 
passagem , até hoje vem sofrendo emendas) . 
Tal fato deveu-se ao momento h istórico pelo qual su rgiu 
nossa atual Constituição e do equ ívoco do legislador consti­
tuinte em pensar que, inserindo o maior número possíve l de 
dispositivos na Constituição, os direitos ali veiculados estariam 
automaticamente protegidos. 
Entre os exageros do legislador da Carta da República de 
1 988 podemos lembrar o parágrafo 2º do art . 242 , ao prescrever
que "o Colégio Pedro 11, localizado na cidade do Rio de Janeiro, 
será mantido na órbita federa f'.
66 Curso de Direito Constitucional 
Capítulo 111 
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 
PODER CONSTITUINTE 
1 . NOÇÕES INICIAIS 
Para José Crete l la Jún ior, o Poder Constituinte apresen­
ta-se como "o órgão legis lativo do Estado, dotado de autoridade 
política, cuja f ina lidade é a de criar a Constituição ou de revê-la , 
o que só ocorre nos casos de Constitu ição ríg ida"29•
Ce lso R ibeiro Bastos o def ine como "aquele que põe em 
vigor, cr ia, ou mesmo constitui normas ju ríd icas de valor cons­
titucional . Com efeito, por ocuparem estas o topo da ordenação 
ju ríd ica, sua criação suscita caminhos próprios, uma vez que os 
normais da formação do direito, quais sejam, aqueles ditados 
pela própr ia o rdem ju rídica, não são uti lizáveis quando se trata 
de e laborar a própria Constitu ição"30 . 
M ichel Temer ens ina que, o Poder Constitu inte , que deriva 
do "poder de constituir" , consiste na "manifestação soberana de 
29 C RETELLA J R. , J osé. Elementos de d i reito constitucional . Rio de
Janeiro : Forense, 1990. p. 89. 
30 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São
Paulo : Saraiva , 1999. p. 20. 
67
vontade de um ou a lguns ind iv íduos capazes de fazer nascer um 
n úcleo social"31. Para e le , tais noções refug i riam da preocupa­
ção do ju r ista, na medida em que tal fato dar-se- ia em momento 
anter ior à formação do Estado. Ass im também é o pensamento · 
de g rande parte da Dogmática ju r íd ica mundial que conta, en­
tre tantos, com os ensinamentos de Celso Antôn io Bandei ra de 
Mel lo e Lu ís Recaséns Siches, como veremos a segu i r. 
Ressalte-se que o Poder Constituinte referido por Celso 
R ibe i ro Bastos e M ichel Temer é apenas o que dá i n ício a uma 
nova ordem estata l: o Poder Constituinte originário. Este , não 
se confunde com o Poder Constituinte derivado, que é aque­
le que se manifesta quando da necessidade de proceder-se 
a lguma alteração no Texto Supremo que inaugura o Estado e 
busca seu fundamento de val idade no poder anterior, conforme 
adiante será abordado. 
2. NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE
A natureza do Poder Constitu inte é tema bastante controver­
tido na Dogmática jurídica mundial . Os autores de cunho normati­
vista· não reconhecem exist ir juridicidade nesse Poder, atribuindo­
lhe características h istóricas e pol íticas, af i rmando que sua origem 
advém da força ou energia social. Assim sendo, não seria objeto 
de estudo da Ciência do Direito, mas de outros ramos do conheci­
mento humano que se preocupam com esses dados sociais. 
Outros autores, ent retanto, como o abade E m manue l 
Joseph Sieyês, sustentam a ju r id ic idade do Poder Constitu i nte, 
atribu indo- lhe uma expl icação jusnaturalista. 
Celso Antôn io Bandei ra de Mel lo manifesta-se: "A pr imeira 
inqagação que ocorreria é se o Poder Constituinte é um Poder 
Jurídico ou não. Se se trata de um dado interno ao mundo do 
d i reito, ou se, pelo contrário, é algo que ocorre no plano das rela-
31 TEMER, M ichel . Elementos de direito constitucional. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 1995. p. 31. 
68 Curso de Direito Constitucional 
ções pol ítico-sociais, mu ito mais do que no plano da real idade do 
d ireito. E a minha resposta é que o chamado Poder Constitu inte 
orig inário não se constitui num fato ju rídico. Em rigor, as carac­
terísticas, as notas que se apontam para o Poder Constitu inte, o 
ser incondicionado, o ser ilimitado, de conseguinte, o não 
conhecer nenhuma espécie de restrição, já estão a indicar 
que ele não tem por referencial nenhuma espécie de norma 
jurídica, pelo contrário, é a parti r dele que vai ser produzida a lei 
suprema, a norma jurídica suprema, o texto constitucional; tem­
se conc lu i r que o Poder Constitu inte é algo pré-jurídico, precede, 
na verdade, a formação do di reito" 32 (grifas nossos) . 
Na mesma l i nha de racioc ín io, Recaséns Siches afi rma 
que ta l problema não poderia ser explicado pelo puro ju rista, na 
medida em que este move-se dentro do campo do ordena­
mento jurídico positivo. Produzido o fato vio lento que arru ína 
o sistema, ele sente como se estivesse destru ída a esfera onde
morava. "Poderá transportar-se para a nova esfera , para o novo 
sistema cr iado pelo movimento tri unfante; mas não poderá adu­
zir para isto razões ju rídico-positivas, mas sim outro t ipo de ra­
zões (h istóricas, pol íticas, sempre em conexão com pontos de 
vistas est imativos)"33. 
F ina lmente, cremos que seja pert inente referi rmo-nos ao 
pensamento de Georges Burdeau, que - em posição diame­
tra lmente oposta aos demais - aponta três características es­
senciais ao Poder Constituinte: "É inicial, porque nenhum outro
poder existe acima dele, nem de fato nem de d i re ito,exprim indo 
a idéia de d i re ito predominante na coletividade; é autônomo, 
porque somente ao soberano (titu lar) cabe decid i r qual a idéia 
de dire ito prevalente no momento h istórico e que moldará a es­
trutura ju rídica do Estado; é incondicionado, porque não se 
32 M ELLO, Celso Antôn io Bandei ra de. Revista de d i reito constitucional, 
v. 4, p. 69. 
33 RECASÉNS SICHES, Lu ís. Tratado general de filosofia del derecho. 
2. ed. M éxico: Porrúa, 1953. pp. 297-8. 
Poder Constituinte 69 
subord ina a qualquer regra de forma ou de fundo. Não está 
regido pelo direito positivo do Estado (estatuto jurídico an­
terior) , mas é o mais brilhante testemunho de um direito 
anterior ao Estado. Para Burdeau seria paradoxal recusar a
qual idade jurídica de um poder mediante o qual a idéia de di­
reito se faz reconhecer e , por conseqüência, se impõe no orde­
namento ju rídico i ntei ramente"34 (grifos nossos) . 
Note-se o n ítido caráter jusnaturalista do pensamento de 
Burdeau, ao afi rmar que o Poder Constitu inte "é o mais br i l han­
te testemun ho de um d i re ito anterior ao Estado" . 
Ass im, para a lguns autores, como Celso Antôn io Bandei ra 
de Mel lo, Recaséns Siches, M ichel Temer e Celso Ribeiro Bas­
tos, o Poder Const itu i nte or ig inário possui natu reza metajurídi­
ca, por não encontrar fundamento em d i re ito (natu ral ) anter ior, 
mas em uma manifestação social . 
Para outros, como Georges Burdeau e Emmanuel S ieyês 
o Poder Constitu inte or ig i nário ter ia natureza jurídica, advindo
do Di reito natu ral . Como agora veremos, Sieyês defendia que 
o poder de fazer a Constitu ição seria um direito natural da bur­
guesia , por ser e la quem suportava todas as atividades produ­
tivas do Estado. 
O que todos concordam é que, pelo caráter de inicialida­
de do Poder Constituinte orig inário, este jamais poderá bus­
car fundamento em Direito posit ivo anterior. Assim, ou o Poder 
Constitui nte or ig inário terá fundamento em Di reito natural (va­
lores eternos e un iversais), ou em manifestações sociais não 
explicáveis pelo Cientista do Di re ito. 
2.1. O pensamento de Emmanuel Sieyes 
Na árdua tarefa de invest igação acerca da natu reza do 
Poder Constitu inte , necessitamos incursionar pelo pensamen-
34 B U RDEAU, Georges apud BASTOS, Celso R ibe i ro. Curso de direito 
constitucional . 20. ed . São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25. 
70 Curso de Direito Constitucional 
to do abade Emmanue l Joseph S ieyês ( 1 748-1 836), manifes­
tado por u m pequeno panfleto int i tu lado Que é o Terceiro Es­
tado?, pub licado sem o nome de seu autor no i níc io de jane i ­
ro de 1 789, que acabou por tornar-se um dos def lag radores
da Revo l ução Francesa, g raças ao seu teor de re ivindicação 
bu rg uesa contra o privi légio e o absol utismo. 
Segu ndo as l i ções de Celso Ribei ro Bastos, para Sieyês, 
"a nação (ou o povo) se identif icava com o Terce i ro Estado 
(ou a burguesia) . Demonstrava isto, afirmando que o Terce i ro 
Estado suportava todos os trabal hos particu lares (a at ivida­
de econôm ica, desde a exercida na indústria, no comércio, 
na agricu ltura , e nas profissões c ientíficas e l iberais, até os 
serviços domésticos) e a inda exercia a q uase-totalidade das 
funções públ icas, exclu ídos apenas os l ugares l ucrativos e ho­
noríf icos, correspondentes acerca de um vigés imo do total , os 
quais eram ocupados pelos outros dois Estados, o c lero e a 
nobreza, p rivilegiados sem mérito. A classe priv i legiada cons­
titu ía um corpo estranho à nação, que nada fazia e poder ia ser 
suprimida sem afetar a subsistência da nação; ao contrário, as 
coisas só poderiam andar melhor sem o estorvo deste corpo 
i ndolente" . 
E conclui: "O poder constituinte é , assim, um poder d e di­
reito, que não encontra lim ites em direito positivo anterior, mas 
apenas e tão-somente no d i reito natural , existente antes da na­
ção e acima dela . Além disso, o poder constituinte é inal ienáve l , 
permanente e incondicionado"35. 
Suas idé ias reivindicavam uma representação por meio de 
deputados que pertencessem, realmente, ao Terceiro Estado, 
e le itos por seus integrantes e que comporiam o parlamento 
igual itar iamente , ao lado dos representantes das outras duas 
classes (nobreza e clero) . Para isso, necessitava-se de uma 
35 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
Paulo : Saraiva, 1999. pp. 21-2. 
Poder Constituinte .71
Constitu ição que def in isse as formas, os órgãos e as funções 
do Estado, bem como a manei ra de exercício do Poder36. 
Para Sieyês, o Tercei ro Estado era uma nação completa , 
porque o que se precisava para que uma nação subsistisse e 
prosperasse eram trabalhos particu lares e funções públ icas e 
isto, como vimos, a burguesia detinha. 
Em belíss imo trecho de sua obra, Emmanuel S ieyês afi r­
ma que "em toda nação l ivre - e toda nação deve ser l ivre - só 
há uma forma de acabar com as d ife renças, que se produzem 
com respeito à Const itu ição. Não é aos notáveis que se deve 
recorrer, é a própr ia nação. Se p recisamos de Constitu ição, 
devemos fazê- la . Só a nação tem d i re ito de fazê- la . Se temos 
uma Constitu ição, como a lguns se obst inam em afi rmar, e que 
por e la a assemblé ia geral é d iv id ida , de acordo com o q ue 
p retendem , em três câmaras de três ordens de cidadãos, não 
podemos, por isso de ixar de ver que existe da parte de uma 
dessas ordens uma rec lamação tão forte , que é i mpossíve l 
avançar sem ju lgá- la . E quem é que deve resolver tais d iver­
gências?"37 . 
36 Moacyr Amaral Santos, em primoroso estudo sobre o Poder Constituin­
te, ensina que: " Em seu l ivro Manifesto, empenhou-se Sieyês em salien­
tar o anacronismo do absolutismo vigente, reg ime de privilégios odiosos 
sustentado por um injusto sistema de votação por estamentos, que fazia 
prevalecer a vontade da nobreza e do clero em detrimento do Terceiro Es­
tado( . . . ) O abade de Chartres, contudo, se consagrou no mundo jurídico 
por ter tido a primazia de conceber a existência de um poder criador da 
Constituição, poder estabelecedor da organização pol ítico-jurídica do Es­
tado, que denominou Poder Constituinte. Sobre esse poder que antecede 
a Constituição, poder não compreendido entre os poderes constituídos, 
o i lustre Cura desenvolveu longamente seu pensamento nas páginas do
seu citado opúsculo. Do tema ainda cuidou em estudos esparsos e em 
pronunciamentos feitos perante a Assembléia Nacional Francesa". 
Cf.: SANTOS, Moacyr Amaral. O poder constituinte . p. 20.
37 S I EYES, Emmanuel Joseph. A constituinte burguesa . Trad.: Norma
Azevedo. 4. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 2001. p. 45. 
72 Curso de Direito Constitucional 
3. TITULARIDADE DO PODER CONSTITUINTE 
A q uestão da titu laridade do Poder Constitu i nte encontra­
se absolutamente atrelada ao problem� de sua natureza.
Conforme demonstrado por trechos extraídos das obras
de juri stas i nternacionais de renome - e, também , para que
sejamos coerentes com a l i nha de raciocín io que vimos desen­
volvendo desde nosso pr imei ro capítu lo - encontramo-nos em
consonância com o pensamento de Celso Bastos, que af i rma
"parecer certo conclu i r que o poder constitu i nte não é um poder
juríd ico e , em conseqüência, não existe um problema de sua
titular idade dentro da ciência do D i re ito"38 .
Exp l icitemos melhor, uti l izando as palavras de Jorge Rei-
naldo Vanossi: 
"A i nterrogação sobre a titu laridade, o sujeito do ,Poder 
Constitu i nte, aponta sobretudo o plano das crenças. E uma
questão cuja resposta é dada pela filosofia política. Quem
detém o Poder Constitu i nte? A quem pertence? A quem cor­
responde? Quem é o titu lar? Isto só pode ser respondido nos
termos de crença, que são os termos da legitimidade. A legi­t im idade, como bem diz ia Weber, é a crença numa certa lega­
l idade. Portanto, ao problema da titu lar idade do Poder Cons­
titu inte correspondem tantas respostas quantas posturas
filosófico-políticas possam ser imaginadas. Antigamente , na
época do apogeu das crenças teocrátic�s , em que se af i rn:ava
que todo o poder provinha de Deus, obv1a�ente que ta�be� o
Poder Constituinte provinha de Deus. Nas epocas monarqUico­
aristocráticas, o Poder Constitu inte provinha do rei , da nobre­
za; ou seja, dos estamentos privi leg iados; ao passo que, nas
concepções democráticas, o Poder Constituinte pertence ao
povo, entendendo por povo a cidadan ia que se expressa de
forma d i reta ou representativa através do sufrágio un iversal" .
38 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de d ire.ito constitucional . 20. ed. São 
Paulo: Saraiva, 1999. p. 28. 
Poder Constituinte 73 
E conclui: "No século atual , com a aparição dos fenômenos 
totalitários, o tema da titularidade do Poder Constituinte cobra 
nova atualidade, devendo ser encarado atendendo às novas pos­
turas que têm aparecido; por isso, hoje, pode-se dizer que há 
duas respostas ao tema da titularidade do Poder Constituin­
te: a resposta autocrática e a resposta democrática. A respos­
ta autocrática fará fundar a titularidade do Poder Constituinte no 
princípio minoritário. Ao passo que a resposta democrática ubica­
rá a t �tul��ida�e do
, Poder Constituinte no princípio majoritário. oque s1gn1f1ca 1sto? E que para as novas tendências autocráticas 
o Poder Co.nsti�uinte sempre vai estar protagonizado como sujeito
P?� uma m1nona, bem seja, por uma minoria de raças, de reli­
g•ao, de classe social, de grupo militar que detenha o poder 
ou uma 
.. 
�inoria oligárquica econômica. Já, para a concepção
democrat1ca, o Poder Constituinte residirá sempre na soberania
do 
.
P�",o� que se expressa através de um princípio precisamente�aJO�Itano, que é o da metade mais um e que requer uma veri­
f!caçao do �r�cesso através do único mecanismo possível , que
e o das ele1çoes. Enquanto as tendências autocráticas falam do 
assentime�to popular, as tendências democráticas só podem falar
do �onsent1mento popular. Assentimento é assentir, tolerar, aceitar
resignadamente. Com isto, os autocratas invocam a presença do 
pov�, mas não indicam o seu consenso. Ao passo que na demo­
cracia, requer-se uma verificação concreta, objetiva, matemática, 
do conse.nso que só pode se realizar através de eleições livres, como me1o de absoluta liberdade de expressão"39 (gritos nossos). 
4. AGENTES DO PODER CONSTITUINTE 
. . 
M�noel Gonçalves Ferreira Filho chama a atenção para a
d1st1nçao que deve haver entre os temas da "titularidade" e dos 
"agentes" do Poder Constituinte . 
39 VAN OSS I , Jorge Reinaldo. Revista de direito constitucional v 1 pp 
16-7. 
' . ' .
74 Curso de Direito Constitucional 
Para ele , o agente do Poder Constituinte seria o homem 
ou o grupo de homens que, em rep resentação do titular (nas 
concepções democráticas, o povo) e labora a nova Lei Funda­
mental de um país. 
E , nesse diapasão, chama a atenção para duas conse­
qüências importantes que surgem da diferenciação entre titular 
e agente: "Uma, a de que o Poder Constituinte do titular perma­
nece, não se exaurindo depois de sua manifestação, enquanto 
o do agente se esgota, concluída a sua obra . Outra , a de que
a obra do agente está sempre sujeita a uma condição de eficá­
cia. Com efeito, antes disso não é uma verdadeira Constituição, 
para seguir as l ições de Kelsen"40. 
5. ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE 
Examinadas as questões da natureza, da titularidade e dos 
agentes do Poder Constituinte, cabe-nos versar sobre suas es­
pécies, bem como quanto à forma de sua uti lização. A dogmá­
tica constitucionalista pátria distingue duas espécies de poder 
constituinte: o originário ou genuíno e o derivado ou cons­
tituído. 
5.1 . Poder constituinte originário 
O poder constituinte originário apresenta-se como a prerro­
gativa de elaboração da nova ordem estatal . Possui três caracte­
rísticas fundamentais: é inicial, autônomo e incondicionado. 
A inicialidade do poder constituinte originário advém de 
seu caráter revolucionário. Seu surgimento representa uma 
ruptura com a ordem jurídica estabelecida anteriormente. Tanto 
assim que ele é o responsável pelo surgimento de um novo 
Estado, na hipótese de elaboração da p rimeira Constituição de 
4° FERRE I RA FI LHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 
22. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 22. 
Poder Constituinte 75
um país, ou de profundas alterações em país já constituído, re­
presentan<:fo, de qualquer forma, o término de um ciclo e início
d: outro. E autônomo, por apresentar-se como causa de si,
nao d:pendendo de nada para existir. É, ainda, incondicionado,
por nao demonstrar qualquer limitação de forma ou conteúdo. 
, . 
Todavia, cremos que entender o poder constituinte origi­
nano �orno incondicionado, apresenta-se como prerrogativa
�x�1u_
s1va ?aqueles que defendem que sua natureza é meta­
JUrl� lca, 
_
firmando sua origem por meio da força ou energia
soc1al, nao encontrando, assim, explicação em direito natural.
�a.ra aquele:_s que a,
dvogam a natureza jurídica desse poder, a
un1ca soluçao poss1vel está em vislumbrá-lo como condiciona­
do
.
, na �edida em que estaria limitado pelos valores eternos e
un1versa1s do Direito natural. Não teria, pois, caráter absoluto. 
. Le�b.ra: �inda, Celso Ribeiro Bastos, que "o poder consti­tuinte ong1nano sempre cria uma ordem jurídica, ou a partir do
n�da, no caso do surgimento da primeira Constituição, ou me­
� lante a ruptura da ordem anterior e a implantação revolucioná­
na de uma nova ordem. O poder reformador apenas modifica a
Constituição"41.
. . �u!to� autores afirmam que apenas o Poder Constituinteong·rn·a�1o e �?der Constituinte, porque apenas ele possui cará­
ter 1�1c1al e Ilimitado, obrigando o Poder Constituinte derivado
a r.et1rar da própria Constituição já posta seu fundamento devahdade42. 
Na verdade, podemos dizer que existem duas espécies de
Poder Constituinte que,. de fato, possuem natureza diversa. Ao
P.asso que um é ilimitado e inicial, o outro é limitado e condi­Cionado .. Feitas ��sas_ 
importantes distinções, não há nada que
desautonze a ut1hzaçao da expressão "Poder Constituinte" pelo
41 BAST OS, c.e lso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. SãoPau l o: Sara1va, 1999. p. 31. 
42 N este sen!id? são as
. 
lições de Ca
.
r l Schimitt, Lu ís Recaséns Siches e 
Celso Anton1o Bande1ra de Mel lo, entre outros. 
76 Curso de Direito Constitucional 
segundo, bastando que não nos esqueçamos que tais expres­
sões possuem conteúdos semânticos diferenciados.
5.2. Poder constituinte derivado 
O Poder constituinte derivado, ao contrário do que se
verifica com o poder constituinte originário, não é inicial, autô­
nomo e incondicionado, mas secundário, dependente e con­
dicionado. 
É secundário porque pressupõe a existência de uma
Constituição vigente, sobre a qual serão realizadas alterações,
ou que servirá como parâmetro objetivo à elaboração das Cons­
tituições Estaduais e Leis Orgânicas municipais e distrital. Tam-
. bém não é autônomo, mas dependente, pois tem sua atuação
diretamente ligada à Constituição pré-existente. E, finalmente,
é condicionado, por encontrar quatro ordens de limitações à
sua atuação.
Vejamos, pois, quais as três espécies de Poder consti­
tuinte derivado para, depois, analisarmos as limitações que a
Constituição Federal de 1988 impõe ao seu exercício.
5.2. 1. E spéci es de Poder consti tui nte deri vado 
O Poder constituinte derivado, prerrogativa de alterar
o texto da Constituição originária, bem como de os Estados­
membros, Municípios e Distrito Federal elaborarem suas Cons­
tituiçõesEstaduais e Leis Orgânicas, apresenta três espécies:
a) poder constituinte derivado revisional; b) poder consti­
tuinte derivado reformador, e; c) poder constituinte deriva­
do decorrente. 
5.2.1.1. Poder constituinte derivado revisional 
O Poder constituinte derivado revisional consistia na
.Possibilidade de elaboração de uma revisão constitucional, a
partir do quinto ano de promulgação da Constituição, conforme
Poder Constituinte 77 
determinação expressa do art. 3º do Ato das Disposições Cons­
titucionais Transitórias - ADCT.
Durante o período de revisão constitucional, as alterações
no Texto Supremo seriam realizadas pelo voto da maioria ab­
soluta dos membros do Congresso Nacional, reunidos em ses- · 
são unicameral. 
Essa prerrogativa já foi exaurida, tendo dado origem a seis
Emendas Constitucionais de Revisão, sendo a de nº 1 , de 1 º
de março de 1 994, e as de números 2 a 6, de 7 de junho de
1 994.
5.2.1 .2. Poder constituinte derivado reformador
O Poder constituinte derivado reformador apresenta-secomo a prerrogativa de elaborar Emendas ao Texto Supremo,observado o procedimento previsto no art. 60 da ConstituiçãoFederal de 1 988. 
· 
A proposta de Emenda à Constituição poderá ser encami­nhada: a) por um terço, no mínimo, dos membros da Câmarados Deputados ou do Senado Federal; b) pelo Presidente daRepública; c) por mais da metade das Assembléias Legislativasdas unidades da Federação, incluindo-se a Câmara Legislati­va do Distrito Federal, manifestàndo-se, cada uma delas, pelamaioria relativa de seus membros. 
Segundo previsão do parágrafo 2º do art . 60, " a propostaserá di scuti da e votada em cada C asa do C ongresso Naci onal, em doi s turnos, consi derando-se aprovada se ob ti ver, em am­b os, trê s q ui ntos dos votos dos respecti vos memb ros'. 
A promulgação será feita pelas Mesas da Câmara dosDeputados e do Senado Federal, com o respectivo número deordem. 
É importante ressaltar, com vistas ao que fora exposto, naoportunidade em que conceituamos e classificamos as Consti­tuições, que o poder reformador só encontra razão de ser nosordenamentos jurídicos firmados por Constituições rígidas ou
78
Curso de Direito Constitucional 
semi-rígidas, na medida em que nos demais (compostos por
constituições flexíveis), o poder reformador confunde-se com o
próprio procedimento utilizado para a elaboraçã� das l�is ordi­
nárias, não havendo distinção formal entre os ve1culos Introdu­
tórios de normas ordinárias e constitucionais.
5.2.1 .3. Poder constituinte derivado decorrente 
Uma importante espécie de Poder Constituinte derivado,
esquecido por parte dos constitucionalistas nacionais, trata-se
do Poder Constituinte derivado decorrente.
Consiste na prerrogativa que detém os Estados-mem­
bros de elaborarem suas próprias Constituições Estaduais
e os Municípios e Distrito Federal de elaborarem suas Leis
Orgânicas. 
É bom que se esclareça que os diplomas normativos mu­
nicipais possuem um conteúdo bem mais delimitado do que o
das Constituições Estaduais e o da Lei Orgânica Distrital, mes­
mo porque a natureza de menor circunscrição territorial do Mu­
nicípio assim exige.
Todavia, seu estudo, dentro deste tópico, justifica-se pelo
fato de apresentarem-se como a lei máxima de um Município,
dotada de características que fazem lembrar a natureza de uma
Constituição em sentido substancial, qual seja, a de dispor so­
bre a organização e estruturação de um ente político.
É mister lembrar que, por se tratar de manifestação do Poder
Constituinte derivado, tal prerrogativa não se apresenta ilimi­
tada e incondicionada, mas retira seu fundamento de validade
e os limites de sua atuação da própria Constituição originária
vigente.
5.2.2. Li mi tações ao Poder consti tui nte deri vado 
O Poder Constituinte derivado ou instituído encontra limita­
ções na esfera I ícita de seu atuar.
Poder Constituinte 79
Tais limitações são de quatro ordens, podendo ser classifi­cadas em materiais explícitas, materiais implícitas, circuns­
tanciais e procedimental. 
5.2.2. 1 . Limitações materiais explícitas
A maior limitação ao poder constituinte derivado encontra­se insculpida no parágrafo 4º do art . 60 da Constituição Federal,que traz o conjunto de normas que a doutrina convencionou de­nominar "ciáusulas pétreas". Vejamos: 
"Nã o será obj eto de delib eraçã o a proposta de emendatendente a ab oli r: 
I- a forma federati va de E stado;
11- o voto di reto, secreto, uni versal e perió dico; 
111 - a separaçã o dos Poderes;
IV- os di rei tos e garanti as i ndi vi duai s." 
Tratam-se, portanto, de limitações materiais explícitasao poder de alteração constitucional, que não permitem sequera deliberação sobre proposta que objetive ferir essas matériastidas por insuprimíveis pelo legislador constituinte, tamanha arelevância que este lhes atribuíra. 
Ressalte-se que a expressão " tendente a ab oli r", utilizadapelo legislador constituinte, chegou a ser objeto de algumacontrovérsia doutrinária. Para alguns, a Constituição Federalvedaria a "abolição de tais direitos", sendo que a supressãode tópicos de alguns dos itens relacionados não caracterizariauma abolição. Para outros, no entanto, qualquer supressão dedireitos é uma abolição - mesmo que parcial - e, portanto, es­taria vedada pelo constituinte originário. Atualmente, predomi­na o segundo entendimento, considerando-se inconstitucionala tentativa de eliminar-se quaisquer desses direitos. 
Note-se que o legislador constituinte originário houve porbem vedar qualquer "abolição", restando permitido que o cons­tituinte derivado faça alterações sobre esses tópicos que visemao acréscimo de outros direitos inicialmente não previstos, bem
80
Curso de Direito Constitucional 
como a reestruturação dos já existentes, conforme ocorreu com
a edição da Emenda Constitucional nº 45/04 �u
d
e 
C
acres�
t
e�t�u
mais um inciso e dois parágrafos no rol do art . 5- a onst1 UIÇao
Federal.
5.2.2.2. Limitações materiais implícitas 
Segundo as lições de Michel Temer, "s�o implí� ita� as ve­
dações atinentes à supressão do próprio .artigo �ue 1mpoem ex­
pressamente aquelas proibições. Não tena sent1do emenda q�e
suprimisse o disposto no§ 4º do art. 60,. 
da. CF. Outra vedaçao
implícita é a impediente de reforma const1tuc1on_a1 �ue re��za as
competências dos Estados federados. Assim, �ao e perm1t1do "
ao
exercente da competência reformadora loc�l�zar as comp�ten­
cias residuais dos Estados e, por emenda ad1t1va, �crescenta-�s
às da União ou do Município, pois isto tende a abolir a fede raça�.
É que, em dado instante, o Texto Constituci_onal, embora .�antl­vesse intacta a sua letra, estaria substancialmente mod1f 1cado
na medida em que os Estados federados não tivessem n�nhuma
competência. Também se veda, implicitamente, alteraçao cons­
titucional que permita a perpetuidade do m�nd,
a�o, dado �ue a
temporariedade daqueles é assento do pnnc1�1o repubhcan�.
Finalmente, é proibição implícita aquela que at1n� ao pr�cedl­
mento de criação da norma constitucional, �m n1vel , 
�envado.
Isto porque o constituinte estabeleceu proced1m��to ng1do para
a reforma e em grau determinado"43 (gritos no ong1�al). 
Em razão desta última restrição relacionada por Michel
Temer, que impediria a alteração do procedimento c?ns�ituci_
o­
nalmente previsto para edição das emendas con�t1tuc1ona1s,
podemos afirmar que fica vedada qualquer tentat1va de n
o
ova
revisão constitucional, assegurada uma vez pelo art. 3- do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e já realiza­
da, pois isso implicaria em alteração do rit� c?ns�tu� ion�l�en­
te previsto, representando ofensa a essa hm1taçao 1mpl1c1ta. 
43 T EM E R , Michel. Elementos de direito constitucional . 11. ed. São Paulo: 
Malhe i ros, 1995. p. 37. 
Poder Constituinte 81
5.2.2.3. Limitações circunstanciais 
Por fim, são limitações circunstanciais ou temporaisaquelas contidas no parágrafo 1 º do art. 60, que impedem a
edição de Emenda Constitucional durante a vigência de estado
de defesa, estado de sítio ou intervenção federal.
Tal fato justifica-se pelo grave abalo da serenidade e do
equilíbrio nacional causados por esses eventos. Com essa de­
terminação, o constituinte pretendeu vedar que o Texto Consti­
tucional - Lei Maior que cria e organiza um Estado - pudesse
vir a ser alterado em situações que, pelo seu alto grau de insta­
bilidade, levassem à adoção de medidas casuísticas, provoca­
das pelas circunstâncias.
5.2.2.4. Limitação procedimental 
A limitação procedimental ao poder de alteração consti­
tucional está veiculada pelo parágrafo 5º do art. 60 da Consti­
tuição da República, que veda que a matéria constante de pro­
posta de emenda rejeitada ou prejudicada possa ser objeto de
nova proposição na mesma sessão legislativa.
A sessão legislativa ordinária apresenta-se como o ano
parlamentar que, nos termos do art. 57 da Constituição Federal,
corresponde ao período compreendido entre 1 5 de fevereiro a
30 de junho e 1 º de agosto a 1 5 de dezembro.
5.2.3. O pensamento de Jorge Reinaldo Vanossi e o problema 
das limitações ao Poder constituinte derivado 
As limitações materiais expressas ao poder de alteração
constitucional, vale dizer, as chamadas "cláusulas pétreas", que
no ordenamento jurídico brasileiro encontram-se insculpidas no
parágrafo 4º do art. 60 da Constituição da República, possuem
defensores na maior parte da dogmática constitucionalista
mundial.
82 Curso de Direito Constitucional 
Todavia, alguns autores falam da insustentabilidade e do
mal que, muitas vezes, essa impossibilidade de mudança aca­
ba trazendo ao ordenamento jurídico de determinado Estado.
Dentre esses autores, ressaltamos o jurista argentino Jorge
Reinaldo Vanossi, que relaciona uma série de argumentos con­
tra essa medida, sendo os principais citados na obra de Celso
Ribeiro Bastos, que abaixo transcrevemos:
"a) a função essencial do poder reformador é a de evitar
o surgimento de um poder constituinte revolucionário e, pa­
radoxalmente, as cláusulas pétreas fazem desaparecer essa
função; b) elas não conseguem se manter além dos tempos
normais e fracassam nos tempos de crise, sendo incapazes de
superar as eventualidades críticas; c) trata-se de um 'renasci­
mento' do direito natural, perante o positivismo jurídico; d) antes
de ser um problema jurídico é uma questão de crença, a qual
não deve servir de fundamento para obstaculizar os reformado­
res constituintes futuros. Cada geração deve ser artífice de seu
próprio destino; e) argumento de Biscaretti: admite-se que um
Estado pode decidir sua própria extinção; 'não se compreende
porque o estado não poderia, então, modificar igualmente em
forma substancial seu próprio ordenamento supremo, ou seja,
sua própria Constituição, ainda atuando sempre no âmbito do
direito vigente. Por esses motivos, Vanossi conclui pela inutilida­
de e relatividade jurídica das cláusulas pétreas expressas. Sua
virtual idade jurídica se reduz a zero nas seguintes hipóteses: a)
a cláusula proibitiva é desrespeitada e a reforma do conteúdo
proibido torna-se eficaz, com vigência perante os órgãos do Es­
tado e acatamento comunitário; b) superação revolucionária de
toda a Constituição, em que desaparece a própria norma proi­
bitiva; c) derrogação da norma constitucional que estabelece a
proibição, mediante procedimento regular, e ulterior modifica­
ção do conteúdo proibido"44.
44 BASTOS, Celso R ibei ro. Curso de direito constituciona l . 20. ed. São
Paulo : Saraiva, 1999. p. 36. 
Poder Constituinte 83
Note-se que a idéia defendida por Vanossi assemelha-se
ao modelo de uma constituição semi-rígida, como tivemos
em 1824. Nada seria imutável, porém, determinada categoria
de normas exigiria um procedimento extremamente gravo­
so para que pudesse sofrer alterações. Lembre-se que na
Constituição de 1824, existiam normas que se modificavam
pelo simples procedimento utilizado para a elaboração de
uma lei ordinária (normas formalmente constitucionais) ao
passo que, outras, só poderiam sofrer alterações
. 
após qua­
tro anos do juramento da Constituição Brasileira e, ainda,
se aprovadas em uma determinada legislatura, tal ato fosse
ratificado na legislatura subseqüente (normas materialmente
constitucionais).
É certo que as "cláusulas pétreas não se sustentam além
dos tempos de crise" e que "cada geração deve ser artífice de
seu próprio destino", como assevera Vanossi. Todavia, se é
verdade que em situações absolutamente extremas as limita­
�ões ao poder de reforma não conseguem impor-se, também
e verdade que, em situações de crise menos acentuada as
restrições ao poder constituinte derivado possuem import�nte
. papel na tarefa de proteção ao núcleo essencial da Constitui­
ção, constituindo-se como indispensável elemento de seguran­
ça jurídica.
É importante notar que, em provas objetivas de concursos
públicos, não devem ser consideradas as posições defendidas
por Vanossi - a menos que as afirmações sejam expressamen­
te atribuídas. a ele - por tratar-se de ponto de vista que não
encontra guarida no direito positivo brasileiro, apresentando-se
apenas como especulação científica.
6. EXERCÍCIO DO PODER CONSTITUINTE 
Atualmente, é consenso afirmar-se que a titularidade do
Poder Constituinte pertence ao povo. Tal fato justifica-se pela
grande aceitação que a ideologia democrática adquiriu em todo
o contexto mundial nos dias atuais. · 
84 Curso de Direito Constitucional 
Embora tenhamos afirmado que a natureza do Poder
Constituinte encontra uma explicação metajurídica, seu exer­
cício é assunto que concerne ao estudioso do Direito Consti­
tucional.
Celso Ribeiro Bastos relaciona, com sua habitual pro­
priedade, as formas de exercício do Poder Constituinte. Ve­
jamos:
"As distintas respostas ao exercício desse poder estão da­
das pelos diversos mecanismos que as Constituições contem­
plam para efeitos de funcionamento dos procedimentos de re­
visão ou de emenda constitucional, e aqui, sim, cabem formas
de exercício muito variadas: os regimes autocráticos praticam
formas de exercício autocrático. Estes são os casos típicos dos
atos institucionais ou estatutos do processo, como se de­
nominam na Argentina.
Nas concepções democráticas, o exercício do poder
constituinte pode-se realizar através da democracia direta ou
da democracia representativa, ou de fórmulas mistas que
combinem ambas as formas .
Democracia direta, em matéria de poder constituinte, são
os referendos de aprovação da Constituição.
Democracia representativa são os sistemas de conven­
ções constituintes, em que o povo é convocado para eleger
uma assembléia que especificamente e unicamente vai exercer
o poder constituinte.
Já os sistemas mistos são aqueles que combinam a
nota representativa com a participação direta do povo"45 (gri­
tos nossos).
O Estado brasileiro adotou a forma representativa (ou
indireta) para o exercício do Poder Constituinte originário
que culminou na Constituição de 1 988. Deixou, todavia, uma
45 BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
Paulo : Saraiva, 1999. p. 32. 
Poder Constituinte 85 
possibilidade para o exercício da Democracia direta quando
d
.
a .�tuação do poder constituinte derivado, prevendo a pos­Sibllld��e de recurs� ao plebiscito e ao referendo popular para
a dec1sao de questoes que se apresentarem polêmicas, bem
como para que se examinasse, após cinco anos da elaboração
do Text?" Su.premo (o que ocorreu em 7 de setembro de 1 993), ac?nven1enc1a da manutenção da forma e do regime de governov1gentes. · 
. Ressalte-se que, embora a iniciativa popular tambémseJa forma de manifestação de democracia direta nos termosdo inciso 11 I do art. 1 4 da Constituição Federal de 
'
1 988, ela sótem lugar quando da propositura deprojetos de lei ordinária conforme prevê o parágrafo segundo do art. 61 , não se reve�lando, assim, forma direta de exercício do poder constituintederivado. 
86 Curso de Direito Constitucional 
Capítulo IV 
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 
HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL 
1 . INTRODUÇÃO 
Segundo as lições de Maria Helena Diniz, "o homem é,
ao mesmo tempo, indivíduo e ente social. Embora seja um ser
independente, não deixa de fazer parte, por outro lado, de um
todo, que é a comunidade humana.
Para que as criaturas racionais atinjam seus objetivos, a
condição fundamental é a de se associarem. Sozinho, o homem
é incapaz de vencer os obstáculos que o separam de seus ob­
jetivos fins".
E conclui: "O fundamento das normas está na exigência
da natureza humana de viver em sociedade, dispondo sobre
o comportamento dos seus membros. A sociedade sempre foi
regida e se há de reger por um certo número de normas, sem o
que não poderia subsistir"46 (gritos no original).
Já afirmamos que é inato ao ser humano viver em socieda­
de, conforme reconhecem os filósofos desde a antigüidade.
46 D I N IZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 
7. ed. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 301.
87
Capítulo XVI 
••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••• 
HISTÓRICO DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS 
1 . CONSTITUIÇÃO DE 1 824 
Com a Independência do Brasil, em 1822, fez-se necessá­
ria a elaboração de nossa primeira Constituição. Antes mesmo
da proclamação da Independência, O. Pedro I já havia convo­
cado uma Assembléia Nacional Constituinte, que acabou por
entrar em funcionamento apenas em 3 de maio de 1823, tendo
sida dissolvida em seguida, em razão das sérias divergências
existentes entre o Imperador e os parlamentares constituintes.
Em virtude disso, o Imperador criou um Conselho de Es­
tado para a elaboração de um projeto de Constituição para o
Império do Brasil, que deveria ser_submetido à aprovação das
Câmaras Municipais antes de sua entrada em vigência, o que
acabou não ocorrendo, resultando na outorga ·da "Carta da Lei
de 25 de março de 1824".
1 .1 . Divisão dos Poderes Políticos 
Um dos traços característicos fundamentais da Constitui­
ção do Império do Brasil foi a existência de um quarto poder,
denominado Poder Moderador, que refletia as tendências do
685 
pensamento político-social da época e era exercido pelo pró­
prio Imperador.
Tal poder moldou o regime político que tivemos durante
os 65 anos em que vigorou a Constituição de 1 824. Concebido
para ser uma "esponja entre cristais", o Poder Moderador aca­
bou transformando-se no mais importante instrumento de ma­
nifestação autoritária, ao ponto de Afonso Arinos destacar que
nenhum outro assunto foi tão esmiuçado nessa Constituição
quanto a existência deste Poder.
Historicamente, seu único registro de aplicação mundial
deu-se na Constituição Política do Império brasileiro, e com tal
amplitude agravante que interferia na órbita de atuação do Le­
gislativo (por meio de nomeações de senadores, convocando e
dissolvendo a Câmara, e suspendendo interinamente as reso­
luções das Assembléias provinciais), do Executivo (nomeando
e demitindo livremente os Ministros de Estado) e do Judiciário
(suspendendo Magistrados e perdoando ou moderando as pe­
nas impostas a�s réus por sentença).
1 .2. Semi-rigidez da Constituição do Império 
Quanto à mutabilidade, a Constituição do Império dife­
renciava-se de outras mundialmente existentes, em virtude
da presença de dispositivos que se alteravam de forma fle­
xível, ao passo que outros, para serem alterados, exigiam
um processo bastante rígido: foi a criação da Constituição
semi-rígida. 
Nesse sentido, Celso Ribeiro Bastos afirma que "a Consti­
tuição Imperial de 1 824 é bastante original na matéria (rigidez)
criando uma terceira categoria de Constituições, aquela mar­
cada pela existência de dispositivos rígidos e dispositivos flexí­
veis. Em outras palavras, a Constituição encampa a distinção
entre Constituição material e Constituição formal. Todos os dis­
positivos que integrassem a primeira, isto é, que entendessem
com a própria substância ou cerne do Estado, seriam apenas
686
· Curso de Direito Constitucional 
modificáveis por maioria, extremamente exigente em três legis­
laturas consecutivas"369•
Para Octaviano Nogueira, essa solução encontrada para a
mutabilidade constitucional garantia à Constituição do Império
uma plasticidade e capacidade de adaptação à conjuntura polí­
tica, econômica e social jamais vista.
Monografando o tema, afirma que "era tão plástica a Cons­
tituição monárquica, que a própria República poderia ter sido
implantada no País com uma simples emenda constitucional.
E isto, por duas razões. A primeira é que, ao contrário do que
passou a ser tradição nas Cartas republicanas, que impediam,
e ainda impedem, modificar a forma republicana e o sistema
federativo por meio de emenda, a Constituição do Império não
estabelecia restrições ao poder constituinte derivado. Todos os
dispositivos, portanto, eram reformáveis, inclusive o que consa­
grava a monarquia como forma de governo. A segunda razão
é que, embora as emendas constitucionais tivessem o mesmo
rito de lei ordinária (como ocorreu com o Ato Adicional de 1 934)
e, portanto, dependessem da sanção do Imperador, no caso de
mudança da forma de governo, como em qualquer outra matéria
constitucional reformada por lei ordinária, não podia o Monarca
negar a sanção, se aprovada por duas Legislaturas seguintes,
em face do que dispunha o art. 65"370.
1 .3. Centralização político-administrativa 
Do ponto de vista da distribuição geográfica do poder,
a Carta de 1 824 era extremamente centralizadora, estabele­
cendo uma profunda concentração das p·rerrogativas político-
369 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
Paulo: Saraiva, 1999. p. 101. 
370 NOG U E I RA, Octaviano. Constituições brasileiras: 1 824. v. l . 2. ed.
Bras íl ia: Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro 
de Estudos Estratég icos, 2001. pp. 16-7. 
Histórico das constituições brasileiras 687
administrativas, o que acabou por colaborar sobremaneira para
a manutenção da unidade do Estado brasileiro. O território na­
cional era dividido em Provínci as, na forma em que já se en­
contrava, as quais poderiam ser subdivididas, "como pedi sse o
bem do E stado" , nos termos de seu art. 2º.
Além do aspecto positivo de manutenção da integridade
nacional, ressalte-se que foi por meio dessa Constituição que
foram dados os primeiros passos no sentido de uma democra­
ti zação nacional (por meio do parlamentarismo, paulatinamen­
te implantado no país), e o fato de ter sido a mais duradoura de
nossas Cartas Políticas.
1 .4. Ideologi a liberal da Consti tui ção de 1 824 
Outro aspecto relevante da Constituição de 1 824, obser­
vado por Paulo Bonavides, foi "a sua sensibilidade precursora
para o social"371 .
À época da elaboração da Constituição de 1824, vigia no
mundo um forte ideal liberali sta, caracterizado pela exaltação
das liberdades individuais e restrição das prerrogativas esta­
tais, o que acabaria por determinar as características principais
da Carta do Império. Assim é que, embora se tratasse de uma
Constituição outorgada, era possível encontrar em seu texto
várias restrições ao poder do Imperador.
Aclarando esse entendimento, cabe lembrar a oportuna
lição de Celso Ribeiro Bastos ao afirmar que "a Constituição
outorgada de 1 824, embora sem deixar de trazer consigo ca­
racterísticas que hoje não seriam aceitáveis como democráti­
cas, era marcada, sem ·dúvida, por um grande liberalismo que
se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era
praticamente o que havia de mais moderno na época"372.
371 BONAV I DES, Paulo apud BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito 
constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 103.
372 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
Pau lo : Saraiva, 1999. p. 98. 
688 Curso de Direito Constitucional 
1 .5. Reformas 
Estruturalmente, a Constituição passou por duas revisões,
como lembra Pinto Ferreira: "A primeira, constando do Ato Adi- .
cional de 12.8.1834, que suprimiu o Conselho de Estado e
substituiu a Regência Trina Permanente por uma Regência Una
Provisória. Esse Ato ainda deu mais ampla expansão a uma
tendência federalista, ampliando os poderes dos Conselhos­
Gerais das províncias e os transformando em Assembléias Le­
gislativas das províncias.
Outra revisão foi efetivada com a lei de interpretação do
Ato Adicional, de 12.3.1840, de forte inspiração conservadora,
quando se restabeleceu o Conselho de Estado e se reduziu um
pouco a competência das Assembléias Legislativas das provín­
cias"373-374.
A partir de então, a Constituição do Império do Brasil não
sofreu mais revisões, tendo assumido de forma definitiva este
perfil conservador, sustentado pela aristocracia agrícola das
culturas de açúcar e café, que sucumbiriam à libertação da es­
cravatura, iniciando-se, assim, o processo revolucionário que,
um ano depois, resultaria na proclamação da República.
2. CONSTITUIÇÃO· DE 1 891 
Com a Proclamação da República, em 1 5 de novembro de
1889, inicia-se uma nova fase no constitucionalismo brasileiro.
Nessa mesma data, Rui Barbosa edita o Decreto nº 1, de 15 de
novembro de 1889, instituindo o "Governo Provisório da Repú-
373 F E R R E I RA, P into. Curso de direito constitucional . 10. ed. São Pau lo :
Saraiva, 1999. p. 50. 
374 Note-se que alguns autores entendem que a Constitu ição do I m pério 
sofreu uma ú n ica Emenda, a de 1 834, inc lusive pelo próprio nome de 
"lei de i nterpretação" que se atribui à de 1 840. No entanto, cremos não 
tratar-se de mera norma interpretativa, representando, efetivamente, 
uma segunda alteração substancial ao Texto de 1 824. 
Histórico das constituições brasileiras 689 
blica dos Estados Unidos do Brazil", que funcionou como Cons­
tituição provisória até a entrada em vigência da Carta de 1 89 1 .
É importante salientar que a República não resultou de um
forte movimento popular, mas de uma movimentação elitista de
tropas situadas na cidade do Rio de Janeiro, assistida pela na­
ção, muito embora os ideais republicano e federativo fossem
idéias assentes perante a população brasileira375•
O grande mentor da primeira Constituição da República
foi Rui Barbosa, que quase a redigiu por inteiro, encampando
em seu texto muitas das idéias advindas do federalismo nor­
te-americano, do qual era grande conhecedor, dentre as quais
podemos ressaltar o controle difuso de constitucionalidade, a
forma federativa de Estado, a separação dos poderes e o pró­
prio nome: Estados Unidos do Brasil.
Em 24 de fevereiro de 1 89 1 é promulgada a nova Consti­
tuição, composta de 9 1 artigos, mais 8 das Disposições Tran­
sitórias, o que faria dela a Carta mais enxuta de toda a história
da República.
2.1 . Federalismo e República 
Com essa Constituição surgem definitivamente em nosso
país os institutos da Federação e da República, até mesmo
em virtude de uma grande necessidade de transformação, na
medida em que o Brasil era o único país do mundo que ado­
tava um Poder Moderador, e a tendência natural e inevitável
acabou sendo seu enquadramento ao modelo instituído pelo
federalismo americano. Para preservá-los, estatüiu-se que não
poderiam ser suprimidos por via de Emenda Constitucional, ori­
ginando as denominadas cláusulas pétreas.
A criação da Federação, que a Constituição determina­
va ser indissolúvel, resultou em outorga de poderes às antigas
375 BASTOS, Celso R ibe i ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
Pau lo : Saraiva , 1 999. p. 1 04. 
690 Curso de Direito Constitucional 
províncias, que assim passaram a governar seus assuntos
com autonomia e finanças próprias, tornando-se Estados in­
clusive com poderes para editarem suas próprias Constitui�ões
Estaduais.
O art. 2º determinava que o antigo "município neutro" cons­
tit
.
uiria o Distrit
.
o Federal, " enq uanto nã o se der ex ec uçã o ao
d1 sposto no art1 go seguinte" . O art. 3º, por sua vez, previa ficar 
"pertenc endo à U niã o, no planalto c entral da Repú blic a, uma 
z ona de 14400 q ui lô metros q uadrados, q ue será oportunamente 
de:n ar� ada, para nela estabelec er- se a f utura C apital Federal'.
Alem d1sso, seu parágrafo único determinava que, " efetuada a
mudança da C apital, o atual D istrito Federal passará a c onsti­
tuir um E stado" . 
Assegurava-se a autonomia dos Municípios para tratar
?e todos 
,
os �ssuntos que dissessem respeito a seu "peculiar
Interesse , alem de autonomia para a eleição de prefeito e ve­
readores, só não lhes sendo conferida competências tributárias
próprias, provindo seus recursos das arrecadações estaduais.
" .só a. Un�ã? e Estados-membros, pois, detinham compe­tenclas !nb�tan.as, iniciando-se um esquema de repartição decompetenc1as, Inerente a um pacto federativo. 
Resta lemb��r, ainda, que o art. 80 autorizava a decretação
do estado de s1t1o, em caso de "agressão estrangeira ou co­
moção intestina", e o art. 6º previa a possibilidade de interven­
ção federal nos Estados.
R�to
.
ma-se a tripartição dos poderes, segundo o esque­
ma class1co elaborado por Montesquieu, com a supressão do
Poder Moderador, e os poderes Executivo, Legislativo e Judici­
ário assumindo suas características estruturais.
· 
2.2. Sistema de governo 
Adota-se, ainda, um sistema de governo presidencialis­
ta, segundo o modelo clássico norte-americano, no qual era
vedado ao Presidente da República dissolver a Câmara dos
Histórico das constituições brasileiras 691
r i 
Deputados, sendo que, em contrapartida, não estava obrigado
a escolher para Ministros de Estado pessoas que fossem da
confiança dela.
Asseguravam-se eleições diretas para Presidente e Vice­
Presidente da República, dentre brasileiros natos que estives- .
sem no exercício de seus direitos políticos.
• 
O processo e julgamento dos crimes de responsabilida-
de do Presidente da República davam-se perante o Senado
Federal, após declarada procedente a acusação pela Câmara
dos Deputados, sendo que, nos crimes comuns, o processo
e julgamento far-se-ia perante o Supremo Tribunal Federal, se­
guindo as disposições de impeach ment da Constituição ameri­
cana de 1 787, que vêm séndo adotadas até os dias atuais.
2.3. Rigidez constitucional 
Para a mutabilidade do Texto Constitucional, passou-se a
adotar o conceito de Constituição rígida, consubstanciado por
um procedimento de reforma extremamente gravoso, previsto
em seu art. 90 e parágrafos, segundo o qual, para a admissão
de uma proposta de alteração constitucional, exigia-se a anu­
ência da quarta parte, pelo menos, dos membros de qualquer
das Câmaras do Congresso Nacional, sendo aceita, em três
discussões, por dois terços dos votos numa e noutra câmara,
ou quando for solicitada por dois terços dos Estados, no decur­
so de um ano, representado cada Estado pela maioria de votos
de sua Assembléia.
Para a aprovação, no entanto, exigiam-se três votações no
ano seguinte ao da propositura da reforma, e a aquiescência
de, no mínimo, dois terços dos membros das duas Câmaras do
Congresso.
2.4. Declaração de direitos 
Pinto Ferreira chama a atenção para a importância de um
capítulo destinado à declaração de direitos e suas garantias,
692 Curso de Direito Constitucional 
embora a Constituição tivesse um aspecto eminentemente libe­
ral. Segundo o juspublicista pernambucano, "a industrialização
do país não se tinha processado profundamente, não havia um
proletariado organizado, e a massa campesina era absoluta­
mente inerte e passiva, manejada pelos prepotentes usineirose senhores de terra, chamados pitoresca.mente de 'coronéis' .
Entretanto, a Constituição garantiu e enunciou as clássicas li­
berdades privadas, civis e políticas, silenciando sobre a pro­
teção ao trabalhador"376 (gritos nossos).
Esse silêncio quanto à proteção ao trabalhador criou um
coronelismo dotado de um "poder real e efetivo, a despeito das
normas constitucionais traçarem esquemas formais da organi­
zação nacional com teoria de divisão de poderes"377 •
Como decorrência dessa declaração de direitos, assiste-se a
um abrandamento das penas criminais, suprimindo-se as penas
de galés, morte e banimento. Eleva-se o instituto do h abeas cor­
pus, que já havia sido instituído no ordenamento jurídico brasileiro
com o Código Criminal de 1 832, à categoria constitucional.
A crise econômica de 1 929, a Revolução de 1 930 e a al­
ternância de paulistas e mineiros ·na Presidência da República
(política do "café-com-leite") foram alguns dos fatores decisivos
que suprimiram a longevidade da Constituição de 1 89 1 , pondo
fim ao período histórico da Primeira República.
3. CONSTITUIÇÃO DE 1 934
A Constituição de 1 934 vem substituir o Decreto nº 1 9.398,
de 1 1 de novembro de 1 930, que havia instituído juridicamente
o Governo Provisório, fruto da revolução vitoriosa, que pôs fim
à denominada República Velha.
376 F E R R E I RA, P into. Curso de direito constituciona l . 1 O . ed. São Paulo :
Saraiva, 1999. p. 52. 
377 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. 
ed. São Paulo : Malheiros, 2000. p. 80. 
Histórico das constituições brasileiras 693
Assim, a Constituição de 1 89 1 fpi posta em derrocada por
este Decreto, que funcionou como Constituição provisória por
quase quatro anos, e não pela Carta Política de 1 934, promul­
gada em 1 6 de julho.
Merece destaque, ainda, o movimento revolucionário consti­
tucionalista paulista de 9 de julho de 1 932 que, apesar de ser de­
flagrado após o ato do Governo que apontava a data de realização
das eleições para a formação da Assembléia Constituinte, teve o
indispensável papel de, mesmo derrotado, sufocar qualquer even­
tual tentativa de ampliação dos poderes do Governo Provisório,
bem como de adiamento da data prevista para as eleições, e con­
seqüentemente do início dos trabalhos da Constituinte. Destarte,
embora a Revolução Constitucionalista tenha fracassado, não res­
tam dúvidas de que o ideal que apregoava saiu vitorioso.
José Afonso da Silva, comparando-a com a Constituição
de 1 89 1 , afirma que "a nova Constituição não era tão bem es­
truturada quanto a primeira. Trouxera conteúdo novo. Mantivera
da anterior, porém, os princípios formais fundamentais : a repú­
blica, a federação, a divisão de poderes (Legislativo, Executivo
e Judiciário, independentes e coordenados entre si), o presi­
dencialismo, o regime representativo"378 (gritos no original).
Pontes de Miranda, no entanto, em seu C omentá rios à
C onst it uiçã o dos E st ados U nidos do B rasil, levado à cabo ain­
da em 1 934, qualificou-a como "a mais completa, no momento,
das Constituições americanas"379.
3.1 . Característi cas princi pai s 
Segundo Paulino Jacques, citado por Celso Ribeiro Bas­
tos, as principais alterações ocorridas foram: "a) quanto à for-
378 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18.
ed. São Pau lo : Malhei ros, 2000. p. 81. 
379 PONTES D E M I RAN DA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Cons­
tituição dos Estados Unidos do Brasil . R io de Janeiro : Guanabara,
s.d. , passim. 
694 Curso de Direito Constitucional 
ma: 1 ) introdução do nome de Deus no preâmbulo ; 2) incorpo­
ração ao texto de preceitos de Direito Civil, de Direito Social
e de Direito Administrativo ; 3) multiplicação dos títulos e ca­
pítulos, ficando a Constituição com mais do dobro de artigos
que a anterior ; b) quanto à substância: 1 ) reforço dos vínculos
federais; 2) poderes independentes e coordenados entre si;
3) sufrágio feminino e voto secreto ; 4) o Senado com função
de prover a coordenação dos poderes, manter a continuidade
administrativa e velar pela Constituição ; 5) os Ministros de Es­
tado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presi­
dente da República e obrigados a comparecer ao Congresso
para prestarem esclarecimentos ou pleitearem medidas legis-
. lativas; 6) a Justiça Militar e Eleitoral como órgãos do Poder
Judiciário ; 7) o Ministério Público, o Tribunal de Contas e os
Conselhos T écnicos coordenados em Conselhos Gerais, as­
sistindo aos Ministros de Estado, como órgãos de cooperação
nas atividades governamentais; 8) normas reguladoras da or­
dem econômica e social, da família, educação e cultura, dos
funcionários públicos, da segurança nacional"380.
Note-se, aí, o início do processo de enri jeci mento cons­
ti tuci onal, na medida em que a Constituição, incorporando
tantos dispositivos formalmente constitucionais, passa a con­
tar com 1 87 artigos, mais 26 das Disposições Transitórias, per­
fazendo um total de 2 1 3 artigos, em contrapartida aos 99 da
Constituição anterior.
3.2. Senado Federal 
Uma característica da Constituição de 1 934 que merece
especial destaque é a atribuição de competências, ao Senado
Federal, para promover, nos termos dos artigos 90, 9 1 e 92, " a
coordenaçã o dos poderes federais ent re si, mant er a cont inui-
38o JACQUES, Pau l ino apud BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito 
constitucional . 20. ed. São Paulo : Saraiva, 1999. p. 113.
Histórico das constituições brasileiras 695 
dade administrativa, velar pela C onstituiçã o, colab orar na feitu­
ra das leis e praticar os demais atos de sua competê ncia" . 
Tal prerrogativa vinha prevista no art. 8 8 da Carta em co­
mento, e acabou por provocar um grande desequilíbrio entre
as três funções estatais (Executiva, Legislativa e Judiciária)
quase que assemelhando-se ao que havia ocorrido durante a
vigência da Constituição do Império, em virtude da existência
do Poder Moderador.
3.3. Controle de constitucionalidade 
A Constituição de 1 934 trouxe, ainda, importantes inova­
ções no tema do controle de constitucionalidade das leis ou
atos normativos. Passou a prever a possibilidade de recurso
extraordinário, à Suprema Corte, das decisões proferidas em
última ou única instância, como forma de possibilitar a deflagra­
ção de efeitos erga omnes nessas ações.
Isto porque o inciso IV do art. 9 1 outorgou ao Senado Fe­
deral a competência para sustar a execução de lei ou ato
normativo declarado inconstitucional pelo Poder Judiciário.
Na visão de Ronaldo Poletti, essa foi a mais importante ino­
vação da Carta de 1 934 no tocante ao assunto, por apresentar­
se como "a maneira de solucionar um dos mais graves problemas
do controle da constitucionalidade. A ausência da regra do stare 
decisis implica que os juízes não estão obrigados a deixar de
aplicar a lei, declarada inconstitucional pelo Supremo. A solução
da Constituição permitia dar efeitos erga omnes a uma decisão
num caso concreto. Além disso, atenuava-se o problema da que­
bra de harmonia e equilíbrio entre os poderes, pois remetia a um
órgão do Poder Legislativo a atribuição de suspender a execução
da lei declarada inconstitucional"381 •
381 POLETTI , Ronaldo. Constituições brasileiras: 1934. v. l l l . 2. ed. Bra­
sí l ia : Senado Federal e Min istério da C iência e Tecnologia, Centro de 
Estudos Estratégicos, 2001. p. 51. 
696 Curso de Direito Constitucional 
Cabe ressaltar que, ainda nos dias atuais, a Constituição
Federal de 1 988 adota essa solução nas hipóteses sujeitas ao
controle difuso de constitucionalidade.
Para a declaração de inconstitucionalidade, ainda, passou­
se a exigir o q uorum de maioria absoluta dos votos, além da
presença de todos os juízes, instituindo o já estudado Princípio
da reserva de plenário. 
3.4. A influência da Constituição de Weimar 
PauloBonavides, ao introduzir suas reflexões à Constitui­
ção de 1 988 , faz menção à importância que a Constituição de
1 934 deu ao aspecto social, sob a influência da Constituição
alemã de Weimar, de 1 9 1 9 , mundialmente reconhecida por ins­
titucionalizar a social-democracia382. Além dela, merece men­
ção a influência sofrida pela Carta de 1 934 da Constituição da
República Espanhola de 1 93 1 . Ouçamo-lo:
"Com a Constituição de 1 934 chega-se à fase que mais
de perto nos interessa porquanto nela se insere a penetração
de uma nova corrente de princípios, até então ignorados do
direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios
consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos
fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar
o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas
Constituições precedentes. O social a í assinalava a presença
e a influência do modelo de Weimar numa variação substan­
cial de orientação e de rumos para o constitucionalismo bra­
sileiro".
E conclui, afirmando que essa influência "fez brotar no Bra­
sil desde 1 934 o modelo fascinante de um Estado social de
inspiração alemã, atado politicamente a formas democráticas,
382 Como q uestão de justiça, no entanto, ressalte-se que a primeira mani­
festação desses d i reitos data de 1917, na Constitu ição m exicana. 
Histórico das constituições brasileiras 697 
em que a Sociedade e o homem-pessoa - não o homem-indiv í­
duo - são os valores supremos. Tudo porém indissoluvelmente
vinculado a uma concepção reabilitadora e legitimante do papel
do Estado com referência à democracia, à liberdade e à igual­
dade"383.
3.5. Momento políti co 
Como vimos, a Constituição de 1 934 é fruto da revolução
irrompida em outubro de 1 930. Todavia, o clima de eferves­
cência política, que acabou por resultar na edição desta Cons­
tituição, não terminou com sua edição. Basta lembrar que foi
a partir de sua edição que o movimento comunista liderado
por Luís Carlos Prestes fortaleceu-se, dando início a focos de
guerrilha .
Para debelá-lo, a Carta de 1 934 sofreu três 'emendas de
cunho autori tári o que, respectivamente, dispunham sobre:
a) equiparação do estado de comoção intestina ao estado de
guerra; b) permissão de perda de patente ou posto, sem preju­
ízo de outras sanções cabíveis, a oficial das Forças Armadas
tido por subversivo, e; c) demissão do funcionário civil que in­
corresse na hipótese mencionada no item anterior, igualmente
sem prejuízo de outras penalidades.
Nesse sentido também são as lições de Celso Ribeiro Bas­
tos, para quem, a breve duração da Carta de 1 934 - um triênio
- "não deve ser explicada pelos defeitos que trazia em si, mas,
em verdade, pela radicalização do clima social de então. Tanto
a extrema esquerda, quanto a extrema direita tornaram inviável
a sua plena aplicação, gerando condições para que fosse pos­
sível o golpe de 1 937"384.
383 BONAVI DES, Paulo. Curso de direito constitucional . 12. ed. São Paulo : 
Malhei ros, 2002. pp. 332-4. 
384 BASTOS, Celso R i beiro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São 
Paulo : Saraiva, 1999. p. 117. 
698 Curso de Direito Constitucional 
4� CONSTITUIÇÃO DE 1 937 
Com o golpe militar de 1 937, o Brasil recebe, em 1 O de no­
vembro daquele ano, sua segunda Carta outorgada. Inspirada
no modelo fascista e de cunho eminentemente autoritário, dis­
punha, entre outras arbitrariedades, em seu art. 73 que " o Pre­
s idente da Repú blic a, autoridade s uprema do Es tado, c oordena 
a ativ idade dos ó rgã os repres entativ os, de grau s uperior, dirige 
a polític a internac ional e ex terna, promov e e orienta a polític a 
legis lativ a de interess e nac ional, e s uperintende a adminis traçã o 
do país' . 
4.1 . A Consti tuição " polaca" 
Com as características ditatoriais que podem ser percebi­
das pela transcrição de seu art. 73, a edição da Constituição de
1 937 faz cair por terra a expectativa de consolidação de um Es­
tado Democrático de Direito em nosso país. Como toda Carta
outorgada, concentra as principais prerrogativas nas mãos do
Chefe do Poder Executivo, e, indo além, eli mina o princípi o da
separação e i ndependência entre os poderes, institucionali­
zando o regime autoritário.
Em virtude da grande semelhança existente entre esta
e a Constituição polonesa de 23 de abril de 1 935, notada­
mente em razão da ênfase dada a proemi nênci a do Poder
Executivo, sob o argumento de que esta concentração for­
taleceria o Governo sem que ·isso significasse poder pessoal
e absoluto, a Constituição Federal de 1 937 ganha o apelido
de "Polaca" .
4.2. Momento hi stóri co 
Tentando demonstrar a exata dimensão da cri se uni versal
existente neste momento histórico, Walter Costa Porto lembra
entrevista concedida por Francisco Campos, principal autor da
Constituição de 1 937, para o qual esta fora "outorgada em um
Histórico das constituições brasileiras 699
momento de crise de ordem e de autoridade em todo o mundo.
A disputa política ultrapassara os moldes de uma luta dentro
dos quadros clássicos da democracia l iberal. Os atores, nesse
conflito, tinham, como objetivo explícito, a destruição tradicio­
nal não somente no domínio político como no domínio social e
econômico"385.
Não custa lembrar que, nesse mesmo período, a Itália en­
contrava-se em situação bastante se(Tlelhante, com os teóricos
do fascismo denominando-a " Itália mussolínica de democracia
autoritária".
4.3. Características principais 
Pinto Ferreira, em seu estudo sobre a Carta de 1 937,
aponta suas dez principais alterações em relação à Constitui­
ção anterior, a saber: " 1 ) suprimiu o nome de Deus, o que tam­
bém ocorre na Constituição do Estado do Vaticano; 2) outorgou
poderes amplos ao presidente, como a suprema autoridade do
Estado, alterando a sistemática do equilíbr io dos Poderes; 3)
restr ingiu as prerrogativas do Congresso e a autonomia do Po­
der Judiciário, já que em determinadas hipóteses o presidente
podia ir de encontro a este, fazendo valer as leis que o Poder
reputasse inconstitucionais; 4) ampliou o prazo do mandato do
presidente da República; 5) mudou o nome do Senado para
Conselho Federal; 6) instituiu o Conselho de Economia Na­
cional, como órgão consultivo; 7) l imitou a autonomia dos Es­
tados-membros; 8) cr iou a técnica do estado de emergência,
. que foi disciplinado pelo seu art. 1 86; 9) dissolveu a Câmara e
o Senado, bem como as Assembléias Estaduais; 1 O) restaurou
a pena de morte"386.
385 PORTO, Walter Costa. Constituições brasileiras: 1937. v. IV. 2. ed.
Brasí l ia : Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro 
de Estudos Estratégicos, 2001. p. 20. 
386 F E R R E I RA, Pinto. Curso de direito constitucional . 1 O . ed. São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 57. 
700 Curso de Direito Constitucional 
Além disso, deixou de existir a liberdade de imprensa, cuja
restrição consubstanciou-se por meio da realização de censu­
ra prévia, além da dissolução dos partidos poiíticos.
Algumas medidas veiculadas pela Constituição de 1 937,
no entanto, beneficiaram a classe trabalhadora, como a cr ia­
ção, pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1 º de maio de 1 943, da
Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, bem como a
unificação da Pre·vidência Social, pelo Decreto-Lei nº
7.526, de 7 de maio de 1 945, que cr iou o Instituto dos Ser­
v iços Sociais.
4.4. lnaplicabilidade da Constituição de 1 937 
A Constituição de 1 937 nunca obteve aplicabilidade prá­
tica, em razão da prevalência do denominado "Estado Novo",
cujas características principais eram a arbitrariedade e a ine­
xistências de quais quer controles jurídicos, predominando
a vontade autoritária de Getúlio Vargas.
Pela falta de aplicação regular, José Afonso da Silva lem­
bra-nos que "muitos de seus dispositivos permaneceram letra
morta. Houve ditadura pura e simples, com todo o Poder Exe­
cutivo e Legislativoconcentrado nas mãos do Presidente da
República, que legislava por via de decretos-lei que ele próprio
depois aplicava, com órgão do Executivo"387.
Essa Constituição recebeu, ainda, em menos de dez anos
de duração, vinte e uma emendas, que eram editadas de acor­
do com as necessidades, interesses e até conveniências cir­
cunstanciais do Presidente da República.
Além disso, do ponto de vista lógico-jurídico, é de se no­
tar que seu art. 1 87 rezava: "E sta C onstituiçã o entrará em vigor
na sua data e será submetida ao plebiscito nacional na forma 
regulada em decreto do Presidente da Repú blica" . 
387 S I LVA, J osé Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18. 
ed . São Pau lo: Malheiros, 2000. p. 83. · 
Histórico das constituições brasileiras 701
O "plebiscito"388 jamais ocorreu, o que implicou no fato de
que a Constituição de 1 937, que dependia dele, tecnicamente
nunca vigorou. 
5. CONSTITUIÇÃO DE 1 946 
A vitória das nações aliadas contra o nazismo e o fascis­
mo, que contou com a participação brasileira, notadamente pelo
envio das forças expedicionárias à Itália , apresentou-se como
fator determinante para a redemocratização do país em 1 945,
diante da impossibilidade de manter-se u.m modelo constitucio­
nal inspirado nessas ideologias derrotadas . 
Com esses antecedentes, em 1 8 de setembro de 1 946 o
Brasil ganha sua quinta Constituição, a terceira promulgada e,
indubitavelmente, a melhor de todas que já tivemos, incluindo-se
a de 1 988, e que não nasceu de nenhum anteprojeto, conforme
ocorrera com as de 1 891 e 1 934. Sua marca foi a restauração do
regime democrático, destruído pelo golpe de Estado de 1 937. Foi
uma Constituição Republicana, Federativa e Democrática.
Nas palavras de Pinto Ferreira, "essa Constituição foi lon­
gamente esperada, como necessária à democracia. Represen­
tou um ponto intermédio. entre as forças do conservantismo e
as forças do progresso. Restaurou as liberdades e garantias
tradicionais asseguradas ao povo brasileiro, que a ditadura an­
teriormente havia violado"389.
388 É de se lembrar que a solução correta , in casu, seria a uti l ização do
vocábu lo "referendo" e não "pleb iscito" , já q u e se real izaria uma con­
su lta popu lar a part ir de um Texto pronto, em verdadei ro exercício de 
democracia d i reta , por mais absurdo que isso possa parecer, em face 
do caráter autoritário desta Constitu ição. No entanto, Francisco Cam­
pos entendia não exist ir diferença conceitual entre as duas expressões, 
tendo sido uti l izada, exclusivamente, a palavra "plebiscito" em toda a 
Constituição, para designar tanto uma quanto outra real idade. 
389 F E R R E I RA , P into. Curso de direito constitucional . 1 O. ed. São Pau lo :
Saraiva, 1999. p. 59. 
702 Curso de Direito Constitucional 
José Afonso da Silva elucida que essa Constituição "não
deixou de cumprir sua tarefa de redemocratização, propician­
do condições para o desenvolvimento do país durante os vinte
anos em que o regeu"390.
5.1 . Estrutura da Constituição de 1 946 
O saudoso Aliomar Baleeiro, ao escrever sobre a estru­
tura da Constituição de 1 946 afirmou: "Literalmente tão bem
redigida quanto a de � 891 , a Constituição de 1 946 possuía 2 1 8
artigos, além de um 'Ato das Disposições Transitórias' com mais
36 artigos. Dividia-se em nove títulos, que se subdividiam em
capítulos e este em secções.
A estrutura e as linhas gerais assemelham-se às da
Constituição de 1 89 1 , mas sem a rigidez presidencialista des­
ta , pois foram conservados os dispositivos que permitiam a
convocação ou o comparecimento espontâneo dos Ministros
ao Pleno; as Comissões de Inquérito parlamentar por iniciati­
va de 1 /5 dos membros de cada Câmara; a possibilidade de o
congressista aceitar ministério sem perder o mandato etc"391 .
É importante enfatizar que, embora contasse com os mencio­
nados 254 artigos, incluindo-se os das disposições perm.anentes
e transitórias, a Constituição de 1 946 era bem mais enxuta que a
nossa atual, que conta com 333 artigos, na medida em que cada
um dos artigos da Carta de 1 946 possuía um número bem menor
de dispositivos, diferentemente do que ocorre com o Texto atual . 
5.2. Características principais 
Como corolário do forte ideal republicano, a Constitui­
ção de 1 946 apresenta as seguintes características deter-
390 S I LVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 18.
ed. São Pau lo : Malheiros, 2000. p. 85. 
391 BALE E I RO, A l iomar. Constituições brasileiras: 1946. v. V. 2. ed. Bra­
sí l ia : Senado Federal e Min istério da Ciência e Tecnologia, Centro de 
Estudos Estratég icos, 200 1 . p. 16.
Histórico das constituições brasileiras 703
minantes: a) eleições diretas para Presidente e Vice-Pre­
sidente da República ; b) devolução das prerrogativas que
haviam sido suprimidas do Legislativo pela criação de um
Conselho Federal que eliminou o Senado em 1 937; c) re­
tomada do rol de direitos individuais da Carta de 1 934 ' 
acrescendo-se, ainda, o direito ao acesso incondicionado ao
Poder Judiciário ; d) a redefinição dos direitos políticos,
com o princípio da liberdade de criação e organização dos
partidos pol íticos, e o conseqüente pluralismo partidário ; e)
retorno das garantias do mandado de segurança e da ação
popular, suprimidas pela Carta autoritária de 1 937; f) a pro­
teção aos trabalhadores, à família, à educação e à ordem 
econômica; g) o forte enfoque municipalista, tendo-lhes
sido devolvida a autonomia suprimida quando da implemen­
tação da República; h) introdução do controle concentrado
de constitucionalidade das leis pela Emenda Constitucional
1 6/65 o que, em virtude da manutenção do controle difuso,
inaugura o sistema misto que mantém-se até os dias atuais,
e; i) explicitação da espécie tributária da contribuição de
melhoria, além de ampliação das imunidades tributárias,
com contornos idênticos aos atuais.
5.3. O municipalismo e a política do homem 
Celso Ribeiro Bastos enfatiza o cunho municipalista da
Constituição de 1 946 quando afirma que, "no campo local, pro­
priamente dito, prestigia-se o municipalismo como nenhuma
outra Constituição até hoje' o fez. Foi sem dúvida nenhuma a
Constituição mais municipalista que tivemos"392•
Conforme mencionado, desde a implementação da Repú­
blica, os Municípios vinham sofrendo uma diminuição crescente
em suas autonomias, chegando-se ao ponto de ficarem com
menos de sete por cento das receitas tributárias.
392 BASTOS, Celso Ribei ro. Curso de direito constitucional . 20. ed. São
' Paulo: Saraiva , 1 999. p. 1 27. 
704 Curso de Direito Constitucional 
Nas precisas lições de Aliomar Baleeiro, "os constituintes
de 1 946 partiram do princípio filosófico kantiano de que o Esta­
do não é fim em si mesmo, mas meio para o fim. Este fim seria
o homem . O Estado deveria fazer convergir seus esforços preci­
puamente para elevar material, f ísica, moral e intelectualmente
o homem"393 (gritos no original).
. 
Como o Brasil era um país eminentemente agrícola, e a
ma1or parte da população encontrava-se situada no interior 
percebeu-se que a única forma de promover o desenvolviment�
nacional seria pela descentralização dos sistemas de saúde
educação e cultura, o que passava pela concessão de maio�
autonomia aos Municípios, com o conseqüente aumento de
participação na repartição das receitas tributárias.
Assim é que a Constituição de 1 946 passou a destinar a
totalidade das receitas resultantes do Imposto de Indú stria e
Profissões aos Municípios e dez por cento do total arrecadado
do Imposto sobre a Renda.
Além disso, dispunha o art. 20 que "q uando a arrecadaçã o
estadual de impostos, salvo a do imposto de exportaçã o, exce­
der, em M unicípio q ue nã o sej a o da capital, o total das rendas 
locais de q ualq uer naturez a, o E stado dar- lh e-á anualmente 
trinta por cento do excesso arrecadado"

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