Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Jonathas Serrano UMA TEORIA DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A ESCOLA SECUNDÁRIA BRASILEIRA (1913/1935) A PEDAGOGIA HISTÓRICA DE UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE REITOR Josué Modesto dos Passos Subrinho VICE-REITOR Angelo Roberto Antoniolli Conselho Editorial (COORDENADOR Luiz Augusto Carvalho Sobral PROGRAMA EDITORIAL) Alceu Pedrotti Antonio Ponciano Bezerra Maria Augusta Mundim Vargas Mário Everaldo de Souza Miguel André Berger Terezinha Alves de Oliva EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE Coordenador do Programa Editorial Luiz Augusto Carvalho Sobral Em convênio com a FUNDAÇÃO OVIÊDO TEIXEIRA Presidente João de Seixas Dória APOIO Norcon - Sociedade Nordestina de Construções Ltda. Aracaju, 2008 ITAMAR FREITAS Jonathas Serrano UMA TEORIA DO ENSINO DE HISTÓRIA PARA A ESCOLA SECUNDÁRIA BRASILEIRA (1913/1935) A PEDAGOGIA HISTÓRICA DE Freitas, Itamar F866p A pedagogia histórica de Jonathas Serrano: uma teo- ria do ensino de história para a escola secundária brasilei- ra (1913/1935) / Itamar Freitas. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2008. 372 p ISBN: 978-85-87110-85-5 1. Ensino de História. 2. Educação secundária. 3. Ensino no Brasil. 4. Didática. 5. Jonathas Serrano. I. Título. CDU 37.046.14:94 (813.7) Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe Centro de Educação Superior a Distância Coordenação Gráfica Giselda Santos Barros Editoração eletrônica Adilma Menezes Revisão Christianne Gally Capa Hermeson Alves de Menezes Imagem da Capa Imagem da capa: Nicolas-Antoine Taunay (1755-1830) Vista do Morro de Santo Antonio , 1816 - Óleo sobre tela, 45 x 56,5 cm, Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ). Copyrigth by Editora Universidade Federal de Sergipe Cidade Universitária “Prof. José Aloísio de Campos” Av. Mal. Cândido Rondon, s/nº - CEP.: 49.100-00 São Cristóvão/SE Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora. AGRADECIMENTOS A Christianne Gally. À Universidade Federal de Sergipe, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e ao CNPq, instituições que asseguraram as condições básicas para a realização de meus estudos e pesquisas. Às pessoas que me ajudaram nos últimos quatro anos de cursos e pesquisas, tornando possível a concretização do projeto inicial: Anamaria Bueno de Freitas, Diana Gonçalves Vidal, Ednalva Freire Caetano, Eva Maria Siqueira Alves, Fábio Alves dos Santos, Francisco de Alencar de Sousa, Hermeson Menezes, Isabela Costa Chizolini, Ivanete Batista dos Santos, Jorge Carvalho do Nasci- mento, José Ibarê Costa Dantas, José Tarcísio Grunennvaldt, Josefa Eliana Souza, Josué Modesto dos Passos Subrinho, Kazumi Munakata, Luis Eduardo Meneses de Oliveira, Margarida Dias de Oliveira, Maria Rita de Almeida Toledo, Marta Maria Chagas de Carvalho, Pedrinho Santos, Péricles Morais de Andrade Júnior, Rosiley Aparecida Teixeira Souto, Suenilde da Costa Santos e Va- léria Antonia Medeiros. Agradecimentos especiais a Bruno Bontempi Júnior. A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 7 UM ESTUDO VALIOSO O estudo de Itamar Freitas surge, com toda certeza, como um marco de referência no campo de investigação da história do ensi- no de História, que – como ele mesmo afirma no estado da arte que dispõe ao início do trabalho – tem crescido bastante nos últimos anos em número de adeptos, não só na freqüência de encontros, mas também na qualidade dos trabalhos produzidos e divulgados. O presente estudo, que aborda precisamente a experiência de Jonathas Serrano (1885-1944) dentre as iniciativas de construção de uma pedagogia da história para o ensino secundário brasileiro, traz à historiografia da educação brasileira uma contribuição valio- sa. Partindo da mais refinada problemática da história das disci- plinas escolares, termina por definir como meta a perseguição dos vestígios deixados por Serrano em busca de uma “pedagogia his- tórica”, cujos traços dominantes podem ser compreendidos à luz da experiência vivida pelo professor-autor “nos lugares de produ- ção e nas instâncias de legitimação dos professores do Rio de Ja- neiro e São Paulo”. Pesquisador minucioso, Itamar dá voz à extensa documenta- ção coligida, sem perder no quesito objetividade: tão logo apresen- ta o tema, o persegue obstinadamente por todo o livro, sem jamais se desviar da meta de verificar a hipótese de que teria havido no Brasil, com relação ao ensino secundário, “um movimento gradual em torno da construção de uma teoria para o ensino de história [...] durante as décadas de 1920 e 1930”. Ao privilegiar, porém, o “enxugamento” do texto principal, no qual a pedagogia de Jonathas Serrano “apresenta-se [...] como uma janela que permite vislumbrar os traços dominantes desse movimento”, Itamar não deixa de prestar informações acessórias e úteis: suas notas são ricas em detalhes, dispondo ao leitor quase IT AM AR F RE IT AS 8 tudo o que pôde levantar em suas frutíferas peregrinações pelos arquivos históricos. Também sem se desviar de sua meta, estende o estudo às pedagogias dos contemporâneos Murilo Mendes, Cesarino Júnior e Fernand Braudel, a fim de mais bem responder às “três clássicas questões sobre a história escolar em sua instân- cia prescritiva entre 1913 e 1935: por que, o que e como se deveria ensinar história no secundário brasileiro”. Certamente, o trabalho contribui para a decifração das razões e dos processos pelos quais elementos, como conteúdo, método, livro didático etc., assinalaram com determinados caracteres a dis- ciplina História nos programas de nossas escolas secundárias. Mais do que isso, promove a articulação consistente da trajetória de Serrano aos lugares (discursivos e não discursivos) nos quais esti- veram e se relacionaram as diversas personagens que participaram vivamente da trama histórica, notadamente Afrânio Peixoto, Fernando de Azevedo, Francisco Campos, Lourenço Filho e Gustavo Capanema. Ao fazê-lo, extrapola os limites “internos” da discipli- na escolar e da própria escola para cingir as redes de sociabilidade que se formaram entre professores, intelectuais e dirigentes, as quais tocavam questões políticas, ideológicas ou mesmo afetivas. Trata-se de um trabalho de fôlego, assentado em vigorosa pesquisa documental e tecido em excelente escrita. Além de um volume invejável de informações históricas, este livro traz consigo o valoroso investimento analítico de um pesquisador maduro. São Paulo, 1 de março de 2006 Prof. Dr. Bruno Bontempi Júnior SUMÁRIO Lista de Quadros e Tabelas Um estudo valioso 7 Introdução 15 Itinerários de pesquisa 23 A PESQUISA SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL 24 O DEBATE HISTORIOGRÁFICO SOBRE O ENSINO SECUNDÁRIO 30 NA ESTEIRA DO DEBATE, OS ESTUDOS SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA 35 EM BUSCA DE UMA TEORIA DO ENSINO SECUNDÁRIO DE HISTÓRIA 41 A PRIMAZIA DAS HUMANIDADES 42 Figura serena em período apaixonado 53 PROFESSOR, SERRANO SEMPRE FOI 56 QUASE PADRE... QUASE POLÍTICO 62 A CRÍTICA DOS COSTUMES 69 A LITERATURA QUE CIVILIZA 74 NAS TEIAS DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO 81 A pedagogia da história de Jonathas Serrano: uma introdução 95 A PEDAGOGIA E O CONCERTO DAS CIÊNCIAS 96 DA PSICOLOGIA EXPERIMENTAL AO IDEAL PEDAGÓGICO 101 PEDAGOGIA DA HISTÓRIA E A PEDAGOGIZAÇÃO DO PROFESSOR SECUNDÁRIO 111 FILOSOFIA DA HISTÓRIA E CIÊNCIA DA HISTÓRIA 119 A CIÊNCIA PARTICULAR CHAMADA HISTÓRIA 125 HISTÓRIA PARA QUÊ? O VALOR DOS ESTUDOS HISTÓRICOS NA ESCOLA SECUNDÁRIA 133 IT AM AR F RE IT AS 10 Como se deve ensinar história? 143 UM FREIO NO NATURALISMO PEDAGÓGICO E TAMBÉM NA TRADIÇÃO: O “COMO SE ENSINA” DE JONATHAS SERRANO 150 OS PRINCÍPIOS E OS MEIOS154 UM MÉTODO FUNDAMENTAL: DIÁLOGOS E LIMITAÇÕES 173 A “vulgata histórica” ou o que todo “indivíduo de certa cultura” deve conhecer sobre o Brasil e o mundo 191 DE BENJAMIM CONSTANT A FRANCISCO CAMPOS 193 CONTANDO HISTÓRIAS SOBRE O BRASIL 211 PRODUZINDO SENTIDOS PARA A HISTÓRIA DO BRASIL 213 OS DESVIOS DA VULGATA HISTÓRICA DE SERRANO 219 HISTÓRIA SAGRADA OU PROFANA? DA CIVILIZAÇÃO OU UNIVERSAL? 226 FUNÇÃO E FORMA DE UMA HISTÓRIA UNIVERSAL 228 O LUGAR DO BRASIL NA HISTÓRIA UNIVERSAL 233 UM SENTIDO PARA A HISTÓRIA DA HUMANIDADE 237 A pedagogia da história às portas da Universidade 241 A PEDAGOGIA DA HISTÓRIA DE FERNAND BRAUDEL 246 UMA PEDAGOGIA FRANCESA? 248 O PROFESSOR CESARINO JÚNIOR E “O MÉTODO ACONSELHÁVEL” PARA O ENSINO DE HISTÓRIA 258 A INOVAÇÃO NO ENSINO DE HISTÓRIA 260 OS CONSELHOS DE CESARINO 267 O AMERICANISMO DE MURILO MENDES 271 UM PLANO PARA O SECUNDÁRIO BRASILEIRO 273 A PEDAGOGIA DA HISTÓRIA DE MURILO MENDES 278 Considerações finais 289 Fontes e bibliografia consultada 295 FONTES ARQUIVÍSTICAS 295 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 301 INSTITUIÇÕES QUE CUSTODIAM A DOCUMENTAÇÃO EXPLORADA NESTE LIVRO 327 Notas 328 A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 11 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro n. 1 A propedêutica da história de Jonathas Serrano – 1913/1935 129 Quadro n. 2 Finalidades de objetivo da história ensinada nos estudos secundários – 1892/1942 138 Quadro n. 3 Os princípios do como ensinar história no curso secundário (1913/1935) 154 Quadro n. 4 Recursos gráficos empregados no ensino de história: quadros sinóptico, cronológico e sincrônico 160 Quadro n. 5 A escrita historiográfica de Jonathas Serrano – relacionamento entre princípios históricos, pedagógicos e psicológicos e os planos de exposição da história da civilização destinada à primeira e à última série ginasial (1935) 170 Quadro n. 6 Formas de aplicação dos princípios do como ensinar história no curso secundário – inventário dos “métodos”, “processos” e “recursos didáticos” (1913/1935) 173 Quadro n. 7 Programa para o ensino de história do Brasil nas escolas primárias do Distrito Federal, aprovados a 28 de fevereiro de 1916 176 Quadro n. 8 Disposições nocivas ao ensino de história, formuladas, notadamente, a partir da segunda metade do século XIX 181 Quadro n. 9 Os grandes temas de história no ensino secundário: principais variações, por década, da monarquia à república (1830/1950) 193 Quadro n. 10 Programa de história da civilização do curso fundamental do ensino secundário no Brasil para o ano de 1931 196 Quadro n. 11 Programas de história do Brasil para o ensino secundário (1882/1929) 209 Quadro n. 12 Periodização “geralmente adotada” pelos autores de história universal em 1919 229 Quadro n. 13 Periodização da história universal acolhida por Jonathas Serrano em 1919 230 Quadro n. 14 Relações de proporcionalidade entre tempo cronológico e tempo narrativo no Epítome de história universal de Jonathas Serrano 231 Quadro n. 15 Programas de história universal para o ensino secundário (1882/1929) 235 Quadro n. 16 O plano de Murilo Mendes para a educação secundária brasileira e os modelos em disputa em meados da década de 1930 277 Tabela n. 1 A pesquisa sobre o ensino de história em 2003 – XXII ANPUH e VI ENPEH 27 IT AM AR F RE IT AS 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Gráfico n. 1 As humanidades no currículo do secundário – 1838/1942 44 Gráfico n. 2 História e geografia no grupamento das humanidades – 1838/1942 45 Gráfico n. 3 História e geografia no currículo do secundário – 1838/1942 46 Diagrama n. 1 Classificação das ciências proposta por Jonathas Serrano – 1917 100 Diagrama n. 2 Esboço da trajetória das concepções sintetizadas no Como se ensina história de Jonathas Serrano (1935) 153 Diagrama n. 3 Representação do ensino de história do Brasil segundo o método concêntrico ou ampliatório – assuntos e classes no ensino primário do Distrito Federal (1916) 175 Diagrama n. 4 Degraus e círculos concêntricos: a disposição nociva e a disposição ideal para a distribuição das disciplinas no curso secundário, bem como dos assuntos nos cursos de história 181 LISTA DE REPRODUÇÕES FOTOGRÁFICAS Reprodução fotográfica n. 1 – Capa do Epítome de história universal (s.d) 15 Reprodução fotográfica n. 2 - Folha de rosto de História do Brasil (1931). 15 Reprodução fotográfica n. 3 – Capa de História da civilização, v. 1 (1935) 15 Reprodução fotográfica n. 4 – Capa de História da civilização, v. 5 (1935) 15 Reprodução fotográfica n. 5 – Capa de História da civilização, v. 2 (1937) 15 Reprodução fotográfica n. 6 – Capa de História da civilização, v. 3 (1936) 15 Reprodução fotográfica n. 7 – Capa de Epítome de História do Brasil (1933) 15 Reprodução fotográfica n. 8 – Folha de rosto de Metodologia da História na aula primária (1917) 15 Reprodução fotográfica n. 9 – Folha de rosto de Como se ensina história (1935) 15 Reprodução fotográfica n. 10 – “Joana d’Arc (Chapu, Museu do Louvre)”. In: Historia da Civilização (1936). 23 Reprodução fotográfica n. 11 – “Monumento comemorativo do Descobrimento do Brasil: Pedro Alvares Cabral”. In: Epítome de História do Brasil (1933) 23 Reprodução fotográfica n. 12 – “Arquivo Nacional” In: História do Brasil (1933) 23 Reprodução fotográfica n. 13 – “Christovão Colombo”. In: Epítome de História do Brasil (1933) 23 A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 13 Reprodução fotográfica n. 14 – “Jonathas Archanjo da Silveira Serrano (1885/1944), aos cinqüenta anos aproximadamente”. In: Cadernos (1945) 53 Reprodução fotográfica n. 15 – “Dois membros da Kuklux Kan” In: História da civilização (1935) 95 Reprodução fotográfica n. 16 – “Júlio Maria”. In: História do Brasil (1931) 95 Reprodução fotográfica n. 17: “Fortificação de Carcassone (século XIII) (Restauração por Viollet-el-Duc, 1850)”. In: História da civilização (1936) 95 Reprodução fotográfica n. 18 – “Broadway, em Nova York, em 1840”. In: História da civilização (1935) 143 Reprodução fotográfica n. 19 – “O trem que em 1830 corria entre Albany e Schenectady, nos Estados Unidos”. In: História da civilização (1935) 143 Reprodução fotográfica n. 20 – “Oswaldo Cruz”. In: Epítome de história do Brasil (1933) 143 Reprodução fotográfica n. 21 – “Marco Polo”. In: História da civilização (1936) 143 Reprodução fotográfica n. 22: “Alberto Magno (Estátua em Lavingen, Suábia)”. In: História da civilização (1936) 143 Reprodução fotográfica n. 23 – “O Krak dos cavaleiros (Síria)”. In: História da civilização (1936) 191 Reprodução fotográfica n. 24 – “Santos Dumont” In: História do Brasil (1931) 191 Reprodução fotográfica n. 25 – “Le Mont-Saint Michel (princípios do século XIII)”. In: História da civilização (1936) 191 Reprodução fotográfica n. 26 – “Ulysses Grant”. In: História da civilização (1935) 191 Reprodução fotográfica n. 27 – “Aspectos do Rio. Teatro Municipal”. In: História do Brasil (1931) 241 Reprodução fotográfica n. 28 – “Rui Barbosa”. In: História do Brasil (1931) 241 Reprodução fotográfica n. 29 – “Cerâmica dos Pueblos modernos”. In: História da civilização (1936) 241 Reprodução fotográfica n. 30 – “Embarcação dos Vikings”. In: História da civilização (1936) 241 Reprodução fotográfica n. 31 – “Ypres: o Mercado (século XIII) (aspecto anterior a 1914)” (1936) 289 Reprodução fotográfica n. 32 – “A cúpula do Rochedo em Jerusalém (Erguida no século VII por Abd-el-Malik e não por Omar)”. In: História da civilização (1936) 289 Reprodução fotográfica n. 33 –”Lincoln”. In: História da civilização (1935) 289 Reprodução fotográfica n. 34 – “Vasco da Gama”. In: Epítome de História do Brasil (1933) 289 IT AM AR F RE IT AS 14 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS ABE Associação Brasileira deEducação AJC Associação dos Jornalistas Católicos AN Arquivo Nacional ALSP Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo ANPUH Associação Nacional de História APC Associação dos Professores Católicos CNLD Comissão Nacional do Livro Didático CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPDOC Centro de Documentação da Fundação Getúlio Vargas CPP Centro do Professorado Paulista CR Correspondência Recebida DGIP/SP Diretoria Geral de Ensino do Estado de São Paulo ENPEH Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História FALB Federação das Academias de Letras do Brasil FFCL Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras FJS Fundo Jonathas Serrano FLF Fundo Lourenço Filho FNFi Faculdade Nacional de Filosofia FGC Fundo Gustavo Capanema FGV Fundação Getúlio Vargas IEB Instituto de Estudos Brasileiros IEUSP Instituto de Educação da Universidade de São Paulo IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro IHGSP Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo INEP Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos LDN Liga de Defesa Nacional LPES Liga Pedagógica do Ensino Secundário MES Ministério da Educação e da Saúde Pública PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais PNE Plano Nacional de Educação PUC/SP Pontifícia Universidade Católica de São Paulo RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro RIHGSP Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo SFL Sociedade de Filosofia e Letras UCBEU União Cultural Brasil - Estados Unidos UDF Universidade do Distrito Federal UFF Universidade Federal Fluminense UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro USP Universidade de São Paulo INTRODUÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 METODOLOGIA DA HISTÓRIA NA AULA PRIMÁRIA Bibliotheca de Educação Vol. XXV IT AM AR F RE IT AS 16 m 1935, no auge de sua militância em prol dos cursos de “matéria aplicada em lugar dos cursos de metodologia”, o recém- egresso dos Estados Unidos, então professor de psicologia educa- cional e diretor da Escola de Educação da Universidade do Distri- to Federal – UDF, Manoel Bergström Lourenço Filho (1897/1970), apresentava ao público brasileiro o mais novo livro do professor Jonathas Serrano (1885/1944), intitulado Como se ensina história. No prefácio, o educador paulista louvava a iniciativa do experi- mentado mestre da Escola Normal do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II e elaborava o mais conciso e agudo comentário de que se tem notícia no período, sobre as possibilidades de renovação do ensino de história no curso das novas tendências apontadas pela literatura educacional – de fundo deweyano, sobretudo – e disse- minadas pelas reformas de ensino ocorridas entre fins dos anos 1920 e meados da década de 1930. Nada estranho com os elogios, mesmo sabendo que os dois – Serrano e Lourenço – travaram rumoroso debate sobre os parâmetros nos quais deveriam ser ancoradas as mudanças no ensino brasilei- ro. Lourenço Filho, com a sua Introdução ao estudo da escola nova (1930), anunciava os novos princípios e técnicas a serem aplicados à educação brasileira; um desdobramento das suas res- postas ao Inquérito sobre o ensino paulista, promovido em 1926 por Fernando de Azevedo (cf. Lourenço Filho, s.d, p. 97-109, Ruy Lourenço Filho e Monarcha, 2001, p. 275). Jonathas Serrano, um dos ideólogos da pedagogia de um prestigiado grupo de intelectu- ais católicos – Alceu Amoroso Lima, Van Acker, Leonel Franca, Everardo Backheuser, Pedro Anísio, entre outros (cf. Cury, 1978; Horta, 1994) –, tentava frear o “pragmatismo” dos renovadores que propunham uma pedagogia demasiadamente orientada pelas ciências da sociologia e da biologia, publicando A escola nova: E A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 17 uma palavra serena em um debate apaixonado (1932). Às vésperas da redação de Como se ensina história (1935), Serrano foi mais longe: acusou os reformadores de “incrédulos, agnósticos ou fa- náticos” e de falsos pioneiros – os verdadeiros renovadores teriam sido Santo Agostinho, São Tomás e José de Anchieta. (cf. Serrano, 1932, p. 29; Cury, 1978, p. 145, 151, 166).1 Os homens mudam, porém. A história muda, e antagonis- mos podem ser amainados. O que queremos dizer com isso é que a loa de Lourenço pode ter sido radicalmente sincera, e não ape- nas um reclame comercial. Afinal, ele era o organizador da Cole- ção “Biblioteca da Educação”, na qual fora incluído o manual de Jonathas Serrano. Mas, apesar da mutabilidade dos homens, é instigante ver um Lourenço Filho fazer a divulgação de um livro de método depois de abonar as distinções método/conteúdo, con- teúdo/objetivos gerais do ensino, objetivos gerais do ensino/meio social-individualidade do aluno e individualidade do professor. (Lourenço Filho, 1934, p. 23, apud. Vidal, 2001, p. 115). Instigante também, porque, além de pregar, ele agiu para extirpar da forma- ção de professores as dicotomias desse tipo, adotando a experiên- cia do Teachers Colleges do “ensino de matérias” – distante do ensino da didática especial e da metodologia stricto sensu. (cf. Lourenço Filho, 1934, p. 22-23, apud. Acácio, 1993, p. 260). Da mesma forma, instiga o fato de ver o próprio Lourenço apresentando um livro de metodologia do ensino de história num momento em que a disciplina estava ausente do curso primário na escola pública do Distrito Federal (1933), substituída pelos “estu- dos sociais” de inspiração norte-americana e vigorosamente defen- didos por Anísio Teixeira (1900/1971) e Carlos Delgado de Carva- lho (1884/1980) – companheiros de Lourenço na administração municipal. No currículo do curso secundário, de maneira idênti- ca, o ensino de história sofria os influxos “integradores” e “escola- novistas” que resultaram na extinção da história do Brasil como disciplina autônoma (até 1939).2 Outro fato instigador é conhecer um Lourenço Filho preocu- pado com os “processos didáticos” ou, simplesmente, com a “di- IT AM AR F RE IT AS 18 dática” de uma disciplina, quando ele mesmo criticou a opção adotada (até 1916, talvez) pelas escolas normais, de separar as disciplinas de matéria – disciplinas lecionadas no curso primário das escolas normais – das disciplinas de método de ensino. Op- ção esta que acabou, ironicamente, migrando e enraizando-se nos cursos superiores, a partir de 1939, com a instituição do formato 3+1, assumido pelos cursos de formação do professor secundário e de pedagogia, a exemplo do currículo formulado para o Instituto de Educação, integrado à USP em 1935.3 Essas tomadas de posição, relativas aos currículos dos cursos de formação de professor e relativas à literatura educacional que deveria orientar o professorado brasileiro, só deixam de ser estra- nhas se presumirmos que a discussão sobre educação e instrução como objeto de estudo e campo de ação para determinados saberes científicos – a pedagogia, por exemplo – ganhava espaços privilegi- ados entre os intelectuais dos anos 1920, quando o debate sobre pedagogia geral/específica começa a tomar feição mais nítida. O nos- so estranhamento pode ser minimizado ainda mais se pensarmos na possibilidade de estar em curso um movimento de partição da pedagogia geral em pedagogias específicas; se supusermos que era possível conciliar a idéia renovadora de Lourenço Filho (a integra- ção de finalidades, meios e objetos, ou seja, de filosofia da educação + métodos e processos + conteúdos de ciência consumidos pela escola) com o propósito de Jonathas Serrano de fazer assentar o “espírito científico” (experimental, controlado, pedagogizado) so- bre o ensino de história, ensino que, à época, estava excessiva- mente vazado na experiência particular e isolada de cada professor. Se pensarmos que a loa de Lourenço significava que o Como se ensina história concentraria, não somente uma receita teórica e novidadeira– “que logo se transformaria em rotina”, como várias vezes alertou (cf. Lourenço Filho, 1928, apud. Carvalho, 2001, p. 163; Lourenço Filho, 1934, apud. Acácio, 1993, p. 260) – mas que seria uma síntese próxima ao seu ideal de nova pedagogia da his- tória, resultado de leituras e de práticas postas em experimentação ao longo da carreira de um experimentado e erudito mestre; e ain- A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 19 da, que as iniciativas particulares construídas nas bases adotadas por Serrano, por certo, seriam muito bem vindas, aí sim, as toma- das de posição em torno do manual começam a ganhar maior inte- ligibilidade. E é por essa linha de raciocínio que propomos o exa- me de uma pedagogia da história à brasileira, idealizada, praticada e difundida pelo professor Jonathas Serrano. Se nos distanciarmos um pouco mais desse debate, do lugar e tempo em que se localizavam, se observarmos o ensino de histó- ria em escala ampliada – e na duração conjuntural braudeliana –, veremos que o abonamento da pedagogia da história de Jonathas Serrano, sintetizada no Como se ensina história, representa ape- nas um fenômeno entre tantos outros flagrados no processo de legitimação da história como saber escolar no Brasil, no período que se estende desde os anos 1850 até meados do século XX. Nesse lapso de tempo, algumas mudanças no ensino de his- tória podem ser constatadas. Mudanças que acompanharam as prescrições da União para o ensino secundário, que se relaciona- ram com a modernização (autonomização) dos estudos pedagógi- cos, notadamente, centrados na formação de professores, e que não se distanciaram do perfil do historiador que se forjava nas academias de história desde os anos em que Francisco Adolfo Varnhagem publicou a sua História geral do Brasil (1855/1857). Desse olhar à distância, em escala ampliada, pode-se perceber, inicialmente, que, até meados dos anos 1920, a exemplo do que denunciava Émile Durkheim sobre o secundário francês, havia um relativo desprezo pelos estudos pedagógicos como especiali- dade. A pedagogia era pensada como inerente e indispensável ao melhoramento do ensino primário, mas não do secundário (cf. Durkheim, 1995, p. 12-13). Esse relativo desprezo não resultava somente na ausência de um estudo sistemático sobre metodologia ou a psicologia desse tipo de ensino. Significava também não levar em conta a integração das várias questões com as quais os proces- sos de instrução estiveram às voltas nos últimos cento e cinqüenta anos: as finalidades, os conteúdos, as idéias de aprendizagem e as eventuais diferenças existentes entre os saberes escolarizáveis. IT AM AR F RE IT AS 20 A hipótese que se aventa, portanto, é a de que houve, no Brasil um movimento gradual em torno da construção de uma teoria para o ensino de história, envolvendo tais preocupações de maneira articulada que deixou vestígios proeminentes durante as décadas de 1920 e 1930. Desse movimento, são marcas destacáveis a participação de professores ligados ao movimento educacional, técnicos e docentes de escolas normais na construção dos progra- mas de ensino secundário, tanto nos quadros do modelar Colégio Pedro II, quanto nas comissões estabelecidas pelos ministérios que trataram da educação; as iniciativas de uniformização da história a ser ensinada em todo o país a partir de 1931; a publicação de textos sobre como ensinar história voltados para o mestre do se- cundário; e a instituição de cursos de formação para professores do ensino secundário, seja nas tentativas de fundação das escolas normais superiores, seja na criação das faculdades de Filosofia e de Educação na década de 1930. Pensar a construção de uma teoria da história para o ensino secundário no Brasil obriga a aceitar também a possibilidade de embates entre experiências européias, norte-americanas e brasilei- ras – experiências em nível erudito (ciências de referência) e em nível escolar (saberes da pedagogia e/ou psicologia); de interesses de corporações religiosas entre instituições de ensino de São Pau- lo e do Rio de Janeiro. Os conflitos também estão relacionados aos diversos projetos e ações das personagens diretamente envolvidas no processo de legitimação da história como saber escolar – os professores catedráticos de história, os professores das áreas de formação docente, os historiadores não professores e os altos gestores da educação pública – inclusive ministros. Nesse sentido, o exame da trajetória intelectual de Jonathas Serrano parece-nos bastante profíquo na medida em que sua expe- riência como professor do Colégio Pedro II e da Escola Normal do Distrito Federal, historiador ligado ao Instituto Histórico e Geográ- fico Brasileiro, escritor de livros didáticos de história, gestor de políticas educacionais e militante católico, contempla os indícios de prática, idealização e prescrição de uma pedagogia da história A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 21 adequada a um certo ethos brasileiro, inventado por uma determi- nada visão de mundo. Outro aspecto que também reforça a peda- gogia desse homem como um estudo relevante é o fato de sua legitimação ter se dado no momento em que o ensino secundário brasileiro se configurava e se generalizava em formato único pelos dispositivos legais da União, entre os anos 1930 e 1940 (cf. Silva, 1969). Hoje, sabemos que, além da iniciativa legisladora do Esta- do, a definição do secundário era também tributária das iniciativas estaduais de formação do professorado (USP/UDF), bem como de “produções que advogavam a importância de tal e tal disciplina” (cf. Warde, 2003), ao tempo em que ofereciam uma base científica de como a disciplina deveria ser ministrada, reestruturando te- mas, horários, seriação, e material didático. Dito novamente, a hipótese que se deseja testar aqui é a de que houve tentativas de pedagogização do ensino secundário, gerando teorias específicas da história. A pedagogia de Jonathas Serrano apresenta-se, portanto, como uma janela que permite vislumbrar os traços dominantes desse movimento. Para demons- trar a plausibilidade dessas proposições é preciso, então, movi- mentar-se em dupla direção: do geral ao particular e deste, nova- mente, ao geral. Em outras palavras, é preciso descrever em gran- des traços, pelo menos, o movimento de construção da história como saber escolar para o ensino secundário, destacar alguns pontos de emergência, verticalizando a pesquisa sobre um des- ses pontos – no caso a elaboração da pedagogia da história de Jonathas Serrano. Esse itinerário de pesquisa está representado na segmentação deste livro: 1) estado da arte sobre a pesquisa que aborda as histórias do ensino secundário e do ensino de história; 2) o per- fil do professor-historiador Jonathas Serrano; 3) os fundamentos da pedagogia da história formulada por Jonathas Serrano – idéia de ciência, pedagogia, psicologia, filosofia da história, ideal pedagógico, saber histórico e função da história escolar; 4) méto- dos da história; 5) conteúdos do ensino de história; 6) as peda- gogias publicizadas no mesmo período do lançamento do Como IT AM AR F RE IT AS 22 se ensina história (1935), ou seja, “às portas da universidade brasileira” – Murilo Mendes, A. F. Cesarino Júnior e Fernand Braudel; 7) considerações finais. Ao examinar a configuração da pedagogia da história de Jonathas Serrano e de alguns professo- res atuantes em 1935 e 1936, abandonados pelos escaninhos da memória, essa pesquisa também procura responder, em largos traços, às três clássicas questões sobre a história escolar em sua instância prescritiva entre 1913 e 1935: por que, o que e como se deveria ensinar história no secundário brasileiro. Antes de seguir viagem, vejamos as formas de abordar esses problemase algumas das mais freqüentes soluções produzidas pelos pesquisadores brasileiros do ensino de história. ITINERÁRIOS DE PESQUISA 10 11 12 13 IT AM AR F RE IT AS 24 A PESQUISA SOBRE A HISTÓRIA DO ENSINO DE HISTÓRIA NO BRASIL Entre os pesquisadores que anunciam seu interesse pelo “en- sino de história” nas últimas três décadas, o estudo histórico sis- temático sobre história ensinada ao longo dos séculos XIX e XX não tem atraído muitos adeptos. Pelo menos, não tem atraído estu- diosos com a mesma intensidade dos que abordam questões rela- tivas ao emprego de “novos métodos de ensino” e aos textos resul- tantes de “experiências didáticas”. Essa é uma das conclusões dos balanços sobre as pesquisas acerca do ensino de história do Bra- sil.1 A tônica dos trabalhos, como os de Selva Guimarães Fonseca (1990), Circe Bittencourt (2001), Flávia Caimi (2001), Ernesta Zamboni (2002), Tahis Nivia de Lima e Fonseca (2003) e Margari- da de Oliveira (2001, 2003), é informar sobre o deslocamento das investigações, entre 1970 e 1990, – da externalidade para o inte- rior da escola e da sala de aula – e da abundância de estudos de caso sobre estratégias de trabalho em situação didática.2 Segundo Margarida Maria Dias Oliveira, “as pesquisas na área de ensino de história restringem-se a um dos aspectos: ou são sobre livros didáticos ou sobre propostas, currículos formais para esse ensino, leis, ou ainda sobre experiências concretas em sala de aula”. (Oliveira, 2002, p. 104). Do conjunto que discute especifi- camente a história da história ensinada, Tahis Lima e Fonseca (2003) afirma que “cerca de 66% dos estudos levantados concentram-se nos temas dos currículos e programas para o ensino de história, das práticas escolares no ensino de história, estando este último tema na liderança, com quase 40% dos trabalhos analisados”. A mesma autora informa sobre os recortes cronológicos mais con- templados – o período Vargas e as décadas de 1980 e 1990 – e os resultados da pesquisa sobre o tema: A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 25 a maioria dos trabalhos, ao privilegiar os programas curriculares e o livro didático, procura analisá-los na pers- pectiva da utilização do ensino de história pelo Estado e pelas elites detentoras do poder e do como as formulações para essa disciplina estiveram associadas a ideologias e/ ou a determinados programas políticos”. (Lima e Fonseca, 2003, p. 33). A diminuta reflexão acerca da história da história ensinada em ambiente escolar e acadêmico também pode ser constatada por intermédio de prospecções rotineiras no Sistema Lattes (Base de dados do CNPq),3 nas sínteses de história da historiografia, assim como nos indicadores mais recentes sobre a produção especializa- da: os grupos de pesquisadores atuantes nos simpósios da ANPUH (João Pessoa, jul. 2003) e os Grupos de Trabalho do VI Encontro Nacional dos Pesquisadores do Ensino de História, realizado em Londrina, no início de setembro de 2003. No âmbito da história da historiografia, que trata dos livros e da escrita da história, há diminuto espaço para questões sobre ensino, mesmo quando se quer atrelar o padrão de escrita às pecu- liaridades da formação do historiador brasileiro nas faculdades de filosofia e nos cursos de pós-graduação stricto sensu. Nesse senti- do, a história da historiografia difunde a idéia de que a produção historiográfica brasileira, necessariamente, percorre um itinerário linear onde o fim a ser atingido é delimitado pelo padrão francês da escrita da primeira geração dos Annales ou pela nova historio- grafia norte-americana da segunda metade da década de 1940. Daí, ser bastante recorrente o emprego dos pares tradicional-moderno, ensino-pesquisa, atraso-renovação. Daí, também, a função das fa- culdades de Filosofia – formação do magistério secundário – ter-se constituído no principal entrave à “evolução” da historiografia bra- sileira na primeira metade do século XX, segundo os historiadores da historiografia. (cf. Freitas, 2003). Os indicadores do trabalho especializado, divulgado em con- gressos são, todavia, mais decisivos para confirmar as tendências IT AM AR F RE IT AS 26 apontadas inicialmente. Veja-se a esse respeito a produção apre- sentada no XXII Simpósio Nacional de História, realizado em ju- lho/agosto de 2003, na cidade de João Pessoa. O evento contem- plou oitenta simpósios temáticos. Nenhum deles intitulou-se his- tória do ensino de história, ou similar específico, mas cinco trata- ram de história da educação, experiências didáticas, formação do- cente, produção, transmissão e aquisição do saber escolar. Apro- ximadamente mil e setecentas comunicações foram apresentadas. A matéria relativa ao ensino de história concentrada nesses simpósios, coordenados por pesquisadores destacados nesse tipo de trabalho, ocupou 4% desse total – setenta e cinco trabalhos. Como resultado, verificou-se que 8% desse conjunto tratou de história da história ensinada, enquanto a grande maioria (70%) foi assim distribuída: representações – 18%; experiências – 16%; for- mação inicial e continuada de professores de história – 15%; iden- tidades – 9%; concepção de tempo histórico no ensino – 7%; lin- guagens – 5%. Pode-se objetar que a baixa freqüência de trabalhos sobre história da história ensinada no Simpósio da ANPUH estivesse relacionada à ocorrência do VI ENPEH, realizado em data próxi- ma. Tal hipótese cai por terra quando se verifica que a temática em foco nesse evento ocupou 6,7% do total de cento e trinta e três inscritos.4 A maior parte dos resumos remetidos, cerca de cinqüenta e seis, sinaliza o interesse bem distante das propostas de feição histórica: linguagens (proposta de uso de...) – 13%; relatos declarados de experiências pedagógicas (uso de..) – 8%; representações de índios, negros, professores entre outros sujei- tos, no ensino de história e no livro didático – 12%; identidades de índios, negros, de professor etc. – 6%; concepção de tempo histórico no ensino de história – 9%. Os trabalhos auto-denomi- nados como de história do ensino exploram a identidade nacio- nal no livro didático, o controle do Estado exercido sobre o ensi- no; práticas pedagógicas; didática da história veiculada em perió- dicos; história das disciplinas – história universal, história geral e a relação entre a historiografia produzida pelos Institutos His- A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 27 tóricos e o ensino e livro didático de história. Excetuando essas rubricas (6,7%) e os temas que compõem os já referidos 57% dos trabalhos, reina a dispersão: cotidiano, uso de conceitos, currí- culo, ensino ambiental, educação patrimonial, memória, história local/regional, temas transversais estabelecidos pelos Planos Cur- riculares Nacionais – PCNs, práticas de estágio supervisionado e produção do livro didático. Apesar desses indicadores, neste balanço de síntese, é ne- cessário ir além da denúncia sobre a ausência de histórias da história ensinada. É preciso também apontar que, dentro dessa insuficiência de trabalhos, houve avanços qualitativos e quanti- tativos da pesquisa em relação aos anos 1970, por exemplo, quan- do a história dos saberes acadêmicos e escolares só podia ser conhecida com maior facilidade por intermédio da descrição memorialística, sobretudo, e da investigação em torno de uma pedagogia da história daqueles professores que ocuparam posi- ções de destaque nos centros de decisão sobre a experiência do ensino. Num levantamento exaustivo, é comum encontrar os nomes de Jonathas Serrano (1917, 1935), Murilo Mendes (1935), Carlos Delgado de Carvalho (1957) e Miriam Lifchitz Moreira Leite (1969) – construtores de manuais de metodologia de ensino para os professores do primário e dosecundário que, Tabela n. 1 - A pesquisa sobre o ensino de história em 2003 XXII ANPUH e VI ENPEH Temas predominantes XXII ANPUH VI ENPEH Linguagens/experiências 21% 21% Representações/identidades 27% 18% Formação inicial e continuada do professor de história 15% 9% Concepção de tempo histórico 7% 9% História do ensino de história 8% 7% Outros temas 22% 37% Total 100% 100% Fonte: Caderno de programação e resumos do XXII Simpósio Nacional de História: história, acontecimento e narrativa (2003); Quadro de resumos do VI Encontro Nacional de Pesquisadores do Ensino de História (2003). IT AM AR F RE IT AS 28 tangencialmente, narram práticas da primeira metade do século passado; Hélio Viana (1939, 1973) – um produtor de livros didá- ticos de história do Brasil que registrou a trajetória da disciplina nas partes introdutórias das suas obras; Artur César Ferreira Reis, Eremildo Luiz Viana, Virgílio Correia Filho e o próprio Hélio Viana (1953) – partícipes de um projeto do Instituto Panamericano de Geografia e História que se propunha a produzir memórias sobre o ensino de história na América, e cuja intervenção brasi- leira informou sobre o ensino de história nos cursos primário, secundário, normal, nas faculdades de Filosofia, na Escola de Estado Maior do Exército, Museu Histórico Nacional, Instituto Rio Branco, Escola de Sociologia e Política e nas Faculdades de Ciências Econômicas; e, por fim, os nomes de Amélia Domingues de Castro (1955), Guy Holanda (1957) e Américo Jacobina Lacombe (1973), autores que demonstraram maior preocupação com as dis- ciplinas históricas no ensino médio, principalmente nas ques- tões relativas ao lugar da história no currículo do secundário e aos livros didáticos produzidos no Brasil. A pesquisa sobre a história ensinada também passou por um breve período de caça às ideologias que freqüentavam os livros didáticos de história, como já afirmaram diversos revisores da lite- ratura. Podem ser assim tipificadas as abordagens adotadas por Elza Nadai (1988, 1990, 1993), Kátia Maria Abud (1998) e Circe Bittencourt (1990). Hoje, todavia, a maior parte das investigações recebe os influxos das reorientações teórico-metodológicas da dis- ciplina história da educação – nos cursos de pós-graduação em Educação (cf. Warde, 2003; Carvalho 2000) – e colhe os frutos dos grupos de trabalho tutelados por instituições, como a ANPED e a ANPUH. Daí, tornarem-se conhecidos vários trabalhos – teses, principalmente –, produzidos em instituições universitárias situ- adas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Pernam- buco. Uma revisão exaustiva não encontrará dificuldades para lo- calizar exemplares de escrita sobre história ensinada nos estudos de Circe Bittencourt (1993), Selma Rinaldi de Mattos (1998), A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 29 Kazumi Munakata (1998), Patrícia Santos Hansen (2000), Fausto Henrique Gomes Nogueira (2001), Arlette Medeiros Gasparello (2002, 2004), Luis Fernando Cerri (2002) e Maria do Carmo Martins (2002, 2004). Os trabalhos sobre práticas acadêmicas uni- versitárias, porém, ainda rareiam. São exemplos desse esforço as publicações de Elza Nadai (1991), Paulo Sily (1993), Luis Fernando Cerri (1997), Elenice Ciampi (1998), e Mara Cristina de Matos Rodrigues (2002). Hoje, diferentes abordagens cortam, atravessam, tangenciam, decompõem a história ensinada sob diversos pontos de vista e referenciais teóricos e põem à nossa disposição um conjunto de conclusões bastante híbridas – embora, plenamente justificáveis, posto que a escrita da história muda por conta das próprias mu- danças dos historiadores, do tempo, dos métodos e dos instru- mentos da própria ciência da História (cf. Reis, 1999, p. 7-20). Avança-se no conhecimento sobre a legislação instituidora e/ou desorganizadora dos currículos, das disciplinas e programas; o conteúdo projetado e ensinado em sala de aula, a elaboração dos livros didáticos; a formação do professor; o uso das disciplinas pelo Estado; a noção de ciência da história e de ensino de história idealizados pelo professor; e, recentemente, sobre o valor e as fi- nalidades das disciplinas históricas escolares. De tais escolhas, chega-se constantemente aos grandes pro- blemas que freqüentam a pauta dos professores de história: a descaracterização do saber histórico no ensino dos Estudos Soci- ais, a presença dos “quadros de ferro” de Adolfo Varnhagem, o vigor da ideologia burguesa, o autoritarismo, o nacional brasileiro, a ausência da idéia de cidadania, a precariedade dos cursos pro- pedêuticos, o caráter reprodutivista da história ensinada em rela- ção à história erudita – a ciência da história –, o hiato entre o ensino e a pesquisa na formação do professor e no ensino escolar, a proeminência do Estado sobre os sujeitos individuais, a negação da pluralidade cultural e de classe social nos conteúdos e a pre- ponderância do singular ilustrado sobre a experiência coletiva da população brasileira nas páginas dos livros didáticos. IT AM AR F RE IT AS 30 Todo esse panorama esboçado até aqui é bastante esclarecedor. Ocorre que as questões principais enfocadas por esta pesquisa têm uma especificidade, além de circuscreverem-se no âmbito da histó- ria do ensino de história. Trata-se de uma investigação sobre a cons- tituição da teoria do ensino de história nos estudos secundários brasileiros, entre os anos 1892 e 1942, de forma geral, e de maneira específica, entre 1913 e 1935, sobre a pedagogia da história do inte- lectual Jonathas Serrano. É, pois, necessário verificar não só de que forma a comunidade científica tem tratado o tema, mas também como se tem estudado a configuração do saber histórico escolar nesse período que abrange desde o início da primeira República até o final do Estado Novo. Uma estratégia reveladora é investigar, a partir da literatura histórica, sobre o próprio ensino secundário no Brasil. O DEBATE HISTORIOGRÁFICO SOBRE O ENSINO SECUNDÁRIO Tem certa razão a professora Mirian Warde quando afirma que os estudos sobre o ensino secundário, produzidos a partir da década de 1970, guardam duas características comuns: “estão centrados no exame da legislação federal e dos dados oficiais, e pautados nas expectativas políticas e sociais dos seus autores que esperavam do ensino secundário a realização de determinadas metas sociais ou de determinados modelos educacionais” (Warde, 2004, p. 1). Por esses motivos, continua a historiadora, a assertiva categórica, presente nos trabalhos arrolados, de que o ensino secundário em âmbito nacional funcio- nou ao longo do tempo como ‘propedêutico ao ensino su- perior’, por certo decorre quer do choque da experiência histórica com os modelos dos quais os autores eram porta- dores, quer da hipertrofia das fontes legais e dos dados oficiais em face de muitas outras modalidades de dados e informações passíveis de serrem colhidas por região ou por tipos de instituições”. (Warde, 2004, p. 1). A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 31 Tomemos como exemplo os trabalhos de Geraldo Bastos Sil- va, um dos mais abonados pela historiografia sobre o secundário. Para esse autor, a utopia (paixão, projeto etc.) disseminada no de- bate político e presente em A educação secundária são as “funções essenciais” desse tipo de ensino: preparar as novas elites – prope- dêutica do ensino superior – e formar a personalidade do adoles- cente. Assim, os conceitos de arrimo, presentes no citado livro – alienação, transplante e antecipação – ajudam a explicar o fracasso de todas as tentativas de emprego de idéias e de instituições edu- cacionais européias, haja vista a situação colonial e periférica da experiência histórica brasileira até os anos 1930. (cf. Silva, 1969, p. 32, 33, 232,285). Essa utopia e esse entendimento sobre a ciência histórica resultam na idéia de que o ensino secundário brasileiro seguiu uma trajetória evolutiva linear de reiterados fra- cassos na tentativa de eliminar, tanto o caráter propedêutico do ensino, quanto o perfil ornamental e enciclopédico do currículo – com ênfase, ora nas ciências físico-naturais e nas matemáticas, ora nos estudos das humanidades. Trabalhos procedentes e anteriores, como os de Maria Thétis Nunes e de Maria de Lourdes Mariotto Haidar, mantêm essas mes- mas chaves de leitura sobre o ensino secundário. Para Thétis, a educação secundária era um “reflexo dos interesses de classe”, e a classe proletária não fora contemplada em suas aspirações na dé- cada de 1960 – um secundário de qualidade que lhe possibilitasse a mobilidade social em tempos capitalistas. Movida por essa uto- pia e baseada numa teoria mecanicista da história, onde a superes- trutura (lugar da educação) estava a reboque da infraestrutura, e a esperada revolução burguesa não poderia queimar etapas, a autora chega à conclusão de que o ensino secundário no Brasil esteve sempre em “desconexão... com as condições sócio-econômicas do momento” (Nunes, 1999, p. 112).5 Quando as reformas eram avan- çadas – a reforma Leôncio de Carvalho, por exemplo –, a socieda- de não estava preparada para recebê-las. Quando a sociedade e a economia estavam aptas para os melhoramentos da educação, a partir dos anos 1930, as reformas retrocediam aos objetivos e cur- IT AM AR F RE IT AS 32 rículos de ensino livresco, ornamental, conservador – a reforma Capanema é a comprovação. Por essa equação bastante crítica – para não dizer, pessimista –, o ensino secundário no Brasil nasceu (1550) e desapareceu (1971) sem ter cumprido a evolução de que se espera- va: migrar de uma proposta elitista para uma proposta democrática, ou como se diz atualmente, para uma proposta inclusiva. O caso de Haidar não destoa do anterior. Ela conclui o Ensi- no secundário no Império brasileiro com um argumento presentista: Agora, quando o velho fantasma dos estudos parcelados, encarnados nos impropriamente denominados exames de madureza e acompanhado de seu cortejo de mazelas aca- ba de atentar novamente contra a integridade dos estudos secundários ameaçando desvirtuá-los; agora, quando a fre- qüência livre, disfarçada sob novos rótulos e apoiada em novos mitos que minimizam o papel da escolaridade re- gular, insinua-se sub-repticiamente, mais uma vez; agora, quando a indústria da educação, trabalhando a todo o va- por, produz legiões de incompetentes munidos de certifi- cados e diplomas, futuros desajustados que acabarão por engrossar as fileiras da contestação irracional, esperamos que a experiência do Império e dos primeiros tempos da República nos sirva de lição e de advertência. (Haidar, 1972, p. 262-263). Não é difícil perceber que esse alerta – propiciado por um conhecimento histórico que “liberta”, operando uma “verdadeira catarse” – está relacionado aos resultados obtidos a partir do exa- me de algumas formas do ensino secundário até a penúltima déca- da do século XIX: a pobreza do currículo (desinteressado) e a aris- tocrática finalidade do ensino secundário. A utopia de Haidar é, portanto, a construção de um ensino secundário como canal de- mocrático de mobilidade social – o que não foi permitido no regi- me monárquico ante às sucessivas protelações da extinção do sis- tema de exames parcelados, da não implantação da regularidade e A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 33 da simultaneidade dos estudos disciplinares, da ausência do ba- charelado como único acesso aos cursos superiores e da inoperância do Colégio Pedro II como “padrão real” para o secundário nas províncias. (cf. Haidar, 1972, p. 136-137, 262). Mas nem tudo é presentismo, etapismo, linearidade.6 Há tam- bém trabalhos, como o de Heládio Cesar Gonçalves Antunha (1980), que fazem a crítica a esse tipo de conclusão quando alertam aos estudiosos do tema para a importância de se considerar o execrado sentido “preparatório” como um sistema de ensino normal, de status semelhante ao ensino “regular”.7 (...) a atenção dos estudiosos tende a voltar-se para o ensi- no secundário regular, ou seja, para o ginásio, e para as reformas que o atingiram, a partir de sua introdução por Benjamin Constant. Por outro lado, o ensino de preparató- rios é visto como um curso marginal, paralelo ao ginásio, que teima em sobre-existir, apesar de todas as medidas adotadas para extingui-lo. (...) ao invés de prosseguir considerando-o simplesmente como um sistema paralelo ao ginasial, é preciso encará-lo como um regime normal, tão legalmente estabelecido quanto o próprio ginásio e que... encarregava-se, de fato, da imensa maioria dos estudantes. (Antunha, 1980, p. 10-20). Não se omite que Antunha conserva uma abordagem linear, em seqüência cronológica, examinando, majoritariamente, “as prin- cipais leis, regulamentos e outros documentos legais, procurando perceber a (/) linha de continuidade (e obviamente também as des- continuidades)” do “processo de consolidação do regime ginasial” (Antunha, 1980, p. 2, 8). Essa atitude, inicialmente, poderia cir- cunscrevê-lo na mesma operação historiográfica dos demais auto- res citados, mas também se deve registrar a sua palavra esclarece- dora sobre o impacto do “horizonte de expectativa” dos estudio- sos do secundário brasileiro nas conclusões acerca da história desse tipo de ensino. IT AM AR F RE IT AS 34 Para Antunha, tanto os responsáveis pelos inquéritos dos anos 1920 (Fernando de Azevedo – 1926 e a Associação Brasileira de Educação – 1929), quanto alguns estudiosos da segunda meta- de do século XX comprometeram os diagnósticos dos seus estu- dos. No primeiro caso, as perguntas dos inquéritos induziram a um “mesmo tipo de resposta” acerca das finalidades do ensino secundário: “a formação integral da maioria dos jovens e adoles- centes, de modo a tornar-se ‘a base da cultura média do país.’” Nos pesquisadores contemporâneos a sua tese, o problema dos estudiosos estaria no flagrante anacronismo: não há como acusar o secundário dos anos 1980 como degradado e rebaixado na quali- dade. Acreditamos, sim, completa Antunha, que ele [o rebaixamento] era inevitável. Na realidade, não há que comparar o aristocrático ginásio da Primeira Re- pública(...) com as atuais quatro últimas séries do primei- ro grau, ou mesmo com o segundo grau. Embora o nome de ginásio se tenha conservado até bem pouco tempo, tra- ta-se na verdade de estabelecimentos diferentes, com pro- pósitos organização e funcionamento distintos. (Antunha, 1980, p. 231, 245). O que se depreende desse breve panorama sobre a historiogra- fia do secundário é a prevalência de alguns problemas típicos: qual o interesse e o papel do Estado na educação das massas? O ensino secundário atingiu as finalidades que deveria ter atingido? Qual o caráter do currículo? O ensino proposto era compatível com a reali- dade de cada momento? Apesar dos diferentes caminhos tomados pelos pesquisadores, as respostas parecem indicar um relativo con- senso em torno das sucessivas vitórias de um secundário elitista – no sentido de aristocrático – nas finalidades e na forma de organiza- ção (ou desorganização), com currículo ornamental, livresco, não raramente enciclopédico, submetido às disputas entre católicos e livre-pensadores, entre a iniciativa privada e o poder público, entre os credos políticos da centralização e da descentralização. A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 35 O consenso espraia-se para a assertiva de que a monarquia e a República foram incompetentes para instalar o secundário de tipo regular, e ainda, de que as inovações propostas na primeiraRepública foram pensadas por ilustres intelectuais dos tempos do Império; monarquistas, inclusive. Nessa concordância, alguns debates predominantes na própria experiência do secundário fi- cam obnubilados. O conflito “sagrado vs secular” em nível de con- teúdos disciplinares, o debate sobre a idéia de pedagogia e as ten- tativas de renovação dos métodos e processos, o conflito entre os defensores das humanidades e os das ciências naturais e das ma- temáticas são exemplos destacados que, só nos anos 1990, come- çaram a ser explorados em trabalhos monográficos. NA ESTEIRA DO DEBATE, OS ESTUDOS SOBRE O ENSINO DE HISTÓRIA A historiografia que trata do ensino de história especifica- mente, não chega – e nem seria lógico – a abandonar as assertivas acima. Para Guy de Hollanda8, que denunciava a “tirania dos pro- gramas” de ensino em meados da década de 1950, o estudo em “perspectiva histórica” era essencial à “compreensão do presente imediato, tempo em que se cogitava “mais uma vez a reforma do currículo da escola secundária”. (Hollanda, 1957, p. v). Seria preciso, então, examinar a experiência das reformas de pelo me- nos uma geração, apontando as contradições da legislação sobre o secundário no que diz respeito aos programas e compêndios. Tais contradições – que resultavam na ditadura dos programas – tolhiam a prática pedagógica do professor e empobreciam a pro- dução dos livros didáticos, além de impedirem a efetivação de um ensino verdadeiramente ativo, como explicitado em lei, desde os anos 1940. Acerca do secundário, genericamente tratando, Hollanda foi taxativo: “na escola secundária brasileira, o professor e o aluno constituem meros acessórios da única realidade existen- te para a legislação oficial do ensino: as provas e os exames”. (Hollanda, p. 253). IT AM AR F RE IT AS 36 Naquela época, Combats pour l’Histoire, de Lucien Febvre (1953), e as falas de John Dewey – fundamentador da proposta dos social studies – indicavam, para Guy Hollanda, a idéia de ciência da história e os objetivos e conteúdos do ensino de histó- ria para a “escola média”. Mas, no final dos anos 1980 e início de 1990, após a experiência ditatorial que quase extinguiu a história como curso superior especializado e como disciplina escolar (cf. Martins, 2002), a carga contra a ideologia perniciosa ou simples- mente, contra a ideologia veiculada nos objetivos e conteúdos da história escolarizada deu a direção dos estudos sobre a história da história ensinada sem, contudo, alterar o consenso estabelecido pelos pesquisadores dos anos 1960 acerca do ensino secundário brasileiro. Em Pátria, civilização e trabalho, Circe Bittencourt (1990) empenha-se para “desvendar quem construiu o saber histórico, ou a memória histórica a ser veiculada”. O Estado é o grande vilão, representa os interesses da classe dominante. Os conteúdos disci- plinares omitem as diferenças de classe sob a noção de “povo” e de “nação”. A distribuição do tempo e a didática praticamente não mudaram nos ginásios paulistas entre 1917 e 1939, conclui Bittencourt. (1990. p. 22-23). Para Elza Nadai (1993), os conteúdos de história revelam o caráter colonizado da elite brasileira. A história da pátria apresen- tava-se como apêndice da história da Europa Ocidental; o currícu- lo era ideologicamente marcado pela omissão da dominância ex- terna e interna, e as idéias de nação – instrumentos do ensino de história – e de cidadão geraram monstruosidades como o mito da democracia racial. Ainda segundo a autora, o agente histórico era o indivíduo, não a classe; e a teoria da história, substrato da disci- plina, era positivista – neutralidade e objetividade configuradas nas representações de herói e de pátria. Isso tudo se manteve até a fundação das Faculdades de Filosofia em meados dos anos 1930. Mesmo em estudo pontual, como o de Kátia Abud (1993), sobre os programas de ensino elaborados em 1931, a história esco- lar era a história estudada na perspectiva dos conquistadores e A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 37 dos dominantes, um poderoso instrumento de dominação ideoló- gica. Os agentes eram os heróis nacionais; a periodização, europei- zada; a teoria, positivista; a finalidade do ensino: formar o cidadão – representante da classe dominante. A lista de temas a serem estudados era extensa; não havia reflexão aprofundada sobre psi- cologia da educação, nem liberdade de ação para a escola e para os professores. Abud afirma também que esse quadro foi resultado da visão de história dos homens que saíram vencedores da Revo- lução de 1930, nada diferente das concepções do grupo deposto: elitista, harmonizador, sem admitir mudanças na ordem social. Da monografia ao trabalho de síntese, o consenso se mantém. Quem lê o impresso mais recente sobre o tema – História e ensino de história – não terá dificuldade para entender a denúncia de Thais Nivia de Lima e Fonseca (2003). A equação é simples: se, nos últimos cento e setenta anos, o sistema educacional foi elitista e se a ciência da história preconizada pelo IHGB foi, por longo tempo, hegemônica, deixando fortes heranças, o ensino de histó- ria escolar no Brasil conservou, em larga escala, os aspectos “tradi- cionais” originados no Império – conteúdo biográfico, cívico, pa- triótico, nacionalista, conservador de matrizes da história sagrada e de métodos autoritários (sem lugar para o aluno e para o profes- sor). Em suma, para Tahis Lima e Fonseca, apostou-se “na forma- ção de um cidadão adaptado à ordem social e política vigente” (Lima e Fonseca, 2003, p. 37-59) – um truísmo que define todo o período até a abertura política da década de 1980. São essas as principais questões e conclusões de um grupo bastante representativo de pesquisadores que, de maneira mais abrangente,9 abriu caminho para a especialização dos estudos so- bre a história do ensino de história. Essas pesquisas estão marcadas, como procuramos demonstrar, por uma crença ainda bastante vi- gorosa de que o ensino de história é o mais estratégico para liber- tar/formar consciências. A propósito, em estudo sobre reformas no ensino em vários continentes, Cristian Laville (1999) comen- tou que a história ensinada vem sendo reelaborada, sobretudo, para manter a ordem estabelecida, para a reconstituição do Estado IT AM AR F RE IT AS 38 e também para lutar contra ele. Não há dúvidas de que a “história é certamente a única disciplina escolar que recebe intervenções diretas dos altos dirigentes e a consideração ativa dos parlamenta- res. Isso mostra quão importante ela é para o poder”. Mas, há dois paradoxos a considerar nessa constatação: enquanto na maioria dos países se diz que o objetivo do ensino da história é desenvolver nos alunos as capacida- des de que o cidadão precisa para participar da sociedade de maneira autônoma e refletida, o ensino da história, ainda é, muitas vezes, reduzido a uma narrativa fechada, destinada a moldar as consciências e a ditar as obrigações e os comportamentos para com a nação (...) é possível que todos esses esforços para controlar os con- teúdos do ensino da história, bem como os debates que isso provoca, estejam alicerçados numa ilusão. Neste fim de século, é possível que a narrativa histórica não tenha mais tanto poder, que a família, o meio ao qual se perten- ce, circunstâncias marcantes no ambiente em que se vive, mas sobretudo os meios de comunicação, tenham muito mais influência”. (Laville, 1999, p. 135, 137). Em direção semelhante, disserta Kazumi Munakata acerca das denúncias de que os livros didáticos de história, desde o regime militar ao início dos anos 1990, estão plenos de preconceito, descriminação e alienação; em suma, veiculam a ideologia da clas- se dominante: Isso tudo causa uma sensação de estranhamento. É como se os livros didáticos, ao menos os de História,não tives- sem passado por substanciais alterações (...) é como se os livros ou a sua crítica – ou ambos? – tivessem se petrifica- do no tempo. Sabe-se, contudo, que ao menos com o livro houve mu- danças não desprezíveis. Mercadoria, o livro precisa adap- A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 39 tar-se à demanda. Se a ventura sopra a favor das reivindi- cações democráticas, progressistas e até mesmo esquer- distas; e se presumivelmente propiciem a “reflexão”, a “crí- tica”, a “conscientização” e a “promoção da cidadania”, a empresa capitalista que produz livros a esse respeito prefe- re atender a essa demanda do que (sic) permanecer fiel à sua suposta “ideologia”. Ou melhor, o mercado é a própria ideologia dessas empresas. (Munakata, 1998, p. 274). Mas, voltando aos primeiros historiadores do ensino de his- tória, são esses mesmos arautos da denúncia que acabam por in- troduzir alguns novos elementos e novas abordagens no estudo da matéria. Aqui, vale o exemplo de Circe Bittencourt (1993) que, não obstante o anúncio de categorias como contradição, resistência e hegemonia, abandona, em sua tese de doutoramento, a idéia de escola como aparelho reprodutor da ideologia dominante. Isso im- plica no deslocamento do foco de observação em direção ao inte- rior da escola o que é feito em relação ao ensino de história, parti- cularmente em relação à produção e aos usos dos livros didáticos. Assim, em Livro didático e conhecimento histórico: uma História do saber escolar, ganharam relevo, por exemplo, os principais de- bates sobre o ensino secundário, desde o século XIX até os anos 1910, destacando-se os conflitos entre a história sagrada e a histó- ria laica, entre história universal e história do Brasil, que foram analisados sob o aspecto dos objetivos, periodização, concepção de tempo, teses, forma expositiva e formato editorial. Nesses novos ventos trazidos à história do ensino de histó- ria, incorporando problemáticas e abordagens caras à história cul- tural, história das disciplinas, história dos livros didáticos, à sociologia do currículo (cf. Bittencourt, 2003; Munakata, 2001, 2003), surge, por exemplo, o trabalho de Arlette Gasparello que “não tem por objetivo desvelar as intenções ocultas nem reescre- ver uma outra história”, mas apenas uma finalidade auto-compre- ensiva. Apesar de enfocar um tema clássico na historiografia – o nacionalismo –, a pesquisa sobre as formas de manifestação desse IT AM AR F RE IT AS 40 fenômeno está atrelada ao estudo da elaboração identitária do livro didático no Brasil. A abordagem faz a diferença: “os compêndios de História do Brasil foram examinados em relação à materialidade do objeto livro e os aspectos simbólicos, relativos ao discurso na- cional. (Gasparello, 2004, p. 28-30, grifos da autora). O outro exemplo que tem relação próxima ao aspecto mais geral desta pesquisa é o do livro produzido por Maria do Carmo Martins, que procura entender “como ocorreu a definição da dis- ciplina escolar História, no período da ditadura militar”, desven- dando “a forma como o poder público, em especial os órgãos res- ponsáveis pela elaboração, normatização e execução das reformas curriculares agiram para conseguir seu intento reformista e de que forma enfrentaram movimentos de resistência a estas reformas” (Martins, 2002, p. 17-18). Nesse trabalho, a autora agrega as concepções de currículo, formuladas por Ivor Goodson (1998) e Gimeno Sacristán (1998), à abordagem da história das disciplinas (cf. Chervel, 1990). Embora não envolva o Estado como força proeminente na configuração da história como saber escolar, acaba por encontrar similitudes no discurso dos principais autores que prescreveram o saber históri- co escolar no período, dos historiadores por ofício representados pela ANPUH e os técnicos do Conselho Federal de Educação, ór- gão produtor e fiscalizador das políticas públicas para a educação no período de vigência do Ato Institucional n. 5.10 Esse rumor de transformação nas abordagens e nos proble- mas suscitados em relação ao ensino de história nos estudos se- cundários obriga aos noviços no tema a tomarem posição diante dessa específica literatura: 1) pode-se condenar o anacronismo embutido nesse tipo de estudo que toma o presente – o secundá- rio, com finalidades próprias e centralizado e o ensino de história como afirmação da ideologia dominante – como ponto de partida e de chegada;11 2) pode-se, por outro lado, considerar que os auto- res que historiaram o ensino de história até meados dos anos 1990 não fizeram mais do que respeitar o seu “horizonte de expectati- vas” (cf. Koselleck, 1990, apud. Reis, 1999) – atitude compreensí- A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 41 vel e legítima – e que a volta ao tema, ou seja, a reescrita, configu- ra-se sempre num debate, “uma retomada dos pontos de vista do interlocutor, seja para reformulá-lo, apoiando-o, seja para rejeitá- lo” (Reis, 1999, p. 9) – atitude também legítima. É este tipo de orientação que tomamos ao estudar a história do ensino de história sob a perspectiva da história das disciplinas escolares, incorporando problemáticas e abordagens exemplificadas nesses últimos parágrafos e disseminadas no Brasil por meio dos trabalhos de pesquisadores, como Dominque Julia (2001), André Chervel (1990), Evelyne Herry (1999) e Annie Bruter (1997), Patrick Garcia e Jean Leduc (2003). Trilhando pela atitude compreensiva desses autores, pelo uso de categorias como disciplina escolar, teoria do ensino de história e pedagogia da história, localizaremos, no tópico a seguir, os prin- cipais atores, espaços e debates relativos à “consolidação” e à cien- tificização da história, saber escolar do ensino secundário em meio século de República. EM BUSCA DE UMA TEORIA DO ENSINO SECUNDÁRIO DE HISTÓRIA ...foram as reformas do sistema de ensino nas décadas de 1930 e 1940 que promoveram a centralização das políti- cas educacionais e colocaram o ensino de História no cen- tro das propostas de formação da unidade nacional, con- solidando-a, definitivamente, como disciplina escolar. (Lima e Fonseca, 2003, p. 52). Certamente, essa tese não é nova. A idéia de que o ensino de história consolidou-se entre as reformas Francisco Campos (1931) e Gustavo Capanema (1942) ganha sentido, principalmente, na volta da história do Brasil ao currículo do secundário, na manu- tenção/ampliação do espaço dedicado à história, seja num currí- culo de caráter cientificista, seja numa grade com perfil humanista. Numa abordagem que dá voz às demandas exteriores à escola, IT AM AR F RE IT AS 42 supõe-se que o surto nacionalista, ditatorial e centralizador de 1930 tenha representado um divisor de águas12 na história do “regime ginasial”. A “Consolidação”, portanto, estaria ligada à centraliza- ção e à uniformização do ensino secundário. Mas, voltando ao detalhe sobre as prescrições em termos de ensino de história, o que significa dizer com “a história escolar foi consolidada”? As justificativas acerca da manutenção/ampliação dos con- teúdos de história no currículo do secundário parecem-me vagas. Entretanto, não discordo de que os anos 1931/1942 sejam sufici- entemente significativos para justificar tais marcos na periodização da história sobre o ensino de história no secundário brasileiro.13 Mas, período significativo em relação a quê? Esta questão se depreende da inicial. É período significativo em relação ao seg- mento de tempo que cobre as realizações educacionais do governo central da Primeira República. Nessa década, a história é chamada a contribuir com mais vigor para a tarefa de moralização do curso secundário. Pode-se perceber, então, a sua relevância para aquilo que chamamos de a primazia das humanidades. Comoisso pode ser demonstrado? Um exame da distribuição do tempo nos currí- culos do secundário em espaço de um século, aproximadamente, fornece esse apoio inicial sobre a importância de tais balizas tem- porais. A PRIMAZIA DAS HUMANIDADES A hipótese de primazia das humanidades14 ganha corpo, ini- cialmente, se se observa a ordem em que as disciplinas são dis- postas nos programas de ensino expedidos para a escola secundá- ria entre 1892 e 1951. Excetuando-se os programas da última déca- da do século XIX, onde a Aritmética é anunciada em primeiro lugar, a disciplina português encabeça todas as listas das demais edições desse tipo de dispositivo legal. O português não é o mais importante a notar. É o ensino de línguas que têm o lugar de des- taque. As línguas vivas – português, francês, inglês, alemão, itali- A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 43 ano e espanhol – e, em seguida, o latim e o grego. Depois vêm a geografia e a história, aritmética, álgebra, geometria, física, quími- ca, história natural, desenho, música e ginástica. Desprezando-se as partições/derivações de muitas disciplinas aqui citadas, a orde- nação dos programas de ensino oferece o seguinte modelo: 1. lín- guas vivas, línguas mortas, geografia e história; 2. matemáticas; 3 ciências naturais; 4. artes; 5. educação física. Isso dá margens à hipótese de que o currículo para o secundário manteve os padrões de educação gestados no final do século XIX em termos de doutri- na das faculdades ou de utilidade da educação. A permanência dessa ordenação sugere a primazia da educação intelectual, moral sobre a educação das sensibilidades e do corpo. Quanto à história, excetuando-se o programa de 1931, sempre foi secundada pela geografia na ordem de exposição. Não é somente a ordem que oferece indícios da primazia das humanidades. A quantidade e a continuidade das disciplinas nas grades curriculares por todo o período é bem loquaz. Aproxima- damente15 oitenta títulos são citados como disciplinas. Desse nú- mero, quarenta e sete pertencem às humanidades; doze, às mate- máticas; treze, às ciências naturais; cinco, às artes; quatro, à edu- cação física; e três, aos trabalhos manuais. Dentro das humanida- des, somente a história aparece com quatorze variações, seguida pela geografia, com nove16. Nas línguas vivas ou mortas, não há variações de nomenclatura. Registre-se ainda que, dentre as disci- plinas de todos os programas observados, apenas português, fran- cês, inglês e latim estiveram presentes em todas as versões publicadas. A história e a geografia são as únicas que acompa- nham as línguas vivas e mortas, seguidas de perto pela história natural. Consideradas como semelhantes em conteúdos – geogra- fia/geografia geral, história universal/história geral –, história e geo- grafia têm o mesmo status de português, francês, inglês e latim, em termos de permanência nos currículos. A observação da permanência da história no secundário ga- nha maior expressividade se recuarmos no tempo até o ano de 1838, data da expedição das primeiras instruções curriculares. IT AM AR F RE IT AS 44 Em relação às humanidades, se a sua participação sobre as de- mais, em 1931, significou a ocupação de 48,2% do espaço/tempo total, esse número apresenta também uma grande queda em rela- ção ao final da década de 1830. No conjunto das disputas entre os grupos disciplinares que deram forma ao secundário no período republicano, a educação física foi a grande ganhadora, seguida das disciplinas enfeixadas na rubrica de ciências físicas e naturais. Quanto às humanidades, observadas na duração conjuntural, apesar de ain- da hegemônicas em 1931, foi o conjunto que amealhou maior per- da até então, passando de 71% para 48,2%. (cf. Gráfico n. 1).17 Grupamentos* 1838 1841 1892 1912 1915 1931 1942 1. Humanidades 71,0% 71,6% 51,7% 60,0% 49,2% 48,2% 57,7% 2. Matemáticas 15,4% 4,5% 14,0% 13,8% 21,3% 10,6% 10,8% 3. Artes (Desenho e Música) 7,0% 16,5% 11,8% 9,2% 9,7% 9,9% 9,7 4. Ciências Físicas/ Naturais 5,6% 3,40% 15,5% 11,5% 7,3% 22,7% 5,4% 5. Educação Física 0% 0% 6,7% 9,2% 9,7% 8,5% 10,8 Fonte: Leis e Decretos da União e regimentos internos do Colégio Pedro II – 1838/1942. (*) Os grupos disciplinares foram organizados segundo os indícios colhidos nos programas do secundário – na listagem das disciplinas (como já tratado nesse tópico). Não obedece, portanto, ao critério, modelo de nenhum teórico em particular. Isso explica a situação da educação física e das artes neste e nos demais gráficos. Obs. 1: A base de cálculo utilizada (exemplos): total de horas semanais destinadas às disciplinas de humanidades multiplicado por cem e dividido esse resultado pelo total de horas semanais de todas as disciplinas do currículo (Hum x 100% / Hcur). Essa fórmula serve também aos quadros e gráficos seguintes. Obs. 2: Os indicadores do eixo “x”, nessa figura e nas seguintes, devem ser lidos como números percentuais (taxa de ocupação do tempo total). Gráfico n. 1 - As Humanidades no currículo do secundário – 1838/1942 1 2 3 4 5 A PE DA G O G IA H IS TÓ RI CA D E JO NA TH AS S ER RA NO 45 A diminuição do espaço das humanidades, contudo, não se refletiu de forma proporcional nas disciplinas desse grupo. Su- cessivas perdas nas humanidades significaram até ganhos para a história e a geografia – observe-se as situações das mesmas nas re- formas de 1931 e de 1942. (cf. Figuras n. 1 e n. 2). Numa visão de conjunto, pode-se concluir que a história e a geografia juntas am- pliaram a sua presença em número de horas no espaço de quase um século, passando de 16,3%, em 1838 para 30,9%, em 1931. Mas, foi a geografia, e não a história, que conseguiu os maiores ganhos nesse período. Ela mais que dobrou de domínio. (cf. Gráfico n. 2). Gráfico n. 2 - História e Geografia no grupamento das Humanidades – 1838/1942 1838 1841 1892 1912 1915 1931 1942 1. História 10,2% 11,9% 9,8% 10,3% 11,5% 14,7% 12,6% 2. Geografia 6,1% 6,3% 12,0% 14,1% 14,8% 16,2% 12,6% Fonte: Leis e Decretos da União e regimentos internos do Colégio Pedro II – 1838/1942. Situando os dois saberes no tempo total destinado pelo currí- culo, o salto efetuado pela geografia fica mais nítido, assim como a manutenção do espaço conquistado pela história entre a casa do 5,1% e do 7,1% do total do currículo secundário. (cf. Gráfico n. 3). Em resumo, e voltando ao problema inicial – o significado da palavra consolidação –, na ordem de exposição nos dispositivos legais, na constante presença nos currículos (no status semelhante ao de latim e português), nos ganhos de espaço, o lugar da história 1 2 IT AM AR F RE IT AS 46 foi mantido sem grandes sobressaltos entre 1837 e 1942, não obstante as perdas progressivas das humanidades até 1931 e apesar das trans- formações radicais operadas na configuração do secundário: a revitalização do cientificismo, de Francisco Campos (recuperando a reforma Benjamim Constant) e a ressurreição humanista, de Gustavo Capanema (recuperando o espírito humanista do secundário dos tempos de Pedro II). Foram esses dados, inicialmente, que nos esti- mularam a verticalizar os estudos sobre o período republicano. 0 2 4 6 8 10 Gráfico n. 3 - História e Geografia no currículo do secundário – 1838/1942 1838 1841 1892 1912 1915 1931 1942 1. História 7,2% 8,5% 5,1% 6,2% 5,6% 7,1% 7,2% 2. Geografia 4,3% 4,5% 6,2% 8,5% 7,3% 7,8% 7,2% Fonte: Leis e Decretos da União e regimentos internos do Colégio Pedro II – 1838/1942. A constatação acima sugeriu também a formulação de outras questões: que fatores permitiram a consolidação da história no currículo do secundário? Quais discursos foram produzidos para justificar a manutenção e até a ampliação do seu espaço? Que ato- res, lugares, circunstâncias
Compartilhar