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Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 1 ENZIMAS DE IMPORTÂNCIA PARA O DIAGNÓSTICO CLÍNICO Introdução As enzimas são em sua maioria proteínas que agem como biocatalisadores. Elas aumentam a velocidade das reações químicas através da redução da energia de ativação. O metabolismo celular depende, com excessão de uma única reação química*, da participação de inúmeras enzimas. Elas se alocam em diversas estruturas celulares, como membrana plasmática, citosol, lisossomos, peroxissomos, membrana nuclear e em outros pontos da célula. No entanto, elas também podem estar presentes nos espaços extracelulares, no interstício e sangue, oriundas da taxa basal de renovação celular que ocorre em diversos tecidos. Normalmente, as enzimas celulares apresentam níveis séricos baixos. Uma elevação dos níveis séricos pode indicar lesão tecidual vigente, processo inflamatório que cursa com aumento na síntese e secreção enzimática e outros processos. Conhecendo-se o locus da enzima em questão, é possível até certo ponto ter uma boa ideia de onde ocorreu a afecção. Por isso, as enzimas podem ser dosadas e utilizadas, como método laboratorial auxiliar para o diagnóstico clínico. *conversão de creatina em creatinina, a única reação não enzimática do nosso organismo. Fosfatase alcalina É uma enzima que atua removendo grupamentos fosfato de diversos componentes químicos celulares, como nucleotídeos, ou seja, efetua desfosforilação. Como está subentendido em seu nome, o seu pH ótimo de atuação é alcalino. A fosfatase alcalina está presente nas membranas celulares. Apresenta importante função sobre a homeostase do cálcio e fósforo, pois induz a liberação de vitamina D ativa. Além disso, está relacionada com a regeneração do tecido ósseo. Os principais sítios são a placenta, o intestino, o fígado e os ossos. Importância clínica da fosfatase alcalina 1. Doença de Paget: Patologia caracterizada por um desbalanço entre a atividade anabólica e catabólica óssea. Nessa, a atividade dos osteoclastos é bastante intensificada. Sabemos que eles agem digerindo a matriz óssea inorgânica. Portanto, neste caso, haverá perda de tecido ósseo. Aumenta a concentração de fosfatase alcalina no soro nessa doença em cerca de dez vezes. 2. Raquitismo e osteomalácia: Patologias relacionadas à falta de vitamina D. A carência deste nutriente prejudica a absorção intestinal do cálcio ingerido na dieta. O Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 2 resultado é a liberação de paratormônio (PTH) para manter, à custa das reservas ósseas, a calcemia normal. O PTH atua em dois importantes sítios diretamente, no tecido ósseo e nos rins. Nos ossos, o PTH age sobre os esteoblastos, levando-os a liberação de fatores parácrinos que estimulam a função osteoclástica. Desse modo, pode-se afirmar que o PTH estimula a reabsorção óssea, embora seja por mecanismo indireto. À medida que os osteoclastos digerem a matriz óssea, a densidade óssea diminui. No entanto, o processo é limitado quando comparado ao desequilíbrio do metabolismo ósseo que ocorre na doença de Paget. O PTH liberado em vista da hipocalcemia atua nos rins, onde estimula a expressão do gene da enzima 1-α- hidroxilase, a qual é responsável pela síntese de vitamina D ativa. Assim, a carência de vitamina D na dieta é suprida em parte por essa que é produzida endogenamente. 3. Outras afecções: Osteoporose não altera fosfatase alcalina; sarcoma ósseo aumenta intensamente os níveis da enzima; fraturas ósseas alteram inicialmente os níveis da enzima. 4. Fosfatase alcalina e tecido hepático: A obstrução das vias bilíferas leva ao refluxo de bile. A bile acumulada contribui para a morte de células dos ductos biliares, pois leva a inflamação dessas vias (colecistite). A fosfatase alcalina presente na membrana dessas células é, então, liberada e, assim, sua concentração sérica aumenta. Além da colecistite, a hepatite também pode levar ao aumento de fosfatase alcalina. O mecanismo é o seguinte: a inflamação do parênquima hepático leva ao edema e aumento do fígado. A hepatomegalia também causa obstrução de vias bilíferas, lesionando-as. No entanto, afecções intra-hepáticas cursam com aumento de fosfatase alcalina em proporção reduzida. Acometimentos das vias bilíferas extra-hepáticas resultam em níveis séricos mais altos da enzima. Em conjunto com a Gama GT, é um marcador colestático. Causas de obstrução: tumor de cabeça de pâncreas e litíase biliar. Observação: as faixas dos valores de referência para a fosfatase alcalina variam de acordo com a idade. Adolescentes, por exemplo, por apresentarem alto nível de metabolismo ósseo, possuem em condições não patológicas níveis séricos de fosfatase alcalina muito mais altos do que nos adultos. Fosfatase ácida É uma enzima que age desfosforilando alvos celulares, assim como a fosfatase alcalina, mas difere desta pelo pH ótimo de atuação, que é ácido. Nos homens, mais de 50% da quantidade da enzima em questão presente no soro origina-se da próstata. Por isso, o aumento sérico dessa enzima, no passado, foi associado a afecções prostáticas. Contudo, com os anos, observou-se que em várias situações de acometimento prostático, a enzima em questão não se elevada e, ao contrário, em afecções de outros tecidos e não da próstata, ela aumentava como Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 3 doenças renais, ósseas e neoplasias. Assim, seu uso caiu por terra e, atualmente, o antígeno protático específico (PSA) é um marcador mais fidedigno para identificação de câncer de próstata. PSA O PSA é uma enzima serinaprotease que atua impedindo que o sêmen coagule nas vias de eliminação (liquefaz o sêmen). Sua dosagem é usada como marcador de doença prostática em homens com mais de 50 anos de idade. Antes da coleta de sangue para dosagem do antígeno, é importante evitar a execução de atividades que manipulem a próstata, já que a compressão da glândula pode elevar os níveis plasmáticos de PSA. Os valores de PSA apenas sinalizam as chances de presença de neoplasia protática. Abaixo de 4 ng/ml risco baixo de neoplasia, entre 4 e 10 ng/ml risco moderado de neoplasia, acima de 10 ng/ml alto risco de neoplasia. O melhor é efetuar uma dosagem seriada de PSA quando há suspeita de câncer de próstata. Um aumento progressivo na dosagem do antígeno é forte indicativo de neoplasia glandular. Curvas erráticas, mesmo que alguns valores de PSA estejam altos, não possuem significado clínico importante. Do mesmo modo, um valor isolado elevado de PSA não pode ser usado como definitivo no diagnóstico de câncer de próstata. Algumas situações, como a prostatite, andar de bicicleta, cavalgar e relações sexuais com penetração anal podem ser causas não malignas de aumento de PSA e, portanto, motivos para resultado falso-positivos. Após a prostatectomia, é importante acompanhar a dosagem de PSA por um período de 6 a 8 semanas. Dosagem de PSA acima de 1 ng/ml após esse período indica possibilidade de metástase do carcinoma de próstata. A radioterapia, caso leve a redução de PSA sérico, apresenta boa resposta de tratamento. A permanência de níveis de PSA sérico elevados indica resistência das células neoplásicas à radiação. Os níveis altos de PSA acompanhados e aumento da fosfatase ácida são indicativos de um pior prognóstico. Transaminases São enzimas que transferem um grupamento amino de um aminoácido para um alfa- cetoácido, convertendo este no seu correspondente aminoácido e aquele no seu correspondente alfa-cetoácido.Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 4 As principais aminotransferases são: Alanina-aminotransferase (ALT = TGP) e Aspartato- aminotransferase (AST = TGO). Os níveis de ALT aumentam em resposta a lesões do parênquima hepático (necrose), embora ela não seja uma enzima tecido-específica. Porém, é raro seu aumento quando há acometimento de outros órgãos. É uma enzima citoplasmática. A AST é uma enzima citosólica e mitocondrial (60% mitocondrial e 40% citosólica). É outro exemplo de enzima presente em vários tecidos, sendo usada como marcador de lesão da musculatura esquelética (uso de esteróides anabolizantes) e de acometimento do miocárdio. Porém, está presente, assim como ALT, no tecido hepático. É menos específica que ALT como marcadora de lesão hepática. O hepatograma apresenta medidas de ambas as transaminases. Isso é feito a fim de se determinar o estágio da hepatite infecciosa. Na fase aguda da doença, ALT e AST estão elevadas, mas os níveis daquela prevalecem sobre os desta (ALT > AST). A permanência de níveis aumentados de ALT por mais de 6 meses indica cronificação das hepatites B, C e D. Em outras afecções do parênquima hepático, como cirrose alcoólica, hepatite alcoólica e fase crônica da hepatite infecciosa, o padrão acima exposto inverte-se, ficando AST > ALT. GAMA GT É uma enzima de membrana presente nos hepatócitos, células renais e enterócitos utilizada como marcador de lesão hepática. Sua função é o transporte de peptídeos e aminoácidos através das membranas celulares. Sabe-se que algumas drogas, como a fenitoína, fenobarbital e o álcool alteram a síntese de GAMA GT positivamente. Níveis extremamente elevados da enzima podem ser indicativos de alcoolismo crônico associado à lesão hepática vigente. Desse modo, para que um resultado falso-positivo não ocorra, a dosagem da enzima deve ser feita após 5 a 6 semanas de abstinência do Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 5 álcool. A dosagem também é feita para saber se o paciente que faz uso de fenitoína ou fenobarbital apresenta lesão hepática desencadeada por eles. Em conjunto com a fosfatase alcalina, a GAMA GT é um marcador colestático, isto é, aumenta de concentração no soro mediante afecção das vias bilíferas, mas apresenta maior especificidade. Lipase e Amilase São enzimas sintetizadas pelos ácinos pancreáticos e secretadas pelas células acinares, sendo componentes do suco pancreático de grande importância para a fase intestinal da digestão dos alimentos. A necrose das células acinares aumenta a quantidade dessas enzimas no plasma. A pancreatite é um clássico exemplo de acometimento do pâncreas que cursa com aumento sérico de ambas as enzimas em questão. O aumento único de amilase não tem significado para o diagnóstico de pancreatite, pois também é sintetizada em outros sítios, como nas glândulas salivares. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 6 PROVAS DE FUNÇÃO RENAL Os testes de função renal tem importante participação, juntamente com a anamnese e o exame físico, no diagnóstico de doenças renais. Além disso, são importantes para determinar o grau de comprometimento da função renal, estabelecer a causa do problema, definir se a afecção é reversível e, caso não seja, traçar a progressão da doença. Os testes de função renal mais importantes são aqueles que podem avaliar (1) a função excretória dos rins (2) a integridade glomerular dos néfrons e (3) a função tubular dos néfrons. Função excretória dos rins A função excretória dos rins pode ser avaliada (1) medindo-se no sangue a concentração de compostos que normalmente são excretados e (2) através do clearence de creatinina. Os compostos que normalmente são excretados são a creatinina, a ureia e a cistatina. Logo, suas concentrações plasmáticas encontram-se dentro de faixas de normalidade em indivíduos com integridade preservada dos rins. No entanto, isso não se verifica naqueles que apresentam acentuada redução da taxa de filtração glomerular. Nesses indivíduos, as substâncias normalmente excretadas acumulam-se no plasma sanguíneo, alcançando concentrações séricas elevadas. Medida da taxa de filtração glomerular Fórmula: Para mulheres, multiplica-se o resultado da conta acima por 0,85. Obs.: níveis de creatinina plasmática normais não podem excluir a presença de doença renal. Níveis alterados de ureia só tem valor clínico quando associado a níveis alterados de creatinina. Relação de normalidade entre ureia e creatinina: 20:1 e 30:1. Integridade glomerular O glomérulo apresenta a barreira de filtração. Essa barreira apresenta uma lamina basal carregada negativamente, o que impede a passagem da albumina, que apresenta carga negativa. Quando essa barreira encontra-se lesionada, albumina pode cruzá-la e, Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 7 dessa forma, ser encontrada na urina, o que se chama albominúria. A albumina pode estar presente na urina em pequena e grande quantidade. Logo, pode ocorrer, respectivamente, microalbuminúria ou macroalbuminúria. A perda de quantidade massiva de albumina pela urina em vista de alteração glomerular recebe o nome de Síndrome Nefrótica. Figura 1. Barreira de filtração composta pelos processos podais dos podócitos, diafragma de filtração, lamina basal e células endotelial. Avaliação da função tubular Os túbulos renais desempenham importante papel na reabsorção de diversos elementos filtrados, como água, sódio, cloreto, glicose, aminoácidos, proteínas de baixo peso molecular, fosfato, bicarbonato e outros. Também participam da secreção de xenobióticos, creatinina e ureia. A presença de proteínas de baixo peso molecular na urina em grandes quantidades (proteínúria), como a β2-microglobulina, é indicativo de falhas no processo de reabsorção por acometimento tubular, como na necrose tubular. O método usado neste caso é a excreção diária de proteínas, ou seja, quantidade em gramas de proteína que um indivíduo elimina pela urina em 24 horas. Insuficiência renal aguda (IRA) A insuficiência renal aguda consiste numa redução súbita e intensa da TFG. Normalmente, a TFG encontra-se na faixa de 80 a 140 ml/min. Quando seu valor fica abaixo de 50 ml/min, pode-se dizer que se instalou a IRA. Entretanto, vale lembrar que fatores como sexo, idade, uso de medicamentos, e massa corporal podem alterar a TFG. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 8 A IRA cursa com dois importantes quadros: Azotemia e Oligúria ou anúria. A azotemia ocorre quando os valores de ureia e creatinina ficam acima dos valores da faixa de normalidade, que são, respectivamente, 40 mg% e 1,5 mg%. Independente do tipo de IRA, a concentração plasmática de uréia e creatinina estará aumentada. A oligúria consiste numa abrupta redução do volume urinário de 24 horas (< 400 ml/24h). Contudo, é importante atentar que, quando a causa da IRA é por alguma afecção tubular (i.e. necrose tubular aguda), o volume urinário pode ser preservado na faixa de normalidade. Obs.: A TFG é pouco menor nas mulheres quando comparada a dos homens; a produção de urina é 100 vezes menor do que o volume de plasma filtrado. Isso se deve a reabsorção tubular de água mediada pelos hormônios ADH e aldosterona. Determinantes da TFG A TFG é determinada pela integridadeda barreira de filtração, pelo equilíbrio das forças de Starling nos capilares glomerulares e por demais fatores que alterem essas forças. As forças são: pressão hidrostática do capilar glomerular, pressão coloidosmótica do capilar glomerular, pressão coloidosmótica da cápsula de Bowman e pressão hidrostática do espaço de Bowman. A intensidade de fluxo sanguíneo renal (IFSR) influencia diretamente na pressão de perfusão da arteríola aferente e, por conseguinte, na pressão hidrostática do capilar glomerular. Desse modo, redução abrupta da IFSR, por exemplo, em grave hipotensão, pode diminuir em demasia em TFG. Figura 2. Forças de Starling no glomérulo renal. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 9 Causas pré-renais de IRA Normalmente, as causas pré-renais de IRA são aquelas que cursam com hipoperfusão renal. Logo, causas de hipovolemia*, choques, insuficiência cardíaca descompensada e obstrução da artéria renal são exemplos de etiologias pré-renais de IRA. *diarréia, hemorragia, síndrome nefrótica, traumas musculares graves etc. Causas pós-renais de IRA São aquelas que dificultam ou impedem abruptamente a eliminação de urina. A obstrução aguda pode ocorrer desde as papilas renais até a uretra, mas geralmente, acometem os cálices renais e os ureteres. Causas: hipertrofia prostática benigna ( Bexigoma), tumores de bexiga, cálculos ureterais quando possui apenas um rim e bexiga neurogênica, sendo este verificado em diabéticos com grave disautonomia e em indivíduos que sofreram lesão medular grave. Causas intrínsecas ou parenquimatosas de IRA Acometimentos dos elementos do parênquima renal, que são os néfrons e o interstício, podem cursar com este modelo de IRA. Embora a necrose tubular aguda seja a principal etiologia, as glomerulonefrites e as nefrites túbulo-intersticiais também estão presentes. Necrose tubular aguda. Etiologias de natureza isquêmica ou nefrotoxinas: O choque hipovolêmico, a rabdomiólise, hemólises intravasculares, sepse e etc. Nefrite túbulo-intersticial. Pielonefrite aguda. Glomerulonefrite. Glomerulonefrite aguda pós-estreptocóccica. O paciente com IRA pode apresentar: azotemia, anúria, hipertensão e alterações metabólicas. Alterações metabólicas na IRA A IRA impede que o rim desempenhe suas funções, sendo as mais importantes o balanço hidroeletrolítico, o equilíbrio ácido-base e a eliminação de escórias nitrogenadas. O acúmulo de escórias nitrogenadas (creatinina, amônia, ácido úrico e ureia) é observado. Também ocorre hiperpotassemia, hiponatremia, hiperfosfatemia e acidose metabólica com ânion gap elevado. Testes para função excretora Métodos indiretos: Dosagem de creatinina, cistatina C e ureia no plasma. Métodos diretos: Clearence de creatinina. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 10 Uréia Valores de normalidade: 20 a 40 mg% . Em algumas situações nas quais não há falha renal, os níveis de uréia podem estar elevados. São elas: hipovolemia sem IRA, sangramento digestivo, estados hipercatabólicos, dieta hiper-proteica e corticoterapia. Creatinina Valores de normalidade: < 1,4 mg% no homem; < 1,2 mg% na mulher. O uso da concentração de creatinina no plasma apresenta vantagens e desvantagens em relação ao de ureia. Vantagens: a concentração de creatinina não varia ao longo do dia, não é reabsorvida nos túbulos e não é influenciada por dieta, nem por sangramentos digestivos. Desvantagens: varia de forma significativa com a massa muscular, pequena quantidade é secretada pelos túbulos e só se altera de forma significativa caso a TFG esteja muito reduzida. Cistatina C plasmática Valores de referência: 0,5 e 1 mg%. Apresenta vantagens e desvantagens em relação à ureia e creatinina. Vantagens: Produção diária constante pelas células em geral, não é reabsorvida nos túbulos renais, não é influenciada pela dieta ou sangramentos digestivos, independe da massa muscular e aumenta com pequenas diminuições da TFG. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 11 Clearence (Depuração) de Creatinina O clearence corresponde ao volume de plasma livre de determinado elemento por certa unidade do tempo. No caso do clearence de creatinina, convencionou-se determiná-lo como o volume de plasma livre de creatinina por minuto. A quantidade de creatina presente na urina corresponde à quantidade que foi filtrada pelo glomérulo. Logo, sempre que a concentração de creatinina aumentar na urina, isso significa que o fluxo urinário reduziu mais, em proporção, do que a TFG. A partir do clearence de creatinina, pode-se calcular a TFG. A fórmula que contempla isso foi criada por Cockcroft-Gault. TFG1 = (volume urinário de 24h/1440 min) x (Cr urinária/Crplamática) Aplicação das fórmulas na questão abaixo: Sexo: feminino Idade: 60 anos Peso: 87 kg Cr urinária: 95 mg% Cr plasmática: 2,1 mg% Volume urinário de 24 h: 1480 ml. TFG1 = 1480/1440 x 91/2,1 = 1,03 x 43,3 = 44,6 mg/min. TFG2 = (140 – 60) x 87/2,1 x 72 = 6690/151,2 = 44,2 mg/min. Aplicações da medida da TFG: Diagnóstico de IRA, estagiamento e controle da IRC, ajuste na dose de medicamentos para evitar concentrações plasmáticas acima da concentração mínima tóxica, isto é, fora do limite máximo da janela terapêutica. Determinação da função glomerular A função glomerular pode ser avaliada através da medida das proteínas totais presentes na urina ou apenas da albumina. A dosagem de proteínas totais é indicada quando há proteinúria, como na Síndrome Nefrótica. Perdas menores de proteínas, como nas microalbuminúrias, exigem a medida de albumina. É indicado em doenças nas quais o dano glomerular é lento e progressivo, como no diabetes melitus, hipertensão e LES. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 12 Microalbuminúria Ocorre quando a excreção urinária de albumina encontra-se discretamente elevada, podendo variar de 30 mg a 300 mg/24hrs. No EAS, as fitas são usadas para dosagem de albumina e não de outras proteínas. Identificam albumina quando a concentração encontra-se acima de 150/200 mg/24 hrs. A dosagem da albumina é feita pela coleta, ao invés de uma única amostra, de toda a urina do paciente eliminada em 12 ou 24 horas. Determina-se, portanto, a massa em mg ou g de albumina eliminada pela urina em um minuto ou 24 horas. A dosagem de albumina também pode ser feita em uma única, randômica e fresca amostra. Tal dosagem é feita em relação à massa de creatinina encontrada. Encontra-se o valor de X mg de albumina por 1 g de creatinina. Essa relação é feita, pois a taxa de excreção de albumina pode variar ao longo do dia, mas não a de creatinina é constante. Exemplo: 120 mg% de creatinina 35 mg% de albumina Amostra única. 35 mg% de albumina ------- 120 mg% de creatinina X ------- 1000 mg% de creatinina .: X = 291,6 mg de albumina/g de creatinina. Neste caso, o paciente apresenta microalbuminúria. Para diagnosticar essa alteração, não foi necessário dosar a albumina em urina de 24 horas. Urina de 24 horas É usado para determinar o fluxo urinário e, com base nele, a massa de uma dada substância eliminada pela urina, como a albumina. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 13 DERRAMES SEROSOS As membranas serosas revestemtrês importantes órgãos do corpo humano. São elas a pleura, o pericárdio e o peritônio. Cada um delas apresenta dois folhetos, um parietal, mais delgado e em íntima associação com as estruturas da cavidade que encerra o órgão e um visceral, mais espesso e que, como o nome deixa subentendido, encontra- se intimamente relacionado com o órgão que reveste. Entre os dois folhetos serosos existe um espaço virtual preenchido por líquido seroso, o qual denomina-se cavidade serosa. Esse líquido apresenta função primordial de redução do atrito entre os folhetos, permitindo que um possa deslizar sobre o outro quando necessário for. A quantidade de líquido seroso nas cavidades serosas é pequena. Contudo, em determinadas situações patológicas, ocorre acúmulo de líquido nessas cavidades, o que consiste nos derrames serosos. O líquido que se acumula pode manter a composição normal ou estar alterado de acordo com a etiologia. Composição normal dos líquidos serosos Aspecto: límpido Cor: amarela-clara Densidade: < a 1,015 pH: 7,3-7,4 Citometria global: até 500/uL (< 1/10 da leucometria no Hemograma) ROTINA Citometria diferencial: predomínio de mononucleares Proteínas totais: até 3g/dL (menos da metade do soro) Glicose: acima de 90mg/dL (semelhante ao soro) Lactato desidrogenase (LDH): até 200 U/L (menos da metade do soro) Outros parâmetros eventualmente avaliados: amilase, colesterol, triglicerídios, uréia, fosfatase alcalina, pesquisa de células neoplásicas. Líquido Pleural O líquido pleural forma-se do extravasamento de plasma da microcirculação dos folhetos da pleura. Esse extravasamento ocorre, pois as forças responsáveis pela filtração capilar são maiores do que aquelas que efetuam a reabsorção capilar. As forças responsáveis pela filtração são: pressão hidrostática do capilar e pressão oncótica do espaço pleural. Já aquelas que efetuam a reabsorção são: pressão oncótica do plasma e pressão hidrostática do espaço pleural. Uma vez no espaço pleural, o líquido pleural é drenado continuamente pelo sistema linfático. Existem pequenos poros nos folhetos pleurais que captam o líquido pleural, os estomatas. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 14 Os mecanismos fisiopatológicos do derrame pleural são diversificados. Fatores que alteram as forças supracitadas, a permeabilidade dos capilares presentes nas pleuras e a drenagem do líquido pleural podem levar individualmente ou em conjunto ao derrame pleural. Derrame seroso por aumento de pressão hidrostática capilar Patologias que alteram o volume de sangue para mais na microcirculação pulmonar podem desencadear um derrame pleural. Na ICC, a congestão venosa da microcirculação pulmonar aumenta a pressão interna das vênulas pós-capilares, o que dificulta a drenagem de sangue da microcirculação. O acumulo de sangue nos capilares aumenta a força que o mesmo exerce sobre a parede vascular, aumentando a filtração capilar. Necessariamente, o excesso de líquido extravasado que não é reabsorvido deve ultrapassar a capacidade do sistema linfático de drenagem para acumular-se na cavidade pleural. A composição do líquido não é alterada, pois a causa do derrame, neste caso, não é inflamatória. O mesmo mecanismo verifica-se na cirrose hepática, a qual pode levar a ascite, que corresponde ao acúmulo de líquido na cavidade peritoneal. Nessa situação, a fibrose no parênquima hepático reduz o tamanho do fígado, o que acarreta compressão dos vasos do sistema porta. Isso resulta em congestão venosa. Mais uma Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 15 vez, a congestão venosa leva ao aumento de pressão hidrostática. No entanto, a ascite que se verifica na cirrose apresenta pelo menos mais dois mecanismos fisiopatológicos envolvidos. Um deles é a diminuição da pressão osmótica do plasma, já que o fígado cirrótico, insuficiente na maioria das situações, reduz a síntese de albumina. Outras causas de ascite são: IVD e ICC. Derrame seroso por redução de pressão osmótica do plasma A pressão osmótica é determinada pela quantidade de proteínas presentes no plasma sanguíneo, com destaque para a albumina. Assim, qualquer alteração para menos dessas proteínas pode reduzir a pressão osmótica. Causas de diminuição da pressão osmótica: cirrose hepática, Síndrome Nefrótica, desnutrição proteica e enteropatias perdedoras de proteínas. Derrame seroso por obstrução linfática O líquido filtrado na porção arterial da microcirculação é reabsorvido em parte na porção venosa dos capilares, ficando o que não sofre reabsorção para ser drenado pelos linfáticos. Os linfáticos, além de impedirem o acúmulo de líquido nas cavidades serosas, também drenam a pouca albumina que extravasa pelos capilares, impedindo- a de acumular-se nas cavidades, o que, caso ocorresse, poderia aumentar a pressão osmótica dentro delas ao ponto de ser essa uma causa de acúmulo de líquido seroso. Dessa forma, a drenagem linfática debilitada, principalmente por obstrução, promove derrame pleural (1) por prejuízo na drenagem do excesso de líquido e (2) em vista do acúmulo de albumina no líquido seroso. As principais causas de obstrução linfática são o derrame seroso e os linfomas. Os derrames serosos por acometimento linfático são caracterizados pela presença dos quilimicra e de seus componentes lipídicos, como triglicérides e colesterol. Por isso, o derrame de etiologia linfática é chamado de derrame quiloso. Exsudatos Os exsudatos são causados por alteração da permeabilidade capilar. Os processos inflamatórios e alguns neoplásicos podem modificar a arquitetura das paredes dos vasos, deixando-os mais permeáveis a passagem de elementos do sangue. Assim, uma importante característica dos exsudatos é a riqueza de proteínas plasmáticas. O exsudato inflamatório apresenta muitas células inflamatórias, principalmente neutrófilos, enquanto o exsudato neoplásico contém células neoplásicas. Causas de exsudato inflamatório nas cavidades: peritonites, pleurites, pericardites e pneumonias. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 16 Causas de exsudato neoplásico nas cavidades: metástases de tumor primário de ovário para a cavidade peritoneal. Obs.: apresenta sangue. Composição dos exsudatos Aspecto: turvo Cor: amarela, avermelhada Densidade: > a 1,015 pH: 7,3-7,4 (pode ser menor) Citometria global: > 500/uL Citometria diferencial: predomínio de PMN ou de MN Proteínas totais: > 3g/dL (líq/soro: ≤ 0,5) Glicose: ≤ 90mg/dL Lactato desidrogenase (LDH): > 200 U/L (líq/soro: ≤ 0,6). Classificação dos derrames 1. Transudatos: apresentam menor concentração proteica, menor celularidade e menor concentração de glicose. 2. Exsudatos: para os mesmos parâmetros acima, os exsudatos tem maiores quantidades. Curiosamente, a concentração de glicose baixa nos exsudatos, sejam inflamatórios ou neoplásicos, deve-se ao consumo do monossacarídeo pelas células presentes. Obs.: líquidos biológicos podem ocupar as cavidades serosas, sem que configurem um derrame, como sangue, linfa e urina. Exemplo: o acúmulo de sangue no espaço pleural chama-se hemotórax. Principais causas de derrame pleural: ICC, TEP, tuberculose, pneumonias bacterianas, e neoplasias. O exsudato que se acumula no espaço pleural após pneumonia por Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus e Haemophilus influenzae apresente sangue, elevada celularidade, sendo os neutrófilos predominantes e contém o agente etiológico.Características das principais ascites: na análise dos derrames peritoneais, mede-se o gradiente albumina do soro – albumina do líquido (GASA). O GASA é maior do que 1,1 g% somente na ascite causada por hipertensão porta. Nas demais causas, o GASA é menor do que 1,1 mg%. Demais causas: síndrome nefrótica, peritonite, tuberculose peritoneal, carcinomatose peritoneal etc. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 17 Observações: dosagens de amilase e adenosina deaminase são feitas, respectivamente, quando se suspeita de pancreatite e infecção por tuberculose, como causas da ascite. Nos dois causos, os níveis das enzimas estarão elevados. Neutrófilos em abundância: infecção. Linfócitos em abundâncias: linfomas. Células neoplásicas: tumor primário ou metástases. A ascite decorrente de peritonite por tuberculose apresenta, assim como demais causas infecciosas de derrame, alta celularidade. No entanto, contra este tipo de micróbio, o organismo lança mão da inflamação crônica granulomatosa e, assim, há predomínio de mononucleares, como linfócitos. HEMOGRAMA – SÉRIE BRANCA Caso clínico Paciente de sexo masculino, 28 anos, procura o serviço de emergência por sentir dor abdominal. O quadro havia iniciado, 36 horas antes de sua chegada, com o aparecimento de dor difusa em cólica e náuseas. Nas últimas 12 horas a dor passa a ser constante e localizada no quadrante inferior direito, acompanhada de um episódio de vômito e de temperatura axilar de 37,8°C. A dor piora com contração da parede abdominal e à deambulação. Ao realizar exame físico, o paciente encontra- se prostrado e imóvel. À palpação do abdome, ele tem contração involuntária da musculatura da parede no quadrante inferior direito (defesa) e dor forte à retirada súbita de compressão manual nessa região (rebote). Um Hemograma solicitado revelou: Leucócitos: 14.000/mm3 Basófilos: 0% (0-1) Eosinófilos: 0% (2-5) Mielócitos: 1% Metamielócitos: 3% Bastões: 14% (2-4) Segment.: 58% (50-65) Linfo.: 20% (20-35) Mono.: 4% (3-7) Htm: 4,0x106/mm3 (4,5 a 6,0) Hto: 37% (40 a 54) Hb: 12,5 g/dL (13 a 18) VCM: 91 (82 a 94) HCM: 29pg (27 a 31) CHCM: 32% (32 a 36) Reticulócitos: 1,4% (0,5 a 1,5% - 25.000 a 75.000/mm3) Hematoscopia: raros neutrófilos com granulações tóxicas; policromatofilia acentuada. O exame apresenta os seguintes achados em relação ao leucograma: 1. Leucocitose. Os valores de referência para o total de leucócitos encontram-se na faixa de 4000 a 10000/mm³. Um número elevado de leucócitos indica que existe algo estimulando a síntese dessas células mais que o normal pela medula óssea vermelha. Infecção, neoplasias, trauma, hemólise e outros quadros podem levar a isso. Leucopenia: ocorre em estágios avançados da infecção e em infecções por bactérias gram negativas. Resumo de Medicina Laboratorial – Bernardo Farias 18 2. Aumento de formas jovens de neutrófilos (desvio para a esquerda). Ocorre em infecções agudas bacterianas. Geralmente, é acompanhada de eosinopenia. 3. Neutrofilia. Ocorre em infecção bacteriana aguda. Os neutrófilos correspondem aos segmentados + bastões + mielócitos + metamielócitos.
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