Buscar

Fórmula do McDonald's perde espaço

Prévia do material em texto

Imprimir ()
Vendas da rede de fast­food caíram em 10 dos últimos 12 meses nos EUA,
enquanto restaurantes que dizem oferecer comida mais fresca e saudável crescem
27/10/2014 ­ 05:00
Fórmula do McDonald's perde espaço
Por Neil Munshi
É hora do almoço no centro de Chicago e o Chipotle Mexican Grill, na Franklin Street, está lotado de clientes
famintos por burritos, tacos e fajitas. Sameer Mazhary é um deles, um dos milhões de adeptos das comidas
mexicanas que tornaram o Chipotle uma das redes de restaurantes de maior crescimento nos Estados Unidos nos
últimos dez anos.
"O Chipotle é de uma espécie diferente", diz. "É como uma evolução do fast­food".
Há um McDonald's há poucos quarteirões, mas Mazhary, de 28 anos, diz que não entra em uma lanchonete da
rede há dez anos. "Soube sobre os alimentos e o que vai dentro deles e perdi o entusiasmo", afirma.
Enquanto ele fala, pessoas passam às pressas com sacolas da Potbelly Sandwich Shop, da Freshii, da Noodles &
Co. e de outra unidade do Chipotle há três quarteirões dali, onde a fila chega até a calçada. Wyatt Steele, de 32
anos, frequenta a rede de comida mexicana cerca de uma vez por semana. Diz que cresceu comendo no
McDonald's, mas que há três anos não compra nada da rede além de um ou outro café. "Não confio nos
ingredientes, não confio na forma como imagino que eles criam as comidas [...] com químicos em um laboratório
obtendo um gosto e cheiro bem determinados", diz.
Os gostos vêm mudando nos Estados Unidos, o que é má notícia para o maior grupo de lanchonetes do mundo.
As crianças que cresceram comendo o "McLanche Feliz" não têm mais fome de Big Macs. Assim como Mazhary e
Steele, elas agora estão preocupadas tanto com a origem da comida e o que há dentro dela quanto com o custo e a
rapidez com que podem comer. E se Steele servir de parâmetro, o futuro não é nada promissor. "Se eu tivesse filhos
provavelmente também não os levaria ao McDonald's", diz.
Nos Estados Unidos, seu maior mercado, nos últimos anos a rede vem acompanhando a sorte de sua faixa de
clientes crucial, a de baixa renda, que ainda não se recuperou da crise.
O McDonald's é o maior nome mundial do fast­food, com 35 mil pontos de venda e receita anual de US$ 28
bilhões, mas seus problemas têm uma escala igualmente grande. A empresa viu as vendas de lojas com mais de 12
meses nos EUA caírem em 10 dos 12 últimos meses. Nesta semana, anunciou que as vendas mundiais pelo
mesmo critério, de lojas comparáveis, caíram mais de 3% no terceiro trimestre, com recuo de 30% no lucro. Em
contraste, na segunda­feira, o Chipotle divulgou alta de 19,8% nas vendas de lojas com mais de 12 meses e de 57%
nos lucros.
Os desafios enfrentados pelo McDonald's não se limitam aos EUA. O avanço na Europa é ainda menor, enquanto
as vendas na Ásia desabaram, após um escândalo de segurança alimentar na China. Na Rússia, uma recuperação
pode estar ainda mais distante, depois que Moscou iniciou investigações financeiras e de higiene em quase
metade das 450 lanchonetes da empresa, o que alguns veem como forma de retaliação contra as sanções ao país
impostas pela União Europeia e pelos EUA.
Falando a investidores nesta semana, Steve Ells, coexecutivo­chefe do Chipotle, criticou abertamente o modelo de
fast­food tipificado pelo McDonald's ­ que no passado chegou a ser o maior investidor da rede de comida
mexicana. "O setor de fast food tradicional trocou a qualidade dos alimentos e o sabor pelo baixo custo e pela
facilidade de preparação", disse.
A julgar pelos comentários do CEO do McDonald's, Don Thompson, nesta semana, a rede pioneira nas comidas
rápidas concorda com ele. O McDonald's divulgou que vai tomar "ações decisivas para mudar
fundamentalmente" suas operações, de maneira que fique mais bem posicionada para concorrer com o Chipotle e
outros restaurantes da chamada "comida rápida casual". Também pretende cortar entre US$ 200 milhões e US$
300 milhões em investimentos e abrir menos restaurantes este ano.
Os planos de Thompson significam um processo radical de abandono da fórmula básica do McDonald's, com
mudanças nos cardápios, lojas, tecnologia e serviços ao cliente. A rede combate a percepção negativa sobre seus
ingredientes com uma campanha publicitária que dá aos consumidores a chance de perguntar o que vai dentro
dos lanches do McDonald's. A questão é se essas mudanças vão ser suficientes para reinventar a principal rede
hambúrgueres dos EUA face à grande transformação em andamento no mercado americano de restaurantes.
Os chamados "fast casual restaurants" são propagandeados como alternativas mais saudáveis ao fast­food
tradicional, com ingredientes mais frescos, muitas vezes produzidos localmente ou sem aditivos químicos. Mais
fresco, no entanto, nem sempre significa mais saudável: um burrito do Chipotle com frango, arroz branco, feijão
típico centro­americano, queijo, guacamole e molho contém 1,1 mil calorias ­ 60 a mais do que um Big Mac com
batatas fritas. Mas o segmento cresce de 9% a 10% ao ano, em comparação aos 2% a 3% das redes tradicionais, de
acordo com a firma de consultoria em alimentos Technomic.
Como os clientes dos "fast casual restaurants" tendem a ter maior renda que os de fast­food, há dúvida se o
Chipotle e outras companhias vêm arrebatando clientes do McDonald's. Ninguém duvida, entretanto, de que eles
vêm afetando significativamente a forma como nomes tradicionais operam.
A Yum Brands, dona da KFC e da Pizza Hut, lançou redes "casuais" de tacos e de sanduíches vietnamitas, além de
adicionar um cardápio "gourmet" em suas lanchonetes Taco Bell. O Pretzel Bacon Cheeseburger, um sanduíche
popular da Wendy's, é uma clara jogada em busca desses dólares e a rede lançou protótipos de lojas de comida
"casual" nos últimos anos.
Como os consumidores dos EUA vêm ficando mais preocupados com
a epidemia de obesidade ­ e mais críticos sobre a responsabilidade das
empresas de alimentação nisso ­, o mercado de bebidas, lanches e
restaurantes passou a oferecer opções mais saudáveis. O McDonald's
adicionou fatias de maçã e saladas a seu cardápio, mas as mudanças
pouco ajudaram a estancar a queda nas vendas.
A companhia também se tornou questão central no debate sobre
salário mínimo e desigualdade na remuneração, com um estudo do
National Employment Law Project, pró­trabalhadores, divulgando que cerca de 700 mil funcionários do
McDonald's receberam aproximadamente US$ 1,2 bilhão em assistência pública anual.
Quando Thompson sucedeu Jim Skinner como executivo­chefe em junho de 2012, havia sinais de que a série de
dez anos de crescimento nas vendas comparáveis chegava ao fim. Poucos previam, contudo, que a empresa seria
atingida de forma tão dura.
"Ele chegou durante um ponto de inflexão crucial no setor de restaurantes, ao mesmo tempo em que o 'fast casual'
realmente decolava", disse o analista R.J. Hottovy, da Morningstar. "As preferências dos consumidores mudaram
muito rapidamente".
Hottovy diz que a reação da empresa consistiu em "uma série de passos equivocados", como o lançamento de um
número demasiado de itens no menu, que teria confundido os consumidores, e altos descontos, que enfureceram
franqueados já às voltas com baixas margens de lucro. Em resumo, diz Hottovy, a empresa foi pega desprevenida
em meio a uma drástica mudança de hábitos.
Uma dessas mudanças foi o surgimento de um nova geração de redes de hambúrguer. A Smashburger, de alto
crescimento, a Umami Burger e a Elevation ganharam terreno ao oferecer ingredientes sem aditivos químicos,
como rúcula e cogumelos. A rede de controle familiar Five Guys expandiu­se e agora tem mais de mil pontos de
venda, vendendo hambúrgueres personalizados que estão longe de ser saudáveis, mas que fizeram sucesso ao ser
promovidos por sua carne moída fresca e azeite puro de amendoim.
O McDonald's respondeu com a expansão de um programa de testes em quatro localidades no sul da Califórnia,
que dá aos clientesmais opções de molhos e ingredientes para seus hambúrgueres. Por meio de uma tela sensível
ao toque, os consumidores podem selecionar 22 opções, como cebolas caramelizadas, bacon e cogumelos
grelhados.
Todos os planos da rede são bons "em teoria", afirma Hottovy. "Mas nos foi prometido muito por esta equipe de
administração nos últimos dois anos e não vimos um prosseguimento."
Se o projeto de personalização se expandir, prenunciaria uma mudança significativa no modelo do McDonald's,
que fez da confiabilidade e uniformidade suas principais características.
A fórmula do McDonald's foi codificada em 1958, quando Fred Turner ­ o protegido do fundador Ray Kroc, a quem
posteriormente substituiu como executivo­chefe ­ escreveu o manual operacional da empresa, que continua sendo
o modelo de funcionamento das lanchonetes. Determina que não pode haver mais de seis hambúrgueres na chapa
de cada vez e que as batatas fritas não podem ter espessura superior a 0,71 centímetro. Há duas fatias de picles em
cada Big Mac, Double Cheeseburger, McDouble e Quarteirão com Queijo; uma em cada hambúrguer simples e
cheeseburger; nenhuma no Mc Fish; e três em cada Angus Deluxe, Angus Bacon & Cheese e Angus Mushroom &
Swiss.
Afastar­se dessa fórmula e permitir que os clientes tenham mais opção em seus molhos e ingredientes poderia
solucionar outro problema: ajudaria a atenuar a suspeita sobre o que vai dentro dos sanduíches.
O McDonald's tenta atacar as percepções negativas sobre seus ingredientes com uma campanha intitulada "Our
food. Your Questions" (Nossa comida. Suas perguntas, em inglês).
"Os clientes [...] querem conhecer a origem para certificar­se de que sabem o que há dentro [dos lanches], de onde
vieram e a integridade das fontes", disse Thompson, nesta semana.
As perguntas que mais foram encaminhadas ao site dão uma mostra do tamanho dos problemas que o
McDonald's vai ter de superar: "O McRib é feito de porco de verdade?"; "Há 'lodo rosa' [massa feita com restos de
gordura, carne e aditivos químicos] no Chicken McNugget?"; "Por que sua comida não estraga?", "Há minhocas
em sua carne?", "Vocês fazem suas fritas, com batatas de verdade?".
Bob Goldin, analista da Technomic, acredita que será difícil mudar as percepções. "Há muitas dúvidas quanto à
integridade dos alimentos e à qualidade dos ingredientes por parte dos consumidores", diz Goldin. "O
McDonald's tenta dizer 'Usamos peças de pura carne e leite de verdade', mas não sei se isso tem repercussão."
"Uma parte grande desses ingredientes é frita e tão empanada que acho que isso vai quase contra a percepção de
boa qualidade", acrescenta. "Se o Chipotle fritasse tudo o que serve, será que teria essa reputação de integridade na
comida?"

Outros materiais