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11 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA O TRATAMENTO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS Joelma Santos da Costa 12 Rio de Janeiro 2008 Joelma Santos da Costa A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA PARA O TRATAMENTO DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação, apresentado ao Departamento de Fundamentos do Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Prof. Dr. Mariléia Franco Marinho Inoue 13 Rio de Janeiro 2008 A importância da família para o tratamento de álcool e outras drogas Autor: Joelma Santos da Costa Orientador: Prof. Dr. Mariléia Franco Marinho Inoue Examinadores: Prof. Dr. Luiz Eduardo Acosta Acosta 14 Prof. Dr. Rogério Lustosa Bastos Departamento de Fundamentos do Serviço Social Escola de Serviço Social – UFRJ Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Fevereiro de 2008 Dedico este trabalho a todos que contribuíram para a realização desta etapa inesquecível e fundamental em minha vida. A minha mãe principalmente que sempre esteve ao meu lado colaborando em todos os momentos. 15 Joelma Santos da Costa 16 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por tornar possível esta conquista em minha vida que sem dúvida possibilitou meu crescimento pessoal e sempre me amparou nos momentos difíceis que não foram poucos. À minha família principalmente a minha mãe Maria José, pela compreensão e ajuda que me foi dada durante toda a minha vida e especialmente durante o período acadêmico, o que tornou possível a concretização desta vitória. Ao meu irmão George que muito contribuiu para minha permanência na universidade. À minha orientadora a professora Mariléia Inoue que teve muita paciência e sempre entendeu as minhas dificuldades, inclusive quando desanimei em algumas situações, tranqüilizou-me nos momentos em que estava apreensiva se conseguiria tornar realidade um sonho, a conclusão deste trabalho que é algo cristalino em minha vida, um troféu, por tudo que vivi. Ao meu namorado Luiz Carlos que de forma indireta contribuiu com o trabalho através de discussões sobre assuntos que mesmo sem que ele percebesse articulei a pesquisa realizada neste estudo. Agradeço ao empenho e dedicação do meu supervisor de estágio Ivan Freire Nunca esquecerei o incentivo e presteza dedicado durante todo período de convivência no Hospital Escola São Francisco de Assis. Aos meus amigos e todos os professores que me deram força e apoio sempre com muito otimismo e palavras positivas. 17 Agradeço a todos pela contribuição! Eu sei, Que os sonhos são pra sempre. Eu sei, Aqui no coração... Eu vou ser mais do que eu sou Pra cumprir as promessas que eu fiz Porque eu sei que é assim Que os meus sonhos dependem de mim Eu vou tentar, sempre E acreditar que sou capaz De levantar uma vez mais. Eu vou seguir, sempre Saber que ao menos eu tentei E vou tentar mais uma vez Eu vou seguir... Não sei, Se os dias são pra sempre. Guardei, Você no coração... Eu vou correndo atrás, Aprendi que nunca é demais Vale a pena insistir Minha guerra é encontrar minha paz... Eu vou tentar, sempre E acreditar que sou capaz De levantar uma vez mais. Eu vou seguir, sempre Saber que ao menos eu tentei E vou tentar mais uma vez Eu vou seguir... Versão de Marina Elali e Dud Falcão 18 RESUMO O presente Trabalho de Conclusão de Curso discorre sobre a importância da família para o tratamento de álcool e outras drogas e o interesse pelo referido tema surgiu a partir da experiência de estágio no HESFA – Hospital Escola São Francisco de Assis e tem como objetivo compreender o processo no qual as famílias de usuários de álcool e outras drogas estão inseridos. Buscou-se enfatizar a importância da família no processo de tratamento familiar, articulando o contexto social à dinâmica vivenciada pela família em relação a dependência química. A família como principal agente de socialização do indivíduo tem uma contribuição fundamental a dar na recuperação e na reintegração social de usuários de álcool e outras drogas. Foram analisados os prejuízos ocasionados em decorrência do uso de drogas para que se possa encontrar alternativas saudáveis e trazer a discussão das drogas para o âmbito da saúde na perspectiva de qualidade de vida e descriminalização do usuário. 19 ABREVIATURAS ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool AIDS – Síndrome de Imunodeficiência Adquirida A A – Alcoólicos Anônimos AL-ANON – Grupos Familiares CEBRID – Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas DST – Doenças sexualmente Transmissível HESFA – Hospital Escola São Francisco de Assis HUPE – Hospital Universitário Pedro Ernesto MS – Ministério da Saúde N A – Narcóticos Anônimos NEPAD – Núcleo de Estudos e Pesquisa em Atenção ao Uso de Drogas OBID – Observatório Brasileiro de Informação sobre Drogas OEA – Organização dos Estados Americanos OMS – Organização Mundial de Saúde SENAD – Secretaria Nacional Antidrogas UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura UNIAD – Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas UNIPRAD – Unidade de Projetos Relacionados ao Uso de Drogas 20 ONU – Organização das Nações Unidas LISTA DE TABELAS Tabela I - Terminologia e Conceitos Básicos sobre Drogas Tabela II – Classificação das Drogas Quanto a Ação no Sistema Nervoso Central Tabela III - Classificação dos Níveis de Prevenção 21 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...........................................................................................................11 1 - CAPÍTULO I – A família em constante mudanças ..................................... 15 1.1 Perspectiva Histórica .....................................................................................15 1.2 O que é família..................................................................................................19 1.3 A mulher no âmbito familiar ............................................................................20 1.4 A configuração da família nos anos 90 ............................................................22 2 - CAPÍTULO II – Droga e Família ....................................................................27 2.1 Considerações sobre drogas ...........................................................................27 2.1.1 Dependência .................................................................................................29 2.1.2 Por que tratar...................................................................................................302.1.3 Por que a família é importante no tratamento ................................................32 2.1.4 A influência da mídia no consumo de drogas .................................................35 3 - CAPÍTULO III – Trabalhos Diferenciados e Equipes Interdisciplinares no 22 Tratamento da Dependência Química.........................38 3.1 O Trabalho dos Grupos de Apoio aos Dependentes Químicos e suas Famílias......................................................................................................................38 3.1.1 Alcoólicos Anônimos (AA)..............................................................................38 3.1.2 Narcóticos Anônimos (NA).............................................................................39 3.1.3 Grupos Familiares (AL-ANON)........................................................................41 3.2 O Trabalho do NEPAD.....................................................................................42 3.2.1 O Trabalho do HESFA................................................................................... .43 3.2.2. O Trabalho do Centra-Rio ...............................................................................44 4 - CAPÍTULO IV - A Análise dos Dados Obtidos na Pesquisa.................... 45 4.1 Universo Pesquisado..................................................................................... 45 4.2 Identificação das famílias entrevistadas.........................................................46 4.3 Quanto à percepção do que é família.............................................................48 4.4 Quanto aos prejuízos que ocorreram na família em decorrência do uso da droga..........................................................................................................................49 4.5 O processo de Co-dependência......................................................................51 4.6 Análise do discurso das Assistentes sociais....................................................51 4.6.1 Quanto ao trabalho interdisciplinar ................................................................53 23 4.7 Análise do discurso dos demais profissionais.................................................55 4.7.1 A relevância da família no tratamento ............................................................55 4.7.2 Fatores negativos e positivos no Grupo de Família ........................................56 4.7.3 O acolhimento aos familiares de usuários em tratamento...............................57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................59 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................61 ANEXOS....................................................................................................................71 24 INTRODUÇÃO O uso de drogas1 vem tomando proporções muito expressivas em todo o mundo. De acordo com a ONU, em todo o planeta, 162 milhões de pessoas, entre 15 e 64 anos de idade, seriam usuárias de maconha, ou seja, 4% da população mundial. O Brasil é o quinto país da América do Sul no consumo de maconha entre estudantes de ensino médio, de acordo com estudo realizado pelas Nações Unidas e pela Organização dos Estados Americanos (OEA) (Revista, Mundo em Foco, 2007. p. 47). Diante desse quadro, este estudo de graduação inicialmente intenciona analisar a família do usuário ou dependentes de drogas como uma categoria que em decorrência das transformações que ocorrem na sociedade capitalista sofrem implicações nas relações sociais e tem conseqüências singulares no indivíduo e conseqüentemente em sua família. O uso de álcool e outras drogas vêm expressando significados distintos de acordo com o processo histórico. O consumo e agravos sociais decorrentes do uso e abuso de substâncias constatam a proporção de grave problema de saúde pública no país por isso o enfrentamento desta problemática constitui uma demanda mundial. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas2, independentemente de sexo, idade, nível de instrução e poder aquisitivo (BRASIL, 2004, p.5). É necessária uma ação política eficaz que vise o fortalecimento das redes de assistência associada à de saúde que possibilite a reinserção social e a reabilitação dos usuários. A política social não pode ser analisada sem se remeter a questões de desenvolvimento econômico, ou seja, a transformação quantitativa e qualitativa das relações econômicas decorrentes do processo de acumulação particular de capital (VIEIRA, 2004, p.142). Os assistentes sociais compõem uma das categorias profissionais envolvidas na implementação de políticas sociais e seu significado social só 1 Droga é toda substância que introduzida no organismo, pode modificar uma ou mais de suas funções (Organização Mundial de Saúde). 2 As substâncias psicoativas atuam no cérebro alterando o psiquismo. 25 será entendido ao levar em consideração tal característica (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003). Os diversos serviços sociais previstos em políticas sociais específicas são uma expressão da classe trabalhadora em sua luta por melhores condições de trabalho e de vida, que são consubstanciadas e ratificadas na legislação trabalhista (IAMAMOTO e CARVALHO, 2003, p. 2). A afirmação de elaboração de estratégias e propostas para efetivar e consolidar o modelo de atenção ao usuário de álcool e outras drogas não deve reduzir esta questão a um problema exclusivo de atenção à saúde. É preciso buscar uma articulação com outras políticas que visem subsidiar a intervenção profissional, tais como assistência, habitação e previdência. O presente trabalho se estrutura da seguinte forma: no capítulo I A Família em constante mudança, é trabalhado o contexto no qual se constitui a família a partir das transformações presentes na sociedade. No capítulo II Drogas e Família, abordamos em primeiro lugar os conceitos acerca da droga a fim de subsidiar o exercício profissional dos envolvidos no tratamento da dependência química, e, em seguida, a dinâmica das famílias dos dependentes e qual a importância de inseri-las neste processo, bem como a influência da mídia no consumo de drogas. O capítulo III Trabalhos Diferenciados e Equipes Interdisciplinares no Tratamento da Dependência Química, apresentamos alguns trabalhos que são desenvolvidos no tratamento de dependentes químicos e suas famílias, nas diversas instituições que atuam no município do Rio de Janeiro. No capítulo IV A Análise dos Dados Obtidos na Pesquisa, através da pesquisa qualitativa realizada nas instituições HESFA, Alcoólicos Anônimos, NEPAD Narcóticos Anônimos, Narcóticos Anônimos, AL-ANON e Centra Rio realizamos uma análise das formas de atendimento acerca desta demanda e o direcionamento do Serviço Social na prática interventiva. O presente estudo pretende contribuir para sinalizar não apenas a importância da família em todo o processo de recuperação dos adictos3 como 3 O termo mais utilizado em grupos de auto-ajuda para designar o indivíduo que tem dependência química de determinadas substâncias. 26 também o adoecimento vivenciado pelos familiares ea necessidade de apoio e atendimento profissional. Os relatos dos que trabalham com o uso de drogas e dependência química tem mostrado que é imprescindível incluir a família no processo de reabilitação do dependente. Esta discussão será iniciada no capítulo I ilustrando as constantes mudanças vivenciadas pela família e aprofundada no capítulo II. Muitos estudos, de diferentes referenciais teóricos, ressaltam a importância da família tanto na prevenção quanto no tratamento dos dependentes químicos, o que reforça a visão da dependência química como um fenômeno que atinge não apenas o individuo, mas toda a família. Tanto os jovens quanto os adultos fazem uso de drogas porque a realidade social não está atendendo as necessidades humanas. Inserir a discussão do uso de drogas na perspectiva de qualidade de vida evitando a criminalização do indivíduo amplia o debate em estudo. O objetivo geral desta pesquisa é analisar as repercussões do uso abusivo de álcool e outras drogas na família de usuários em tratamento. Assim pretendemos traçar um perfil das famílias, o tipo de auxílio prestado pela família no tratamento de usuários de drogas, também analisar as diferenciadas modalidades de atendimento disponibilizadas a estes usuários e abordaremos os encaminhamentos do Serviço Social no tratamento. O problema das drogas interroga a natureza e o sentido da existência. A ciência pode contribuir muito significativamente para a clareza do debate, operacionalizando conceitos e elucidando aspectos psicológicos, socioculturais e biológicos das toxicodependências4 (BAPTISTA e INEM, 1997,p.195 ). Sendo a família o principal agente de socialização do indivíduo (CARVALHO, 2005 p.13), e o lugar inicial para o exercício da cidadania se faz necessário dispensar a esta categoria sua devida importância na vida do indivíduo. Por ser a família um espaço privilegiado de convivência isto não significa que não haja conflitos e a forma de lidar com as dificuldades poderá 4 Toxicodependência é um fenômeno gerado pelo uso contínuo de drogas que leva o corpo a produzir outro equilíbrio. 27 favorecer o tratamento, mas em algumas situações o resultado pode ser contrário. Não basta apenas o paciente querer deixar de ser dependente químico é preciso ter o apoio da família para que se efetive a superação desta doença. A família através das articulações constantes no dia-a-dia pode favorecer ou atrapalhar o andamento do tratamento por isso o trabalho a ser desenvolvido com as famílias é fundamental para obtenção de resultados satisfatórios. É conferida relevância à reflexão sobre a questão da importância da família no tratamento, nas instituições que desenvolvem trabalhos na perspectiva de prevenção e recuperação de adictos, a fim de buscar o apoio da família durante o processo de acompanhamento dos atendimentos, mas também trabalharem fatores externos que determinaram ou levaram o usuário à dependência5. O impacto que a família sofre com o uso de drogas por um dos seus integrantes abala as estruturas de todos os seus membros embora a origem do uso de drogas possa estar na própria família. A perspectiva da saúde pública considera todas as drogas em pé de igualdade e analisa as suas implicações globalmente em termos de riscos para a população formulando os problemas (BAPTISTA e INEM, 1997, p.198). O presente estudo faz-se necessário devido à intervenção do Serviço Social, que pode esclarecer aspectos da questão junto à família no que se refere ao uso de drogas, tendo em vista que esta temática está cada vez mais presente na sociedade como mediadora das relações sociais (HYGINO e GARCIA, 2003, p.220). O Assistente Social, em seu exercício profissional se depara cotidianamente com esta demanda e suas decorrências vivenciando impasses e limites devido à escassez de recursos disponibilizados na rede pública de atendimento ao usuário de drogas. 5 Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/livre_das drogas acessado em 08 de agosto de 2007. 28 CAPÍTULO I FAMÍLIA EM CONSTANTE MUDANÇA 1.1 - Perspectiva Histórica. A família brasileira no decorrer da história sofreu transformações que justificam o mapeamento da realidade vivenciada por estas famílias nos dias atuais. Numa retrospectiva breve da história a partir do século X, tomando como base Àries (1981), veremos que até o referido século, a família, inclusive em termos de patrimônio, não tinha expressão. A partir de então, em decorrência das oscilações do Estado, a concepção de linhagem ganha força tendo como uma das preocupações a não divisão do patrimônio. Na sociedade agrária e escravocrata do Brasil colonial, a família era a organização fundamental, desempenhando as funções econômicas e políticas. O modelo de família patriarcal decorreu da transposição para os trópicos brasileiros, de padrões culturais portugueses. Impondo seu domínio na Colônia, subjugando os indígenas e mais tarde, importando escravos negros, os portugueses foram destruindo formas familiares próprias desses grupos. No século XIV, começam a se operar mudanças na família medieval, que vão se processar até o século XVII. Neste período é importante destacar que a situação da mulher é também alvo de mudanças, caracterizadas pela perda gradativa de seus poderes, o que culmina, no século XVI, com a formalização da incapacidade jurídica da mulher casada e a soberania do marido na família (GUEIROS, 2002). “Desta forma, a legislação reforça poder do marido e dos homens em geral, estabelecendo a desigualdade entre o homem em geral, estabelecendo a desigualdade entre o homem e a mulher”. (GUEIROS, p. 106). A escolaridade, por exemplo, passa a ser extensiva a meninas somente no final do século XVII e início do século XIX . 29 Somente no século XV as crianças (especificamente os meninos) passam gradativamente, a ser educadas em escolas e a família começa a se concentrar em torno delas, garantindo-se, entre outras coisas, a transmissão de conhecimentos de uma geração a outra por meio da participação das crianças na vida dos adultos (GUEIROS, 2002, p. 105). As transformações ocorridas no século XIX com o advento da urbanização, o início da industrialização, a abolição da escravatura e a imigração provocam, segundo Antônio Cândido, autor clássico da literatura a passagem da família extensa para o modelo conjugal, com privilégio das funções afetivas. O ingresso da mulher na força de trabalho rompe a tradicional divisão do trabalho. Os casamentos começam a ser realizados por interesses individuais. As atitudes em relação ao namoro se alteram e este se desloca dos limites da casa para os espaços abertos. Na “nova família” há maior igualdade entre os sexos, maior controle de natalidade, maior número de separações e de novos casamentos. A partir da segunda metade do século XIX, o processo de modernização e o movimento feminista provocam outras mudanças na família o modelo patriarcal6, vigente até então, passa a ser questionado. Começa a se desenvolver a família conjugal moderna, na qual o casamento se dá por escolha dos parceiros, com base no amor romântico, presente na sociedade durante muito tempo, tendo como perspectiva a superação da dicotomia entre amor e sexo e novas formulações para os papéis do homem e da mulher no casamento (GUEIROS, 2002, p. 107). A urbanização e a expansão da indústria se acentuam nas primeiras décadas deste século, produzindo mudançassignificativas nas feições da família e de toda sociedade (BRUSCHINI, 1990, p.69). A partir da década de 70 vêm à tona novas questões para se pensar a família como agência de reprodução ideológica, onde a vida cotidiana é o ponto de partida para o estudo do âmbito ideológico. É no “fazer” de todos os 6 Denominamos família patriarcal, genericamente, a família na qual os papéis do homem e da mulher e as fronteiras entre o público é o privado são rigorosamente definidos; o amor e o sexo são vividos em instâncias separadas, podendo ser tolerado o adultério por parte do homem e atribuição de chefe da família é tida como exclusivamente do homem (GUEIROS, 20021, p. 107). 30 dias que surgem e se modificam ou desaparecem idéias, atos e relações. A origem de pressupostos ideológicos se encontra na casa, nos hábitos das pessoas ou de um grupo. Para reproduzir a sociedade é preciso que os homens particulares se reproduzam como tal. A vida cotidiana é um conjunto de atividades que caracteriza a reprodução dos homens particulares criando, por sua vez a possibilidade de reprodução social. A construção de uma vida pautada na felicidade é, portanto um compromisso de cada ser humano e, mais especialmente, da família enquanto grupo voltado para tal fim ( HELLER, 1987, p. 7). Não dá para pensar no átomo do parentesco a partir da unidade biológica, o que o leva a introduzir na análise a dimensão cultural: para se formar a família precisa de dois grupos que se casam fora do seu próprio grupo. O casamento nas sociedades primitivas, contudo não se originava dos indivíduos, mas de grupos interessados. A união entre os sexos não era um assunto privado (Lévi-Strauss, 1980). Foi Lévi- Strauss, com as estruturas elementares do parentesco quem deu o passo decisivo para a desnaturalização da família biológica o foco principal [...] A família passou a ser vista como a atualização de um sistema mais amplo [...] Para ele o fundamento da família não está na natureza biológica do homem, mas na natureza social (SARTI, 1995, p. 41). Freud mostrou que a mente não é algo previamente dado, mas sim uma estrutura construída na infância através de um longo processo de formação da personalidade e de estabelecimento de vínculos afetivos e emocionais que ocorre dentro da estrutura familiar (BRUSCHINI, 1990, p.62). O fato de a vida familiar fazer parte do mundo simbólico de todas as pessoas e estar fortemente influenciada por valores morais, religiosos e ideológicos tem feito com que muitas vezes se tenha a ilusão de que as discussões sobre família estão assentadas sobre bases comuns. Ao estudar o discurso dos Assistentes Sociais sobre família, Silva (1984) assinalou a tendência de conceituarem a família a partir de suas próprias famílias e de enfatizarem as relações parentais a partir da consangüinidade. Ainda hoje no contexto das discussões dos profissionais que trabalham com famílias estão presentes esta visão de família. A família pode ser entendida como um fato 31 cultural, historicamente condicionada que não se constitui, a priori, como um “lugar de felicidade”. O ocultamento do caráter histórico determina socialmente a família como um espaço de felicidades (MIOTO, 1997). Por meio do estudo das estruturas elementares do parentesco, Lévi- Strauss (1976) chegou à tese de que a família surgiu no imbricamento entre a natureza e a cultura. Essa tese permitiu afirmar a supremacia da regra cultural da afinidade sobre a regra natural da consangüinidade. A pesquisa histórica de Ariès (1981) sobre a sociedade européia mostra claramente as diferenças na organização familiar ao longo da história, de modo que, foi na modernidade que se estabelecem os limites entre o familiar e o social. Nesta época se desenvolveu a idéia de privacidade, o “sentimento da casa”, e assim o sentimento familiar (originário da aristocracia e da burguesia) estendeu-se praticamente a toda sociedade, persistindo até nossos dias. Dentro dessa nova ordem as crianças foram retiradas da vida comum bem como de grande parte do tempo e das preocupações dos adultos. A família no contexto das fronteiras entre o público e o privado com base na sociedade francesa do pós-guerra até os nossos dias, aponta para historicidade da construção desses espaços. As mudanças no mundo do trabalho, com a dissociação família e empresa, foram fundamentais na constituição da família atual, cujas relações se alteraram significativamente. Dentro dessa nova ordem os indivíduos conquistaram na família o direito à autonomia, reconhecimento de uma vida privada individual até então desconhecida. Ressaltamos que esta alteração significa que a família pode estar deixando de ser uma instituição para se tornar um ponto de encontro de vidas privadas, e assim estaria se encaminhando para as famílias informais. 32 1.2 - O que é Família. No mundo externo ninguém tem piedade do outro e é dentro da família que cada um deseja receber atenção, respeito e reconhecimento. A casa não significa mais apenas o local de moradia agora é mais do que isso. Assim a família torna-se a esfera íntima de existência, o local exclusivo onde se pode exprimir a própria emoção e agregar-se aos outros. Representa ainda o lugar onde se pode refazer-se das humilhações sofridas no mundo externo, expandir a agressividade reprimida, exercitar o próprio autocontrole, repreender e vencer o outro. Diante de vários conflitos vivenciados pelos sujeitos na atual conjuntura, a família pode ainda ser um lugar onde se pode contar para extravasar suas angústias e ansiedades frente a tantos problemas (desemprego, desentendimentos com amigos, transportes, trabalho precário, baixos salários e outros) (HELLER, 1987). Na família são reproduzidos os padrões, os valores e os sistemas de relações sociais que são particularizados, vividos interiorizados ao nível da família e de cada membro, na forma de continuidade e descontinuidade ( VITALE, 1987, p. 35). As trocas afetivas na família imprimem marcas que as pessoas carregam a vida toda, definindo direções no modo de ser com os outros afetivamente e no modo de agir com as pessoas. Esse ser com os outros, aprendido com as pessoas significativas, prolonga-se por muitos anos e freqüentemente projeta- se nas famílias posteriormente (SZYMANSKI,2002, p.12). Nas últimas décadas do século XX, novas mudanças ocorrem e são incorporadas pela Carta Constitucional: famílias monoparentais, por exemplo, e a condição do homem ou da mulher como chefe de família. Essas mudanças se processam entre conflitos e tensões e que certas características dos diferentes “modelos” de família convivem numa mesma família, acentuando, assim seu grau de complexidade (GUEIROS, 2002, p. 110). 33 1.3. A mulher no âmbito familiar Ao examinar a história da civilização até a separação entre sociedade civil e Estado, ocorrida em fases sucessivas,do final do século XVIII em diante, seremos forçados a considerar meramente tautológica7 a expressão “as mulheres na família”. Na idade média, inclusive, as mulheres eram excluídas das reuniões do Estado. Tudo aquilo que se verificava fora do âmbito familiar, discussões políticas, comércio e guerra, era atividade reservada aos homens. As mulheres casadas, por outro lado, eram até mesmo excluídas das práticas religiosas. Durante todo processo histórico as mulheres envolvidas em questões relacionadas ao âmbito familiar, mesmo que de certa forma excluídas ou sem a sua devida importância (HELLER, 1987, p.8-9). A mulher tem um papel inquestionável no núcleo familiar e são destacadas como propulsoras de mudanças por meio de lutas no reconhecimento de seus direitos. Tidas sempre como a responsável pela socialização dos filhos e pelas tarefas domésticas. A mudança na ordem econômica mundial, a partir da década de 1970 concorreu para a opção governamental no Brasil de adoção de um modelo de desenvolvimento econômico que trouxe como conseqüência o empobrecimento acelerado das famílias na década de 1980. Acrescido a esse fato, houve a intensa migração do campo para a cidade e a ampliação dos padrões de exploração de mulheres e crianças no mercado de trabalho, além da deterioração do setor público na prestação de serviços, contribuindo para a queda das condições de vida (COELHO, 2002, p. 76). Os cuidados com a saúde da família sempre foram competência exclusiva da mulher, cabia às mulheres ocuparem-se dos doentes, dos feridos e dos moribundos. Hoje na sociedade ainda estão vinculadas a mulher estes cuidados embora sua inserção no mercado de trabalho tenha submetido-a a outra dinâmica no seu dia-a-dia (HELLER, 1987). As mulheres no passado por não participarem mais diretamente das instituições sócio-políticas da sociedade, viveram quase sempre “em meio” aos acontecimentos. Estavam envolvidas nas batalhas dos homens, na troca de visita com os vizinhos, conservando, porém, além disso, suas atividades 7 Consiste em dizer sempre a mesma coisa por formas diferentes. 34 produtivas. (HELLER, 1987, p.12). A família emerge, portanto como esfera prioritária de identificação feminina, isto é, o lócus no qual sua identidade é gerada, construída e referida. Tal fenômeno se expressa, inclusive, no fato de a mulher só conseguir se definir na ou através da família, esposa ou mãe (SALEM, 1981, p. 60 ). A história da sociedade em que vivemos está repleta de modelos de famílias, que correspondem a diferentes papéis para homens e mulheres. Dentro desses papéis, aprendemos a pensar e a nos reconhecer. Nesta dinâmica no processo histórico as mulheres destacaram-se pela constante importância no âmbito familiar a exemplo da mãe que ocupa um lugar de destaque. A divisão sexual dos papéis é uma realidade que vem sendo questionada pelas mulheres (mas também pelos homens) há alguns anos. A família contemporânea, que a literatura especializada chama de moderna intimista, nuclear, é uma realidade que vem constantemente sendo questionada em nosso dia-a-dia, o que, por implicação, tem demandado a revisão desses modelos (FREITAS, 2002). Na construção desses papéis, historicamente, coube às mulheres o espaço privado, o mundo da casa. Ser mãe foi o principal papel para as mulheres nos discursos que a igreja e a medicina social estabeleceram. Uma das grandes transformações presentes na constituição desse ideal de família foi o sentimento da infância. Desde o século XVIII, a criança passa a ocupar um lugar central no núcleo familiar. Em torno dos filhos passa a girar a família, e à mulher coube a tarefa de materná-lo, educá-lo, de cuidar dele para que se tornasse um adulto disciplinado e ordeiro (FREITAS, 2002 p. 81). É necessário que toda análise acerca da família leve em consideração às condições em que vivem as famílias, “não existe a mulher, a mãe” (Freitas, 2002) ou a família. A construção desses papéis é resgatada a todo instante na sociedade. A entrada e o desempenho das mulheres (especialmente das mulheres casadas) no mercado de trabalho, nas universidades e nos mais diversos segmentos sociais é vista por Hobsbawm ( 2001 ) como um fenômeno novo e revolucionário. Embora a participação da mulher na esfera pública esteja associada às próprias dificuldades econômicas que exigiam a participação de um número maior de membros da família na composição do orçamento doméstico, certamente o movimento feminista nos espaços públicos contribuiu significativamente para esta vivência da 35 mulher também nos espaços públicos, anteriormente ocupados predominantemente pelo homem (GUEIROS, 2002, p. 109). 1.4 - A configuração da família nos anos 90 Em decorrência do processo de modernização da sociedade na segunda metade do século XX a família brasileira sofreu mudanças significativas. Estas mudanças são compreendidas como decorrentes de diversos aspectos, dentre os quais se destacam: - o desenvolvimento técnico-científico, que proporcionou tantas invenções, os anticoncepcionais e o avanço dos meios de comunicação de massa. - a transformação e liberalização dos hábitos e dos costumes, especialmente relacionados à sexualidade e à nova posição da mulher na sociedade. Estas transformações revelaram um novo padrão demográfico na sociedade brasileira e acarretaram uma fragilização dos vínculos familiares e uma maior vulnerabilidade da família no contexto social onde não é possível falar de família, mas sim de famílias. O uso do plural se faz no sentido de abarcar, dentro da concepção família a diversidade de arranjos familiares existentes hoje na sociedade brasileira (MIOTO, 1997, p. 118). O reconhecimento da família como totalidade implica também reconhecê-la dentro de um processo de continuas mudanças. Estas são provocadas por inúmeros fatores nos quais estão aqueles referentes à estrutura social em que as famílias estão inseridas e aqueles colocados pelo processo de desenvolvimento de seus membros. Tais fatores constituem-se em fontes de estresse familiar e concorrem significativamente para o aparecimento das dificuldades familiares e, conseqüentemente, para o surgimento dos membros sintomáticos (MINUCHIN, 1990). Pode-se dizer que a qualidade de vida das famílias depende da articulação que cada um consegue fazer entre as demandas internas e as demandas advindas de seu espaço social e as formas de lidar com as transformações ocorridas no âmbito das relações sociais (MIOTO, 1997, p.122). As mudanças produziram efeitos sobre a estrutura familiar, e na chamada “nova família” modernizaram-se as concepções sobre o lugar da mulher nos alicerces da moral familiar e social. Ao contrário da família 36 tradicional a nova mulher “moderna” deveria ser educada para desempenhar o papel de mãe (também uma educadora dos filhos) e de suporte do homem para que ele pudesse trabalhar (NEDER, 2002, p. 31). Como exemplo das mudanças que ocorreram na estrutura familiar há que se ressaltar que duas famílias com a mesma composição podem apresentar modos de relacionamento completamente diferentes. O relevante, nesse caso são suas histórias, a classe social de pertencimento, a cultura familiar e sua organização significativa no mundo (SZYMANSKI, 2002, p. 17). Na família pobre as relações entre seus membros seguem um padrão tradicional de autoridade e é uma questão de ordem moral a subordinação dos projetos individuais aos familiares e a insistência na hierarquia. É nesse contextoque se estabelece a tarefa socializadora da família (SARTI, 1996). Numa cultura que valoriza o homem como o poderoso provedor da família, é desconcertante a situação em que a mulher, ou mesmo filhos adolescentes, consigam trabalho e remuneração mais facilmente do que o “chefe da família” (SZYMANSKI, 2002, p. 18). Na sociedade moderna não existe um modelo padrão de organização familiar, devido às transformações no mundo do trabalho, nas relações sociais, culturais e políticas. Os diversos problemas vivenciados no âmbito familiar são decorrentes das mudanças mais amplas que estão ocorrendo. A dependência química é uma dessas conseqüências. Na história da civilização há presença de drogas em vários contextos: religioso, cultural, social, econômico, medicinal e cultural. A relação entre o homem e a droga é de longa data e está atualmente massivamente presente nos meios de comunicação estimulando o seu uso e propiciando em decorrência deste uso uma série de problemas dentre os quais darei enfoque aos que ocorrem no âmbito familiar. Nos séculos XIX e XX, o advento da economia capitalista provocou grandes transformações sociais que repercutiram nos padrões de comportamento e conseqüentemente levaram a mudanças na estrutura familiar. Embora algumas dessas mudanças tenham sido grandemente reparadoras, outras provocaram o progressivo isolamento familiar, fatos que aliados a uma ideologia de consumo e condutora de uma busca de prazer instantâneo e imediato contribuíram para o surgimento de conflitos e desastres dentre os quais apontamos o uso abusivo de drogas (BUCHER, 1988, p.52). 37 No Brasil as mudanças desencadeadas na década de 1990 com as políticas neoliberais através da reestruturação produtiva, o avanço tecnológico e a fragmentação e precariedade do trabalho ocasionou impactos na reprodução social. O crescente desemprego, a violência, a pobreza, o desmonte dos direitos sociais conquistados na década de 1980 e a vulnerabilidade dos grupos que cada vez mais tornam-se excluídos à margem da sociedade. Martins mostra que a pobreza, muito mais que falta de comida, e de habitação é “carência de direitos, de possibilidades, de esperança” (MARTINS, 1991, p. 11-15). Historicamente o homem e a droga são companheiros de muitos séculos conforme mencionado anteriormente, no entanto um fato se destaca nos dias de hoje em todo o mundo há uma expansão rápida. Podendo se assinalar à metade do século XX como ponto referencial. As mudanças que ocorrem no mundo afetam a dinâmica familiar como um todo e, de forma particular, cada família conforme sua composição historia e pertencimento social. (SZYMANSKI, 2002, p. 17). Jovens e adultos tem feito uso abusivo de drogas em nossa sociedade questões como a violência doméstica, por exemplo, não pode ser vista separada do alcoolismo e consumo de outras drogas, que tem efeitos devastadores nas famílias e que não podem ser analisados fora de um quadro de referência da sociedade mais ampla (SZYMANSKI, 2002, p.20). É indispensável examinarmos aspectos que são compatíveis com o aumento do consumo de drogas numa sociedade cada vez mais competitiva, individualista e consumista. Há um favorecimento quanto ao uso de drogas onde não há restrição à classe social ou a determinada faixa de idade. Nesta perspectiva, Segundo estatísticas da Organização Mundial de Saúde, um em quatro habitantes do mundo recorre a drogas. Outro dado que se destaca diz respeito à indústria farmacêutica que é, atualmente, uma das mais rendosas do mundo. Esses dados nos remete a existência de regras tóxicas de sobrevivência. É um problema que envolve aspectos psicológicos, sanitários, educativos, políticos e sociais, exigindo, portanto integração entre ações preventivas, repressivas e de tratamento. (BUCHER, 1988, p. 48-49). Para entendermos as implicações do Neoliberalismo nas políticas 38 públicas sociais mais atuais, é significativo resgatar a conformação da política social no capitalismo do século XIX, construída a partir das mobilizações operárias sucedidas ao longo das primeiras revoluções industriais (VIEIRA, 2004, p.140) e presente nas principais reivindicações trabalhistas, como fruto de contradições históricas do próprio capitalismo. A redução considerável dos gastos sociais indica uma redução dos serviços sociais públicos e dos subsídios ao consumo popular, contribuindo para deteriorar as condições de vida da maioria absoluta da população, incluindo amplos setores das camadas médias (LAURELL, 1995, p. 151). Neste contexto a viabilização das políticas públicas de saúde deve ser reafirmada e o Assistente Social no seu exercício profissional deverá estar envolvido neste processo. Inúmeros são os desafios que permeiam a vida da família contemporânea. Várias temáticas estão envolvidas como violência intra e extra- familiar, desemprego, pobreza, drogas e tantas outras situações que atingem a família e desafiam sua capacidade para resistir e encontrar saídas. O impacto desses desafios e dessas mudanças sobre o cotidiano das relações familiares é absorvido pelo profissional que trabalha com famílias (VITALE, 2002, p. 45). Quando se lida com famílias, portanto depara-se com uma primeira dificuldade, a de estranhar-se relação a si mesmo. Como reação defensiva, há uma tendência a projetar a família com a qual nos identificamos – como idealização ou como realidade vivida – no que é ou deve ser a família, o que impede de olhar e ver o que se passa a partir de outros pontos de vista (SARTI, 1999, p.100). Entre as mudanças que estão ocorrendo no mundo, nenhuma é mais importante do que aquelas que acontecem em nossas vidas pessoais – na sexualidade, nos relacionamentos, no casamento e na família. É uma revolução que avança de maneira desigual em diferentes regiões e culturas, encontrando muitas resistências. O Assistente Social, assim como todos os profissionais também, estão inseridos nestas mudanças e precisam considerar estas transformações na atuação profissional (VITALE, 2002, p.60). Devido às imposições do neoliberalismo o Estado restringe sua participação, embora legalmente seja o responsável pela “solução” de questões de determinados segmentos – como, por exemplo, crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiências e pessoas com problemas 39 crônicos de saúde – a família tem sido chamada a preencher esta lacuna, sem receber dos poderes públicos a devida assistência para tanto (GUEIROS, 2002, p.102). Diante do exposto coloca-se a reflexão da importância no que refere-se a família frente os desafios impostos aos profissionais e em particular ao Assistente Social que tem deparado com esta demanda cotidianamente. 40 CAPÍTULO II DROGA E FAMÍLIA 2.1 - Considerações sobre drogas. Considerando a complexidade que envolve a discussão acerca desta temática na perspectiva multidisciplinar é necessário ir além da simplificação imposta na abordagem farmacológica médico-legal ou jurídica (Palatinik, 2002, p. 110). É importante ressaltar os conceitos básicos sobre drogas, os diferentes tipos de usuários, a classificação das drogas e os níveis de prevenção para entendermos a dinâmica na qual o profissional e o usuário está inserido. Estas informações podem contribuir na evolução do tratamento e instrumentalizar o profissional na sua atuação. TABELA I – Terminologia e Conceitos Básicos sobre Drogas TERMINOLOGIAConceitos Básicos MEDICAMENTO substância ou produto que se utiliza como remédio no tratamento de doença física ou mental. DEPENDÊNCIA QUÍMICA é um estado caracterizado pelo uso descontrolado de uma ou mais substâncias químicas psicoativas com repercussões negativas em uma ou mais áreas da vida do individuo. TOLERÂNCIA é a necessidade do uso de doses crescentes de uma determinada droga, para obter efeitos originalmente alcançados com doses menores ou a redução significativa do efeito, quando a dose consumida se mantém estável. SINDROME DE ABSTINÊNCIA é o conjunto de sintomas decorrentes da interrupção do uso de uma droga. OVERDOSE é o uso de qualquer droga com produção de efeitos físicos e ou mentais e freqüentemente letais, seja por quantidade excessiva, pureza da droga ou pela diminuição da tolerância do indivíduo. Fonte: “ Drogas: Conceitos Básicos”, Folder da Secretaria Especial de Prevenção à Dependência Química, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, s/data. 41 TABELA II – CLASSIFICAÇÃO DAS DROGAS QUANTO A AÇÃO NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL TIPO DE DROGAS EFEITO SOBRE O ORGANISMO HUMANO ESTIMULANTES Aceleram a atividade cerebral. Há uma aceleração do pensamento e euforia. Seus usuários tornam-se mais ativos. “ligados”. Exemplos: anfetaminas ( remédio para emagrecer), cafeína, cocaína, ecstasy e nicotina. DEPRESSORAS Pessoas sob o efeito dessas substâncias tornam-se sonolentas, lerdas, desatentas e desconcentradas. Exemplos: álcool, opiáceos (heroína e morfina), tranqüilizantes, inalantes ou solventes (cola) e indutores do sono. PERTUBADORAS Modificam o sentido da realidade, provocando alterações na percepção, emoções e pensamento. O consumo pode desencadear também quadros psicóticos permanentes em pessoas predispostas a essas doenças ou novas crises em indivíduos portadores de doenças psiquiátricas (transtorno bipolar, esquizofrenia). Exemplos: anticolinérgicos, LSD (ácido), maconha, chá de cogumelo, trombeta e lírios. Fonte:“ Drogas,: Conceitos Básicos”, Folder da Secretaria Especial de Prevenção à Dependência Química, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, s/data. Os efeitos das drogas dependem basicamente de três fatores: a droga, o meio ambiente e o usuário. Por isso é importante observarmos aspectos relacionados a estes três elementos. A forma como a substância é utilizada, a quantidade consumida e o grau de pureza também terão influência no efeito e as expectativas do usuário em relação à droga e seu estado emocional também poderão interferir nos efeitos. TABELA III – CLASSIFICAÇÃO DOS NÍVEIS DE PREVENÇÃO Níveis de Prevenção Descrição Primária deve intervir antes e consiste num conjunto de ações de caráter educativo, face à perspectiva de consumo de drogas. Secundária intervém quando é detectado um problema inicial de consumo de drogas, tentando evitar o agravamento. Terciária intervém quando o problema de dependência química já está instalado e atua, antes, durante e após o tratamento, no intuito de reintegrar o indivíduo na sociedade e prevenir recaídas. Fonte:“ Drogas,: Conceitos Básicos”, Folder da Secretaria Especial de Prevenção à Dependência Química, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, s/data. 42 O álcool e as demais drogas são substâncias químicas que causam alterações na percepção e no comportamento das pessoas e cujo uso continuado pode levar a dependência. Em termos de consumo de drogas o país campeão de uso de drogas é os Estados Unidos, seguido do Canadá e de vários países europeus. Os dados norte americanos apontam que mais de um terço dos habitantes daquele país já usaram maconha (34,2%)8. 2.1.1 - Dependência. A dependência encontra-se classificada mundialmente entre os transtornos psiquiátricos, o sujeito não se torna dependente de drogas de uma hora para outra; trata-se de um processo lento e gradual (SCHENKER, 2003, p. 211). Muitas pessoas que consomem bebidas alcoólicas, por exemplo, não se tornam dependentes do álcool, porém é bom lembrar que o uso de drogas ainda que experimental pode vir a causar danos à saúde. O uso de algumas medicações podem ocasionar dependência também. É de suma importância a investigação das expectativas do paciente quanto ao tratamento. expectativas irreais, exageradas, acarretam frustração e denotam, às vezes, pouca disponibilidade individual para mudança do estilo de vida, fator essencial para a manutenção dos resultados do processo terapêutico (LEITE, 2001, p. 8). A dependência é um desejo incontrolável que a pessoa tem de consumir a droga, a fim de sentir seus efeitos e para evitar as sensações desagradáveis causados pela sua falta. No Brasil, as estatísticas indicam que o alcoolismo é responsável por: internações em hospitais psiquiátricos; grande número de faltas ao trabalho; parcela significativa dos acidentes de trânsito; parte dos acidentes de trânsito. O abuso de álcool pode levar à dependência física e psicológica com 8 Disponível na série por dentro do assunto. Drogas: Cartilha sobre maconha, cocaína e inalantes 43 danos irreversíveis no cérebro, fígado e outros órgãos. 2.1.2 Por que tratar? Levantamentos epidemiológicos apontam que o alcoolismo e outras drogas é um dos problemas mais importantes na saúde pública em todo mundo. Sendo a saúde um dos principais campos de atuação do Serviço Social se faz necessário à discussão sobre drogas, assunto presente em várias dimensões da sociedade – trabalho, escola, comunidade etc. O uso de drogas em nossa sociedade tem se ampliado em larga escala por isso é necessário aprofundarmos as discussões sobre o tema em questão para os cidadãos tenham uma melhor qualidade de vida. Pesquisas dos mais variados tipos têm demonstrado como o uso de bebidas alcoólicas e de cigarro de nicotina têm conseqüências altamente danosas para a saúde individual e, em vários casos com de violência física e de acidentes (VELHO, 1997, p. 9). No ano de 2001 o Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) realizou uma pesquisa domiciliar de caráter nacional em 107 cidades brasileiras com população superior a 200.000 habitantes na faixa etária compreendida entre 12 e 65 anos. A pesquisa teve como principal objetivo estimar pela primeira vez no país a prevalência do uso de álcool e outras drogas. Os resultados encontram-se em um relatório intitulado “I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil”. Os resultados em relação ao uso de álcool no Brasil 1,2 revelam que 77,3% dos homens e 60,6% das mulheres já fizeram uso de álcool na vida, totalizando em 68,7% o número de participantes que já fizeram uso de álcool na vida. Em todas as faixas etárias estudadas, os indivíduos do sexo masculino fizeram mais uso de álcool na vida do que os indivíduos do sexo feminino. Quanto ao uso regular de bebidas alcoólicas (mínimo de 3 a 4 vezes por semana, incluindo aqueles que bebem diariamente), 9,1% dos homens e 1,7% das mulheres fazem uso regular de álcool, totalizando em 5,2% o número de indivíduos que bebem regularmente. É importante notar a diferença entre o consumo regular de álcool por homens e mulheres. No ano de 2005, o CEBRID realizou a segunda versão desse estudo, intitulado de “II Levantamento Domiciliar sobre Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil – 2005”, visando acompanhar o panorama geral de uso de álcool e outras drogas na sociedade brasileira e de notar possíveis flutuações na prevalência deuso dessas substâncias. A pesquisa indicou que o número de brasileiros, com idades entre 12 e 65 anos, dependentes de bebidas alcoólicas foi de 12,3%, o que corresponde à população de 5.799.005 pessoas.9 9 Dados fornecidos no II levantamento Domiciliar sobre ouso de drogas psicotrópicas no Brasil. 44 Para aqueles que injetam cocaína, o risco de contrair hepatites, AIDS e outras infecções, pelo uso de seringas contaminadas é também alto.10 Esta situação torna-se cada vez mais preocupante em nossa sociedade principalmente entre os jovens. Um estudo conduzido no Instituto Médico Legal de São Paulo, em 1994, analisou os laudos de todas as pessoas que morreram por acidentes ou violência na Região Metropolitana de São Paulo e constatou que: 52% das vítimas morreram de homicídios, 64% daqueles que morreram afogados e 51% dos que faleceram em acidentes de trânsito apresentaram álcool na corrente sanguínea em níveis mais elevados do que o que permitido por lei para dirigir veículos (0,6 gramas de álcool por litro de sangue). É um equívoco pensar a questão das drogas de forma limitada e restrita a análise do produto. Aspectos fundamentais e importantes relativos ao indivíduo e ao contexto social e cultural devem ser considerados. Através do diálogo é possível fazer uma avaliação, qual é o lugar da droga na vida do usuário ou dependente. Às vezes criamos problemas onde não existe e atribuímos ao uso de drogas qualquer conduta ou comportamento fora dos padrões normais. De acordo com a OMS, no ano 2000 o álcool foi responsável por 4% da incidência de doenças, em países emergentes como a China tendo nessa substância o maior fator de risco à saúde. O uso moderado de álcool, contudo, apresenta efeitos controversos sobre a saúde. Está tanto associado com a diminuição na mortalidade em decorrência de doenças coronárias entre indivíduos de mais de 40 anos de idade quanto com o aumento no risco de manifestação de câncer. Ademais, seu uso está associado com problemas sociais, em especial a violência11. Diante da insuficiência dos mecanismos de fiscalização e repressão da oferta de drogas houve reconhecimento da necessidade de medidas 10 Disponível na série por dentro do assunto. Drogas: Cartilha sobre maconha, cocaína e inalantes. Brasília: Presidência da República, 2001. 11 Disponível em: http://www.alcoolismo.com.br acessado em 30 de outubro 2007. 45 preventivas. Em 1970, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) convocou, pela primeira vez especialistas de vários países para que discutissem a abordagem preventiva do uso de drogas. Em seguida, vários encontros internacionais foram realizados. A partir de 1972, a educação destinada a prevenir o abuso de drogas foi considerada uma necessidade universal e premente (BUCHER, 1998, p. 55). O uso abusivo de drogas tem provocado constantes discussões na sociedade a partir de diversos casos principalmente envolvendo jovens que colocam não somente suas vidas em jogo como também abalam toda a família, conforme ilustrado a seguir: “Festa rave de Itaboraí termina em morte” Dezoito freqüentadores de uma festa rave que começou na noite de sábado deram entrada, domingo, no Hospital Estadual Prefeito João Batista Caffaro, em Itaboraí. Um deles, um jovem de 17 anos morador de Vila Isabel, chegou à unidade em coma e, de acordo com o diretor do hospital, Marcelo Bagueira, morreu em conseqüência de uma parada cardiorespiratória. Das 7h30m até o fim da tarde de domingo, foram registrados 18 atendimentos de pessoas que estavam na festa Tribe, realizada na Happy Land Diversões. De 16 atendimentos, segundo a assessoria do governo do estado, 14 estavam ligados ao uso de drogas ou álcool.- A maioria dos atendidos era do sexo masculino, indo até a faixa etária de 31 anos. Jornal O DIA, 01.11.2007 pág. 05. 2.1.3 - Por que a família é importante para o tratamento. A família é sem dúvida fundamental para o sucesso do tratamento de dependência química. Acreditar que tudo se resolverá a partir de algumas consultas ambulatoriais ou de uma internação é no mínimo uma postura cética. O dependente muitas vezes não tem noção da gravidade do seu estado e pode sentir vontade de se “testar”, expondo-se a situações de risco. A família deve ajudá-lo estabelecendo regras para evitar a recaída. É importante evitar os locais de risco por isso todos devem ajudar: o patrão, os vizinhos, os 46 amigos, mas o suporte maior deve vir da família. Não se trata de fiscalizar, mas de chamá-lo à reflexão. Nesta perspectiva há uma desmistificação da culpabilidade do usuário de drogas para o campo da responsabilidade. É preciso entender que o uso abusivo de drogas é uma doença. Em primeiro lugar é preciso a motivação do dependente para iniciar o tratamento e em seguida o apoio da família para mantê-lo motivado. A família por estar desprovida de informações sobre a questão das drogas, principalmente as ilícitas, pode ter sua participação no tratamento comprometida por distorções presentes na sociedade. Afinal as drogas são apresentadas como algo demoníaco. O tratamento da dependência deve passar pela avaliação da família. Estudos mostram que vítimas de maus tratos, a presença de consumo problemático de drogas entre os mais velhos, violência, ausência de rotina familiar e a dificuldade dos pais em colocar limites nos filhos aumenta o risco do surgimento de dependência entre os seus membros. No espaço familiar são construídos valores, regras, papéis que solidificam a história de cada família que esta inserida numa realidade social e quando ocorre algo que provoca distorções nos comportamentos surgem conflitos. Em casa somos classificados pela idade, sexo e papel que desempenhamos e nossa conduta é regida por valores como honra, vergonha e respeito (GARCIA E MENANDRO, 2000, p. 344). É importante destacar aspectos do contexto familiar em que estão inseridos os dependentes químicos: desemprego, violência, insegurança. Um conjunto de ações que configuram expressões da questão social, por isso é fundamental trabalhar o papel da família que dada à realidade da sociedade ocupa posição difícil e conflitante. A família pode levar muito tempo para se dar conta que há um membro na família que é dependente químico, seja por desconhecimento das reações do uso da droga ou pelo fato de não considerar a droga uma doença. A família está sujeita às influências que a realidade econômica, social, cultural e histórica determinam e por isso constantemente vem atravessando 47 crises. A idéia que temos de família como um grupo relativamente bem estruturado envolvendo o pai, a mãe e os filhos muitas vezes não corresponde à diversidade dos modelos de família existentes e das realidades em que vivem. Criamos em nossa cultura a idéia de uma família-modelo, porém vale ressaltar que nenhum relacionamento está livre de conflitos. Por isso nem sempre podemos ter a resposta ideal de nossas famílias. No âmbito familiar deve-se buscar espaço para o diálogo, na busca da superação de problemas, conflitos e na construção no dia-a-dia do respeito mútuo, consolidando comportamentos preventivos em relação ao uso de drogas. Em toda família coexistem tendências para saúde e para doença, o diferencial se fará a depender de como a família enfrente situações de crise, de como está à afetividade e a comunicação entre seuscomponentes. A família se organiza com padrões que dão sentido a sua dinâmica. E a estrutura familiar se constitui de um conjunto de regras que determinam os relacionamentos de seus membros, localizando o lugar de cada um, estabelecendo seu papel e função. Para ele, cada indivíduo aprende a relacionar-se dentro do sistema através de regras verbalizadas ou não. Estes padrões se formam pela troca do cotidiano, podendo não ser visíveis aos membros da família. Com isso, se ocorrer uma mudança num membro da família, conseqüentemente os outros serão afetados. Quando um indivíduo da família apresenta algum problema, isto pode significar que toda a família está com dificuldade. Ou seja, cada tipo de tensão vivida pela família, exigirá um processo de adaptação, transformações de interações familiares, a fim de manter-se o equilíbrio da família, conduzindo ao crescimento de seus membros (MINUCHIN, 1990). O Assistente Social deve saber que o dependente químico desenvolve um comportamento auto-destrutivo de desestruturação de sua pessoa e do meio onde se encontra, desenvolvendo reações disfuncionais em relação ao outro e que o primeiro alvo a ser atingido é a família. (BEATTIE, 1997, p. 15). Logo a atuação do Assistente Social ao lidar com o dependente e sua família, é de fundamental importância para a facilitação da reinserção social de 48 ambas as partes, a fim de promover a recuperação dos envolvidos. É preciso orientar o dependente e a família quanto aos prejuízos físicos e sociais causado pela droga, ou seja, envolver a família no tratamento. A abordagem familiar deve ser considerada como parte integrante do tratamento. A maioria dos usuários que chega às unidades para tratamento é trazida por parentes. O discurso utilizado pelas famílias responsabiliza o usuário assim, como a sociedade que criminaliza e estigmatiza o dependente sem considerar fatores externos que determinam sua condição. Nesta dinâmica é importante incluir a família que necessita participar ativamente do tratamento e do processo de recuperação do dependente, como núcleo de suporte fundamental do indivíduo (LEITE, 2001, p. 23). No capítulo IV demonstraremos através da pesquisa que, no entanto, esta tarefa não é fácil devidos os prejuízos sofridos em decorrência do uso da droga. É comum o dependente ou a família se autodenominarem vítimas e se contrapor uns aos outros, sem perceber que ambos estão no processo de saúde-doença. Neste contexto vale ressaltar a co-dependência, onde co- dependente é uma pessoa que deixou o comportamento de outra afetar a si própria e tem obsessão em controlar o comportamento de outras pessoas. (BEATTIE, 1997, p. 28). Uma condição emocional, psicológica e comportamental que se desenvolve como resultado da exposição prolongada de um individuo a – e a prática de – um conjunto de regras opressivas que evitam a manifestação aberta de sentimentos e a discussão direta de problemas pessoais e interpessoais (BEATTIE, 1997p. 45). A co-dependência não ocorre apenas no que refere-se ao uso de substâncias químicas, no entanto é muito comum lidarmos com esta demanda quando o assunto em questão é drogas. 2.1.4 - A influência da mídia no consumo de drogas. A mídia tem estimulado o uso de bebidas alcoólicas, o que banaliza e legitima o consumo de álcool, sem revelar os verdadeiros efeitos que o seu uso excessivo pode ocasionar ao indivíduo. É interessante observar que os 49 alcoólicos não consideram o álcool uma droga, porque seu uso é legalizado. No entanto o álcool é classificado conforme tabela II como uma droga depressora12 que produz através do consumo indevido, diversas conseqüências ao usuário: perda da auto-estima, conflitos na família, acidentes de trânsito, absenteísmo no trabalho, além de distúrbios físicos e psicológicos que podem levá-lo a dependência, interferindo de forma negativa no seu convívio social. Durante a vida, o ser humano cria relações de dependência. Algumas dessas relações são importantes para o bem-estar, outras causam prejuízo. A dependência química reflete no âmbito familiar de diversas formas, especialmente nos conflitos originados não apenas do usuário. É importante demarcarmos que neste contexto as pessoas que se encontram no estágio de co-dependência estão tão envolvidas pelo “outro” que esquecem de si mesmas. O Assistente Social precisa no seu exercício profissional estar atento a este usuário que dificilmente chegará ao atendimento com uma demanda sua e sim sempre do “outro”. [...] e não se pode negar o peso simbólico que a mídia, principalmente a televisiva, desempenha em nossa sociedade (FREITAS, 2002, p.86). A visão proibicionista tem o foco na droga e não no sujeito, a questão do uso deixa de ser vista como algo inerente à individualidade de cada ser humano, e passa a ser uma questão de segurança pública. Nesta perspectiva o inimigo passa a ser o usuário que assume características de pessoa ruim e violenta, sem valores éticos ou morais. “O termo drogado começa a ser utilizado no Brasil ao lado da categoria subversivo como uma categoria de acusação” (VELHO, 1997). A lógica de somente publicar o que se encaixa no imaginário social acaba potencializando o problema do estigma no qual está inserido o usuário de drogas. Uma pessoa usuária, por exemplo, não necessariamente será um dependente. No entanto a sociedade vê todo usuário como um dependente. O profissional deve observar em que estágio se encontra o usuário que esta sendo atendido para que seja viabilizada uma intervenção eficaz e objetivar um 12 grifo nosso 50 encaminhamento adequado. Um dos caminhos para se alcançar o objetivo de diminuir os riscos associados ao uso de drogas começa na capacidade de discernimento do cidadão bem informado. Algumas palavras como “vício”, “drogado”, “bêbado” e “alcoólatra”, utilizadas cotidianamente principalmente nos noticiários reforça a imagem estigmatizada do usuário de drogas. “ O drogado se apresenta como uma pessoa sem autonomia sobre seu consumo e não como um ator de cena do uso” (VELHO, 1997, p.28). A droga deixa através da mídia suas marcas e suas seqüelas. Representações perpassam o imaginário dos cidadãos a seu respeito. Dos “paraísos artificiais” passam a “demônios do mal”. Suas conotações variam como variam as perspectivas daqueles que buscam compreendê-las. Aceita- se como realistas, visões provenientes da mídia sensacionalista, perpetuando uma situação de alienação no consumo. Estando atualmente associado à marginalidade, à improdutividade e à violência. O uso de drogas é referido de forma muitas vezes generalizada em conexão com esses aspectos. O impacto disso sobre a família é freqüentemente reforçado pela desinformação e pela associação imediata à criminalidade, podendo provocar reações de rejeição, exclusão e criminalização do usuário e muitas vezes um incremento do consumo (GARCIA, 1997, p. 25). A influência do marketing tem sido importante fator para o aumento da ingestão de bebidas no nosso país. O consumo per capita de álcool cresceu 154,8% entre 1961 e 2000, situando o Brasil entre os 25 países do mundo que mais aumentaram o consumo de bebidas durante esse período (OMS, 2000). Vivemos numa sociedade capitalista altamente individualista, com um incessante apelo a adicção consumista – comprar, comprar; ter, ter: ser; consumo esse patrocinado pela mídia, principalmente a TV que se instala nos lares. Assim a sociedade vem se mostrando personalista e individualista.(SCHENKER, 2003). 51 CAPÍTULO III TRABALHOS DIFERENCIADOS E EQUIPES INTERDISCIPLINARES NO TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA 3.1 - O Trabalho dos Grupos de Apoio aos Dependentes Químicos e suas Famílias. 3.1.2 - Alcoólicos Anônimos (AA). Alcoólicos Anônimos iniciou-se em 1935 nos Estados Unidos através do encontro de um corretor de bolsa de valores de Nova Iorque, o Sr. Bill W., e um cirurgião de Akron o Dr. Bobvia ambos eram alcoólicos. Alcoólicos anônimos é uma irmandade de homens e mulheres que compartilham suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar os outros a se recuperarem do alcoolismo. O único requisito para tornar-se membro é o desejo de parar de beber. Para ser membro de A.A. não há taxas ou mensalidades; somos auto-suficientes, graças às nossas próprias contribuições.A.A. não está ligada a nenhuma seita ou religião, nenhum movimento político, nenhuma organização ou instituição; não deseja entrar em qualquer controvérsia; não apóia nem combate quaisquer causas. Nosso propósito primordial é nos mantermos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade.13 Há cerca de 2 milhões de alcoólicos em recuperação em aproximadamente 150 países. Os integrantes se reúnem em grupos que podem ocorrer diariamente duas ou três vezes por semana a depender do grupo com duração de 1h. 30min. a 2 horas por encontro. Não há distinção de sexo ou idade, é importante ressaltar que é predominante a presença de homens e tem sido significativa a inserção de jovens nos grupos, no entanto, não há uma continuidade na permanência destes jovens nos encontros. Os alcoólicos anônimos se intitulam auto-suficientes. Não é obrigatória a contribuição financeira dos integrantes do grupo. Contribuem aqueles que podem e com o valor que quiser dentro dos limites pertinentes, ou seja, não é 52 aceito doações com valores muito expressivos. Todas as aquisições de objetos para os grupos são definidas em assembléia. Não há distinção nos grupos. Os freqüentadores de um determinado grupo podem participar de outros grupos, inclusive freqüentemente há intercâmbio entre os mesmos. Não há controle de freqüência e a permanência depende exclusivamente do membro do grupo. As reuniões são realizadas geralmente às 19h30min e conduzidas por um coordenador que inicialmente expõe aspectos formais e em seguida indica os que irão se pronunciar ao grupo. No estado do Rio de Janeiro há cerca de 400 grupos e na Baixada Fluminense aproximadamente 96 e 02 escritórios que dão suporte aos grupos. 14 3.1.3 - Narcóticos Anônimos (NA). Narcóticos Anônimos é uma associação comunitária de adictos em recuperação. Iniciado em meados de 1953, o NA é um dos maiores e mais antigos grupos deste tipo de demanda, com aproximadamente trinta mil reuniões semanais em 100 países. O primeiro grupo de Narcóticos Anônimos no Brasil estabeleceu-se em 1985, no Rio de Janeiro. A base do programa de recuperação de Narcóticos Anônimos é uma série de atividades pessoais conhecida como Doze Passos15, adaptados dos Alcoólicos Anônimos. Estes "passos" incluem o reconhecimento de que existe um problema. A busca de ajuda visa reparar danos causados e trabalhar com outros adictos que queiram se recuperar. É importante ressaltar que tanto nos NA quanto nos AA a abstinência é cobrada aos usuários. Nas reuniões, cada membro partilha experiências pessoais com os outros buscando ajuda, não como profissionais, mas simplesmente como 13 Disponível: http//www.alcoolicosanonimos.org.br acesso em : 18 de novembro de 2007. 14 Informação sistematizada em visita realizada em: 03 de dezembro de 2007. 15 Ver anexo I 53 pessoas que tiveram problemas similares e encontraram uma solução. Narcóticos Anônimos não tem nenhum tipo de acompanhamento profissional. O principal serviço oferecido por Narcóticos Anônimos é a reunião em um grupo de NA. Cada grupo administra a si próprio, tendo como base princípios comuns a toda a organização. Narcóticos Anônimos é inteiramente auto-sustentado e não aceita contribuições financeiras de pessoas de fora do grupo. É recolhido em cada reunião um valor que não é estipulado a fim de colaborar com a manutenção do lanche, água e demais utensílios. As reuniões do NA são realizadas reuniões diárias em alguns grupos e em alguns espaços com 3 reuniões por dia (manhã, tarde e noite). Ocorrem reuniões fechadas e abertas. Geralmente as reuniões abertas são realizadas na 1ª e 2ª quarta-feira do mês. Não há limite de participantes, distinção de classe, gênero, droga de uso ou etnia. As reuniões são conduzidas sempre por membros mais antigos os quais fazem o acompanhamento da freqüência e direcionam os relatos. Cada integrante do grupo dirige-se à frente de todos e inicia seu relato. Dos 5000 membros de NA que responderam a uma pesquisa informal feita em 1989, 64% eram homens e 36% eram mulheres. Entre estes mesmos 5.000 membros, 11% tinham menos de 20 anos de idade, 37% tinham entre 20 e 30, 48% tinham entre 30 e 45, e 4% tinham mais de 45.16 Nos relatos dos adictos a família estava presente em todas as falas sempre num tom de sofrimento e angústia17. A palavra perda18 chamou minha atenção quando referia-se a família. Era dita num tom mais baixo e com seus os olhos em lágrimas, e foi muito visível pra mim tendo em vista que eu era a única visitante na reunião e estava sentada na primeira fileira. Ao fazerem seus relatos se dirigiam a mim, portanto não pude conter a minha emoção. Interessante que participo de Grupo de Reflexão em outra instituição há um ano e esta experiência foi completamente diferente. A observação participante ampliou minha visão sobre a dinâmica da dependência química. 16 Disponível: http//www.na.org.br acesso em : 13 de dezembro de 2007. 17 Informação sistematizada em isita realizada em: 02 de janeiro de 2008. 18 Grifo nosso. 54 Após a inserção no grupo os integrantes destacam o que recuperaram e destacam como sendo a maior conquista, a família19. Em vários discursos ressaltam “agora sou pai, marido, amante, filho, irmão e amigo. Antes não eram nada nem pelo nome eram chamados. As pessoas se dirigiam a mim como psiu, viciado e ai! Neguinho! Malandro!”20. Através deste discurso é possível perceber o quanto à questão da família é valorizada pelos adictos e a importância de trabalhar também no grupo os aspectos que norteiam esta dinâmica. 3.1.4 - Grupos Familiares (AL-ANON). Os Grupos Familiares Al-Anon são associações de parentes e amigos de alcoólicos que compartilham sua experiência, força e esperança, a fim de solucionar os problemas que têm em comum. A família pode fazer muito para se ajudar, quer o alcoólico procure ajuda ou não. Desde 1951 este grupo vem prestando serviço a familiares e amigos de alcoólicos. Hoje, existem mais de 30.000 Grupos em mais de 100 países. O Alateen, que é para adolescentes, tem mais de 3.500 Grupos no mundo todo. Já existem no Brasil desde 1965, mas somente em 1966 o Grupo foi registrado no Escritório de Serviços Mundiais. Hoje o Brasil dispõe de aproximadamente 1000 Grupos.21 O propósito primordial do programa Al-Anon é dar compreensão e apoio a familiares e amigos de alcoólicos. Qualquer pessoa
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