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FACULDADE DE CIÊNCIAS MÉDICAS - UNICAMP DEPARTAMENTO DE GENÉTICA MÉDICA DISMORFOLOGIA Denise Pontes Cavalcanti I. Introdução A dismorfologia compreende uma parte do conhecimento médico que trata dos defeitos estruturais do desenvolvimento humano combinando conhecimento e técnicas de três disciplinas da área médica: embriologia, genética clínica e pediatria. Ela foi concebida como subespecialidade médica nos anos 60 por um pediatra norte-americano chamado David Smith. O nascimento de uma criança malformada mais que uma tragédia também era visto, em épocas remotas, como um aviso dos deuses prevendo algum acontecimento futuro importante. Muitas outras superstições, justificando o nascimento de uma criança malformada povoaram os pensamentos de povos em diferentes épocas da história. Ainda hoje não é raro escutar de uma mãe questionando, por exemplo, se o fato de ela ter levado um tombo durante a gestação não é a causa do defeito do seu filho. Embora muito já se saiba hoje, se compararmos com o nível do conhecimento da primeira metade do atual século, muito ainda tem que ser esclarecido sobre os defeitos estruturais. Tanto isso é verdade que para um dismorfologista uma criança polimalformada, numa grande porcentagem das vêzes, representa um verdadeiro desafio diagnóstico. O principal objetivo da dismorfologia é o conhecimento da etiopatogênese (etiologia e patogênese) dos defeitos congênitos estejam eles isolados ou associados numa mesma criança. Baseado na etiopatogenia é que o médico dismorfologista ou geneticista clínico poderá realizar um correto Aconselhamento Genético. Nessa disciplina o nosso principal objetivo, falando em termos de dismorfologia, é fornecer informações sobre a abordagem clínica das crianças malformadas. Para isso é necessário conhecer um pouco sobre mecanismos patogenéticos dos defeitos congênitos bem como sobre os padrões dos defeitos múltiplos. II. Defeitos congênitos Cerca de 3 a 5% da população de recém-nascidos, em qualquer lugar do mundo, apresenta um defeito congênito significativo. Embora tais defeitos ocorram em uma fração relativamente pequena da população eles compreendem uma causa importante dos óbitos perinatais, ocupando os primeiros lugares das causas de tais óbitos nos países desenvolvidos. Os defeitos congênitos, do ponto de vista clínico, podem se apresentar isolados (cerca de 60% dos casos) ou associados num mesmo indivíduo. III. Mecanismos patogenéticos a) Malformação: corresponde ao resultado de uma morfogênese incompleta na qual o órgão, estrutura ou região corpórea afetada não se forma normalmente seja por uma alteração intrínseca, geneticamente determinada, da estrutura primordial, seja pela ação de um agente extrínseco agindo antes que a referida estrutura tenha completado sua morfogênese normal. Estes defeitos podem estar limitados a uma única região anatômica, envolver órgãos e/ou sistemas inteiros ou produzir uma síndrome malformativa afetando vários sistemas do organismo. As malformações geralmente requerem tratamento cirúrgico corretivo. Exemplos de malformação: lábio leporino, polidactilia, ânus imperfurado, amelia, atresia de esôfago. b) Deformação: compreende as anomalias devido a uma alteração das forças biomecânicas que alteram a forma e a estrutura de um órgão ou região corpórea originariamente normal. As deformações surgem, em geral, tardiamente durante a vida intra-uterina podendo levar a alterações leves ou graves da configuração corpórea. Em geral, as deformações compreendem algumas anomalias ósteo-articulares (pé torto, encurvamento de tíbia, luxação do quadril, artrogripose), certas formas de micrognatia e de assimetria facial. As causas que alteram o equilíbrio intra-uterino das forças biomecânicas podem ser maternas (útero ou pelve pequenos, alterações uterinas tipo útero bicorno ou fibroma uterino) ou fetais (doença neurológica ou miopática que compromete a mobilidade fetal). Outras situações que podem levar ao aparecimento de deformações fetais são as gestações intra-abdominais, gemelaridade, oligoâmnio, apresentação anormal como a transversa, ou ainda uma malformação que comprometa os movimentos fetais. Diferentemente das malformações, as deformações se resolvem, em geral, espontaneamente decorrido algum tempo após o nascimento. As deformações que comprometem gravemente as articulações necessitam de tratamento fisioterápico e/ou ortopédico para a correção. c) Disrupção: os defeitos disruptivos são aqueles defeitos estruturais causados pela destruição real de uma estrutura ou tecido previamente bem formado. Ao contrário das deformações as disrupções podem resultar, além de forças biomecânicas anormais, de fenômenos isquêmicos, hemorrágicos ou ainda pela adesão de tecidos abrasivos. Estes defeitos geralmente acometem vários tecidos de uma região anatômica bem delimitada e o dano estrutural não respeita os limites normalmente impostos pelo desenvolvimento embrionário normal. Exemplos de disrupção: banda amniótica, atresias intestinais, gastrosquise, fendas craniofaciais atipicas. c) Displasia: este termo se refere a uma histogênese anormal (alteração da organização ou função celular) de uma estrutura ou órgão morfologicamente anormal. Quase todas as displasias devem ser causadas por genes mutantes. Uma característica importante das displasias é que a maioria delas apresenta um curso clínico contínuo, ou seja dada a anormalidade intrínseca dos tecidos os efeitos da displasia tendem a persistir ou piorar no decorrer do curso clínico da doença. As displasias podem, portanto, continuar a produzir alterações dismóficas no decorrer da vida do indivíduo afetado. Exemplos de displasias: doenças metabólicas tais como as doenças de depósito, uma ampla variedade de displasias ou disostoses ósseas e displasias ectodérmicas. IV. Classificação clínica dos defeitos congênitos Os defeitos congênitos como já referido acima podem se apresentar de uma forma isolada ou associada nos indivíduos. Quando associados eles assumem padrões que podem ser distinguidos etiopatogenicamente (síndrome, associação, seqüência e complexo ou defeitos de campo). a) Os defeitos isolados : são os defeitos congênitos mais comuns: lábio leporino, estenose do piloro, cardiopatia congênita, polidactilia. A maioria dos defeitos isolados apresentam uma etiologia do tipo multifatorial (efeitos cumulativos de múltiplos genes cada um de pequeno efeito e um desencadeante ambiental, em geral de natureza desconhecida). Estes defeitos, portanto, ocorrem com uma freqüência aumentada em algumas famílias e grupos raciais, porém sem seguir uma padrão de herança do tipo monogênico. Por outro lado, nenhum desses defeitos mostram alto grau de concordância entre gêmeos monozigóticos, fornecendo evidências para a influência de fatores não genéticos. Clínica e, provavelmente, patogeneticamente também os defeitos isolados aparentam ser idênticos aos que se encontram fazendo parte do quadro de uma síndrome. Isto implica que o "caminho" que leva a tal defeito é único embora sejam diferentes as etiologias. Em outras palavras, o lábio leporino, uni ou bilateral isolado é, clinicamente, idêntico ao lábio leporino uni ou bilateral presente numa criança portadora de Síndrome de Patau ou trissomia do cromossomo 13. b) Associação : corresponde a ocorrência não casual de alguns defeitos em crianças malformadas, os quais não são tão fortemente ligados de modo a denominá-los, no seu conjunto, de síndrome. São denominadas com esse nome (associação) justamente para chamar a atenção sobre a falta de uniformidade na apresentação clínica. Exemplo de associação: associação VACTERL (malformação de vértebra, ânus imperfurado, cardiopatia, fístula tráqueo-esofágica, displasia renal e defeitos de membros). Emboraa associação não compreenda um diagnóstico propriamente dito é importante o seu conhecimento porque diante de uma criança que apresenta um ou mais defeitos de uma dada associação o médico deve procurar investigar se os demais defeitos também estão presentes. c) Seqüência : como o próprio nome idndica, aqui o que se observa é uma seqüência de eventos ou defeitos. Nesse caso a criança tem uma malformação primária e outras secundárias a ela. A malformação primária ocorre, em geral, numa fase bem precoce do desenvolvimento e, durante o desenvolvimento embrionário posterior essa malformação primária interfere com processos do desenvolvimento embriológico e fetal de estruturas adjacentes ou de alguma forma ligada a ela, de modo que, pelo nascimento a criança apresentará vários defeitos, que podem ser interpretados, por um médico menos avisado, como sendo defeitos não relacionados. As seqüências podem ser isoladas ou fazer parte de um quadro sindrômico. Quando isoladas, geralmente apresentam etiologia desconhecida. Alguns casos, no entanto, mostram evidências de herança multifatorial. Exemplos de seqüências : seqüência de Pirre Robin, seqüência de Potter, holoprosencefalia. d) Complexo : corresponde a um dado padrão de malformações múltiplas que afeta uma dado campo de desenvolvimento. Esse por sua vez pode ser definido como uma parte do embrião na qual os processos de desenvolvimento das estruturas dessa região são controlados e coordenados no tempo e no espaço. Muitos complexos reconhecidos hoje parecem ser causados por uma anomalia vascular. Exemplos: complexo de Poland, complexo de Möebius. e) Síndrome : quando um grupo de anomalias ocorre repetidamente como um padrão consistente. Costuma-se dizer também, que do ponto de vista de nomenclatura, se chama síndrome a um padrão de defeitos múltiplos que apresenta uma etiologia definida. Exemplo : síndrome de Down, síndrome Meckel, síndrome de Cornélia de Lange. Nos dois primeiros exemplos as etiologias das síndromes são conhecidas: trissomia do cromossomo 21 na s. de Down e na s. de Meckel o padrão de herança é compatível com uma etiologia monogênica tipo autossômica recessiva. Já na síndrome de Cornélia de Lange não existe uma etiologia definida o que ocorre é um padrão fenotípico altamente característico e consistente que caracteriza essa síndrome como tal. V. Avaliação dismorfológica Nesse item, por razões óbvias, vamos nos ater basicamente às crianças polimalformadas ou portadoras de defeitos estruturais múltiplos. Antes de mais nada é importante lembrar nesse ponto que a avaliação dismorfológica é solicitada, pelo pediatra em geral, diante das seguintes situações: defeitos da morfogênese, problemas do crescimento e retardo mental. Abaixo especificaremos, resumidamente, os passos necessários na abordagem da criança malformada. Tais passos serão comentados com detalhes na aula. 1. Análise: compreende a história clínica e familial com ênfase aos dados da história gestacional, condições de nascimento, crescimento e desenvolvimento. 2. Análise dos estudos laboratoriais já realizados. 3. Exame físico: com atenção particular às regiões anatômicas em busca de alterações sutis da morfogênese e antropometria adequada. Aqui é muito importante ressaltar a importância da documentação fotográfica do paciente e o exame físico dos familiares se necessário. 4. Síntese: fase na qual se tenta reconhecer o padrão malformativo apresentado pelo paciente baseado nos achados precedentes. É nessa fase também que se procede à comparação do presente caso com outros reconhecidos pela experiência pessoal ou através da busca de casos semelhantes na literatura. 5. Confirmação diagnóstica. Esta pode se dá pela ajuda de algum exame laboratorial, pelo curso clínico do presente caso ou pelo nascimento de outros afetados na família. 6. Intervenção: inclui tratamento e Aconselhamento Genético. 7. Seguimento. o seguimento das famílias de uma criança polimalformada é importante por várias razões. Em algumas situações é necessário o exame laboratorial de vários membros da família para avaliação correta de eventuais riscos reprodutivos. No seguimento também é possível corrigir um eventual erro diagnóstico e fazer o Aconselhamento do propósito. VI. Referências bibliográficas utilizadas Aase JM (1990) Diagnostic dysmorphology. Plenum Medical Book Company, New York. Mastroiacovo P, Cavalcanti DP & Zampino G (1991) Approccio daignostico al neonato con anomalie strutturali multiple. Neonatologica (Suppl):87-95.
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