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Universidade Federal de Viçosa Departamento de Engenharia Civil CIV 442 – Qualidade da Água Apostila de Aulas Teóricas PARTE I Rafael Kopschitz Xavier Bastos 2013 INDICE Página 1.Introdução– qualidade e usos da água 2 2. Características da água (parâmetros indicadores da qualidade da água) 4 2.1. Características físicas 4 Turbidez 5 Cor 7 Sólidos 8 Condutividade elétrica 10 2.2. Características químicas 11 pH, alcalinidade e acidez 11 Dureza, Ca e Mg 15 Cloretos 19 Ferro e Manganês 19 Nitrogênio 21 Fósforo 25 Oxigênio dissolvido 27 Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO e Demanda Química de Oxigênio - DQO 29 2.3. Características biológicas 31 Organismos patogênicos e indicadores de contaminação 31 Algas e cianobactérias 37 CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 1 1. INTRODUÇÃO • Qualidade e usos da água O conceito de qualidade da água encontra-se, em primeira análise, relacionado às características apresentadas pela água, por sua vez determinadas pelas substâncias (parâmetros) nela presentes. Água “pura” é um conceito hipotético, uma vez que a água apresenta elevada capacidade de dissolução e transporte e, em seu percurso, superficial ou subterrâneo, pode incorporar um grande número de substâncias. Portanto, por processos naturais ou decorrente das atividades antrópicas, as características da água podem ser substancialmente alteradas, ao ponto de comprometer determinados usos. Portanto, qualidade da água é um atributo dinâmico no tempo e no espaço e encontra-se, acima de tudo, relacionado com os usos de uma determinada fonte. Uma mesma água pode ser considerada “boa” para um determinado fim (por exemplo, para utilização industrial) e “ruim” para outro (por exemplo, para o consumo humano). De forma análoga, o conceito de poluição deve ser entendido como perda de qualidade da água, ou seja, alterações em suas características que comprometam um ou mais usos do manancial. Por sua vez, contaminação é em geral entendida como um fenômeno de poluição que apresente riscos à saúde. • Usos múltiplos x usos conflitantes Via de regra, os recursos hídricos prestam-se a múltiplos usos, tais como: a geração de energia, a irrigação, a criação de animais, o abastecimento para consumo humano e fins industriais, a recreação e a pesca, a composição e harmonia paisagística e até mesmo a recepção de efluentes domésticos e industriais, desde que de forma controlada. A cada uso corresponde uma certa demanda de água, em quantidade e qualidade necessárias e suficientes. Entretanto, a concentração demográfica, a expansão industrial, as atividades agropecuárias, enfim, o uso e a ocupação do solo na bacia hidrográfica de um manancial podem introduzir na água substâncias em “excesso” ou indesejáveis, comprometendo diversos usos. De forma análoga, a captação de água para suprir uma demanda específica pode comprometer a oferta de água para outros fins. Portanto, o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de água, ou entre as funções de um recurso hídrico como CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 2 manancial de abastecimento e corpo receptor, podem fazer dos usos múltiplos, usos conflitantes. Para se ilustrar o quão instável é o equilíbrio entre a demanda e a oferta, usos múltiplos e conflitantes da água, bastam alguns exemplos. A água cobre três quartos do globo terrestre. Entretanto, cerca de 97,2% são águas dos mares e oceanos e dos 2,8% restantes, cerca de 2,15% são geleiras e calotas polares, inacessíveis; apenas 0,65% são águas doces, das quais 0,31% constituem águas subterrâneas ainda inatingíveis. Portanto, apenas 0,34% da água total existente no planeta encontram-se disponíveis ao ser humano sob a forma de rios, lagos e reservatórios subterrâneos acessíveis. O Brasil dispõe de cerca de 8% do total de água doce do planeta, porém desigualmente distribuídos no território nacional: a Amazônia detém a maior parte da reserva hídrica do país, para uma população de apenas 15% da população total brasileira. A agricultura irrigada é, de longe, a atividade que mais consome água no mundo: estima-se que a irrigação responda por 80% do consumo de água, enquanto os usos industrial e humano correspondem a 10-12% e 8-10%, respectivamente. No Brasil, o consumo de água para irrigação corresponde à cerca de 60% do consumo total. Segundo dados da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, em 1992, cerca de 101,6 milhões de habitantes eram atendidos por serviços de abastecimento de água em nosso país, o que correspondia a 67% da população total e 86% da população urbana, Porém, estes números escondem detalhes importantes, tais como a intermitência no abastecimento em diversos municípios brasileiros, fruto muitas vezes da própria escassez de água. Segundo dados da Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento, em 40% dos sistemas operados por Serviços Municipais existem problemas de irregularidade no abastecimento de água, devido à redução de vazões dos mananciais em épocas de estiagem. Quanto à deterioração da qualidade da água, basta citar as estatísticas disponíveis sobre a realidade do tratamento de esgotos sanitários no país: apenas cerca de 10% dos municípios brasileiros dispõem de estação de tratamento de esgotos (ETE’s) e somente cerca de 15% de todo o volume de esgotos coletados no país recebe algum tratamento Tais números, per si, revelam uma realidade preocupante em termos de impactos ambientais e de saúde pública. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 3 A tênue linha que separa as possibilidades múltiplas do conflito, requer racionalidade e hierarquia (prioridades)1 no uso da água, o que inclui necessariamente disciplina de uso, preservação da qualidade da água, controle de perdas e desperdícios e reciclagem. O conflito demanda arbitragem, que no caso do uso da água deve ser exercida pela própria sociedade, amparada por um arcabouço legislativo-institucional que possibilite a gestão democrática dos recursos hídricos. Neste sentido, muito já se avançou no país, culminando na promulgação da Lei Nacional de Recursos Hídricos, a qual incorpora dispositivos tais como: o da gestão por bacias hidrográficas, exercida pelos Comitês de Bacias (o parlamento das águas) e as Agências da Água (órgãos técnicos executores); o do usuário-pagador, exercido através do mecanismo de outorga da água(direito de uso); e do poluidor-pagador. No que diz respeito à preservação da qualidade da água e controle de poluição, também muito se avançou, ao menos no que tange aos aspectos normativos e fiscalizadores, haja vista o moderno aparato de licenciamento ambiental e controle de emissão de efluentes existentes na legislação federal e de vários estados. Entretanto, em que pesem os avanços, há que se reconhecer que da intenção ao gesto e à ação, o caminho a ser percorrido ainda é longo. • Tratabilidade da água Em tese, do ponto de vista tecnológico, qualquer água pode ser tratada para qualquer fim, porém nem sempre a custos acessíveis. Decorre daí, o conceito de tratabilidade da água, relacionado à viabilidade técnico-econômica do tratamento, ou seja, de dotar a água de determinadas características que permitam ou potencializem um determinado uso. . 2. CARACTERÍSTICAS DA ÁGUA (PARÂMETROS INDICADORES DA QUALIDADE DA ÁGUA) 2.1. Características físicas 1 A legislação brasileira sempre foi muito clara,desde o Código das Águas da década de 30 até a atual Lei Nacional de Recursos Hídricos: o uso prioritário da água é o abastecimento para consumo humano. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 4 Em geral envolvem aspectos mais de ordem estética econômica, guardando pouca relação com a segurança sanitária. Além disso, podem ser determinantes na escolha da tecnologia de tratamento. • Turbidez: Devida a presença de partículas em estado coloidal, em suspensão, matéria orgânica e inorgânica finamente dividida, plâncton e outros organismos microscópicos. Expressa a interferência à passagem de luz através do líquido, portanto, simplificadamente, a transparência da água. Em geral a turbidez da água bruta de mananciais superficiais apresenta variações sazonais significativas entre períodos de chuva , o que exige atenção na operação da Estação de Tratamento de Água (ETA). A turbidez da água bruta é um dos principais parâmetros de seleção de tecnologia de tratamento e de controle operacional dos processos de tratamento. Águas represadas usualmente apresentam turbidez mais reduzida, decorrente da sedimentação das partículas em suspensão. Na água filtrada a turbidez assume uma função de indicador sanitário e não meramente estético. A remoção de turbidez por meio da filtração indica a remoção de partículas em suspensão, incluindo cistos de protozoários. Os critérios reconhecidos internacionalmente como indicadores da remoção protozoários são: 0,5 UT para de cistos Giardia ; 0,3 UT para oocistos de Cryptosporidium. A turbidez da água pré- desinfecção, precedida ou não de filtração, é também um parâmetro de controle da eficiência da desinfecção, no entendimento de que partículas em suspensão podem proteger os microrganismos da ação do desinfetante. Para uma eficiente remoção de vírus, recomenda-se uma turbidez pré-desinfecção de 0,5 UT. Na água distribuída a turbidez informa sobre a estanqueidade do sistema de distribuição, sendo que a elevação da turbidez pode indicar infiltrações na rede e riscos de pós-contaminação. No ponto de consumo a turbidez assume também importância estética-organoléptica, podendo provocar rejeição ao consumo. O padrão de turbidez para água distribuída é de 5,0 UT. A percepção visual da turbidez se dá em valores superiores a 7-10 UT. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 5 Turbidez média mensal – Ribeirão São Bartolomeu Turbidez média mensal – Rio Turvo Os exemplos acima ilustram as variações sazonais de turbidez nos manaciais de abastecimento de água para consumo humano de Viçosa: um represado - Ribeirão São Bartolomeu, outro não - Rio Turvo. Os dois apresentam turbidez média relativamente reduzida, portanto, de fácil tratabilidade. Entretanto, mesmo em casos como estes a atenção cotidiana é indispensável: por exemplo, em janeiro de 2001, chuvas torrenciais provocaram uma elevação brusca da turbidez, até 1.000 UT 0 20 40 60 80 100 120 Ag o/0 0 Se t/0 0 Ou t/0 0 No v/0 0 De z/0 0 Ja n/0 1 Fe v/0 1 Ma r/0 1 Ab r/0 1 Ma i/0 1 Ju n/0 1 Ju l/0 1 Ag o/0 1 Se t/0 1 Ou t/0 1 No v/0 1 De z/0 1 Tu rb id ez (U N T) 0 20 40 60 80 100 120 ag o/0 0 se t/0 0 ou t/0 0 no v/0 0 de z/0 0 jan /01 fev /01 ma r/0 1 ab r/0 1 ma i/0 1 jun /01 jul /01 ag o/0 1 se t/0 1 ou t/0 1 no v/0 1 de z/0 1 Tu rb id ez (U N T) CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 6 Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Classificação de águas superficiais (usos) • Tratabilidade da água para consumo humano (seleção de processos de tratamento) • Controle dos processos unitários de tratamento da água para consumo humano – eficiência do tratamento (coagulação-floculação-sedimentação-filtração) • Qualidade da água tratada para consumo humano (aspectos estéticos e sanitários) • Qualidade da água distribuída para consumo humano – estanqueidade do sistema de distribuição e riscos de pós-contaminação. Padrão de potabilidade brasileiro: • Pós-filtração e pré-desinfecção: ≤ 1,0 UT (recomendável ≤ 0,5 UT) • No sistema de distribuição: ≤ 5,0 UT • Cor: Devida a presença de substâncias dissolvidas, decorrentes da decomposição de matéria orgânica (plâncton, substâncias húmicas), da presença de substâncias tais como ferro e manganês, ou da introdução de efluentes industriais. Quando a determinação da cor é realizada após centrifugação da amostra para se eliminar a interferência de partículas coloidais e suspensas, obtém-se a cor verdadeira. Caso contrário, tem-se a cor aparente. Cor é um parâmetro essencialmente de natureza estética e componente do padrão de aceitação para consumo humano; o valor limite de 15 uC é estabelecido no entendimento de que é imperceptível a olho nú. Entretanto, a cor devida a substâncias orgânicas pode indicar a presença de precursores de formação de trihalometanos, um subproduto tóxico da cloração. Cor elevada no sistema de distribuição pode ainda contribuir para o consumo do cloro residual. Águas de cor elevada podem também impor limitações a diversos usos industriais, como a indústria têxtil e de papel. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 7 Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Classificação de águas superficiais (usos) • Tratabilidade da água para consumo humano (seleção de processos de tratamento) • Qualidade da água tratada para consumo humano (aspectos estéticos: ≤ 15 uC) • Qualidade da água distribuída para consumo humano – estanqueidade do sistema de distribuição • Restrições de usos industriais • Sólidos Os sólidos presentes na água são usualmente classificados de acordo com suas características físicas (tamanho e propriedades – sedimentação, filtração) e químicas (natureza orgânica ou inorgânica). Águas represadas acumulam os sólidos carreados pelos rios que, sedimentados, tendem a tornar as águas mais límpidas (menor turbidez). Portanto, os teores de ST, SS e, principalmente, Sd, são importantes parâmetros de planejamento e projeto de reservatórios de água, como medida de previsão de assoreamento e vida útil. Por extensão, ST é também um parâmetro associado à tratabilidade da água, encontrando particular aplicação no projeto de sistemas de irrigação por aspersão ou gotejamento. Entretanto, no que diz respeito ao tratamento da água para consumo humano, a turbidez cumpre papel análogo e mais específico. Águas superficiais represadas podem apresentar teores de sólidos totais da ordem de 50 – 100 mg/L, ao passo que em águas residuárias podem ser encontrados valores tão altos quanto 1.000 mg ST/L (esgotos sanitários) ou 10.000 mg ST/L (dejetos de suínos). ST, SS e particularmente Sd encontram grande aplicação na avaliação da tratabilidade e seleção de processos de tratamento de águas residuárias, sendo que, em primeiro lugar indicam as necessidades de tratamento primário (separação física, por exemplo, Sólidos totais (ST) Sólidos suspensos totais (SS) Sólidos dissolvidos totais (SD) Sólidos dissolvidos fixos (SDF) Sólidos dissolvidos voláteis (SDF) Sólidos em suspensão fixos (SSF) Sólidos em suspensão voláteis(SSV) Sólidos sedimentáveis (Sd) CIV442 – Qualidade da Água- Apostila de Aulas Teóricas --2003 8 decantadores para esgotos sanitários e peneiras para dejetos de suínos). SS fazem parte do padrão de lançamento de efluentes da legislação ambiental de alguns estados, de sorte que é também um parâmetro utilizado na avaliação da eficiência do tratamento de águas residuárias. Sólidos dissolvidos são naturalmente incorporados à água no contato com o solo e rochas, ou pelo lançamento de cargas poluidoras. O teor de sólidos dissolvidos encontra-se associado ao teor de sais na água (carbonatos, bicarbonatos, cloretos, sulfatos e nitratos de sódio, potássio, cálcio e magnésio) e, portanto, assume importância econômica em usos industriais (ex.: corrosão, incrustações) e agrícola (salinização do solo e toxidez às plantas); entretanto, estes aspectos são usualmente avaliados com base em parâmetros mais específicos, tais como o pH, alcalinidade, dureza, condutividade elétrica, ou na determinação de íons ou sais específicos. Pela mesma razão o teor de sólidos totais dissolvidos faz parte do padrão de aceitação (potabilidade) de águas para consumo humano. Águas com altos teores de sólidos dissolvidos são geralmente desagradáveis ao paladar e podem causar reações fisiológicas, tais como efeitos laxativos. O padrão de potabilidade brasileiro (padrão de aceitação para consumo) estabelece como valor máximo 1.000 mg/L. Sólidos voláteis e fixos referem-se às frações orgânicas e inorgânicas dos sólidos presentes em uma amostra e, portanto, prestam-se à avaliação da tratabilidade e do tratamento de águas residuárias, mais especificamente a possibilidade de emprego e a avaliação de eficiência de unidades de tratamento biológico. Do afluente ao efluente de uma ETE que empregue processos biológicos, é de se esperar um decréscimo acentuado na relação SV/SF. Entretanto, mais uma vez, existem outros parâmetros mais adequados para tal, por exemplo a DBO e a DQO. Ainda no tratamento de águas residuárias, SSV é associado a concentração de biomassa em reatores biológicos, sendo assim um importante parâmetro de projeto e controle operacional. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 9 Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • ST projeto de reservatórios de água – controle de assoreamento projeto e avaliação da eficiência de unidades de tratamento de águas residuárias projetos de sistemas de irrigação por aspersão e gotejamento • SS, Sd: projeto e avaliação da eficiência de unidades de tratamento de águas residuárias • SS: padrão de lançamento de efluentes em corpos receptores (Minas Gerais – 100 mg/L) • SD qualidade de água mineral qualidade da água para consumo humano (padrão de aceitação para consumo-1.000 mg/L) • SV/SF: avaliação da tratabilidade e eficiência do tratamento de águas residuárias • SSV: projeto e avaliação da eficiência de unidades de tratamento de águas residuárias (estimativa da biomassa em reatores biológicos) • Condutividade elétrica (CE) A condutividade elétrica da água representa sua capacidade de transmitir a corrente elétrica em função da presença de substâncias dissolvidas, principalmente inorgânicas, que se dissociam em cátions e ânions. Quanto maior a concentração iônica, maior a capacidade em conduzir corrente - maior a condutividade. Simplificadamente, a condutividade representa a concentração de íons, estando portanto associada à concentração de sólidos totais dissolvidos e à salinidade. A associação entre CE e SD teria de ser determinadas caso a caso, pois varia com o tipo de ions presentes e sua concentração. Genericamente pode-se estimar que: LmgSTDSTDCE LmgSTDSTDCE /000.1(1,1 )/000.1(2 >×= <×= Em águas naturais podem-se encontrar faixas de condutividade na ordem de 10 -100 µS/cm. Águas residuárias domésticas e industriais podem apresentar valores acima de 1.000 µS/cm. Assim, a condutividade pode ser utilizada como um indicador auxiliar de poluição das águas, muito embora existam outros parâmetros mais específicos para tal. Por sua vez, diversas culturas agrícolas, bem como o solo irrigado, são sensíveis ao CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 10 excesso de sais na água, sendo a condutividade elétrica um dos principais parâmetros de controle da qualidade da água para a irrigação. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Qualidade da água para irrigação • qualidade de água mineral • Restrições de usos industriais 2.2. Características químicas pH, alcalinidade e acidez O pH (potencial hidrogeniônico) da água é a medida da atividade dos íons hidrogênio e expressa a intensidade de condições ácidas (pH < 7,0) ou alcalinas (pH > 7,0). pH = - log (aH+) ou pH = log 1/ (aH+) Como o pH é expresso em escala logarítmica, ao incremento e decréscimo de uma unidade de pH correspondem, respectivamente, um aumento de dez vezes em alcalinidade e acidez. . A maioria das águas naturais superficiais tendem a apresentar um pH próximo da neutralidade devido a sua capacidade de tamponamento (resistência a alterações de pH devida a introdução/presença de ácidos ou bases). Entretanto, as próprias características do solo ou a presença de ácidos húmicos, podem contribuir para a redução natural do pH. Assim é que muitas águas subterrâneas podem apresentar pH baixo. É também o caso de muitos rios amazônicos, que apresentam cor intensa e pH baixo (4 a 6), devido a produção de ácidos húmicos na decomposição de matéria orgânica vegetal. Por outro lado, uma atividade fotossintética intensa pode contribuir para a elevação do pH, devido ao consumo de CO2. O valor do pH influi na solubilidade de diversas substâncias, na forma em que os compostos químicos se apresentam na água (livre ou ionizada) e em sua toxicidade. Com as devidas exceções, para a manutenção de adequadas condições de vida no meio aquático, o pH deve situar-se em faixas de 6-9. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 11 O pH é um parâmetro-chave de controle do processo de coagulação, fundamental para o bom desempenho de todo o processo de tratamento da água, sendo que a cada água corresponderá um pH ótimo de coagulação. O condicionamento final da água após o tratamento pode exigir também a correção do pH para evitar problemas de corrosão ou incrustações. Mais importante, o pH é um parâmetro fundamental de controle da desinfecção, sendo que em pH elevado (> 8,0) a cloração perde eficiência. Na água distribuída para consumo humano, recomenda-se que o pH seja mantido em faixas de 6-9,5, muito mais por razões econômicas e operacionais do que de saúde. Processos físico-químicos de tratamento de águas residuárias exigem também um controle rigoroso de pH. e, em processos biológicos, deve ser mantido em faixas que favoreçam o crescimento da biomassa – próximo à neutralidade. Microrganismos, inclusive patogênicos, não sobrevivem em ambientes com pH muito baixo ou elevado. A alcalinidade de uma água refere-se à sua capacidade de neutralizar ácidos e a acidez à de neutralizar bases (capacidade de tamponamento). A alcalinidade e a acidez baseiam-se no sistema ácido carbônico, que possui três pontos de equivalência, representados pelas equações e pela figura abaixo (t = 25oC): −+→ ← − −+→ ← → ← + + + 2 33 332 3222 COHCO HCOCO COO H HH HHCO CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 12 Constituintes do sistema de ácido carbônico em função do pH (pressão = 1, atmosfera e temperatura = 25oC)A alcalinidade representa a soma das bases tituláveis, principalmente, os bicarbonatos (HCO3-), carbonatos (CO32-) e hidróxidos (OH-), mas também boratos, fosfatos, silicatos e outras bases, quando presentes. A distribuição entre as formas de alcalinidade é função do pH: pH da água Formas de alcalinidade > 9,4 OH- e CO32- 8,3 – 9,4 CO32- e HCO3- 4,4 – 8,3 HCO3- A alcalinidade natural é devida principalmente a bicarbonatos, originários da dissolução de rochas (ex. calcário) e da própria reação do CO2 com a água. A acidez devida ao CO2 (acidez carbônica – natural ou antropogênica, decorrente da absorção de CO2 da atmosfera ou da decomposição de matéria orgânica) estará presente quando o pH estiver entre 4,4 e 8,3. Para valores abaixo de 4,4, a acidez decorre da presença de ácidos fortes, por exemplo da poluição por despejos industriais. Tanto a alcalinidade quanto a acidez são expressas em mg CaCO3/L. No tratamento água a alcalinidade influi diretamente na eficiência da coagulação. Se a alcalinidade natural de uma água for baixa (em geral < 15 mg/L) pode tornar-se necessária a adição de um alcalinizante para um ajuste do pH “ótimo” de coagulação. A maioria das águas naturais apresentam alcalinidade em faixas de 30 – 50 mg CaCO3/L. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 13 Alcalinidade e acidez não guardam significado sanitário. Podem ser desagradáveis ao paladar ou contribuir para problemas de incrustações ou corrosão em canalizações, porém, nestes casos, este aspectos são, em geral, controlados por outros parâmetros, tais como sólidos dissolvidos, dureza e o próprio pH. No tratamento de águas residuárias, o consumo de alcalinidade por processos oxidativos e fermentativos, apresenta-se como um importante parâmetro de controle operacional. Reação do sulfato de alumínio com a alcalinidade natural das águas Al2(SO4)3 . 18H2O + 3Ca(HCO3)2 → 3CaSO4 + 2Al(OH)3 + 6CO2 + 18H2O 666,4 g 3 x 100 g 3 x 136 g 2 x 78 g 6 x 44 g Na equação acima e de seu balanço estequiométrico observa-se que; 1 mg/L de sulfato de alumínio requer 300/666,4 = 0,45 mg/L de alcalinidade em CaCO3 Incremento de pH ao longo de um sistema de tratamento de esgotos sanitários: reator anaeróbio– lagoas de estabilização. O sistema de tratamento do exemplo acima é composto por um reator anaeróbio em escala real, seguido por três lagoas de estabilização em escala piloto (Unidade Experimental da Violeira, Viçosa –MG). O funcionamento de lagoas de estabilização é baseado na relação simbiótica que se estabelece entre bactérias e algas. As bactérias decompõem a matéria orgânica, fornecendo o C02 necessário as algas para a realização da fotossíntese, que por sua vez produzem o O2 necessário às bactérias para a decomposição aeróbia da matéria orgânica. Ao longo do sistema de tratamento, a concentração de 7 7.5 8 8.5 9 9.5 10 L1 L2 L3 pH CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 14 matéria orgânica decai e, por conseguinte a atividade bacteriana. Por outro lado acentua-se a atividade das algas, com intenso consumo de C02, produção de O2 e , consequentemente, elevação do pH. Alcalinidade da água no ponto de captação da ETA/UFV (Lagoa da Funarbe) O exemplo acima ilustra bem a capacidade de tamponamento e o equilíbrio do sistema ácido carbônico no meio aquático. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • pH qualidade das águas naturais – manutenção da vida aquática (6-9) tratabilidade da água para consumo humano controle de processos de tratamento de água – coagulação e desinfecção (< 8,0) qualidade da água para consumo humano–aspectos econômicos e operacionais (6-9) controle de processos de tratamento de águas residuárias qualidade da água para irrigação restrições de usos industriais • alcalinidade: tratabilidade da água para consumo humano controle de processos de tratamento de água – coagulação controle de processos de tratamento de águas residuárias restrições de usos industriais Dureza, cálcio e magnésio A dureza de uma água é a característica que a mesma possui de reduzir a formação de espuma com o sabão. Tal característica é devida principalmente à presença de sais de 0 5 10 15 20 25 30 35 Ja ne iro Fe ve rei ro Ma rço Ab ril Ma io Ju nh o Ju lho Ag os to Se tem bro Ou tub ro No ve mb ro De ze mb ro (m g/ L) CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 15 cátions bivalentes como cálcio e magnésio e, em menor escala, de estrôncio, ferro e manganês; que são lixiviados pela água em seu caminho através do solo. Os cátions trivalentes como o Fe3+ e o Al3+ provocam uma dureza de valor geralmente desprezível uma vez que formam produtos muito insolúveis. Ao entrar em contato com o solo a água é enriquecida de gás carbônico (originado pela ação bacteriana) e tem seu poder de agressividade aumentado (devido ao equilíbrio gás carbônico – ácido carbônico), adquirindo assim as condições para dissolver os cátions divalentes (Ca2+, Mg2+, Sr2+, Fe2+, Mn2+) e os ânions associados a esses (bicarbonato, sulfato, cloreto, silicato, nitrato, etc.). Além do inconveniente do maior consumo de sabão, outro problema causado pelas águas duras é a formação de incrustações de carbonato ou silicato de cálcio e/ou magnésio que baixam a condutividade térmica e promovem a corrosão interna de caldeiras e outras unidades onde ocorre a elevação de temperatura. A dureza reflete a natureza da formação geológica com a qual a água esteve em contato. Em geral, as águas superficiais são mais brandas do que as subterrâneas e as águas duras são encontradas nas zonas de acentuada formação calcárea. As águas podem ser classificadas em termos de grau de dureza conforme segue: Águas moles < 50mg/L CaCO3 Águas moderadamente moles 50 - 150mg/L CaCO3 Águas duras 150 - 300mg/L CaCO3 Águas muito duras > 300mg/L CaCO3 Não são conhecidos efeitos deletérios da dureza sobre a saúde. O padrão de potabilidade brasileiro estabelece como padrão de aceitação para consumo um limite de dureza total em 500 mg/L, por motivos econômicos e pelo sabor pouco agradável de tais águas. Tipos de dureza Além da dureza total, muitas vezes é de interesse, conhecer os tipos de dureza presentes na água. A dureza pode ser classificada em relação aos íons metálicos (dureza cálcio, dureza magnésio) ou em relação aos ânions associados aos cátions metálicos (dureza carbonato ou não-carbonato). a) Dureza carbonato e não-carbonato CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 16 A dureza carbonato é quimicamente equivalente à alcalinidade de bicarbonatos e carbonatos presentes na água. Como alcalinidade e dureza são expressas como CaCO3, e a alcalinidade é menor que a dureza total, a dureza carbonato é igual à alcalinidade. Quando a alcalinidade é maior que a dureza total, a dureza carbonato é igual à dureza total. Os bicarbonatos são fonte de carbonatos que formam precipitados com os íons cálcio a elevadas temperaturas, tal como acontece em caldeiras ou durante o processo de abrandamento. A dureza carbonato foi denominada dureza temporária no passado, pois pode ser ser removida da água como precipitado de CaCO3 por fervura prolongada: Ca(HCO3)2 (aq) + calor CaCO3 (s) + H2O + CO2 (g) Mg(HCO3)2 (aq) + calor MgCO3 (s) + H2O + CO2 (g) Alguns autores afirmam que no caso do magnésio o que ocorre é a deposição do hidróxido de magnésio. MgCO3 (s) + H2O Mg(OH)2 (s) + CO2 (g) Substâncias alcalinas originárias de detergentes também provocam a precipitação dos sais causadores da dureza temporária: Ca(HCO3)2 (aq) + 2NaOH CaCO3 (s) + Na2CO3 + 2H2O Mg(HCO3)2 (aq) + 2NaOH MgCO3 (s) + Na2CO3 + 2H2O A dureza não carbonato é toda dureza não ligada a bicarbonatos, devendo-se à presença de íons metálicos ligados aos sulfatos, cloretos, nitratos, etc. A dureza não carbonato, também denominada dureza permanente, é removida com adição substâncias alcalinas (abrandamento das águas): CaCl2 (aq) + Na2CO3 (aq) CaCO3 (s) + 2NaCl Mg(NO3)2 (aq) + 2NaOH Mg(OH)2 (s) + 2NaNO3 CaSO4 (aq) + Na2CO3 (aq) CaCO3 (s) + Na2SO4 MgSO4 (aq) + Na2CO3 (aq) + Ca(OH)2 Mg(OH)2 (s) + CaCO3 (s) CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 17 b) Dureza Cálcio e Dureza Magnésio Os cátions Ca2+ e Mg2+ são responsáveis pela maior parte da dureza em águas naturais. Em determinados casos, é útil conhecer-se a dureza comunicada à água por algum cátion específico. Tal é o caso, por exemplo, da dureza magnésio (ou teor de Mg2+) que se utiliza para cálculo da quantidade de cal necessária ao abrandamento pelo processo da cal-sodada. A determinação de cálcio e magnésio encontra particular importância em águas de irrigação, conforme apresentado a seguir em conjunto com o sódio. c) Pseudo-Dureza As águas do mar, as salobras e outras que contém quantidades apreciáveis de Na+, interferem com o comportamento normal do sabão, devido ao efeito do íon comum. Esse efeito é denominado pseudo-dureza por ser causado pelo íon monovalente Na+. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Dureza qualidade da água para consumo humano–padrão de aceitação para consumo (500 mg/L) restrições de usos industriais • Cálcio e magnésio: qualidade da água para irrigação Sódio Sódio (Na) é o sexto elemento mais abundante na terra e está presente na maioria das águas naturais. Sua concentração pode variar de < 1 mg/L até > 500 mg/L. Na água para consumo humano, limites de sódio são estabelecidos apenas por razões organolépticas (sabor). A legislação brasileira estabelece um limite de 200 mg Na/L. Do ponto de vista econômico, o sódio pode também ser causa de obstrução de canalizações e equipamentos; uma concentração máxima de 2 a 3 mg/L é recomendada em águas de alimentação de caldeiras. Nas águas utilizadas para irrigação o sódio é um dos principais parâmetros de controle. Em linhas gerais, o sódio produz um efeito dispersante nas partículas finas do solo, contribuindo para sua obstrução; o cálcio, vice-versa, contribui para uma melhor estrutura do solo. Além disso, os efeitos do excesso de Na são potencializados quando a relação Ca/Mg é menor que a unidade; isto porque o excesso de Mg no solo pode induzir à deficiência de Ca. Assim, a proporção de sódio em relação ao cálcio e CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 18 magnésio nas águas de irrigação é um fator fundamental na manutenção da boa capacidade de infiltração do solo. Sódio em excesso é também, em si, tóxico a diversas culturas. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • qualidade da água para consumo humano–padrão de aceitação para consumo (200 mg/L) • restrições de usos industriais • qualidade da água para irrigação Cloretos Em águas para consumo humano, a concentração de cloretos está diretamente associada à alteração de sabor e, portanto, à aceitação para consumo. Os cloretos presentes na água que alteram sabor são os de magnésio e cálcio, em concentrações superiores a 400mg/L e o de sódio, em concentração superior a 200mg/L. No padrão de potabilidade brasileiro o valor máximo permitido é de 250 mg/L. O teor de cloretos pode ainda ser um indicativo de poluição por esgoto doméstico, uma vez que a excreção humana, particularmente a urina, contém cloretos em quantidades próximas às consumidas em alimentos e água. Muitos águas residuárias industriais também contêm quantidades apreciáveis de cloreto. Altas concentrações de cloretos podem ser prejudiciais a tubulações e estruturas metálicas. O teor de cloretos na água é também um parâmetro de interesse agronômico, pois apresenta efeito tóxico a diversas culturas Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Classificação de águas superficiais (usos) • qualidade da água para consumo humano–padrão de aceitação para consumo (250 mg/L) • restrições de usos industriais • indicador auxiliar de poluição • qualidade da água para irrigação • Ferro e Manganês: A presença de ferro e manganês nas águas naturais pode ser atribuída à dissolução de rochas e minerais, principalmente óxidos, sulfetos, carbonatos e silicatos que contêm estes metais, devido à ação do dióxido de carbono (CO2): CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 19 FeCO3 + CO2 + H2O → Fe2+ + 2HCO3- Sob condições anaeróbias, como por exemplo no fundo de lagos e nas águas subterrâneas, o ferro e o manganês encontram-se na forma solúvel (íon ferroso Fe2+ e Mn2+); quando expostos ao ar, são oxidados à formas insolúveis (íon férrico trivalente e formas de maior valência de Mn: +3, +4, +7), que conferem à água sabor e uma coloração que pode provocar manchas em sanitários e roupas. Salvo casos específicos, em virtude das características geoquímicas das bacias de drenagem, os teores de ferro e manganês em águas superficiais tendem a ser reduzidos, devido a presença de oxigênio; as concentrações de ferro e manganês solúveis raramente ultrapassam, respectivamente, 1,0 mg/L e 0,6 mg/L. Na água distribuída os problemas mais freqüentes estão relacionados com a corrosão de tubulações (no caso do ferro) ou a formação de depósitos devido à ação de bactérias redutoras de ferro e manganês; problema semelhante pode provocar o entupimento de instalaões de recalque de águas subterrâneas. Em geral Fe e Mn não estão associadas à problemas de saúde e compõem o padrão de aceitação para consumo: Fe: 0,30 mg/L; Mn: 0,15 mg/L O exemplo ilustra a variação do teores de ferro desde a produção de água tratada até os pontos de extremos na rede de distribuição. Nos pontos PA1e PA2, respectivamente, 76% e 50% das amostras analisadas apresentaram teores de ferro acima do padrão de potabilidade (padrão de aceitação para consumo - 0,30 mg/L). Em contrapartida, nos pontos PA3 e PA4 as amostras revelaram teores sistematicamente reduzidos, permanecendo quase todas dentro do padrão. Os elevados teores de ferro, muito provavelmente, devem-se a problemas na rede de distribuição, a qual, sabidamente, possui trechos muito antigos em ferro fundido. Os reduzidos teores de ferro na saída da ETA reforçam esta hipótese (Min: não-detectável; Max:0,28; Med: 0,16 mg/L). A presença de ferro na água não guarda interesse sanitário, mas estético, pois pode provocar manchas em instalações sanitárias e roupas. Além disso, teores elevados podem contribuir para a elevação da turbidez, cor e o consumo do cloro residual, o que de fato foi verificado. Estatística descritiva dos dados de ferro (mg/L) nas pontas de rede de distribuição de água do campus da UFV (agosto 2001 – junho2002) Parâmetro PA1 PA2 PA3 PA4 Mínimo 0,07 0,02 0,00 0,00 Máximo 3,02 3,420,74 0,66 Mediana 0,54 0,31 0,08 0,03 10 quartil 0,34 0,25 0,03 0,00 30 quartil 0,81 0,47 0,14 0,07 Média 0,68 0,59 0,07 CV 91,30% 133,35% 144,12% 194,32% CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 20 Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • qualidade da água para consumo humano–padrão de aceitação para consumo (Fe: 0,30 mg/L; Mn: 0,15 mg/L) • restrições de usos industriais e comerciais Nitrogênio Em águas naturais, tratadas e residuárias as formas de nitrogênio de maior interesse são, em ordem de estado de oxidação crescente, o nitrogênio orgânico, a amônia (NH3), o nitrito (NO2-) e o nitrato (NO3-). Todas essas formas, além do nitrogênio gás (N2), são conversíveis e fazem parte do ciclo biogeoquímico do nitrogênio. Em ambientes aeróbios ocorre a nitrificação ou oxidação bioquímica (mineralização) das formas de nitrogênio, de amõnia a NO3- ; em ambientes anaeróbios a desnitrificação ou redução das formas de nitrogênio, de NO3- a N2. Todas estas reações são realizadas por bactérias “especializadas”; por exemplo a nitrificação é realizada por dois gêneros de bactérias nitrificantes (quimiossintetizantes) que vivem em associação e provocando reações em série. Um primeiro gênero, as Nitrosomonas, realizam a oxidação da amônia a nitritos, seguida das Nitrobacter, responsáveis pela oxidação dos niitritos a nitratos. NH4 + 1 ½ O2 → 2H + H2O + NO2 + 66 Kcal NO2 + ½ O2 → NO3 + 17 Kcal Portanto, a forma predominante do nitrogênio pode fornecer informações sobre o estágio de poluição de um corpo d’água: a poluição mais recente por esgoto doméstico está associada à presença de nitrogênio orgânico e amônia, enquanto a poluição mais remota, no tempo ou no espaço, está associada à presença de nitrato. De forma análoga, a especiação do nitrogênio presta-se à avaliação de desempenho de estações de tratamento de esgotos O “nitrogênio Kjeldahl total” é a soma do nitrogênio orgânico e da amônia, denominação que se deve ao método utilizado para sua determinação. O nitrogênio oxidado total se refere à soma de nitrato e nitrito. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 21 O nitrogênio orgânico é encontrado em diversos compostos, tais como uréia, proteínas, ácidos nucléicos, e compostos orgânicos sintéticos. Concentrações de nitrogênio orgânico podem variar de centenas de µg/L em águas naturais até >20 mg/L em esgotos sanitários, ou cerca de 3.000 mg/L em dejetos de suínos. A amônia é encontrada em diversos produtos industrializados, tais como fertilizantes e produtos de limpeza. No ciclo do nitrogênio é produzida, principalmente, a partir da desaminação de compostos orgânicos e da hidrólise da uréia. É, portanto, encontrada em esgotos sanitários, efluentes industriais e agropecuários e águas superficiais. Sua concentração em águas subterrâneas é geralmente baixa por causa de sua adsorção aos sólidos particulados e à argila e por não ser prontamente lixiviável no solo. No meio líquido, a amônia apresenta-se segundo a seguinte reação de equilíbrio: NH H NH3 4+ ↔ + + A amônia livre (NH3) é passível de volatilização, ao passo que a amônia ionizada (NH4+) não. Com a elevação do pH, o equilíbrio da reação se desloca para a esquerda, favorecendo a maior presença de NH3. A 20 o C, no pH em torno da neutralidade, praticamente toda a amônia encontra-se na forma de NH4+. No pH próximo a 9,5, aproximadamente 50% da amônia está na forma de NH3 e 50% na forma de NH4+. Em pH superior a 11, praticamente toda a amônia está na forma de NH3. Águas superficiais geralmente contêm traços de nitrato mas a concentração desta forma de nitrogênio pode atingir níveis elevados em águas subterrâneas, decorrente da nitrificação no solo e lixiviação. A concentração de nitrato em esgoto bruto fresco é baixa, mas no efluente de sistemas de tratamento biológico nitrificantes, pode atingir valores acima de 30 mg/L. O nitrito é a forma de nitrogênio em estado de oxidação intermediário entre o nitrato e a amônia, rapidamente conversível e, portanto, mais raramente encontrado em amostras Nitrogênio Total Nitrogênio Kjeldahl Total Nitrogênio oxidado Nitrogênio orgânico Amônia Nitrato Nitrito CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 22 de água e águas residuárias . Sua oxidação ou redução pode ocorrer em águas naturais e em sistemas de distribuição de água e de tratamento de esgotos. O nitrogênio, particularmente a amônia (ion amônio) e o nitrato, é um elemento essencial para algas e macrófitas, porém e em quantidades excessivas pode contribuir para o processo de eutrofização dos corpos d’água. A amônia livre e as formas oxidadas de nitrogênio são tóxicas à vida aquática e, portanto, constituem parâmetros de avaliação de qualidade de águas superficiais (amônia livre, nitrito e nitrato), ou padrão de lançamento de efluentes (amônia) de legislações estaduais e federal. Por extensão, são também parâmetros fundamentais de controle de qualidade da água na aqüicultura. O nitrogênio é ainda um parâmetro de controle fundamental em águas de irrigação, pois apesar de constituir um macronutreinte, a aplicação em excesso pode ser tóxica ou provocar crescimento vegetativo em culturas mais sensíveis. No que diz respeito à qualidade da água para consumo humano, as formas de interesse para a saúde são o nitrito e o nitrato (contribuem para a doença methemoglobinemia - síndrome do bebê azul- comprometimento do transporte de oxigênio na corrente sangüínea), cujas concentrações limite como padrão de potabilidade são, respectivamente, 1 mg/L e 10 mg/L (como N). A amônia, por problemas de odor, faz parte também do padrão de potabilidade como padrão de aceitação para consumo (1,5 mg/L). Além disso, a cloração de águas contendo amônia, dá origem a produtos secundários - monocloraminas, dicloraminas e tricloroaminas – cujo poder de desinfecção é inferior ao do cloro livre. As monocloroaminas são também potencialmente cancerígenas e por isso fazem parte do padrão de potabilidade (3 mg/L). CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 23 Evolução da série nitrogenada ao longo de um sistema de tratamento de esgotos sanitários: reator anaeróbio-lagoas de estabilização (médias de um ano de monitoramento) No gráfico acima pode-se acompanhar a evolução das espécies de N ao longo de um sistema de tratamento de esgotos sanitários (reator anaeróbio seguido de série de três lagoas de estabilização). Embora o balanço de massa não apresente precisão (no banco de dados original podem estar embutidos erros analíticos), cabe observar algumas tendências gerais: • A elevação do teor de N-NH3 do esgoto bruto ao efluente do reator: hidrólise do N-org e, ou, redução de N- NO3- • O decréscimo acentuado do teor de N-NH3 ao longo do sistema de lagoas; perda por voltilização (pH elevado) e, ou, assimilação pela biomassa algal. • Os baixos terores de N- NO3- no esgoto bruto e a não-ocorrência de nitrificação. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • controle de processos de tratamento de águas residuárias (série nitrogenada) • padrão de lançamento de efluentes (NH3) • controle de eutrofização (N-total) • qualidade das águas naturais – proteção da vida aquática (NH3, NO2-, NO3- ) • qualidade da água para aqüicultura (NH3, NO2-, NO3- ) • qualidade da água para consumo humano – aspectos de saúde (NO2-, NO3- ) • qualidade da água para consumo humano – aceitação para consumo (NH3) • controle da desinfecção(NH3, cloroaminas) • qualidade da água para irrigação (N-total) 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 EB RA L1 L2 L3 N (m g/ L) N-NH3 N-ORG N-NO3 CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 24 Fósforo No ambiente aquático, o Fósforo (P) pode se apresentar nas formas orgânica ou inorgânica, solúvel (matéria orgânica dissolvida ou sais de fósforo) ou particulada (biomassa ou compostos minerais). Em águas naturais e esgotos ocorre quase sempre na forma de fosfato (PO43- ). Nas águas superficiais a forma de maior interesse é a inorgânica insolúvel (ortofosfatos), prontamente assimilável por algas e macrófitas Em águas não poluídas as concentrações são em geral baixas (0,01-0,05 mg/L), porém as atividades antropogênicas podem ser fontes de consideráveis cargas de fósforo - esgotos sanitários, dejetos de animais, detergentes, fertilizantes, pesticidas. Em águas com elevados teores de Ca e pH elevado, tendem a formar-se fosfatos de cálcio que se precipitam no sedimento. De forma análoga, precipitados de fósforo e O O-PO- O- O O-PO O- O PO- O- O PO- O- O O O-PO O- O P O- O O- O O O P O P O PO- O- Ortofosfato Polifosfatos Metafosfatos Fosfato orgânico pirofosfato tripolifosfato trimetafosfato glicose-6-fosfato O CH2O OHP O O OH OH OH OH CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 25 ferro podem formar-se em água com elevados teores de OD. Em contrapartida, no hipolímnio, em ambiente redutor, o fósforo pode ser liberado em forma insolúvel à massa d’água. O fósforo é essencial para o crescimento dos organismos e, exatamente por sua baixa disponibilidade em águas naturais, pode ser o nutriente que limita a produtividade primária nos corpos d’água; por outro lado, em quantidades excessivas pode contribuir para o processo de eutrofização. Como fator essencial à produtividade primária e, por conseguinte, à toda a cadeia alimentar, o fósforo é também um importante parâmetro de controle da qualidade da água na aqüicultura. Concentração de fósforo em diversas amostras No exemplo destacam-se • As diferenças entre as concentrações encontradas nas águas represadas do Ribeirão São Bartolomeu e Rio Matipó; os teores mais elevados no segundo caso pode ser decorrentes de fontes mais significativas de poluição ou da decomposição mais acentuada da matéria orgânica vegetal recém afogada. • As diferenças entre as concentrações nos esgotos sanitários efluentes de suinocultura. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Critério de classificação de águas superficiais (fosfato total) • controle de eutrofização (P-total, fosfato total) • controle de processos de tratamento de águas residuárias (P-total) • qualidade da água para piscicultura (P-total, fosfato total) Amostra Concentração (mg P/L) Água superficial (1) 0,01-0,06 Água superficial (2) 0,23 Esgoto sanitário (3) 8,0 Efluente de suinocultura (4) 300 –500 1. Ribeirão São Bartolomeu – reservatório de acumulação, ponto de captação para abastecimento do campus da UFV 2. Rio Matipó – reservatório recém formado para geração de energia 3. Esgoto bruto, bairro Violeira, Viçosa –MG, média de um ano de monitoramento 4. Faixas encontradas em um ano de monitoramento em duas granjas no Vale do Rio Piranga, Zona da Mata Norte – MG. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 26 Oxigênio dissolvido (OD) Como gás dissolvido na água, a concentração de oxigênio (OD) depende em primeira instância da pressão parcial2 na atmosfera, da temperatura e da salinidade do meio. Na ausência de consumo de oxigênio, a concentração de OD na água pode encontrar-se em equilíbrio com a pressão parcial do oxigênio atmosférico, constituindo o teor de oxigênio dissolvido de saturação (ODsat), ou seja, o teor máximo de OD capaz de permanecer no meio líquido. Em qualquer situação haverá uma constante troca de oxigênio entre a massa d’água e o ar atmosférico: em condições de supersaturação ou deficit de saturação, haverá, respectivamente, desprendimento da massa líquida ou absorção do ar atmosférico. O consumo, e consequentemente o deficit, de oxigênio decorre principalmente da degradação bacteriológica da matéria orgânica. A reposição dos teores de OD por absorção do ar atmosférico, usualmente denominada reaeração, é função da intensidade de agitação da massa d’água (portanto típica em rios) e encontra limite no ODsat. A recomposição do OD pode também decorrer da atividade fotossintética (portanto mais freqüente em lagos), sendo neste caso denominada reoxigenação e pode levar a supersaturação. A atividade biológica (respiração e fotossíntese) é um dos principais fatores determinantes do balanço de oxigênio em um corpo d’agua, podendo-se verificar oscilações significativas, sazonais, no perfil de profundidade ou entre períodos diurnos e noturnos. O OD é indispensável para os organismos aeróbios, a demanda varia de espécie para espécie e, portanto, a redução nos teores de OD é estendida a toda a comunidade aquática de forma seletiva. Em termos gerais o OD adequado aos peixes encontra-se em torno de 4mg/L. O teor de OD é indicação mais representativa do grau de poluição em um corpo d’água por matéria orgânica. A determinação de OD constitui também um importante parâmetro de controle em unidades de tratamento aeróbio de esgoto, sendo ainda a base 2 Conhecida com base na pressão total do ar, na proporção em que cada um dos gases entra na mistura e na solubilidade específica de cada gás, que varia com a temperatura, com a salinidade da água e com a própria pressão. Um litro de ar contém 210 mg de oxigênio e 790 mg de nitrogênio. A uma temperatura de 200C e ao nível do mar, o coeficiente de absorção de oxigênio e nitrogênio pela água é de, respectivamente, 1:32 e 1:65. Nestas condições um litro de água conterá 9,08 mg de oxigênio e 16,8 mg de nitrogênio.. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 27 para o teste de DBO, largamente utilizado para a determinação da carga poluidora de efluentes domésticos e industriais. Solubilidade do oxigênio na água OC OD sat Diferença por 100 mg de cloretos Altitude Patm Fator de correção ODsat 0 14,6 0,017 0 760 1,00 1 14,2 0,016 100 750 1,01 2 13,8 0,015 200 741 1,03 3 13,5 0,015 300 732 1,04 4 13,1 0,014 400 723 1,05 5 12,8 0,014 500 714 1,06 6 12,5 0,014 600 705 1,08 7 12,2 0,013 700 696 1,09 8 11,9 0,013 800 687 1,11 9 11,6 0,012 900 679 1,12 10 11,3 0,012 1.000 671 1,13 11 11,1 0,011 1.100 663 1,15 12 10,8 0,011 1.200 655 1,16 13 10,6 0,011 1.300 647 1,17 14 10,4 0,010 1.400 639 1,19 15 10,2 0,010 1.500 631 1,20 16 10,0 0,010 1.600 623 1,22 17 9,7 0,010 1.700 615 1,24 ‘8 9,5 0,010 1.800 608 1,25 19 9,4 0,009 1.900 601 1,26 20 9,2 0,009 2.000 594 1,28 21 9,0 0,009 2.100 587 1,30 22 8,8 0,008 2.200 580 1,31 23 8,7 0,008 2.300 573 1,33 24 8,5 0,008 2.400 566 1,34 25 8,4 0,008 2.500 560 1,36 26 8,2 0,008 27 8,1 0,008 28 7,9 0,008 29 7,8 0,008 30 7,6 0,008 CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 28 Oscilação de OD em uma lagoa de estabilização No exemplo,percebe-se nitidamente a influência da atividade fotossintética no perfil de OD. Como as algas são dotadas de motilidade tendem a concentrar-se na superfície (de maior intensidade luminosa), onde provocam supersaturação. Durante as horas de maior radiação solar e temperatura a produção de OD é mais acentuada e quanto mais próximo da superfície maior é a amplitude de variação. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Critério de classificação de águas superficiais e avaliação do grau de poluição por cargas orgânicas • controle de processos de tratamento de águas residuárias • qualidade da água para piscicultura Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO). A natureza complexa e heterogênea de efluentes domésticos e industriais, induziu a busca de parâmetros que expressassem a quantidade “total” de matéria orgânica em uma amostra, sem a preocupação de especificar a natureza de suas frações. A Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) é a medida da quantidade de oxigênio necessária para a estabilização bioquímica da matéria orgânica presente em uma amostra, sendo, portanto, uma medida indireta da matéria orgânica biodegradável sob condições padronizadas – 20oC, cinco dias. O resultado da determinação deste parâmetro é função direta da temperatura; nas condições padrão especificadas a DBO representa uma fração da matéria orgânica de mais fácil biodegradabilidade, a matéria carbonácea. 0.00 5.00 10.00 15.00 20.00 25.00 30.00 35.00 8h 10h 12h 14h 16h 18h Hora O D (m g/ L) 15 cm 30 cm 45 cm 60 cm 75 cm 90 cm CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 29 Cinética da DBO (Fonte: Imhoff e Imhoff, 1986) A Demanda Química de Oxigênio (DQO) é usada como medida de oxigênio requerido para a estabilização da matéria orgânica contida em uma amostra, suscetível à oxidação por um oxidante químico forte. È, portanto, também uma medida indireta da quantidade de matéria orgânica e aproxima-se, mais que a DBO, da quantidade total. Uma das limitações do teste é a impossibilidade de se diferenciar a matéria orgânica biodegradável daquela biologicamente inerte. Porém o curto tempo requerido (3h) para a sua realização faz com que a DQO substitua a DBO em alguns casos. Dados de DQO podem ser interpretados em termos de DBO desde que, após suficientes experiências, tenha sido demonstrada a existência de um fator de correlação entre os dois métodos. Genericamente pode-se afirmar que quanto mais próxima da unidade a relação DQO/DBO, mais biodegradável é a amostra. Assim como o OD, a DBO e a DQO são dos principais parâmetros de avaliação da qualidade e do grau de poluição de águas superficiais. Apresentam-se também como uns dos principais parâmetros de caracterização de águas residuárias e de seu potencial poluidor, de avaliação de sua tratabilidade e da eficiência de unidades de tratamento. A título de ilustração, os esgotos sanitários apresentam DBO em torno de 300-400 mg/L, efluentes de laticínios da ordem de 1.500 mg/L e dejetos de suínos, valores tão elevados quanto 20.000 mg/L. Nestes efluentes a DQO é algo em torno de duas vezes a CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 30 DBO. Do ponto de vista de impactos ambientais, a interpretação do parâmetroDBO é a de que cada litro de esgoto lançado em um corpo receptor provocará neste um consumo de 300-400 mg de OD. No exemplo destacam-se • Os valores de DBO e DQO relativamente baixos do manancial de abastecimento de água, denotando uma água pouco poluída. A elevada relação DQO/DBO pode ser decorrente da alta densidade de algas. • A relação DQO/DBO do esgoto sanitário e do efluente de suinocultura em torno de 2 a 3, caracterizando uma boa biodegradablidade • A elevação da relação DQO/DBO nos efluentes tratados, revelando o consumo e a transformação da matéria de mais fácil degradação em residual em forma recalcitrante. • A diferença entre a DQO solúvel e filtrada no efluente final do tratamento dos esgotos sanitários, devida a produção de algas nas lagoas de estabilização. Principais aplicações como indicadores de qualidade da água: • Critério de classificação de águas superficiais e avaliação do grau de poluição por cargas orgânicas • Padrão de lançamento de efluentes • Caracterização de águas residuárias e avaliação de impacto poluidor • controle de processos de tratamento de águas residuárias 2.3. Características biológicas Organismos patogênicos e indicadores de contaminação Águas utilizadas para recreação, irrigação e consumo humano, contaminadas por esgotos sanitários ou dejetos de animais, são comprovadamente veículos de uma grande variedade de organismos patogênicos aos seres humanos, tais como: vírus (ex. hepatite), bactérias (ex. Salmonella typhi.- febre tifóide, Shigela sp. - disenteria bacilar), protozoários (ex. Giardia lamblia - giardíase; Cryptosporidium parvum - Amostra DBO (mg/L) DQO (mg/L) DQO/DBO Água superficial (1) 3,0 12,0 4,0 Esgoto sanitário – esgoto bruto (2) 350,0 660,0 1,9 Esgoto sanitário – efluente tratado (2) 19,0 125,0 (55,0) 2,9 Efluente de suinocultura –dejeto bruto (3) 6.000 19.000 3,2 Efluente de suinocultura – efluente tratado (3) 320,0 1.500,0 4,7 (1) Ribeirão São Bartolomeu – reservatório de acumulação, ponto de captação para abastecimento do campus da UFV (2) Bairro Violeira, Viçosa –MG, média de um ano de monitoramento; efluente final de um sistema reator aneróbio –lagoas de estabilização. Valor entre parênteses: DQO filtrada (3) Granja no Vale do Rio Piranga, Zona da Mata Norte – MG, médias de um ano de monitoramento, efluente final de um sistema reator aneróbio –lagoas de estabilização CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 31 criptosporidiose ) e helmintos (ex. Shistossoma mansoni –esquistossomose; Ascaris lumbricoides - ascaridíase; Taenia saginata - teníase). Portanto, ao se avaliar a qualidade biológica da água, um dos aspectos de maior interesse é a presença de organismos patogênicos e os riscos à saúde associados às doenças de veiculação hídrica. Entretanto, dadas as dificuldades de isolamento rotineiro de organismos patogênicos em amostras ambientais (custos, complexidade, morosidade, imprecisão de métodos analíticos), desde os primórdios da Microbiologia Sanitária sugere-se que a indicação de contaminação seja determinada, prioritária e rotineiramente, através de indicadores microbiológicos da presença de material fecal no meio-ambiente. Neste contexto, a interpretação básica do emprego de organismos indicadores é que sua presença atesta poluição de origem fecal, humana ou animal, e, portanto, o risco de contaminação, ou seja, da presença de patógenos. Entende-se ainda que a densidade de indicadores indica o grau de poluição/contaminação. Para tanto, alguns requisitos, ou atributos dos organismos indicadores de contaminação devem ser observados: serem de origem exclusivamente fecal (habitantes exclusivos do trato intestinal de seres humanos e animais homeotérmicos). apresentarem maior resistência que os patogênicos aos efeitos adversos do meio ambiente. apresentarem-se em maior número que os patogênicos. não se reproduzirem no meio ambiente. serem de fácil identificação Na avaliação da eficiência de remoção de patógenos por meio de processos de tratamento de águas e águas residuárias, o emprego de organismos indicadores deve partir do seguinte entendimento: a ausência do organismo indicador noefluente indicaria a ausência de patógenos, pela destruição e, ou, remoção de ambos através dos processos de tratamento, ou; sua presença no efluente seria em densidades às quais corresponderia a ausência de patógenos. Neste sentido, para que um organismo cumpra o papel de indicador da eficiência do tratamento, torna-se necessário que: o indicador seja mais resistente aos processos de tratamento que os patógenos, CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 32 o mecanismo de remoção de ambos seja similar. De fato, não há um único organismo que satisfaça simultaneamente todas estas condições. Assim, na ausência de um indicador ideal, deve-se trabalhar com o indicador mais adequado - aquele que apresente a melhor associação com os riscos de saúde relacionados com a contaminação da água. Principais organismos indicadores (a) Bactérias do grupo coliforme As bactérias do grupo coliforme são definidas como: coliformes totais (bactérias do grupo coliforme) - bacilos gram-negativos, aeróbios ou anaeróbios facultativos, não formadores de esporos, oxidase- negativos, capazes de desenvolver na presença de sais biliares ou agentes tensoativos que fermentam a lactose com produção de ácido, gás e aldeído a 35,0 ± 0,5 oC em 24-48 horas, e que podem apresentar atividade da enzima ß - galactosidase. coliformes termotolerantes (fecais) - subgrupo das bactérias do grupo coliforme que fermentam a lactose a 44,5 ± 0,2oC em 24 horas; Escherichia coli - bactéria da família Enterobacteriaceae e do grupo coliforme que fermenta a lactose e manitol, com produção de ácido e gás a 44,5 ± 0,2oC em 24 horas, produz indol a partir do triptofano, oxidase negativa, não hidroliza a uréia e apresenta atividade das enzimas ß-galactosidase e ß-glucoronidase. A maioria das bactérias do grupo coliforme pertence aos gêneros Escherichia, Citrobacter, Klebsiella e Enterobacter. Estão presentes no intestino humano e de animais homeotérmicos e são eliminadas nas fezes em números elevados (106 - 108/g). Entretanto, o grupo dos coliformes inclui bactérias não exclusivamente de origem fecal, podendo ocorrer naturalmente no solo, na água e em plantas; além disso, principalmente em climas tropicais muitos coliformes apresentam capacidade de se multiplicar na água De forma análoga, embora em proporção bem menor que os coliformes totais, o grupo dos coliformes “fecais” inclui diversas espécies de vida livre. Assim, para evitar uma falsa indução sobre sua exclusividade fecal, a tendência atual é de se referir ao grupo como coliformes termotolerantes. Apesar disso, e com base no fato de que dentre os cerca de 106-108 coliformes “fecais”/100 mL usualmente presentes nos esgotos sanitários CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 33 predomina a Escherichia coli (esta sim, uma bactéria de origem exclusivamente fecal, humana e animal), estes organismos ainda têm sido largamente utilizados como indicadores de contaminação. (b) Estreptococos fecais O termo estreptococos “fecais” é bastante vago e refere-se a um grupo de bactérias que, a exemplo dos coliformes “fecais”, inclui diversas espécies de vida livre. Em sua classificação mais recente inclui dois subgrupos. Um primeiro, dos enterococos (pertencentes ao gênero Enterococcus), que inclui as espécies mais estreitamente associadas aos dejetos humanos, dentre elas a E. faecalis. Entretanto, estas espécies podem também serem isoladas em fezes de animais, enquanto algumas espécies e subespécies são também de vida livre. Um segundo grupo, que retém a denominação genérica de estreptococos fecais (pertencentes ao gênero Streptococcus), inclui as espécies Streptococcus bovis e Streptococcus equinus, associadas com dejetos animais Em geral os estreptococos são mais resistentes que os coliformes. Emprego dos organismos indicadores Como já destacado, em termos de expressão de riscos à saúde, existirá sempre um ou mais indicadores mais adequados à cada situação específica. (a) Avaliação da qualidade da água in natura Com base no exposto, os coliformes totais (CT) carecem de maior significado sanitário na avaliação da qualidade de águas naturais. O indicador mais preciso de contaminação fecal é a E. coli. Mesmo em mananciais bem protegidos não se pode desconsiderar a importância sanitária da detecção de E. coli, pois, no mínimo, indicaria a contaminação de origem animal silvestre, os quais podem ser vetores de agentes patogênicos ao ser humano. Não obstante, pelo fato de que a presença de coliformes termotolerantes, na maioria das vezes, guarda melhor relação com a presença de E. coli, aliado a simplicidade das técnicas laboratoriais de detecção, seu emprego ainda é aceitável O grau de contaminação das águas é usualmente aferido com base na densidade de organismos indicadores, no entendimento de que há uma relação semi-quantitativa entre estas e a presença de patogênicos; este é, por exemplo, o pressuposto dos limites estabelecidos para qualidade de águas de irrigação ou critérios de balneabilidade. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 34 Os estreptococos fecais, são mais resistentes que os coliformes e por isso, dentre outras razões, são utilizados como indicadores auxiliares, particularmente os enterococos na avaliação de balneabilidade. (b) Avaliação da qualidade da água tratada (eficiência do tratamento) Em linhas gerais, bactérias e vírus são inativados ou destruídos por desinfecção, enquanto protozoários (preponderantemente) e helmintos (quase exclusivamente) são removidos por processos físicos, tais como a sedimentação e a filtração. Quanto à resistência aos agentes desinfetantes, também em linhas gerais, em ordem crescente apresentam-se as bactérias, vírus, protozoários e os helmintos. Assim sendo, rigorosamente, os coliformes só se prestam como indicadores da inativação de bactérias patogênicas. Portanto, na aferição da qualidade bacteriológica da água tratada, a ausência dos coliformes totais é um indicador adequado e suficiente da eficiência do tratamento, uma vez que apresentam uma taxa de decaimento (inativação) similar ou inferior à dos coliformes termotolerantes e da E. coli. No que diz respeito ao tratamento de águas residuárias, há que se levar em conta que os coliformes apresentam-se usualmente em maiores densidades no esgoto bruto e, via de regra, a taxa de decaimento da bactérias patogênicas é superior, ou no mínimo similar à dos coliformes. Conclui-se que a redução dos coliformes a uma certa densidade residual no efluente, e não necessariamente sua ausência no efluente, pode corresponder à ausência de bactéria patogênicas. Este é, por exemplo o raciocínio implícito nas recomendações de critérios de qualidade de esgotos tratados para a irrigação. T2 TDH Org./100 mL 101 102 103 104 105 106 107(coliformes) (salmonela) T1 (TDH necessário à remoção de salmonela)< T2 (tempo de detenção necessário para produção de efluente com 103 CF/100 mL T1 CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 35 No que toca à avaliação da qualidade virológica da água tratada, torna-se necessário o emprego de indicadores complementares não-biológicos, por exemplo os parâmetros de controle do processo de desinfecção (dose do desinfetante x tempo de contato – CT). Dependendo da densidade no esgoto bruto e do processo de tratamento empregado, a ilustração acima pode também valer para a indicação da inativação de vírus, configurando-se uma “exceção” à regra de que coliformesnão são bons indicadores da qualidade virológica de efluentes. Em relação aos protozoários, por apresentarem características de partículas em suspensão com dimensões que permitem sua remoção por filtração, no tratamento da água para consumo humano, além dos indicadores biológicos (coliformes) e do controle dos parâmetros da desinfecção, tem-se recorrido à turbidez como um indicador de remoção. No tratamento de águas residuárias não há indicador biológico ou físico que represente a remoção dos parasitas por sedimentação ou filtração, não restando outra alternativa que o monitoramento dos patogênicos propriamente ditos. Avaliação da Qualidade da água distribuída para consumo humano Mesmo que o tratamento seja adequado, a água pode muito bem deteriorar-se ao longo da distribuição. O isolamento de E. coli no sistema de distribuição é um sinal inequívoco de recontaminação fecal e, por medida de segurança, assim também deve ser interpretada a detecção de coliformes termotolerantes. Já o isolamento de coliformes totais, embora não guarde uma relação exclusiva com recontaminação de origem fecal, serve como indicador da integridade do sistema de distribuição. Águas insuficientemente tratadas, por exemplo, sem a garantia de residual de cloro, ou infiltrações, podem permitir o acúmulo de sedimentos, matéria orgânica e promover o desenvolvimento de bactérias, incluindo aquelas do grupo coliforme que não E. coli ou termotolerantes. Por isso, na avaliação da qualidade da água distribuída, em geral, tolera-se a detecção eventual de coliformes totais, mas requer-se a ausência sistemática de E. coli ou coliformes termotolerantes. Adicionalmente, a qualidade da água distribuída é avaliada por meio da contagem de bactérias heterotróficas (bactérias aeróbias e anaeróbias facultativas viáveis na água). A contagem permite aferir, complementarmente, anomalias no tratamento e na distribuição da água. CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 36 Resumo • O indicador mais preciso de contaminação da água é, em qualquer situação, a E. coli. • Coliformes totais não são indicadores adequados de contaminação de corpos receptores e de fontes de abastecimento para consumo humano • Coliformes não são indicadores plenos da eficiência do tratamento águas e águas residuárias e devem ser empregados com critérios e ressalvas. • Rigorosamente, os coliformes são indicadores adequados apenas da qualidade bacteriológica de efluentes tratados de águas e águas residuárias • Na avaliação da qualidade virológica de efluentes desinfetados de águas e águas residuárias, além dos coliformes deve-se recorrer aos parâmetros de controle da desinfecção como indicadores da eficiência de inativação • Na avaliação da qualidade parasitológica de água tratada para consumo, além dos coliformes e dos parâmetros de controle da desinfecção deve-se recorrer a turbidez como um indicador da remoção de protozoários • No tratamento de águas residuárias, genericamente pode-se afirmar que não existem indicadores adequados da eficiência da remoção de parasitas; portanto, na avaliação da qualidade parasitológica de efluentes tratados deve-se recorrer à pesquisa dos patogênicos propriamente ditos – protozoários e helmintos. Principais aplicações como indicadores de qualidade da água: • Qualidade da água para consumo humano (coliformes - presença/ausência, contagem de bactérias heterotróficas totais) • Critério de classificação de águas superficiais e avaliação do grau de contaminação (densidade de coliformes) • Avaliação de balneabilidade (densidade de coliformes e enterococos) • Qualidade da água para irrigação (densidade de coliformes) • Qualidade da água para aqüicultura (densidade de coliformes) • Avaliação da eficiência do tratamento de águas residuárias (presença/ausência ou densidade de coliformes) Influência das algas O excesso de algas na água bruta pode causar sérios problemas operacionais nas estações de tratamento, causando entupimento dos filtros. Algumas espécies provocam odor e sabor nas águas e outras são tóxicas ao ser humano. O fenômeno da floração, caracterizado pela presença excessiva de algas é uma característica dos ambientes aquáticos eutróficos. A eutrofização de lagos e CIV442 – Qualidade da Água - Apostila de Aulas Teóricas --2003 37 reservatórios decorre do excesso de nutrientes no manancial, provocando um aumento da atividade fotossintética ou produção primária de biomassa. Uma avaliação mais detalhada sobre as conseqüências do excesso de algas requer o conhecimento dos gêneros e espécies de algas predominantes em um determinado manancial Em relação aos aspectos de saúde, merecem especial atenção As cianobactérias, ou “algas azuis”, que podem desenvolver-se em ambientes eutrofizados. Algumas espécies produzem hepatotoxinas letais à pacientes renais crônicos e, portanto, assumem grande importância em águas de abastecimento de centros de hemodiálise. As principais espécies que produzem de toxinas de interesse de saúde pública são: • Microcystis, Oscillatoria, Anabaena e Nodularia: hepatotoxinas. • Anabaena, Oscillatoria, Cylindrospermum e Aphanizomenon: neurotoxinas. Dentre as cianotoxinas, destaca-se a microcistina, pela ocorrência mais freqüente da cianobactéria Microcystis em nossos mananciais, por evidências mais consistentes de riscos à saúde com base em estudos toxicológicos, bem como pela disponibilidade de técnicas padronizadas de determinação analítica. A concentração de pigmentos fotosintéticos é largamente empregada para estimar a biomassa de fitoplâncton) embora o conteúdo dos pigmentos possa variar conforme o estado fisiológico do organismo (i.e. há aumento em condições de baixa luminosidade). O pigmento clorofila a contribui em torno de 0,5 a 2% da fração orgânica dos organismos fitoplanctônicos. A análise de clorofila a é mais simples e rápida do que a quantificação da biomassa (densidade algal) por métodos microscópicos, mas é menos precisa e menos específica. Principais aplicações como indicador de qualidade da água: • Densidade de algas tratabilidade da água para consumo humano • Clorofila a Indicador de eutrofização • Cianobactérias (densidade) e cianotoxinas qualidade da água para consumo humano 1. INTRODUÇÃO 2. CARACTERÍSTICAS DA ÁGUA (PARÂMETROS INDICADORES DA QUALIDADE DA ÁGUA) pH, alcalinidade e acidez Dureza, cálcio e magnésio Sódio Cloretos Nitrogênio Fósforo Oxigênio dissolvido (OD) Solubilidade do oxigênio na água Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) e Demanda Química de Oxigênio (DQO). Organismos patogênicos e indicadores de contaminação Emprego dos organismos indicadores (a) Avaliação da qualidade da água in natura (b) Avaliação da qualidade da água tratada (eficiência do tratamento) Avaliação da Qualidade da água distribuída para consumo humano Influência das algas
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