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O Renascimento como reforma da Igreja

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10/11/2014 O Renascimento como reforma da Igreja
http://neh.no.sapo.pt/documentos/o_renascimento_como_reforma.htm 1/8
O Renascimento como reforma da Igreja
DELUMEAU, Jean, A Civilização do Renascimento, Lisboa, Editorial Estampa, vol. I, 1983
 
O Grande Cisma e a época dos concílios
No meio de pestes terríveis, de sucessivas guerras e lutas civis, numa conjuntura económica instável, a
Igreja Católica parecia navegar à beira do abismo.
Antes de incidir especificamente sobre a Reforma, é preciso ter em conta o Grande Cisma de 1378,
que dividiu o papado em 2 por 39 anos. Quando Gregório XI morreu, vários grupos de cardeais
divididos entre si impuseram a divisão entre:
Avinhão à Clemente VII
França, Escócia, Castela, Aragão e o Reino de Nápoles
Roma à Urbano VI
Restantes países europeus
Os dois pontífices e os dois sacros colégios excomungaram­se reciprocamente e procuraram subtrair
países e reis à tendência adversa. A decisão de pôr fim a esta situação foi morosa e os próprios
pontífices dificultaram as tentativas de reunião, especialmente Bento XIII, eleito em Avinhão em
1394.
O próprio clero e governo franceses decidiram diminuir o poderio de Bento XIII, mas ele continuou
obstinado e só em 1407 é que concordou reunir­se com o seu adversário em Savona, conferência esta
que nunca chegou a se realizar. Isto levou a que muitos cardeais de ambos os lados se separassem dos
seus pontífices e convocassem um concílio em Pisa em 1409, onde tanto Bento XIII como Gregório
XII foram considerados heréticos e depostos.
Foi eleito um novo papa, Alexandre V, que morreu no ano seguinte, sendo substituído por João XXIII.
Como os outros papas não aceitaram abdicar, havia agora 3 papas. João XXIII aceitou convocar um
novo concílio para Constança, mas também aqui houve conflitos entre o papa e a assembleia,
acabando por renunciar ao pontificado. Com a eleição de Martinho V, em Constança (1417),  a
cristandade reencontrou a sua unidade.
O concílio de Constança não serviu apenas para acabar com o Cisma, mas também para acabar com as
doutrinas hussitas e para renovar a Igreja e os seus membros. A anarquia que se vivia na cristandade
fomentava o movimento conciliar, que subordinava a autoridade papal ao livre consentimento do povo
cristão. É de notar, que neste concílio os padres agruparam­se e votaram por «nações», os doutores de
direito e de teologia foram admitidos nos escrutínios e Martinho V foi eleito por um conclave, o que
pode anunciar a reforma da Igreja. No entanto, o concílio terminou em 1418 sem qualquer
unanimidade, mas com uma decisão fundamental: o papa foi considerado inferior ao concílio, que
passava a reunir­se de forma regular e automática.
A vontade de reforma vinha essencialmente de base. O concílio de Basileia, considerado canónico por
Eugénio IV em 1434, obteve importantes resultados:
­         a França e a Borgonha reconciliaram­se
­         os utraquistas da Boémia foram readmitidos na igreja romana
10/11/2014 O Renascimento como reforma da Igreja
http://neh.no.sapo.pt/documentos/o_renascimento_como_reforma.htm 2/8
­         as resoluções de reforma foram adoptadas em 1436
Contudo, Eugénio IV foi deposto e Félix V foi eleito em 1439, o que levou a um novo cisma. O novo
papa só foi reconhecido por Basileia, Estrasburgo, Sabóia, Milão, Aragão e Baviera. Os moderados
abandonaram a assembleia e o imperador de Constantinopla reconheceu Eugénio IV como papa. Este
ganhou prestígio por ter conseguido reunira igreja grega e latina (1439). A sua morte em 1447 e a sua
substituição pelo humanista Nicolau V aumentou o descrédito dos obstinados de Basileia e isolou
Félix V, que abandonou a luta.
Os concílios não conseguiram a reforma da Igreja, tal como os papas que reinaram entre 1450 e a
revolta luterana.
Os «abusos» na Igreja
No âmbito do concílio de Basileia, eugénio IV afirmava em 1434 que a vida eclesiástica estava em
grande declíneo, e, de facto, os "abusos" de todos os géneros na Igreja foram durante o muito tempo a
grande causa para a Reforma, porque quando ela surgiu, efectivamente se acumulavam benefícios,
comendas e o absentismo.
Pico de Mirandola, Erasmo e Rabelais são alguns ilustres intelectuais de então que estigmatizavam a
vida monacal. De facto, os religiosos são mal vistos, cheios de brutalidade e dados ao concubinato, até
porque mesmo entre eles há conflitos:
­         dominicanos contra franciscanos
­         entre os franciscanos há dois grupos rivais: observantes e conventuais
­         mendicantes contra seculares
O retrato que é dado sobre a instituição eclesiástica não é nada favorável:
­         Os padres são pouco instruídos e pobres, tendo muitas vezes que vender os sacramentos para
viver.
­         Os locais de culto estão mal conservados
­         Mau ensino da religião
­         Os sacramentos são poucos e mal distribuídos
­         Os bispos esquecem­se do seu papel, e de visitar as dioceses
­         Praticam absentismo, até porque muitos são recrutados na nobreza e voluntariam­se na guerra
­         Roma corrompida pelo luxo renascentista
­         Os papas limitam­se ao silêncio e dão maus exemplos (Alexandre VI, papa simoníaco, cobre
com a sua autoridade os crimes e a ambição do seu filho César)
­         A liturgia perde o pé perante novas formas de devoção
­         O politeísmo parece renascer
O medo da morte e do inferno faz com que os fiéis se abriguem sob o manto da Virgem e na salvação
das indulgências compradas, banalizando assim a penitência. O ambiente é de grande inquietude e
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instabilidade pela caça às bruxas e pelos conflitos internos. Deste modo, não era possível resistir ao
ataque do infiel, acabando por perder Constantinopla em 1453, tal como já acontecera com Nicópolis
(1396) e Varna (1444).
Reforma e Contra­Reforma
A Igreja enfrentou nas piores condições possíveis o embate de Wittenberg. A partir do momento em
que Frei Martinho afixou a 31 de Outubro de 1517 as suas 95 teses, a fractura da catolicidade
aumentou com desconcertante rapidez. Menos de 4 anos depois, Lutero, o homem mais conhecido da
Alemanha, foi excomungado, banido do império e protegido em Wartburg pelo seu protector
Frederico da Saxónia, onde começou a traduzir a Bíblia.
Regressou à Alemanha, onde encontrou caloroso apoio em humanistas, pequena nobreza, burguesia
urbana e príncipes. Tal foi este apoio que em 1529, quando um édito bania do império o reformador, 6
príncipes e 14 cidades protestaram, e daqui o nome de "protestantes". A Alemanha partilhava
praticamente a Reforma, mas esta ultrapassou em grande escala as suas fronteiras. A Escandinávia, os
Países Baixos, Estrasburgo, a Suíça (Calvino e Zwingli), a França, a Inglaterra (John Knox na
Escócia), a Boémia, a Hungria, a Transilvânia, a Lituânia e Áustria aderiram ao novo movimento
reformista.
A morte de Lutero em 1546 iniciou uma crise que durou cerca de 40 anos, mas Calvino deu uma nova
vida e força à Reforma, actuando sobretudo na esfera de influência de Genebra. A reforma zwinglio­
calvinista triunfou em várias regiões, como as Províncias Unidas, parte da Hungria que passou para o
domínio turco, e em França, onde existiam mais de 2150 comunidades reformadas.
No caso inglês, foi difícil implantar uma reforma do tipo suíço, apesar de John Knox fazer triunfar o
presbiterianismo na Escócia e manter relações com Calvino, devido à morte do rei e à sucessão de
Maria Tudor (católica) e Isabel (anglicana). Contudo, os 39 artigos de 1563 consolidaram a igreja
anglicana, que associava o culto e hierarquia católicos à teologia calvinista. Paralelamente,
desenvolveu­se uma corrente puritana, que era hostil à idolatria papista e aos bispos. No entanto, a
partir da década de 1560, os progressos do protestantismo foram mais lentose encontraram uma forte
defesa do catolicismo.
A vontade de defesa da igreja romana afirmou­se sobretudo a partir do reinado de Paulo III:
­         aprovou os estatutos da Companhia de Jesus (1540)
­         criou o Santo Ofício (1542)
­         convocou o concílio de Trento (1545), que durou 18 anos e foi dissolvido 2 vezes.
o       Clarificou a doutrina,
o       conservou as boas obras,
o       conservou os 7 sacramentos,
o       afirmou a presença real na eucaristia,
o       inicou a redacção de um catecismo
o       obrigou os bispos a residir e os padres a pregar
o       decidiu criar seminários
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o       recusa de diálogo com os protestantes, considerados heréticos
o       opôs­se ao casamento dos padres e à comunhão sob as duas espécies
o       confirmou o culto dos santos
o       decidiu que a vulgata de S.Jerónimo era o texto autêntico da Escritura
o       manteve o latim como língua de culto
Um ano depois do fim do concílio, Pio IV publicou o Index dos autores e livros proibidos, onde
Erasmo era uma figura notória. Ele reprovara a excomunhão de Lutero, condenando a sua excessiva
violência, mas não aprovava a sua ideia de "servo arbítrio". Erasmo incliniva­se para uma Igreja em
que fosse livre a discussão teológica e em que as discussões entre doutores tivessem menos
importância que a prática das virtudes evangélicas.
Revés da tolerância
Os cristãos pareciam acreditar, mais que nunca, na força como meio de resolução dos problemas
religiosos:
­         destruíam os templos aztecas e incas
­         expulsavam os mouros de espanha
­         fechavam os judeus em "ghettos"
­         o ódio entre os fiéis cristãos atingia o auge
Como a intolerância religiosa era então regra, os luteranos eos calvinistas trocaram entre si violentos
panfletos sobre a presença real, mas entenderam­se bem para perseguir todos os dissidentes do
protestantismo e os anabaptistas, que foram perseguidos em todas as regiões, católicas e protestantes.
Thomas Münzer liderou em 1525 uma revolta de camponeses alemães contra os senhores, que
reinvidicava:
­         liberdade de escolha dos pastores
­         supressão dos pequenos dízimos e utilização dos grandes em proveito das comunidades de
aldeia
­         abolição da servidão
­         supressão das reservas de caça
Lutero, que recusava afastar­se do domínio religioso, encarava estas revoltas como se fossem
dirigidas pelo próprio Deus, mas nada autorizava­o a revoltar contra os senhores, mesmo que estes
fossem maus e injustos. Para Lutero, só contava a liberdade espiritual, e por isso detestava Münzer e a
sua fé apocalíptica.
Os «abusos»: explicação insuficiente da Reforma
Os "abusos" sempre crescentes, ligados à excessiva centralização romana e às preocupações
demasiado temporais do clero, provocaram o descontentamento da revolta protestante. Esta provocou
a renovação da parte romana, tardia e antiprotestante, que apenas serviu para aumentar o fosso que
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separava 2 mundos cristãos doravante hostis.
Contudo, esta tese revela­se insuficiente quando se ultrapassa o nível superficial dos acontecimentos e
se mergulha na profundidade da vida cristã dos séculos XIV a XVI. Lucien Febvre defende que as
causas da Reforma foram mais profundas, e de facto encontramos contraprovas que o justificam:
Erasmo fustigou com veemência o clero, mas recusou romper com roma; e quando a igreja católica
corrigiu a maior parte das deficiências de que era acusada, as várias confissões protestantes não
procuraram a reconciliação. Portanto, o desacordo era mais grave e situava­se no plano da teologia e
não no da moral.
Não foi o espectáculo da venda das indulgências perto de Wittenberg que levou Lutero à doutrina da
fé, mas a silenciosa descoberta desta tese teológica, com base no recolhimento conventual e nas
leituras de S. Paulo. Os "abusos" mencionados na Confissão de Augsburgo não eram os
desregramentos dos mongos, mas sim a comunhão sob uma só espécie, a missa transformada em
sacrifício, o celibato eclesiástico, os votos religiosos, os jejuns e as abstinências, levando o
cristianismo a um excessivo rigor.
Não há dúvida de que as ordens religiosas já não mostravam vitalidade e que o Grande Cisma lhes
acentuou uma crise, mas mesmo antes do concílio de Trento houve inúmeras e dispersas tentativas de
renovação, embora não fossem de origem central, o que prova um desejo muito generalizado de
purificação. Muitas vezes, esta significava um regresso ao passado, não havendo a ideia de adaptação
a condições novas.
Subida e afirmação da piedade popular
A partir do século XVI, a vida religiosa no ocidente caracteriza­se pela ascensão e afirmação da
devoção popular. Se até então, a religião confinava­se aos clérigos, numa civilização mais urbana ela
passou assumir cada vez mais o comunitarismo autónomo e mais difícil de controlar. Rebentavam
anárquicas manifestações de um cristianismo de massas:
­         cortejos e procissões de flagelantes
­         vias­sacras colectivas
­         autos da Paixão representados perante multidões
­         desenvolvimento de confrarias
­         maior papel do canto nas cerimónias religiosas e fundação de coros privativos nas igrejas
Neste sentido, os protestantes defendiam o sacerdócio universal e incentivavam a participação popular
no culto religioso, tendo a música se adaptado às culturas locais, ao contrário do rigor católico.
A preocupação em chegar às massas também se fazia sentir no domínio das pregações, que assumiam
nova importância pois exerciam um forte ascendente socio­cultural nas massas:
­         na Inglaterra engendrou o lolardismo (padres pobres, clero itinerante que devia compartilhar
da existência dos humildes e ensinar) e a insurreição de 1381
­         a pregação era uma das prioridades de Wyclif, considerando mais urgente o pregar que
assegurar o culto
­         Huss também pensava que a Igreja só podia ser ser transformada pela palavra de Deus
­         Transmitir a palavra era a tarefa mais divina e prioritária da Igreja
10/11/2014 O Renascimento como reforma da Igreja
http://neh.no.sapo.pt/documentos/o_renascimento_como_reforma.htm 6/8
­         Mais valia faltar à missa que à pregação, pois esta é que dava fé na missa
Esta nova insistência no sacramento da Palavra deixa entrever uma verdadeira carência do clero no
domínio pastoral. Uma das mais fortes acusações à Igreja residia precisamente na deficiente instrução
religiosa e na insuficiente formação dos pastores de almas, que frequentemente eram incapazes de
ministrar eficazmente os sacramentos e de transmitir a mensagem evangélica.
A Reforma nasceu provavelmente do desnível entre a mediocridade da oferta e a veemência inusitada
da procura. Tanto o movimento protestante como o católico procuravam dar resposta à sede religiosa
dos fiéis:
­         No protestantismo, a pregação é a
parte principal do culto
­         Criação de academias protestantes
­         Os reformadores redigiram
catecismos
­         Tradução da Bíblia
­         Os párocos católicos receberam instruções para dar
todos os domingos instrução religiosa,
­         As igrejas passaram a ser mais pequenas e decoradas
barrocamente
­         Os capuchinhos dedicaram­se às missões
­         Criação de seminários
­         Pio IV mandou redigir o Catecismo Romano, síntese
das doutrinas definidas em Trento
A nova importância dos leigos na Igreja
Os leigos passaram a ocupar um lugar cada vez mais importante e activo, o que é bastante revelador
através do desenvolvimento das confrarias, que reuniam fraternamente clérigos e leigos. Foram,
portanto,revistas as noções de Igreja e de sacerdócio, em que o povo cristão passou a ser juíz da
hierarquia. (semelhanças à escolástica). Aos olhos de Deus, todos os eleitos são iguais e o padre não é
mais que o leigo, o que em termos práticos se reflectiu na recusa dos dízimos em favor dos pobres.
Os reformadores do século XVI foram herdeiros de toda uma corrente que tinha desvalorizado tanto a
hierarquia eclesiástica como o próprio padre, e cunhou a dignidade cristã do leigo.
Wyclif recusava a hierarquia da Igreja, negava
a transubstanciação, desvalorizou os
sacramentos, que conferiam ao sacerdote
ascendente sobre os fiéis
John Huss crê na presença real e na
transubstanciação, mas batia­se pela
comunhão das 2 espécies, pois assim os leigos
ganhavam uma nova importância na Igreja.
Não há uma relação forçosa entre estes 2 heréticos e a ruptura de Lutero, mas este descobriu
afinidades no pensamento deles e comportou­se como seus sucessor, criando uma teologia mais
favorável aos leigos juntamente com os outros reformadores protestantes:
­         o pastor passou a ser um delegado dos fiéis e a poder casar
­         confiscaram todos os bens da Igreja
­         reduziram o nº de sacramentos e diminuíram a sua importância
­         concederam aos leigos a comunhão das duas espécies
­         acessibilizaram a Escritura
­         baniram o latim e privilegiaram as línguas locais
10/11/2014 O Renascimento como reforma da Igreja
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No entanto, a Igreja Católica, apesar do reforço das estruturas hierárquicas subsequente do concílio de
Trento, tomou em conta a ascensão cristã dos leigos e não impediu a sua evolução, tendo, pelo
contrário, revelado interesse pelo ensino.
Para melhor compreender o desprendimento dos fiéis em relação às autoridades eclesiásticos na época
renascentista é preciso ter em conta o papel desempenhado pelas autoridades seculares na vida
religiosa quotidiana dos séculos XIV e XV. A crise religiosa facilitou o domínio do Estado sobre a
Igreja, e, de facto, ambos se interpenetravam. Durante o Grande Cisma, clero e fiéis dos vários países
seguiram docilmente os seus governos na obediência a um ou outro papa.
Depois da revolta protestante, a Igreja Romana desconfiou durante muito tempo das traduções em
língua vulgar dos textos sagrados e recusou, portanto, aos fiéis o contacto directo com a Bíblia,
pensando que ainda não estavam preparados.
O individualismo religioso
A Reforma rapidamente conferiu maior autonomia a algumas nações, enquanto outras ganhavam
importância religiosa, como foi o caso da afirmação do galicanismo e pelas pretensões espanholas e
portuguesas em termos de "padroado" das missões.
A devoção, que passou a ser menos litúrgica, diversificou­se em modalidades cada vez mais
numerosas e passou a ser mais pessoal, começou a implantar­se um individualismo religioso, o que é
um facto histórico. Um facto que revela esta alteração é o facto de A Imitação de Jesus Cristo ser a
obra mais lida do século XV, porque é um livro que relata uma experiência pessoal de uma alma que
se desprende do mundo para conversar com Jesus e melhor se abrir ao amor, único meio de fazer leve
o que é pesado. Por seu lado, Gerson defendia que a religião cristã pode, mesmo sem votos, ser
seguida de modo perfeito e até muito perfeito.
A Imitação e os tratados de Gerson inspiravam­se na Devotio moderna, cujos iniciadores foram
Ruysbroek, Geert Groote e os Irmãos da vida comum, e que mudou a devoção no ocidente. Ela
procurava:
­         armar a consciência religiosa com um tecido de associações de ideias e de fórmulas cómodas
­         associava as avé­marias do rosário aos 3 mistérios
­         recorreu ao suporte das letras do alfabeto
­         estabeleceu correspondências entre as chagas de Cristo e as rosas da «coroa de Maria»
­         dava atenção especialmente a Jesus, facilitando a divulgação de um cristocentrismo,
multiplicando­se as imagens de Cristo­Rei
Nascia uma corrente mística e de meditação, que criava o risco de fazer diminuir a necessidade dos
sacramentos. Lutero, discípulo dos místicos renanos, propunha uma doutrina que passava sobre a
liturgia e a hierarquia, e incidia sobre o dom gratuito da graça do Senhor àquele que é salvo.
Apesar de na parte europeia protestante ter triunfado uma concepção do cristianismo favorável ao
individualismo, foi no mundo católico que desabrocharam as mais importantes figuras do misticismo,
como Teresa de Ávila e João da Cruz.
O sentimento de culpa
A religião passou a ser mais individualista, o que por seu lado revela um novo sentimento de
10/11/2014 O Renascimento como reforma da Igreja
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culpabilidade pessoal. As pestes, guerras, fomes, avanço dos turcos, o escândalo do Grande Cisma,
criaram uma atmosfera de pânico e passaram a ser vistos como um castigo de Deus, o que aumentou o
sentimento de culpa na altura e o medo pela morte e por uma eternidade de suplícios.
É neste período que vemos ao surgimento das danças macabras e de um tipo de literatura religiosa que
difundiu largamente as artes moriendi, que ensinavam o fiel a resistir aos assaltos que o demónio não
deixaria de lhe fazer nas últimas horas de vida. O receio de morte súbita sem a preparação e a
absolvição da confissão, aumentavam o tormento cristão. Os pregadores profetizavam a iminente
cólera de Deus e os cristão de então viviam assombrados com o fim do mundo e o juízo final. A única
maneira de garantir a salvação era forçar a porta do céu à custa de rosários e peregrinações, comprar
cartas de remissão e indulgências.
A doutrina da justificação pela fé era outra solução para exorcizar o medo: Deus salva­nos, apesar de
nós próprios merecermos o inferno; Deus é pai e não juíz e prometeu­nos a salvação por intermédio
de Jesus. Esta doutrina foi descoberta por Lutero em S.Paulo e já Sto Agostinho insistira no pecado
original e no acto gratuito de Deus, que retira os seus eleitos da massa de perdição.
A Igreja Católica rejeitou esta doutrina, mas ela procurou responder à angústia dos cristãos, caso
contrário, a sua reforma não tinha tido muito efeito nas populações. A doutrina católica dizia que pelo
baptismo o homem já não é escravo do pecado, mas continua a ser fraco, necessitando de oração,
coragem e dos sacramentos, que existem para vos restituir forças. O clero passou a estar mais
instruído, acentuando mais que nunca a força dos sacramentos e apaziguando pouco a pouco os cristão
atemorizados, que ganharam nova consciência das suas responsabilidades e da sua fraqueza.

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