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Conflito religioso e transfusão

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INTRODUÇÃO
O profissional da área da saúde, com frequência, tem de lidar com diversos dilemas. Ou seja, precisa realizar uma decisão levando em consideração os direitos e deveres do paciente assim como os direitos e os deveres do profissional. Por vezes, esses dois lados podem ser controversos.
Nesse trabalho, será discutido uma dessas questões um tanto quanto complexas, que é a transfusão sanguínea versus a crença religiosa. Será analisado o princípio bioético da enfermagem, o consentimento esclarecido, os direitos do paciente e do profissional, além de medidas alternativas à transfusão sanguínea.
A ética é um conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.
PRINCÍPIOS BIOÉTICOS DA AUTONOMIA E DO CONSENTIMENTO ESCLARECIDO
O termo ética refere-se ao estudo de ideias filosóficas a respeito do comportamento certo e errado. Em práticas profissionais como a enfermagem, um código de ética fornece diretrizes para os cuidados seguros e compassivos. O compromisso dos enfermeiro com o código de ética garante ao público que eles aderem a padrões de prática profissional. 
O estudo da bioética tem se desenvolvido nas ultimas décadas. Construído sobre o fundamento da ética profissional para o cuidado da saúde, os campos de orientações da bioética discursa sobre questões difíceis que surgiram nos cuidados da saúde.
Um dos princípios da bioética, e o essencial para iniciar essa discussão, é o princípio da autonomia que requer que os indivíduos capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito pela sua capacidade de decisão. As pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Quaisquer atos médicos devem ser autorizados pelo paciente. 
O consentimento livre e esclarecido é decisão voluntária, realizada por pessoa autônoma e capaz, após processo informativo e deliberativo que visa à aceitação de um tratamento específico ou experimentação. Para tal, é preciso saber a natureza do mesmo, as suas consequências e os seus riscos. O consentimento é passível de renovação quando ocorram significativas modificações no panorama do caso, que se diferenciem daquele em que foi obtido inicialmente. 
Nos casos em que o paciente for menor de idade, quem consentirá será o responsável legal do mesmo.
A exigência desse consentimento decorre da observância aos parâmetros éticos no contexto jurídico brasileiro, especialmente através da Resolução do CNS n.º196/96.
O termo de consentimento é um documento legal, assinado pelo paciente ou por seus responsáveis legais, com o intuito de respaldar juridicamente a ação dos profissionais e dos estabelecimentos hospitalares.
Este tem pouca validade ética quando não contempla os fundamentos do processo de manifestação autônoma da vontade do paciente, que podem ser elencados em: linguagem acessível, boa-fé, bem como conter: a) os procedimentos ou terapêuticas que serão utilizados, bem como seus objetivos e suas justificativas; b) desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados; c) métodos alternativos existentes; d) liberdade de o paciente recusar ou retirar seu consentimento, sem qualquer penalização e/ou prejuízo à sua assistência; e) assinatura ou identificação dactiloscópica do paciente ou de seu representante legal. (FORTES, 1998, p. 69)
A TRANSFUSÃO DE SANGUE E O PACIENTE TESTEMUNHA DE JEOVÁ: ASPECTOS DA ASSISTÊNCIA E AMPARO JURÍDICO.
Como dito anteriormente, os campos de orientações da bioética discursa sobre questões difíceis que surgiram nos cuidados da saúde. E uma dessas questões é a relação da transfusão sanguínea com a religião, principalmente Testemunha de Jeová.
A relação entre os fiéis da Testemunha de Jeová e os profissionais da saúde pode ser considerada conflituosa quando o assunto é a transfusão sanguínea, um procedimento de urgência e emergência.
Assim, de um lado figura a autonomia do paciente em recusar o tratamento médico por crença religiosa; e de outro lado figura a autonomia do médico em atuar de forma a zelar pela vida e saúde do paciente.
Desta forma, nestas situações, cabe ao médico observar os dispositivos legais e éticos vigentes no território brasileiro para direcionar sua conduta.
Primeiramente, cabe mencionar o artigo 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sendo o principal deles a vida, da qual decorrem os demais, inclusive a garantia à liberdade de crença religiosa.
A liberdade de crença religiosa abarca a liberdade de cultos, bem como a faculdade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas.
Os pacientes e/ou seu representante legal, Testemunhas de Jeová, alegam a liberdade de crença e de consciência, o direito à intimidade e à privacidade, os princípios da legalidade e da dignidade da pessoa, questões bíblicas, bem como riscos da transfusão sanguínea.
O Código Civil Brasileiro, em seu artigo 15, apesar de não mencionar expressamente o direito do paciente de escolher pelos tratamentos possíveis, prescreve, de modo certo, a impossibilidade de se constranger o paciente a tratamento ou intervenção cirúrgica que não tenha consentido, devendo, portanto o médico aceitar tal decisão e respeitá-la sob pena de responder civil ou até criminalmente por tal ato. (NERY JUNIOR, 2010). 
O CÓDIGO DE ÉTICA DA ENFERMAGEM, A MEDICINA E A IGREJA
“Nós evitamos tomar sangue por qualquer via não só em obediência a Deus, mas também por respeito a ele como Dador da vida.” - JW.ORG
A Resolução do Conselho Federal de Medicina N.º 1.931/2009 garante que é vedado ao médico: “Artigo 22 Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte”. 
Situação distinta ocorre se o paciente está em “Iminente perigo de vida”, e não se pode obter qualquer tipo de consentimento deste, e ainda não há nenhuma pessoa acompanhando-o, pela lógica o médico deverá presumir que o paciente consente tal tratamento. 
O médico deverá explicar as várias opções de tratamento, bem como os riscos e benefícios de cada uma delas, somente, então, o profissional da saúde age eticamente e demonstra respeito às crenças religiosas e demais valores de seu paciente. O consentimento trata-se de verdadeiro exercício de direito de personalidade, manifestando seu desejo de autodeterminar-se, traduzindo, assim, em manifestação de vontade, e produzindo os efeitos jurídicos decorrentes da lei (NERY JUNIOR, 2010).
Já o Código de Ética de Enfermagem, no artigo 18, traça como finalidade para o profissional da enfermagem o respeito, o reconhecimento e a realização de ações que garantam o direito da própria pessoa, ou em casos especiais, do seu representante legal, de tomar decisões sobre a saúde, o tratamento, o conforto e o bem-estar. Por conseguinte e com este mesmo fim, o artigo 19 destaca que o enfermeiro deve respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano, em todo o seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e pós-morte do cliente.
O enfermeiro, aliás, conforme funda o artigo 15 do Código de Ética de Enfermagem, terá que prestar uma assistência sem discriminação de qualquer natureza, pois de acordo com este mesmo Código, no artigo 6°, o enfermeiro deve fundamentar o exercício da sua profissão no direito, na prudência, no respeito, na solidariedade e na diversidade de opinião e posição ideológica. Dessa forma, fica claro que a preocupação do enfermeiro não deve se limitar tão somente na preservação da vida do cliente, mas também numa assistência que atenda todas suas necessidades, como por exemplo, as religiosas e as espirituais.
DIREITOS DOS PACIENTES E TRATAMENTOS ALTERNATIVOS ÀS TRANSFUSÕES DE SANGUE
Conforme o Código de Ética Médica em seu artigo 61, § 1º traz como matéria importante a questão em que quando o paciente recusar-se a receber transfusão de sangue, antes de o médico aplicá-lo mesmo sem o consentimento, ele deverá buscar todos
os métodos alternativos de tratamento ao seu alcance, respeitando o direito de seu paciente, mas se ainda assim ver a impossibilidade de resultados positivos nesses tratamentos, ele poderá renunciar, desde que o médico substituto seja devidamente instruído por ele, e seja recebido pelo próprio paciente. 
Nas últimas quatro décadas vem aumentando o interesse em boa parte da classe médica nas alternativas às transfusões. No dia 16 de maio de 1962, o Dr. Denton Cooley realizou a primeira cirurgia de coração aberto, sem sangue, em uma Testemunha de Jeová. No ano de 1977 o Dr. Cooley publicou um relatório de 542 cirurgias cardiovasculares em Testemunhas de Jeová sem realizar transfusão de sangue, no qual ele declarou que os riscos eram baixos e aceitáveis.
No ano de 1997 foi lançado um apêndice no Canadá abordando várias medicações, tratamentos e técnicas cirúrgicas sem sangue, muitas das quais são simples e com um custo acessível.
Uma delas é a Eritropoetina [Humana] Recombinante, a qual é uma forma biossintética de um hormônio humano natural que estimula a medula óssea a produzir hemácias. Este fármaco pode ser administrado antes, durante ou depois do tratamento ou cirurgia, bem como para pacientes com câncer que recebem quimioterapia ou para tratar pacientes anêmicos portadores de insuficiência renal crônica. Aplica-se também ferro e hematínicos para dar suporte a produção de hemácias estimulada pela eritropoetina.
Do mesmo modo, para estimular a produção de plaquetas (as quais são essenciais para o processo de coagulação sangüínea), utiliza-se a Interleucina-11 Recombinante, a qual é uma forma, geneticamente produzida, de um hormônio humano. 
O Ácido Aminocapróico e Tranexâmico são muito úteis para estimular a coagulação inibindo ou cessando a fibrinólise (decomposição dos coágulos sangüíneos), sendo eficazes nos casos de hemorragia, inclusive na cirurgia cardíaca, a oncologia, a obstetrícia, a ginecologia, o transplante, a cirurgia ortopédica, o trauma e os distúrbios hematológicos. 
Os Adesivos Teciduais (como por exemplo, à cola de fibrina), são usados para diminuir a perda de sangue. São utilizados para selar superfícies das feridas cirúrgicas de modo a reduzir o sangramento pós-operatório.
Em casos de emergência, no qual se perde muito plasma (parte líquida do sangue), utilizam-se os Expansores do volume do Plasma, tais como os Cristalóides(incluindo a solução salina, lactato de Ringer e a solução salina hipertônica), os quais são fluidos intravenosos compostos de água, com vários sais e açucares, que têm a função de manter o volume circulatório do sangue no corpo. 
Do mesmo modo, os Colóides são fluidos compostos de água misturada com partículas bem diminutas de proteínas, os quais mantêm os níveis de proteína sangüínea, estabilizando o equilíbrio dos fluidos e o volume circulatório do sangue no corpo. Entre estes incluem o pentastarch, hetastarch (hidroxietila de amido) e o dextran.
Os instrumentos cirúrgicos Hemostáticos são utilizados tanto em cirurgias convencionais a céu aberto como na cirurgia minimamente invasiva.Quando utilizados com habilidade reduzem o sangramento e facilitam o manejo dos tecidos, e permitem que haja maior visibilidade, graças a um campo cirúrgico mais seco, o que pode abreviar o tempo cirúrgico bem como reduzir a exposição da equipe médica ao sangue.
Entre os referidos instrumentos podemos destacar o eletrocautério,lasers,coagulador com raio de argônio, dentre outros.
O coagulador com raio de argônio causa um trauma mínimo aos tecidos, coagula os vasos grandes (2a 3 mm de diâmetro) e reduz o risco de hemorragia pós-operatória. O fluxo de argônio, por ser um gás incolor, inodoro e inativo, facilita a coagulação controlada por uma área mais ampla, acentua a visibilidade no campo cirúrgico, diminui o manejo de tecidos bem como a exposição do médico ao sangue através de rupturas das luvas ou furo de agulhas.
Nos casos de pacientes que dão entrada no hospital com uma variedade de ferimentos, utilizam-se os equipamentos de Recuperação intra-operatória de sangue. Assim, recupera-se parte do sangue derramado (o qual é lavado ou filtrado pelo equipamento) e depois ele é reinfundido no paciente. O sangue pode ser desviado do paciente para um aparelho de hemodiálise ou para uma bomba coração-pulmão. O sangue flui para fora através de um tubo até o órgão artificial que o bombeia e filtra (ou oxigena) e daí volta para o sistema circulatório do paciente. Há também instrumentos para a Recuperação pós-operatória do sangue (tubo de drenagem, no qual o sangue derramado é processado e devolvido ao paciente).
A Hemodiluição, quando é usado um circuito fechado e não se faz coleta de sangue pré – operatório é aceitável para muitas Testemunhas de Jeová.
De fato, há uma enorme lista de tratamentos e métodos isentos de sangue (os quais podem beneficiar não somente às Testemunhas de Jeová, mas a todo paciente independente de opção religiosa). Os que mencionamos são apenas alguns exemplos. Talvez o grande interesse que estes medicamentos vêm despertando em vários setores da classe médica está relacionado a evitar os riscos decorrentes das transfusões de sangue..
CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho, foi definido o que é a ética e a bioética, essa última sendo a ética do profissional da área da saúde. Também foram mostrados os direitos tanto do paciente, com toda sua autonomia na escolha da realização do procedimento e de usar base religiosa para tomada de decisões; quanto os direitos do profissional da saúde em manter a pessoa a salvo. Ambos direitos e deveres inseridos na lei.
Por fim, podemos ver que há soluções, ou seja, alternativas a esse dilema clínico. 
BIBLIOGRAFIA
https://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Publicacoes&acao=detalhes_capitulos&cod_capitulo=53
https://jus.com.br/artigos/6641/o-caso-das-testemunhas-de-jeova-e-a-transfusao-de-sangue
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,o-direito-de-opcao-na-transfusao-de-sangue,589109.html
https://www.mastereditora.com.br/periodico/20131010_130543.pdf
https://cepein.femanet.com.br/BDigital/arqTccs/0811230284.pdf

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