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Autor - André Santanchè METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS ©Copyright 2014 da Laureate. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Sistema de Bibliotecas da UNIFACS Universidade Salvador - Laureate International Universities) A231m Santanché, André Metodologia ciências e normas técnicas/ André Santanché –Salvador: UNIFACS, 2014. 142 p. ISBN 978-85-8344-020-8 1.Metodologia. 2. Normalização. I. Título. CDD: 808.066 SUMÁRIO 1. CONHECENDO A CIÊNCIA ................................................................................................ 9 O que é ciência? .................................................................................................... 9 Síntese ............................................................................................................ 12 Questão para reflexão ................................................................................... 12 Referências ..................................................................................................... 12 Atividade: ciência no colégio - Webquest ..................................................... 12 Tarefa ............................................................................................................. 13 Processo ......................................................................................................... 13 Avaliação ........................................................................................................ 14 Conclusão ............................................................................................................. 14 Referências ..................................................................................................... 14 Compreendendo a ciência através do mito e da Filosofia .................................. 15 Mito e logos: bases para explicar e compreender o mundo ......................... 16 A filosofia ....................................................................................................... 18 Os filósofos e a ciência .................................................................................. 20 Síntese ............................................................................................................ 25 Questão para reflexão ................................................................................... 25 Leituras indicadas ........................................................................................... 25 Referências ..................................................................................................... 25 2. TRILHANDO O MÉTODO CIENTÍFICO ............................................................................... 27 Método científico ................................................................................................. 27 Referências ..................................................................................................... 29 A escolha do tema e a formulação do problema ................................................ 30 Encontrando um problema de pesquisa ........................................................ 30 A questão do ônibus ...................................................................................... 32 O Problema da Queda Livre ........................................................................... 34 Problemas em Ciências Sociais ...................................................................... 36 Síntese ............................................................................................................ 36 Questão para Reflexão ................................................................................... 37 Leituras indicadas ........................................................................................... 37 Referências ..................................................................................................... 37 Pesquisa de dados e conhecimentos ................................................................... 38 Referencial teórico: revisão de literatura ............................................................ 39 A busca por fundamentação teórica .............................................................. 40 Síntese ............................................................................................................ 41 Questão para Reflexão ................................................................................... 41 Leituras indicadas ........................................................................................... 41 Referências ..................................................................................................... 41 Veículos de divulgação científica: fontes primárias ............................................ 42 Revistas científicas ......................................................................................... 42 Congressos acadêmicos e científicos ............................................................. 42 Dissertações e teses....................................................................................... 43 Publicações governamentais e jurídicas ........................................................ 43 Organizações educacionais e de pesquisa ..................................................... 43 Síntese ............................................................................................................ 44 Questão para Reflexão ................................................................................... 44 Leituras indicadas ........................................................................................... 44 Busca e seleção de material: fontes secundárias .............................................. 44 Conhecendo o território de caça .................................................................... 45 Bibliotecas digitais ......................................................................................... 46 Portais ............................................................................................................ 47 Avaliando o alvo ............................................................................................ 48 A questão da wikipédia ................................................................................. 48 Seguindo trilhas ............................................................................................. 49 Síntese ............................................................................................................ 49 Referências ..................................................................................................... 49 3. ORGANIZANDO OS ESTUDOS ......................................................................................... 51 Fichamentos, resumos e resenhas: organização de publicações consultadas1..........51 A identificação e a escolha das fontes de informação .................................. 52 Fichamentos ................................................................................................... 54 Resumos ......................................................................................................... 56 Síntese ............................................................................................................ 62 Questão para Reflexão ................................................................................... 62 Leituras indicadas ........................................................................................... 62 Referências ..................................................................................................... 62 Levantamento e seleção dedados ..................................................................... 63 Variáveis ......................................................................................................... 64 Amostra .......................................................................................................... 64 Síntese ............................................................................................................ 67 Questão para reflexão ................................................................................... 67 Leituras indicadas ........................................................................................... 67 Sites Indicados ............................................................................................... 67 Referências ..................................................................................................... 68 4. CONSTRUINDO UM MODELO TEÓRICO ........................................................................... 69 Construção de um modelo teórico ..................................................................... 69 Padrões de comportamento e previsões ....................................................... 70 Síntese ............................................................................................................ 73 Sites Indicados ............................................................................................... 73 Síntese – Galileu e o Plano Inclinado ................................................................. 74 Reproduzindo o experimento de Galileu ....................................................... 77 O Experimento da Queda Livre ...................................................................... 80 Induzindo um modelo Genérico ..................................................................... 85 Síntese ............................................................................................................ 89 Exercícios ........................................................................................................ 89 Sites Indicados ............................................................................................... 89 Referências ..................................................................................................... 89 Construção do Modelo Teórico – Previsões ........................................................ 90 Utilizando a Dedução no Problema do Estoque Mínimo ............................... 91 Utilizando a Dedução na Queda Livre ............................................................ 92 O experimento da bola de basquete ................................................................... 94 Síntese ............................................................................................................ 96 Questão para Reflexão ................................................................................... 96 Leituras indicadas ........................................................................................... 96 Sites Indicados ............................................................................................... 96 5. A PESQUISA DE CAMPO E A PROVA DA SOLUÇÃO ......................................................... 97 Organizando os dados da Pesquisa em Campo .................................................. 97 Etapa 1 - Conhecendo as Tecnologias ............................................................ 98 Etapa 2 - Formulação do problema ............................................................... 99 Etapa 3 - Definição da Amostra ................................................................... 100 Etapa 4 - Montagem e Distribuição do Formulário ...................................... 101 Etapa 5 - Tabulação dos Dados .................................................................... 102 Etapa 6 - Análise dos Dados Tabulados ....................................................... 105 Etapa 7 - Apresentação dos Resultados ....................................................... 106 Referências ................................................................................................... 107 Submissão da Tarefa .................................................................................... 107 Prova da solução .............................................................................................. 108 Testando Hipóteses ...................................................................................... 109 Isolando Variáveis ........................................................................................ 109 Tendência ..................................................................................................... 111 Experimento Cego ........................................................................................ 112 Síntese .......................................................................................................... 112 Leituras indicadas ......................................................................................... 112 Referências .................................................................................................. 112 6. QUADRO DE REFERÊNCIA EPISTEMOLÓGICA ................................................................ 113 Delineamento da Pesquisa – Parte 1: ............................................................. 113 Quadro de referência epistemológica ............................................................... 113 O Positivismo ............................................................................................... 114 A Fenomenologia ......................................................................................... 115 O Marxismo .................................................................................................. 116 Síntese .......................................................................................................... 117 Questão para reflexão ................................................................................. 118 Leituras indicadas ......................................................................................... 118 Referências ................................................................................................... 118 7. PASSOS PARA A CONSTRUÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA .......................................... 119 Delineamento da Pesquisa – Parte 2: ................................................................ 119 Elaboração do projeto de pesquisa ................................................................... 119 Os objetivos do estudo ................................................................................ 120 A justificativa ............................................................................................... 121 A metodologia.............................................................................................. 122 Tipos de pesquisas ....................................................................................... 122 Análise e tabulação de informações ............................................................ 127 Síntese .......................................................................................................... 130 Leituras indicadas ......................................................................................... 130 Referências ................................................................................................... 130 Apresentação e divulgação dos resultados da pesquisa .................................. 131 Normalização de trabalhos científicos ......................................................... 131 Síntese .......................................................................................................... 132 Leituras indicadas .........................................................................................132 Referências ................................................................................................... 132 8. DIVULGAÇÃO E NORMATIZAÇÃO DE TRABALHOS CIENTÍFICOS ..................................... 133 Apresentação de trabalhos acadêmicos e científicos ....................................... 133 Estrutura dos Trabalhos Acadêmicos e Científicos ....................................... 134 Síntese .......................................................................................................... 136 Leituras indicadas ......................................................................................... 136 Referências ................................................................................................... 136 Citações e referências ....................................................................................... 137 Citações ........................................................................................................ 137 Referências ................................................................................................... 139 Síntese .......................................................................................................... 142 Leituras indicadas ......................................................................................... 142 O QUE É CIÊNCIA? N a maioria das vezes, quando somos confrontados com essa pergunta, somos levados, de imediato, a confundir ciência com tecnologia. Isso é habitual porque estes dois campos estão inexoravelmente entrelaçados; um é produto/resultado do outro. É tão habitual que muitos estudiosos da ciência já se propuseram a escrever sobre essa “confusão”. Andery. et al (2006), por exemplo, e outros estudiosos, nos lembram que existem, no mínimo, dois tipos de opinião, muito difundidos nos tempos atuais, sobre a ciência. No primeiro, a ciência é considerada como uma fonte de benefício para a humanidade; no outro, contraditoriamente, é percebida como uma força de opressão, como fonte de destruição da natureza e do próprio homem. Os resultados tangíveis da ciência lhe cercam por todos os lados. Você mora em uma casa ou apartamento, anda em automóveis, atravessa viadutos, viaja de avião, vai a um médico ou hospital, toma medicamentos receitados, utiliza artefatos de plástico e inox, usa eletrodomésticos e computadores. Poderíamos citar uma lista interminável de produtos da tecnologia que o cercam e que são consequência da ciência. AULA 1 Conhecendo a ciência Autores: André Santanchè e Maria Luiza Coutinho Seixas METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 10 É muito comum enfatizar os resultados, em detrimento do processo, porque os resultados da ciência lhe atingem de forma mais íntima. Você consome alimentos naturais cujas características sofreram influência direta de estudos científicos: seleção artificial, transgênicos etc.; ou produtos artificiais: adoçantes, conservantes etc. Você lê ou assiste notícias que se relacionam com a ciência o tempo todo: clonagem, energia atômica, novas curas, formas corretas de se alimentar etc. Tudo isso conduz a uma questão importante: você não acha que compreender a ciência pode ser muito importante, tanto no campo profissional, quanto no campo pessoal? Compreender a ciência lhe dará autonomia crítica de decidir por si mesmo como encarar as informações que recebe ou as decisões que deve tomar com relação à ciência. Mais do que isso, a formação desse entendimento muito se deve à forma como compreendemos a ciência quando frequentamos a escola. Como já nos referimos no texto de Introdução desta disciplina, o que está definido, na escola, com o nome de ciências é um conjunto estruturado de conhecimentos que são resultados da ciência, isto é, o aprimoramento tecnológico. Para além dessa definição, a ciência compreende o modo como estes resultados foram alcançados. Se ampliarmos nossa visão, saindo de uma perspectiva individual e partindo para uma perspectiva da comunidade que nos cercam, podemos nos perguntar: a ciência pode nos ajudar em nossa atuação na sociedade? Como você já deve estar imaginando, a resposta é “sim” novamente. Você pode ajudar uma comunidade a resolver problemas práticos de alimentação, saúde, infraestrutura; pode melhorar um processo dentro da empresa em que você trabalha. Você pode se considerar um indivíduo que nada tem a ver com a ciência, mas isso, com certeza, não é verdade, principalmente, porque prova dar algum valor a ela no momento em que se matriculou nesta universidade. O que você aprendeu até aqui não é, em grande parte, conhecimento científico acumulado e aperfeiçoado por gerações? Talvez você já se considere conhecedor da ciência, ou talvez esteja pensando: “Tarde demais, nunca demos atenção àquelas disciplinas de ciências que estudamos na escola”. Neste ponto, é introduzida a segunda parte deste texto que trata das questões: “Por que eu estudei ciências na escola?”; “Que aspectos da ciência eu estudei na escola?”; “Ao conhecer química, física ou biologia, passamos automaticamente a saber o que é ciência?”. Antes de prosseguirmos na leitura, planejamos uma pequena atividade, na qual está descrita no quadro a seguir. É muito importante que você faça essa atividade antes de dar seguimento ao estudo. Ciência do Colégio A forma como você aprendeu ciência no colégio tem uma grande influência sobre como você a vê hoje. Antes de seguirmos adiante, consideramos importante a realização de uma atividade de análise e reflexão sobre ciência nos ensinos fundamental e médio. Utilizaremos os resultados desta reflexão como base para o que apresentaremos em seguida. Trata-se de uma atividade do tipo WebQuest. Você encontrará tudo o que precisa para realizar a atividade na esfera temática Ciência do Colégio (recomendamos) ou nas instruções que aparecem no final do capítulo. Se você seguiu nossas recomendações na execução deste WebQuest, perceberá que o colégio projetou em sua mente uma imagem de ciência. Em grande parte dos casos, a forma como você usará a ciência na sua vida pessoal e profissional pode ser bem diferente da que você concebe hoje. Você pode achar 1 Macgyver Se você não é da geração que teve a oportunidade de assistir Macgyver, ele era um agente secreto que utilizava conhecimentos científicos para encontrar saídas nas ocasiões mais inusitadas. Veja mais sobre Macgyver em http://www.imdb.com/title/ tt0088559/ ou então em nossa videoteca. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 11 que serão necessários conhecimentos profundos em uma das ciências que você estudou na escola, ou quem sabe em todas elas, tal como o Macgyver1. De fato, conhecimentos deste tipo são úteis, mas não é em uma extensa biblioteca de conhecimentos científicos que estamos interessados, mas sim na ciência e seu método, a fábrica destes conhecimentos científicos. Voltando à metáfora, nossa expectativa é que você aja mais como Sherlock Holmes, que combina observações e raciocínio para produzir, do que como Macgyver, que apenas os utiliza. Se você limita a noção de ciência que aprendeu no colégio, achará que o conhecimento científico está relacionado com áreas específicas, como física, química e biologia; ou então, que ciência é algo que interessa a acadêmicos e pesquisadores. Quando estas classificações não se aplicam a você, é natural ser levado a pensar que a ciência não lhe diz respeito. Usualmente, o que aprendemos no colégio com o nome de ciências é um conjunto estruturado de conhecimentos que são resultados da ciência. Não é à toa que chamamos de “ciências” no plural, ao invés de “ciência” no singular. Estas “ciências” se referem às aplicações da ciência nas diversas áreas de conhecimento. Como veremos, a ciência, na verdade, abrange muito mais do que isso. Para compreendê-la, em sua amplitude, é necessário aprofundar o modo como os resultados, quevocê aprendeu, foram alcançados. No ensino fundamental e médio é muito comum a ênfase aos resultados. Se por um lado eles são muito importantes, por outro, são uma parte do que chamamos de ciência. Eventualmente, somos apresentados a alguns elementos das ciências em si. No seu WebQuest, você deve ter visto um experimento em ciências (Telecurso 2000 - aula 69. Vendo o invisível), no qual é obtida uma conclusão a partir de um experimento; o primeiro tópico (1. A matéria e suas propriedades) do “Programa Educ@r” que estimula o estudante à observação; ou o vídeo “Ciência por miúdos Programa Zero” que estimula a realizar um experimento simulando a formação da chuva. Mas este tipo de abordagem é esporádico em sala de aula, dado o volume de conteúdo que o professor precisa apresentar ao aluno. Além disso, a ciência em si e seu método são tratados de forma ainda primária e fragmentada. Se você estudou física no colégio, deve ter sido apresentado a uma dezena de fórmulas matemáticas que o conduziram a utilizá-las ora na resolução do problema de um carrinho, ora para analisar a trajetória do lançamento de uma pedra, e assim por diante. Entregaram algumas equações atribuídas a um antigo sujeito chamado Isaac Newton e o máximo que lhe contaram foi a história de uma maçã – a respectiva aula que você viu no WebQuest, Telecurso 2000, (08. Eu tenho a força! Será?) deve ter refrescado a sua memória. Talvez você tenha perdido algum tempo, na época, tentando entender de onde foi que Newton tirou aquelas equações. Pense sobre isso: “De onde foi que Newton tirou aquelas equações? Ele as inventou do nada?”. Retorne à aula 08 do Telecurso e veja como o tema é apresentado. Reflita sobre isto: “De onde vieram estas fórmulas?”. Neste ponto, você pode ter pensado que a física é uma espécie de ramo da matemática e talvez tenha extrapolado isto para as ciências. Então, pode parecer que o perfil do pesquisador é daquele sujeito versado em ciências exatas ou matemática, e isto é um equívoco. A matemática é, sem dúvida, uma ferramenta importante na mão do pesquisador, mas, principalmente, por ser uma poderosa linguagem para descrever relações de forma simples e compacta. A parte da ciência que vamos lhe mostrar neste curso está menos voltada às equações de Newton e mais voltada a responder: por que ele as fez e como ele as fez. Não tanto do ponto de vista da matemática, mas do momento em que ele olhou para o universo e para a terra e se perguntou: “Será que existe alguma força comum que faz cair a maçã e que atrai a Lua ao planeta Terra? Como ele METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 12 procedeu desde o momento que se fez esta pergunta, passando por observações e experimentos, até produzir uma teoria poderosa? A partir daí será possível mostrar que, apesar de a ciência ter se estabelecido inicialmente em áreas como física, química e biologia – daí os principais exemplos sempre se inclinarem para estas áreas – seu método vai muito além, podendo ser aplicado a muitas outras áreas de conhecimento, inclusive a sua. SÍNTESE Neste capítulo você foi conduzido a fazer uma reflexão da sua imagem de ciência baseada no que você estudou no colégio. Apresentaremos a você uma perspectiva mais ampla de ciência, que vai além dos seus resultados e que poderá ser útil nos diversos aspectos da sua vida. Esperamos que você tenha ficado satisfeito com os resultados obtidos no WebQuest, porque - a partir de agora - entraremos em um percurso para ampliar a sua percepção de ciência e a reflexão sobre o passado será muito valiosa. QUESTÃO PARA REFLEXÃO Diariamente você sai de casa e vai à universidade e precisa, de algum modo, garantir que chegará no horário. Você acha que a rotina que você desenvolveu para conseguir isso tem algo a ver com a ciência? Pense a respeito e nos encontramos novamente na próxima seção para tratar desse assunto. REFERÊNCIAS ANDERY, Maria Amélia et. al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 15. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. ATIVIDADE: CIÊNCIA NO COLÉGIO - WEBQUEST Esta é uma atividade do tipo WebQuest. Se você ainda não participou de uma atividade como esta, faremos uma pequena introdução. Um WebQuest consiste em um formato para o desenvolvimento de uma investigação orientada, na qual a maior parte das informações, que o estudante trabalha, vem da Web. Ele foi proposto por Bernie Dodge em 1995 (DODGE, 1995; DODGE, 2001). Se você quiser se aprofundar mais neste modelo, poderá encontrar informações úteis no site oficial (em inglês) http://webquest.org ou no site em português da Escola do Futuro da USP1. Nas páginas seguintes, apresentaremos nosso WebQuest: Uma das características marcantes de um pesquisador é o costume de coletar dados, classificá-los e sistematizá-los. Neste WebQuest você vai praticar um pouco deste papel. Seu objeto de estudo: livros e conteúdo didático utilizado no ensino fundamental e médio. Sua tarefa: traduzir o conceito de ciências a partir do olhar de um estudante de ensino fundamental e médio. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 13 TAREFA O objetivo deste WebQuest é analisar amostras de livros didáticos, vídeos e textos sobre ciências, direcionados a professores do ensino fundamental e médio, que estão disponíveis em sites na Web. Diferentemente de como aconteceu na sua época de colégio, agora você vai assumir uma atitude externa de pesquisador e seu objeto de estudo é o conteúdo das ciências estudadas. Você vai praticar também o ato de tentar se distanciar do objeto de estudo para analisá-lo, ou seja, não importa se você gosta ou não das ciências que aprendeu na escola, seu papel é “dissecá-las”. Esta será uma análise direcionada e não estamos considerando que você irá ler todo o material. Na próxima seção você será orientado sobre o que deve ler o que analisar e como obter os resultados esperados. Depois de analisar os livros e material sugeridos, você responderá as seguintes perguntas: » O que é ciência e quais as suas características? » Por que nos referimos à “ciência” no singular neste texto e utilizamos “ciências” para nos referir ao que estudamos no colégio? Note que, para que esta atividade seja bem-sucedida, você não deve procurar a definição de ciência em outros sites, pelo contrário, se você fizer isso vai atrapalhar os resultados de sua atividade. Não tenho nenhuma intenção que você construa o conceito correto de ciência, não é este o propósito. PROCESSO Montamos o quadro a seguir, no qual estão organizadas as referências para os sites e sugestões de tópicos para a leitura. TÍTULO DO LIVRO OU MATERIAL TÓPICOS SUGERIDOS PARA LEITURA Telecurso 2000 http://www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/ telecurso_2000 Ciências – Ensino Fundamental (Está com o título alterado para Ciências – Ensino Médio) Biologia – Ensino Médio Física – Ensino Médio Química – Ensino Médio Analise como os conteúdos são organizados; escolha uma ou duas amostras de aula e veja seu conteúdo. Ciências no ensino fundamental: veja a primeira aula (01. Por dentro da ciência); veja a penúltima (69. Vendo o invisível) e última aula (70. Ciência: produto ou método?). Física no ensino médio: veja a primeira aula do Volume 1 (01. O mundo da física) e as leis de Newton, oitava aula deste volume (08. Eu tenho a força! Será?). Programa Educ@r Ciências para Professores do Ensino Fundamental http://educar.sc.usp.br/ciencias/ Analise como os conteúdos são organizados; veja como é abordada a primeira aula (1. A matéria e suas propriedades); escolha uma ou duas amostras e veja seu conteúdo. 2 Escola do Futuro da USP http://www.webquest.futuro. usp.br METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 14 Wikibooks – biologia, física e química http://pt.wikibooks.org/wiki/Biologia http://pt.wikibooks.org/wiki/F%C3%ADsica http://pt.wikibooks.org/wiki/Qu%C3%ADmicaAnalise como é organizado o conteúdo de biologia, física e o conteúdo da Wikipédia e sites relacionados deve ser usado com cautela e trataremos sobre esse assunto na seção onde abordamos, como deve ser ava- liada a qualidade de um texto. Como o propósito desta atividade não é aprender ciências através dos textos do Wikibook e sim analisá-los, eles poderão ser usados para esta atividade sem restrições. Ciência por miúdos Programa zero http://www.youtube.com/watch?v=ZaHizBvf1sI Analise a forma como o experimento científico é apresentado às crianças e como eles foram conduzidos a tirar conclusões. AVALIAÇÃO Nesta atividade você não receberá uma nota pelos seus resultados. Esta estratégia foi adotada para que você se concentre no principal objetivo da tarefa, ou seja, realizar uma reflexão sobre o seu aprendizado de ciências no colégio. É possível que uma nota nesta avaliação desviasse sua atenção e você se preocupasse mais em produzir um resultado para satisfazer a nossa expectativa do que para a sua aprendizagem pessoal. Contudo, esta é uma atividade muito importante para a continuidade de seus estudos nesta disciplina. CONCLUSÃO Espero que este WebQuest tenha sido proveitoso para você, principalmente porque você vai retornar ao nosso texto e iremos transformar os resultados desta atividade na matéria-prima para reflexões na introdução e em outros textos durante o curso. REFERÊNCIAS DODGE, Bernie. WebQuests: a technique for internet – based learning. San Diego: The Distance Educator, 1995. p. 10-13. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 15 DODGE, Bernie. FOCUS: five rules for writing a great webquest. Learning & Leading With Technology, 2001. p. 6-9. COMPREENDENDO A CIÊNCIA ATRAVÉS DO MITO E DA FILOSOFIA Para iniciarmos nossa conversa sobre essa temática, convidamos você para algo inusitado. O texto em destaque abaixo é um dos diálogos de um filme. Você consegue descobrir a que obra estamos nos referindo? - Disse que a máquina está aqui... - Exato. - Por que não a vemos? - Porque estamos em 31 de dezembro de 1899 e a máquina está a centenas de anos a nossa frente - Talvez esta casa não exista daqui a 100 anos. - Porém a máquina ocupa o mesmo espaço que ocupava antes da viagem. - Se ocupa o mesmo espaço, por que não posso tocá-la? - Porque este espaço é o espaço de hoje e não pode tocar no espaço de amanhã. - O espaço não se altera! Este espaço estará aqui para sempre. - Não! O tempo altera o espaço! - Este lugar pode ter estado no fundo do mar tempos atrás... - e em um milhão de anos, quem sabe, seja o interior de uma montanha. - Se isto é verdade, que pretende que façamos com sua máquina? - Máquina? Tenho a intenção de viajar ao futuro. - Ou, quem sabe, o doutor se ofereça como voluntário? [...] METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 16 Bem, se você não conseguiu descobrir, vamos soltar uma pista... o seu roteiro foi adaptado de um bestseller, editado pela primeira vez em 1895 e seu título acabou por se tornar uma meta perseguida por muitos cientistas de várias partes do mundo desde que foi cogitada como algo possível a ser construído. Ah... agora você matou a charada, não foi? É isso mesmo! Estamos falando do filme “A máquina do tempo”. Tudo bem! Você deve estar estranhando a referência a esse filme de gosto duvidoso, que não faz jus ao romance de ficção científica escrito por H. G. Wells e certamente ganhou o prêmio Framboesa de Ouro1 de 2003, mas isso tem um motivo muito plausível. O que você faria se tivesse uma máquina do tempo estacionada na garagem de sua casa ou de seu prédio? Certamente não resistiria e sairia para dar uma volta, não é mesmo? O destino dessa viagem poderia ser o futuro (afinal, todos queremos saber como seremos daqui a dez anos, quais serão as nossas conquistas, ou quem será o campeão da Copa Mundial de Futebol de 2014), mas, como temos uma necessidade emergencial nessa disciplina –[...] - destacaremos/ retomaremos/retornaremos a alguns momentos da história da civilização ocidental para compreender o que é a ciência e como ela chegou a ser o que é. MITO E LOGOS: BASES PARA EXPLICAR E COMPREENDER O MUNDO A ciência, como a conhecemos hoje, é algo que passou a ser produzida aproximadamente a partir do século X d.C., mas tem origens muito anteriores a isso, num tempo identificado como antiguidade. Estamos falando do momento em que surgiu, no ser humano, a necessidade de explicar racionalmente o mundo e a natureza que o cercava. Pelas configurações social e produtiva, características do momento histórico anterior (período micênico, configurado séculos XII a VIII a.C.), a essa necessidade - grupos organizados por relações de parentesco e em torno do totem (animal, planta ou instrumento de trabalho importante para a economia do grupo, organizada de forma a garantir apenas o consumo necessário para a sobrevivência deste), bastava a esse ser humano uma explicação/compreensão de mundo baseada na crença e na fé: a narrativa mítica ou, como mais comumente conhecemos, o mito. [...] o mito é uma narrativa que pretende explicar, por meio de forças de seres considerados superiores aos humanos, a origem, seja de uma realidade completa como o cosmos, seja de partes dessa realidade; [que] pretende explicar efeitos provocados pela interferência desses seres ou forças. Andery. et al (2006, p. 20). O mito era baseado na transmissão do conhecimento (principalmente para explicar o mundo e as formas de produzir condições para a sobrevivência) por meio de gerações e reforçava a ideia da coletividade: o que era produzido pelo grupo, era consumido por este mesmo grupo. 3 Prêmio Framboesa de Ouro O Framboesa de Ouro, prêmio dado ao pior filme do ano, é uma versão escrachada do Oscar, o mais famoso e cobiçado prêmio do cinema. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 17 Através do mito foi possível estabelecer uma relação pessoal e intransfe- rível entre alguns homens (representados pela figura do herói e do rei) e os deuses, fosse no exercício da justiça, fosse no exercício da religião? Pois é, os poemas de Homero (Ilíada e Odisseia) e os de Hesíodo (Os trabalhos e os dias e Teogonia) revelam documentos importantes para a compreensão histórica deste período e também permitem revelar as características do conhecimento até então produzidos. Vejamos, abaixo, um trecho da Teogonia, de Hesíodo: Em verdade, no princípio veio o Caos, mas depois veio Gaia (Tera) de amplos seios, base segura para sempre oferecida a todos os seres vivos [...].De Caos nasceram Érebo (treva) e a negra Noite. E da Noite, por sua vez, saíram Éter e Dia (que ela concebeu e deu à luz unida por amor a seu irmão Érebo) [...] (HESÍODO, p. 116-132). Por conta de um melhor uso de ferramentas, utensílios e do desenvolvimento de técnicas que possibilitaram uma consequente produção excedente, as formas de produzir, fundamentadas nos princípios da coletividade referidos no parágrafo anterior, foram paulatinamente abandonadas. Produzir em quantidade maior do que se pode consumir, implicou no desenvolvimento da relação mercantil e de muitos dos aspectos que, posteriormente,a acompanharão: a divisão social do trabalho, apropriação de produtos baseada na propriedade privada... O período seguinte, o arcaico (séculos VII e VIIIa.C.), caracterizou-se, principalmente, pelo desenvolvimento das polis gregas, ou as denominadas cidades-estados. As polis possuíam uma economia monetária bem definida: cunharam moedas que eram usadas na troca de produtos e que representavam a garantia de autonomia econômica e política, autonomia esta que,em um primeiro momento, esteve pautada em princípios oligárquicos, mas que, também, contribuiu para o desenvolvimento da noção de cidadania e de democracia. [...] implicados na vida da polis, o homem grego tornava-se capaz de transpor parao pensamento as várias instâncias presentes em sua vida: tornava-se capaz de reconhecer como distintos o próprio homem, a sociedade, a natureza, o divino; tornava-se capaz de refletir no conhecimento que produzia abstrações que, cada vez, marcavam as várias instâncias de sua vida (ANDERY et al, 2006, p. 35). Está evidente, no trecho acima, que a nova configuração política e econômica ocasionou uma nova organização social, na qual a narrativa mítica não era mais predominante e que, a partir do século VI a.C., provocou o surgimento de tentativas para explicar racionalmente o mundo que culminaram no que ficou conhecido como o pensamento primordialmente sistematizado pelos gregos. Em contraponto à narrativa mítica, surge o pensamento racional. A razão - ou logos, em seu sentido original - possui dois significados etimológicos: por um lado, reunir, ligar e, por outro, calcular, medir. METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 18 Nos dois significados está claro que ambos relacionam-se com o pensar, capacidade intrínseca e atividade fundamental do ser humano. Razão, para os gregos, opõe-se ao ilusório e ao conhecimento que é dado pelo sentido; o conhecimento racional é aquele que faz ultrapassar as aparências e alcançar a realidade: O conhecimento racional opõe-se ao mítico, pois é um conhecimento sobre o qual se problematiza, não simplesmente se crê; um conhecimento no qual a explicação demonstrada por meio da discussão, da exposição clara de argumentos [...] um conhecimento em que as explicações deixam de ser frutos da ação de seres sobrenaturais e divinos que agem a despeito do próprio homem, para se tornarem explicações baseadas em mecanismos imanentes à natureza ou ao próprio homem em sua ação sobre a natureza (ANDERY et al, 2006, p. 21). Fundamentada nessas bases, nasce a Filosofia, uma nova forma de ver/perceber o mundo. A FILOSOFIA Vamos colocar nossa máquina do tempo para funcionar... Zás! Chegamos num período que é considerado, até os dias atuais, como um divisor de águas no que se refere à maneira como as sociedades produziam conhecimento: o período em que surgiu a Filosofia. Temos como o primeiro filósofo importante: Sócrates, mas antes dele, no âmago da sociedade grega - que se ergue entre os séculos VII e V a.C. -, vários outros buscaram explicar racionalmente a natureza. Dentre eles, temos: » Tales e Anaximandro se preocuparam em desenvolver conhecimentos no campo da Astronomia, da Geometria e da Matemática. » Anaxímenes, um dos primeiros a pensar no homem a partir da sua composição química e que tenta explicar a questão da vida e o que a compõe. » Pitágoras traz a noção de número; de harmonia, no sentido da música, mas quese desloca para ajudar na compreensão do universo; e a noção de alma, como elemento que garante a vida; A noção de número introduzida por Pitágoras fez com que o pensamento racional alcançasse um maior poder de abstração, pois permitiu que os gregos pudessem ir além dos elementos sensíveis e AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 19 compreendessem o que é fundamental na natureza. Por se caracterizar como elemento não sensível (isto é, originado pela abstração), a noção de número implicou na valorização da razão (logos) no processo de produção do conhecimento. Ainda no século V a.C., a Grécia entra em guerra com a Pérsia. O cenário das investigações filosóficas divide-se. Um deles passa a ser Éfeso (Grécia asiática) e o outro Eléia, no sul da Itália. Geograficamente opostas, estas regiões simbolizam as duas direções contrárias que a filosofia tomará nos séculos seguintes. Essas direções têm o mesmo ponto de partida: o questionamento acerca da existência de “um princípio único que explique o mundo em seus diversos aspectos” (ABRÃO, 1999, p. 31). Originários de Éfeso e Eléia, dois grandes pensadores pré-socráticos merecem destaque, pois - além de suas relevantes contribuições para esta questão filosófica/científica - tornaram mais convincentes os argumentos de um dos principais sistemas filosóficos na antiguidade. Estamos nos referindo a Parmênides e Heráclito. Você já ouviu falar neles? Por conta do seu pensamento (exposto em um poema filosófico intitulado Sobre a Natureza2, à Parmênides de Eléia (530 a.C. - 460 a.C.) é atribuído o próprio surgimentoda ontologia; porque não se contentava com a aparência das coisas (busca da essência), Parmênides inaugura a metafísica e a lógica. Por sua vez, Heráclito de Éfeso (540 a.C. - 470 a.C.) foi quem problematizou o dinamismo da physis (natureza), já percebido anteriormente por Tales e Anaximandro. Heráclito acreditava que tudo é mutável. Ele exemplifica esta afirmação dizendo que nenhuma pessoa pode entrar duas vezes no mesmo rio, porque, na segunda vez, não serão as mesmas águas e a pessoa mesma já será diferente. Parmênides afirmava que toda a mutação é ilusória, ou seja, que nada é mutável. As palavras a seguir expressam o seu pensamento: “Indícios existem, bem muitos, de que ingênito sendo, é também imperecível, pois é todo inteiro, inabalável e sem fim.” No ano de 479 V a.C., Atenas venceu a guerra contra a Pérsia. Esta vitória marca a consolidação da democracia na cidade. Anderyet al (2006) sinaliza que, nesse contexto de crescente participação política, tornou-se necessário formar cidadãos aptos à vida pública. A filosofia torna-se um instrumento de educação nas mãos de um grupode sábios, os sofistas3. Exímios argumentadores, para eles bastava que seus discípulos aprendessem a falar e a convencer sua plateia com seu discurso. Por serem estrangeiros, e, assim, excluídos da condição de cidadãos, não se preocupavam com o destino das cidades nem o que a argumentação podia ter de injusto ou imoral. Aliás, justeza e moralidade pouco importavam para eles. Por isso, eram considerados - por muitos representantes da filosofia - como inimigos, mercenários da arte do bem falar. Um aspecto, entretanto, depõe em benefício dos sofistas e não pode ser desconsiderado: para alguns historiadores da filosofia, a exemplo de Abrão (1999), foram os primeiros a se convencerem (e a defenderem!) que as verdades e os valores são instáveis e relativos. A afirmação de Protágoras (485- 410 a.C.), considerado o primeiro sofista, expressa muito bem o pensamento deste grupo: METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 20 “O homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. Você pode estar pensando com seus botões: Muito interessante, mas qual a importância que isso pode ter? Por mais que pareça óbvio e irrelevante para os dias atuais, isso significou dizer que o que estabelece uma verdade, por exemplo, é o contexto no qual ela surge. Para a época, essa percepção, sem sombra de dúvida, era muito inovadora. Então, a filosofia passa a se ocupar das questões propriamente humanas (como a linguagem, importante ferramenta do homem para exercer a democracia, na qual diferenças sociais e econômicas não contam), se afasta das investigações dos pré-socráticos acerca da natureza e do universo. Após a vitória sobre os persas, Atenas se tornou uma grande potência, estendendo sua influência por quase toda a Grécia. É neste clima de apogeu da civilização grega que viveu Sócrates (469-399 a.C. aproximadamente). Você já deve ter ouvido falar sobre ele, mas, pela importância que teve para a filosofia, e, consequentemente, para a ciência, vamos conhecer, agora, mais detalhes da sua história. OS FILÓSOFOS E A CIÊNCIA Sócrates nasceu em Atenas, em uma família que não pertencia à aristocracia da polis. Seu pai era pedreiro; e sua mãe uma parteira. Alguns autores dizem que seu paiera escultor, mas, como veremos adiante, esta não é a única nem a principal controvérsia de sua biografia. Apontado pelo Oráculo de Delfos como o homem mais sábio do mundo, Sócrates sempre dizia que sua sabedoria era limitada a suaprópria ignorância - nosce teipsum -, que traduzida diz: “Só sei que nada sei”. Existe a suspeita de que Sócrates nunca existiu e de que o pensamento a eleatribuído, sua história e sua morte se configuram como alegorias utilizadas por outros pensadores para disseminar suas próprias ideias. Mas alguns estudiosos, como Jaeger (2001), interpretam o fato de Sócrates nunca ter escrito uma só linha como parte do seu compromisso com o método por ele proposto, a maiêutica, que exigia um autoconhecimento provocado por meio do diálogo constante e da troca de ideias. Dizia ele: “Conhece-te a ti mesmo”. Observemos um trecho do diálogo que trava com Trasímaco: AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 21 — E então, Trasímaco? - repliquei – Não repara que os restantes cargos ninguém quer exercê- los por sua vontade, mas exigem um salário, pensando que, do seu exercício, nenhum proveito pessoal lhes advirá, mas sim para seus súditos? E depois, diz-me: afirmamos nós sempre que cada uma das artes se diferencia das outras pelo fato de ter uma polêmica específica? [...] — Diferenciam-se por isso, sim. — E não é verdade que cada uma das artes nos proporciona qualquer vantagem específica, e não comum, como a da medicina, a saúde, a do piloto, a segurança de navegação, e assim por diante? — Exatamente. — Portanto, também a arte dos lucros tem o seu salário? Pois é esse o efeito que lhe é peculiar. Ou dás a mesma designação à arte de curar e à arte de pilotar? [...] — Certamente que não. — Nem chamarás assim à arte de lucros, segundo julgo, se alguém ficar são ao exercer uma profissão lucrativa? — Com certeza que não. — E, então, chamarás à medicina arte dos lucros se alguém, ao curar uma pessoa, ganhar um salário? — Não. — Acaso não concordamos que há uma vantagem peculiar a cada arte? — Seja. — Se há uma vantagem de que gozam todos os artífices, em comum, é manifesto que devem empregar alguma faculdade adicional, comum a todos, e daí derivarem a vantagem. — Assim parece. — Ora nós afirmamos que a vantagem dos artífices, quando ganham um salário, lhes advém de empregarem uma faculdade adicional à arte dos lucros. Concordou a custo. Fonte: Trecho extraído da obra “A República”, de Platão Como você pode perceber, através da maiêutica, Sócrates apenas questiona. Não se propõe a ensinar, quer aprender e, por isso, seu pensamento parece desprovido de conteúdo. Contudo, quando põe em questionamento as verdades dos que com ele dialogam, acaba por demonstrar que o pensamento deve ser prudente. Sócrates opunha-se radicalmente ao relativismo dos sofistas e também duvidava da ideia destes de que a arete (virtude) podia ser ensinada. Para o filósofo ateniense existiam valores e virtudes METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 22 permanentes que precisavam ser conhecidos e seguidos em defesa do bem comum e não somente de alguns: [...] o conhecimento das virtudes humanas, como a coragem, a justiça, dependia, para Sócrates, do conhecimento da Virtude, do Bem. E isso era visto como algo imutável e universal [...]. O conhecimento era, portanto, visto como mecanismo de aprimoramento do homem e da sociedade, e, para Sócrates, o conhecimento era autoconhecimento, porque os homens já traziam em sua alma, necessitando apenas descobri-lo pelo esforço da busca de si mesmo (ANDERY et al, 2006, p. 63). Através da utilização do seu método, Sócrates ganhou muitos seguidores. Foi acusado, entretanto, de corromper a mente dos jovens atenienses e, por isso, foi condenado a escolher entre o exílio e a morte. Todos esperavam que ele fugisse da cidade, mas optou pela morte. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:David_-_The_Death_of_Socrates.jpg Sua morte foi drástica, mas foi bela, quem sabe se não uma metáfora para a decadência da democracia e da própria Atenas, que chegava a mais um momento de conflito: a guerra do Peloponeso. A tela de Jacques David (1787), intitulada como ‘A morte de Sócrates‘, retrata esse momento. Nem o carcereiro, que representava as pessoas que o condenaram, parecia convencido de que aquela morte era necessária e possível. Após a sua morte, os seus discípulos, dentre eles Platão, deram continuidade ao trabalho que ele começou. Mas a importância do pensamento socrático deve-se não só pelo fato de ter influenciado os pensadores que o sucederam (Aristóteles, inclusive, destaca que é Sócrates que introduz a questão dos conceitos universais e da indução que fizeram parte da ciência até a Idade Média). Está, sobretudo, em ter sido capaz de fazer com que a visão naturalista de homem fosse complementada por uma visão ética do homem, ética esta que é transformada em conhecimento rigoroso. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 23 Quer conhecer sobre a história de Sócrates, considerado o pai da filosofia? Acesse o endereço eletrônico a seguir: http://www.acessasp. sp.gov.br/blog/index.php?itemid=240 Platão nasceu em Atenas, mas diferente de seu mestre, filho de uma família aristocrática. Elaborou uma vasta obra escrita que, além do imenso valor literário, tem inenarrável importância para a filosofia e a ciência. Como seu mestre, atribuía ao diálogo um estatuto metodológico, pois através dele era permitido demonstrar que o conhecimento — resultado da reflexão do homem consigo mesmo — “para ser atingido [dependia] da argumentação e da discussão que eram formas de se validar cada passo da reflexão” (ANDERY et al, 2006, p. 67). Assim se configurou a sua dialética. Dentre os discípulos de Sócrates, Platão é o que mais ganhou destaque, pois - além de consolidar uma imagem definitiva de Sócrates, apresentando toda a originalidade de seu pensamento -, elaborou um sistema filosófico que articulava princípios opostos: o de Heráclito, afirmando que tudo é mutável, e o de Parmênides, afirmando que nada se modifica e que o movimento não existe. Platão conseguiu dissolver essa tensão a partir da compreensão de que a realidade que nos cerca está dividida em dois mundos: o inteligível, no qual o conceito não pode ser mudado (este é também conhecido como o das ideias), e o outro, o mundo sensível, no qual é possível a mutabilidade. Para Platão, os conceitos universais e a Verdade estão no mundo inteligível, acessível a todos, mas não sai de lá... como ele próprio afirmava, o que existe no mundo concreto, ou sensível, é uma pálida reprodução do mundo das ideias. Ele explica a existência desses dois mundos, através do mito da caverna, conhecido também como alegoria da caverna. Você quer conhecer o mito da caverna, de Platão? Então, leia o livro VII, da obra “A República”, de Platão. O texto está disponível na inter- net, no endereço eletrônico a seguir: http://educaterra.terra.com.br/voltaire/cultura/caverna.htm http:// educaterra.terra.com.br/ voltaire/cultura/caverna.htm METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 24 Platão indica que, para encontrar a verdade e o conhecimento, é preciso afastar-se da vida prática dos homens, desviando o olhar para outro lugar, fazendo dela teoria de contemplação (theoría). E são nessas bases que funda a sua Academia, nos arredores de Atenas. O detalhe da tela pintada por Rafaello Sanzio, no período renascentista, abaixo, traz Platão apontando para o céu com o indicador, falando do conceito absoluto. Figura 1 - Detalhe de obra do período renascentista Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Imagem:Sanzio_01_Plato_Aristotle.jpg Ampliando a imagem e trazendo outros elementos da tela produzida por Rafaello, se vê Platão apontando para o céu e, ao seu lado, Aristóteles, seu mais ilustre discípulo, fazendo um gesto como se dissesse: “Você está enganado, a realidade e o conhecimento só podem existir a partir do mundo prático”. É nesse ponto que Aristóteles discorda de Platão e vai dizer que o sistema organizado por ele é um equívoco muito forte, porque aseparação entre mundo inteligível e mundo sensível não existe, e o conhecimento só é válido a partir da nossa experiência concreta. Esse é o princípio do pensamento aristotélico presente na frase a seguir: “O que está além da nossa experiência sensível não pode ser nada para nós”. Na mão esquerda, Platão segura o Timeu, um tratado teórico na forma de um diálogo socrático, que apresenta especulações sobre a natureza do mundo físico, enquanto Aristóteles segura sua obra Ética a Nicômaco, na qual expõe sua concepção teleológica4 de racionalidade prática, a concepção da virtude e as considerações sobre o papel da prudência e do hábito na Ética. Aristóteles nasceu em Estagira, cidade grega sob o domínio macedônico, e foi o filósofo que mais influenciou o pensamento ocidental. Ao contrário de seu mestre Platão, que fazia essa distinção entre mundo inteligível e sensível, ele defendia a existência de um único mundo. A partição do pensamento filosófico entre platônico, de um lado, e o aristotélico do outro, inaugurou uma tensão que perpassou a produção do conhecimento e da ciência na Idade Antiga, passou pela Idade Média, chegou na Idade Moderna e na Contemporaneidade como as duas principais correntes epistemológicas que se tem na Filosofia e na Ciência: o Racionalismo e o Empirismo. AULA 1 - CONHECENDO A CIÊNCIA 25 Também forneceu as bases para que o pensamento teológico/religioso cristão se desenvolvesse e dominasse o mundo ocidental por aproximadamente 11 séculos...mas esta história já está longa demais e você deve estar cansado. Por isso, continuamos no próximo texto. Até lá! SÍNTESE Nesse texto, apresentamos a contribuição do mito e da filosofia para a compreensão do mundo e a produção da ciência. QUESTÃO PARA REFLEXÃO Para você, a construção do conhecimento pelo sujeito parte, como afirma Platão, da reflexão teórica ou, como destaca Aristóteles, da experiência concreta? Tente refletir sobre sua resposta... LEITURAS INDICADAS Sugerimos a leitura do capítulo 3 “Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica”, de Maria Amélia Andery. REFERÊNCIAS ABRÃO, Bernadette Siqueira. História dos pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Nova Cultural). A MÁQUINA do Tempo. The time machine (título original). Direção e Roteiro: George Pal. Elenco Rod Taylor, Alan Young, Yvette Mimieux, Sebastian Cabot, Tom Helmore. FicçãoCientífica, 103 min, EstadosUnidos/Inglaterra: Warner Home Video, Dolby Digital Stereo, Color, 1960. ANDERY, Maria Améliaet. al. Para compreender a ciência: umaperspectivahistórica. 15. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed., São Paulo: Martins Fontes, 2001. PLATÃO. A república. Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2003. MÉTODO CIENTÍFICO V ocê acorda pela manhã às 6h, come, toma banho e se arruma para sair; sabe que tem que chegar ao ponto de ônibus umas 6h50, então, se apressa e sai de casa às 6h45; chega no ponto e adentra no ônibus das 6h55; às 7h20 chega na universidade. Todos os dias da semana são assim, com variações menores para mais e para menos, e então perguntamos: “Como você consegue”? Provavelmente você dará uma explicação mais ou menos assim: — Depois de algum tempo, aprendi que levo, mais ou menos, quarenta minutos para sair de casa - depois que acordo -, digamos que são uns vinte minutos para tomar banho e me arrumar, mais outros quinze a vinte minutos para tomar café, escovar os dentes e sair. O ônibus leva uns vinte e cinco minutos para chegar à universidade. Tem um que passar entre 6h50 e 7h05. Se eu conseguir pegar esse, chego no horário, senão, é na base da sorte. O ônibus seguinte pode chegar 7h10, mas costuma chegar entre 7h15 e 7h20 e daí chego atrasado na certa. Por este motivo, acordo às 6h e tento me aprontar em menos de quarenta minutos. Assim, terei uma margem de segurança para chegar no horário. AULA 2 Trilhando o método científico Autor: André Santanchè METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 28 Esta explicação parece bastante razoável e fundamentada em uma experiência sólida. As previsões são mais ou menos acertadas, uma vez que você acorda às 6h e consegue regularmente chegar no horário à universidade. A pergunta seguinte é: este é um conhecimento científico? Aqui apresentaremos o que é considerado por pesquisadores e pensadores uma característica distintiva da ciência em relação a outras formas de conhecimento: o método científico. Historicamente, diversos cientistas e filósofos fizeram análises e críticas ao que chamamos de método científico. Muitas destas propostas atuam sobre aspectos diferentes do método e, em muitos casos, de forma complementar. Salvatore D’Onofrio (1999) faz, no capítulo 2 do seu livro, uma síntese interessante das diferentes perspectivas do método na história, iniciando com Pitágoras, há mais de quinhentos anos antes de Cristo; passando pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles; seguindo por René Descartes e Francis Bacon; e alcançando os pensadores mais modernos. O que apresentaremos aqui é a nossa perspectiva em relação ao método. Note que esta é apenas uma sistematização de ideias, ou seja, uma perspectiva particular, ordenada da maneira que apresentamos, para que você compreenda como se processa o método científico. Não é uma sequencia rígida seguida por todos os cientistas e nem mesmo a única perspectiva para o método. A sistematização que fizemos para apresentar o método científico está apresentada na Figura 1 e traz ideias principalmente da sistematização feita por Bunge (2008) e é retomado e debatido por Marconi e Lakatos (2005). Recomendamos a leitura do capítulo 4 de Marconi e Lakatos (2005) para um aprofundamento sobre aspectos do método científico tratados neste tópico. A Figura 1 mostra um segmento do mapa conceitual desta disciplina ilustrando a nossa perspectiva sobre o ciclo de eventos que compõem o método científico. Para facilitar a compreensão dos eventos, os ordenamos em certa sequencia de apresentação. Tal sequencia não é necessariamente aquela em que acontecem os eventos no método científico, por dois principais motivos: primeiro porque, em muitos casos, ele não acontece nesta ordem; e segundo porque estes eventos podem acontecer em paralelo ou se repetirem mais de uma vez, intercalando-se. Figura 2 - Mapa conceitual da nossa perspectiva de Método Científico Cada um destes eventos será detalhado em um capítulo específico, no qual apresentaremos o respectivo segmento deste mapa conceitual para você se orientar. A seguir, apresentamos uma síntese de cada um dos eventos: » Formulação do Problema: envolve o levantamento de dados, percepção de lacunasno conhecimento e formulação do problema a ser pesquisado, geralmente, na forma de uma questão a ser respondida ou validada nas etapas subsequentes. AULA 2 - TRILHANDO O MÉTODO CIENTÍFICO 29 » Pesquisa de Dados e Conhecimentos: compreende a busca por dados relevantes relacionados ao problema em questão, como também a pesquisa de teorias e outras pesquisas ligadas ao mesmo. Aqui se faz mais presente a revisão da literatura relacionada. » Construção de um Modelo Teórico: a partir dos dados coletados e analisados, esteevento consiste na formulação de uma ou mais hipóteses que, de forma genérica, expliquem o comportamento do que foi observado. » Prova da Solução: as hipóteses formuladas são comprovadas e validadas de formasistematizada. » Apresentação de Resultados: os resultados alcançados são sistematizados, analisados e sintetizados para apresentação ao público. REFERÊNCIAS BUNGE, Mario. La ciencia: su método y su filosofía. Disponível em: <http://www.dcc.uchile. cl/~cgutierr/cursos/INV/bunge_ciencia.pdf>. Acesso em: 02 ago. de 2008. p. 41-43. D’ONOFRIO, Salvatore. Metodologia do trabalho intelectual. São Paulo: Atlas, 1999. p. 26-39.MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 6. ed.São Paulo: Atlas, 2009. p. 83-85. VANCLEAVE, Janice. Janice VanCleave’s guide to the best science fair projects.New York: John Wiley& Sons, Inc., 1997. METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 30 A ESCOLHA DO TEMA E A FORMULAÇÃO DO PROBLEMA “Saibamos honrar os problemas...” (GOETHE, 2003) Olá, A formulação de um problema parece, talvez, a etapa mais simples, mas, ao contrário, é uma etapa crítica na pesquisa. Formular corretamente o problema, de forma clara, simples e objetiva pode ser determinante no sucesso da pesquisa. Por este motivo, já ouvimos mais de uma vez a afirmação de que um problema bem definido é a metade do caminho para a solução. Neste texto, apresentaremos os aspectos necessários para esta formulação. Vamos lá! ENCONTRANDO UM PROBLEMA DE PESQUISA Não estamos certos de que possamos lhe orientar em um procedimento específico para encontrar um problema de pesquisa, pois existem várias maneiras de encontrar um problema e elas estão intimamente relacionadas com o contexto do pesquisador, mas um ponto é indiscutível: ele sempre nasce de uma inquietação que o pesquisador possui, com relação a algo que não compreende (ou conhece), o tanto quanto gostaria ou a uma busca encontrar uma solução eficaz para algo, como encontrar um combustível menos poluente ou mais eficiente, quais os produtos que substituem o açúcar e não têm calorias. O mais interessante é que, não necessariamente, um problema científico está passível de surgir no âmbito de um laboratório secreto (como temos a impressão quando assistimos a programas de TV ou filmes de ficção científica); ele pode surgir, e certamente surgirá, dentro do próprio ambiente em que o pesquisador está inserido, quer seja na organização que estuda ou na empresa em que trabalha. Muitos problemas são identificados a partir da ação coletiva da ciência. Pesquisadores compartilham os resultados de suas pesquisas e, nesse processo, novos problemas despontam como consequência de resultados encontrados em outras pesquisas; lacunas são identificadas; muitas vezes, surgem discordâncias entre pesquisadores que atuam sobre o mesmo problema em perspectivas diferentes. No campo da ciência, os problemas são compreendidos a partir da coleta, sistematização e análise dos dados. Como veremos na próxima etapa, a ciência pode ser entendida como uma busca por padrões. Por este motivo, o problema pode ser resultante justamente da percepção de um padrão de ocorrência ou comportamento. Isaac Newton percebeu um padrão na forma como os corpos se comportam em queda livre para, então, elaborar sua teoria em torno da gravidade; biólogos estão, o AULA 2 - TRILHANDO O MÉTODO CIENTÍFICO 31 tempo todo, atrás de padrões na classificação dos seres vivos, seu comportamento e a relação entre eles (o que há por trás destas classificações senão a percepção de padrões: mamíferos têm pelos, aves põem ovos etc.). Como o método científico é um ciclo, significa também que os resultados alcançados por uma pesquisa irão produzir novos problemas de pesquisa. Isto porque as fronteiras da ciência estão em constante crescimento. Para formular um problema, é preciso encontrá-lo. Não existe uma receita exata nem um método único. Buscar um problema é buscar uma lacuna em uma área do conhecimento de seu interesse, transformando-a em um objeto de estudo. Você deve estar pensando nesse momento: “Certo, concordo...mas, como fazer isso?”. Marconi e Lakatos (2005, p. 161) definem problema como “uma dificuldade, teórica ou prática, no conhecimento de alguma coisa de real importância para a qual se deve encontrar uma solução.” O primeiro passo para chegarmos à formulação de um problema científico, ideia central da investigação, é a escolha do tema - que deve ser claro e preciso. Escolher um tema pode parecer fácil, mas não se engane, pois, indiscutivelmente, não é! Por isso mesmo, é imprescindível que o pesquisador dedique tempo suficiente para realizar esta etapa. Podemos considerar o comportamento humano um tema de pesquisa? Não! E sabe por quê? Porque embora este seja um assunto que interesse muitos profissionais, principalmente das áreas da Psicologia e da Publicidade, por exemplo, ele não se apresenta com a devida exatidão. Para a escolha e a delimitação de um tema de pesquisa, devemos organizar nossas ideias como se elas percorressem um caminho que se estreita a cada passo, isto é, criar um foco. Observe o esquema: Como você pode perceber, o comportamento é um ponto de investigação situado entre uma vasta área do conhecimento (Administração, Psicologia, Antropologia, Educação e Biologia são alguns exemplos de área do conhecimento e vale lembrar que podemos realizar estudos sobre comportamento em qualquer área) e o tópico específico que, dependendo do interesse e da aptidão do pesquisador, vai ser focado (no âmbito dessa área do conhecimento, o comportamento do consumidor), isto é, é necessário fazer aquilo que se costumou chamar de “recorte do objeto” e explicitar o que está incluído e o que fica de fora da pesquisa. Uma perspectiva de se tratar um problema é encará-lo como a relação entre duas ou mais variáveis (ALVES-MAZZOTT; GEWANDSZNAJDER, 2002, p. 149), (MARCO-NI; LAKATOS, 2005, p. 162). Por exemplo, qual a relação entre o “hábito de fumar” (variável 1) e o “câncer no pulmão” (variável 2)? METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 32 Uma recomendação útil - para a caracterização de um problema - é colocá-lo na forma de uma pergunta. Isto nos permite pensar na pesquisa como a busca para uma resposta à pergunta formulada. A fim de diferenciar problemas bem caracterizados daqueles que não são, vamos a alguns exemplos práticos. No primeiro, apresentaremos as etapas para a composição de um problema para a ciência experimental; no segundo, focaremos a sua delimitação através da perspectiva mais, frequentemente, utilizada nas Ciências Humanas. A QUESTÃO DO ÔNIBUS Primeira tentativa de caracterização do problema: Chegarei no horário ao trabalho? Esta caracterização está demasiadamente imprecisa; não dá para saber: » Quais as condições, a partir das quais eu pretendo saber, se chegarei no horário ao trabalho? » A que “horário” eu me refiro no problema? Vamos tentar melhorar a caracterização para: » Qual o horário máximo em que devo acordar para chegar ao trabalho às 8h no máximo? Está bem melhor assim, mas ainda está parecendo um problema pessoal. É conveniente generalizá-lo para: » Qual o horário que uma pessoa adulta deve acordar para chegar ao trabalho às 8h no máximo? Uma orientação muito importante é que você deve aprender a limitar o problema da sua pesquisa. Do jeito que está caracterizado, estão inclusas quaisquer localidades, quaisquer meios de transporte e qualquer tipo de pessoa adulta. Isto produzirá uma infinidade de possibilidades, impossibilitando a pesquisa. Podemos então partir para: » Qual o horário máximo em que um adulto saudável, com no máximo sessenta anos de idade, deve acordar para que consiga, saindo de um local X, chegar ao local Y de ônibus às 8h no máximo? Bem melhor assim. Mas uma análise detalhada mostrará que ainda há aspectos imprecisos. No entanto, não tentaremos avançar na caracterização deste problema. Por quê? Porque em toda a caracterização você deve perceber o ponto em que irá parar. Qualquer definição de problema sempre possuirá aspectos subjetivos, pois ele trata de abstrações (tratamos a questão da abstração em mais detalhes aqui). Nosso propósito não é eliminar toda a subjetividade (porque isso não será possível!), mas minimizá-la. Abstração A importância deste tópico pode ser resumida nesta afirmação: a ciência trata o real atra- vés de abstrações. Ainda hoje me recordo de uma aula que tivemos no laboratório de física, na qualo profes- sor solicitou que utilizássemos um paquímetro com o objetivo de realizar sucessivas AULA 2 - TRILHANDO O MÉTODO CIENTÍFICO 33 medições no diâmetro de uma esfera metálica. A esfera era um daqueles rolamentos de alta precisão. Imaginei que seria uma tarefa inútil, porque todas as medidas resultariam no mesmo valor, mas fiquei surpreso ao perceber que, mesmo tendo realizado dezenas de medições, nenhuma delas resultava no mesmo valor. O que aprendi deste experimento? Que o mundo real é incrivelmente complexo. Ao con- trário dos nossos modelos, não existem esferas de forma exata, chão perfeitamente plano, espaço com atrito constante para a queda de um corpo etc. Então, o que concluímos? Que a física na qual aprendemos na escola é inútil porque trata de um modelo que não tem paralelo no mundo real? Aí entra a questão da abstração. Vamos consultar a excelente definição do dicionário Aurélio (2004) sobre o verbete abs- tração: “Ato de separar mentalmente um ou mais elementos de uma totalidade complexa (coisa, representação, fato), os quais só mentalmente podem subsistir fora dessa totalidade”. O ato da abstração implica separar alguns elementos de uma totalidade complexa; geral- mente, os mais significativos para o contexto em que a abstração é utilizada. Um proble- ma de física no qual adotamos esferas perfeitas, com pesos e medidas exatos, desconside- rando atrito, vento etc., é uma abstração da realidade. Para que serve, então, uma abstração? Posso lhe dar dois bons motivos. Em primeiro lugar, como a realidade é incrivelmente (senão infinitamente) complexa, torna-se impossível tratar mentalmente tal realidade, em um tempo finito e de forma prática sem apelar para abstrações. Em segundo lugar, os nossos instrumentos de repre- sentação e tratamento de dados e o nosso próprio cérebro são finitos. Torna-se impossível lidar com a complexidade do mundo real senão através de abstrações. É importante lembrar que cada abstração despreza alguns aspectos da totalidade complexa que representa. Janice VanCleave (1996) revela uma orientação importante: procure um tipo de problema que possa ser resolvido experimentalmente. Existem problemas que precisam de uma solução, mas muitos deles não exigem uma pesquisa científica. Por exemplo, se o nosso problema fosse: » Qual é o primeiro ônibus do dia X que sai da local Y para o local Z? Este não é um problema que exige qualquer tipo de experimentação, basta uma consulta em algum órgão oficial ou companhia de ônibus responsável pela montagem da programação dos ônibus. Todo avanço da ciência começa a partir dos problemas. Então, citemos alguns exemplos como ponto de partida. Como sabemos, existem vários tipos de leitores, com interesses diversos, tentaremos tratar de exemplos diversificados. Utilizaremos exemplos mais clássicos de ciência associados à física, por exemplo, mas também traremos exemplos na área das ciências sociais. Isso será importante para que você, que não estuda ciências exatas, entenda que a ciência não está restrita aos sujeitos que trabalham dentro dos laboratórios fazendo experimentos físicos ou químicos. Começaremos com um exemplo de física e depois um exemplo em ciências sociais. Ambos os exemplos tratam as mesmas questões, mas sugerimos que você leia ambos, porque eles se enriquecem mutuamente. METODOLOGIA CIÊNCIAS E NORMAS TÉCNICAS 34 O PROBLEMA DA QUEDA LIVRE Nosso primeiro problema não é novo. Vamos tentar refazer a rota de grandes cientistas. A questão é a seguinte: desde criança observamos que qualquer corpo cai em direção ao chão quando o soltamos, exceto, é claro, aqueles balões que flutuam (até hoje eu espero um que se perdeu no céu). Vamos deixar convenientemente a questão dos balões que flutuam de lado e nos concentrar nos corpos que caem. Novamente tentaremos formular um problema de pesquisa. Vou repetir o mesmo caminho de antes. Como formularemos um problema cuja solução já foi extensamente pesquisada na ciência, vamos imaginar que estamos nos deslocando no tempo, para antes de qualquer especulação sobre a ação da gravidade sobre os corpos. Iniciaremos com a seguinte tentativa: » Por que os objetos caem? Genérico e subjetivo demais. O que procuramos? Uma força, um princípio? Como vamos experimentar e provar o que queremos? Tentativa de aperfeiçoamento: » Como a força da gravidade faz os objetos caírem? Existe um risco ao definir um problema desta maneira: misturar o problema que pesquisamos com alguma hipótese sobre as causas do problema. Por exemplo, considerando que estamos em uma época na qual ainda não sabemos se existe uma força da gravidade atuando sobre os corpos, então, assumir isto como existente no tratamento do nosso problema é arriscado. Tentaremos utilizar outro exemplo para esclarecer nosso ponto aqui: suponha que um pesquisador tenha constatado um índice elevado de mortes em uma certa cidade do interior do Brasil. Então, ele resolve fazer uma pesquisa para entender o que está elevando o índice de mortalidade. Considere que o pesquisador está ainda no início da pesquisa, ainda não visitou a cidade, nem coletou dados específicos. Sua formulação do problema poderia ser assim: » Por que a dengue aumentou o índice de mortalidade na cidade X? Se o pesquisador não tem nenhum elemento ainda, considerar a priori - que a dengue está causando estas mortes - significa descartar outras causas que ainda não foram verificadas, como a desnutrição, por exemplo. Então, não é adequado - em um primeiro momento - estabelecer a dengue como parte do problema. Se estivermos interessados em uma investigação dela, é imprescindível que seja apresentada como parte da pergunta que vai ser respondida a partir da pesquisa: O aparecimento da dengue favoreceu o aumento do índice de mortalidade na cidade X, no período Y? Voltando ao nosso problema dos corpos que caem, é importante o cuidado em saber limitar o problema. Ainda que, definir as causas que fazem um corpo cair, seja legitimamente um problema de pesquisa científica, trata-se de um problema bastante amplo. Em 1637, René Descartes, ao escrever o seu Discurso do Método (DESCARTES, 1903) já propunha - em seu método cartesiano - que um problema deve ser dividido em quantas partes for possível; cada parte é, então, tratada individualmente e o conhecimento obtido pelas partes é depois combinado em um conhecimento mais complexo. René Descartes escreveu em 1637 o clássico Discurso do Método (DESCARTES, 1963), no qual propõe um método com quatro preceitos: 1) “Nunca aceitar como verdadeiro nada que eu não saiba claramente que o seja”1; AULA 2 - TRILHANDO O MÉTODO CIENTÍFICO 35 2) “dividir cada um dos problemas examinados em tantas partes quanto possível e necessárias para a sua solução adequada”2; 3) iniciar obtendo o conhecimento dos objetos mais simples e, gradualmente, associá-los para obter conhecimentos mais complexos; 4) “em cada caso, fazer enumerações tão completas e inspeções tão gerais que eu possa estar seguro de que nada foi omitido”3. Os preceitos de Descartes refletem a forma como a ciência atua e deve lhe servir sob dois aspectos: primeiro na forma como você vai conduzir a sua pesquisa que, possivelmente, também será dividida em pedaços menores de estudo, segundo na formulação do seu problema, na medida em que você toma consciência de que seu problema é parte de um esforço maior (um problema maior) e que a sua pesquisa contribuirá com um bloco do edifício. A questão é dimensionar corretamente o bloco. Como seu tempo e os recursos são limitados, você deve aprender a ser comedido. Então, o nosso problema pode ser formulado assim: Considerando que soltemos um corpo qualquer em queda livre, em uma altura A, quanto tempo ele leva para chegar na altura B? Queremos agora retomar uma observação feita no início deste capítulo: que o problema pode ser visto
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