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PARADIGMAS OU CENARIOS EPISTEMOLOGICOS COMPLEXOS?

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1 
 
PARADIGMAS OU CENARIOS EPISTEMOLOGICOS COMPLEXOS? 
 
* Hugo Assmann 
Teólogo e sociólogo, professor de pós-graduação na área de 
Ciências Humanas e Sociais na Universidade Metodista de Piracicaba-SP. 
Fonte: DOS ANJOS, Márcio Fabri. Teologia Aberta ao Futuro. São Paulo, Loyola & Soter: 1997. Pp. 41-66. 
 
Como é notório, de alguns anos para cá fala-se muito em crise de paradigmas. Até certo 
ponto a chamada crise dos paradigmas adquire feições de obviedade, dadas as múltiplas e 
rápidas transformações do mundo atual. E, como veremos, sob diversos aspectos, trata-se de um 
assunto irrecusável. Porém, é bom ficar atento ao contrabando tácito de certos pressupostos de 
cunho nitidamente ideológico. O discurso sobre a crise dos paradigmas transforma-se com 
frequência numa espécie de chantagem para entrar numa tensão para a frente sem se perguntar 
pelo rumo ou para aderir acriticamente a montagens semânticas efetuadas com palavras-curinga 
(tome-se como exemplo a junção verbal: qualidade, produtividade, competitividade, criatividade no 
discurso sobre a “Qualidade Total”). Por vezes o discurso sobre a crise dos paradigmas presta-se 
para simular um caráter providencial e até compulsório dos fatos e o consequente cancelamento 
da busca de alternativas para além da limitada história factual do presente. Serve, então, para uma 
utopização do status quo. Esta advertência preliminar não visa, de modo algum, bloquear a disposição 
de abertura para a mudança de paradigmas, quer apenas sublinhar que não estamos em território 
neutro. 
Este texto compõe-se de duas partes. A primeira entreabre uma espiral conceitual que parte do 
discurso sobre paradigmas e se estende até um novo discurso acerca de configurações epistêmicas 
bem mais complexas. O objetivo dessa primeira parte é familiarizar-nos com os conceitos de 
paradigma e mudança de paradigma, mas sugere também que a noção de paradigma está 
ficando estreita demais para acolher a complexidade de mudanças que enfrentamos e que, por isso, 
talvez convenha nos acostumar, ao menos em certos assuntos, a enfoques epistemológicos mais 
abertos. Nessa linha estão surgindo expressões como novos cenários epistemológicos ou novas 
configurações epistêmicas. Num tópico final dessa primeira parte, destaco o caso exemplar de 
transitividade epistemológica de Edgar Morin. 
A segunda parte traz alguns prelúdios exemplificadores de uma prática teórica transdisciplinar. 
Trata-se de breves exercícios que pretendem alavancar a tese proposta na primeira parte de que 
muitos temas candentes de hoje requerem configurações epistêmicas complexas e conceitos que 
possam transitar através de diversas disciplinas (transversáteis). Para exemplificar isso, escolhi três 
exemplos: a redefinição do conceito de vida que aponta para a coincidência entre processos vitais e 
processos do conhecimento; a insuficiência do modelo computacional para entender o cérebro/mente 
enquanto sistema dinâmico e complexo; e, por último, o tema da complexidade e a relevância e os 
limites das metáforas biológicas e/ou sistêmicas para abordá-lo. 
A ideia de fundo é aproximar-nos de um tipo de pensamento radicalmente transdisciplinar
1
 que 
trabalhe com conceitos transversáteis. E é preciso enfatizar que não se trata apenas de uma nova 
disposição teórica, mas também de uma atitude prática diante da vida e do mundo. Em síntese, nosso 
assunto tem tudo a ver com uma refundamentação do ético-político. 
 
I. DOS PARADIGMAS AOS CENÁRIOS COMPLEXOS 
 
1. Os paradigmas como filtros e acessos na construção da realidade 
 
Que vem a ser um paradigma? O conceito é utilizado em diversos níveis e com referências 
bastante diferentes
2
. Por isso é fundamental dizer de início que o assunto não pode ser discutido no ar 
e que é preciso detectar o quadro referencial no qual está inserido. Assim, a pergunta fundamental é: 
 
1
 A preferência pelo conceito do transdisciplinaridade, em vez de multi- ou interdisciplinaridade, começa a adquirir força sobretudo no 
inglês e no francês; avança rapidamente em português, italiano e espanhol: mais lentamente, por ora, no alemão (confirmar o verbete 
na Internet, por exemplo, via gerenciadores de acesso Alta Vista e Lycos). Exemplos de sites interessantes: o Groupe de Réflexions 
Transdisciplinaires (Université de Pau, França) e sua revista Trans-Disciplines (há um número inteiro dedicado ao conceito 
transdisciplinaridade); Judge, Anthony J. N., Transdisciplinar through structured dialogue; Id., Metaphors as Transdisciplinary Vehicles 
of the Future (disponíveis na Internet). 
2
 Ver Boff, L., Ecologia - grito da Terra, grito dos pobres. São Paulo, Ática, 1995, p. 27: O que é um paradigma?; p. 29: A emergência 
do novo paradigma: a comunidade planetária. 
2 
 
mudança de paradigma em relação a quê? Fora do quadro referencial específico no qual se situa, a 
pergunta inicial é praticamente irrespondível. Mas é possível mencionar algumas características gerais 
do conceito de paradigma. 
Para você, a quem me dirijo neste livro, espero que baste simplesmente nomear alguns 
aspectos básicos para que suas várias implicações sejam percebidas. 
Por que precisamos de paradigmas? Kant tentou explicar isso, razão pela qual ainda hoje boa 
parte da discussão epistemológica sobre os paradigmas retoma e atualiza questionamentos iniciados 
por Kant
3
. Não se pode dizer o mesmo da discussão sociocultural, histórica e ideológico-política sobre 
os paradigmas. Essa recebeu um empurrão importante com o livro de Thomas Kuhn A estrutura das 
revoluções científicas
4
. 
Nosso acesso à realidade não vai além do fenomênico. O próprio sensoriamento do real está 
sempre inscrito em modelizações. Do ponto de vista epistemológico, toda realidade “para nós” é 
uma realidade inventada “por nós”5. É o assunto central da teoria e das formas do conhecimento 
possível aos humanos. Além dessa temática filosófica, há razões mais pragmáticas para recorrer 
a paradigmas. A informação existente hoje é tanta que é mais fácil filtrá-la e processá-la mediante 
janelas (Windows) de acesso. Ao que parece, não apenas o senso comum, mas qualquer ciência 
necessita dessa âncora um tanto positivista que são os paradigmas6. O desafio epistemológico é 
reconhecer seu caráter instrumental transitório e saber distanciar-se dele o mais cedo possível 
sem ter a ilusão de que teremos acesso direto à pergunta sobre o sentido das coisas pela via do 
empirismo. 
É enganoso o aforismo basista de que só o que nasce da experiência é válido. Muita gente 
está tão absorvida nesse positivismo banal do senso comum, ou no positivismo semi-elaborado do 
cientificismo experimentalista, que nem sequer entende o que se pretende dizer com a tese 
epistemológica básica de que todo conhecimento resulta de uma modelização do real. 
Admitida a necessidade de paradigmas que organizem nosso sensoriamento do real e 
permitam sua leitura interpretativa, cabe enfatizar um segundo aspecto: todo paradigma tem um 
caráter histórico relativo ao tipo de perguntas que a humanidade é capaz de colocar-se na época 
histórica em questão. Em outras palavras, não há paradigmas perenes nem omni-explicativos, 
porque em qualquer paradigma há um recorte das perguntas admitidas como relevantes e, 
portanto, uma demarcação do que é admissível como real. Por isso, todo paradigma, além da sua 
inscrição histórica, é relativo em suas linguagens acerca da certeza e da verdade. Nesse sentido, 
creio que foram dados alguns passos epistemológicos importantes, especialmente no século XX, 
no sentido de abandonar algumas das pretensões do cientificismo moderno. Houve, em nosso 
século, diversas importantes despedidas do velho sonho de poder atingir uma linguagem científica 
axiomaticamente perfeita7. 
Todo paradigma contém princípios e critérios deinclusão e exclusão (e, portanto, uma raiz 
de autoritarismo e violência potencial). Os paradigmas tendem a fazer aparecer como natural o 
que cabe neles e como pouco sério, não-científico ou até inaceitável o que não cabe neles. 
Mesmo depois de algumas décadas de discussão epistemológica e sociopolítica sobre a 
relatividade dos paradigmas, esse traço ainda é visto como característica inerente a qualquer 
proposta paradigmática. Tocamos aqui num ponto-chave: os paradigmas, assim como as 
epistemologias específicas de tal ou qual área do saber, sempre funcionam mediante o 
estabelecimento de uma ponte sólida entre o que se tem como certo e o exercício do poder. Os 
paradigmas não existem apenas para explicar o mundo, mas para organizá-lo mediante o uso do 
 
3
 Quitterer, J., Kant und die Thesen vom Paradigmenwechsel – lnwiefetn kann die Tranzendentalphilosophie einen Beitrag zur 
rationalen Rekonstruktion des naturwíssenschaftlichen Fortschritts liefern? Dissertation. Univ. Gregoriana, Roma, 1993. 
4
 Kuhn, Thomas S., A estrutura das revoluções científicas. São Paulo, Perspectiva, 1982; Kuhn, Thomas S., Que son Ias revoluciones 
científicas? Y otros ensayos. Barcelona, Paidós, 1981; Epstein, Isaac, Revoluções Científicas. São Paulo, Ática, 1988. 
5
 Watzlawick, Paul (org.), A realidade inventada. Como sabemos o que cremos saber. Campinas, Psy, 1994. 
6
 A bibliografia sobre o assunto é imensa. Eis alguns títulos: Carvalho, Maria Cecília M. de (org.), Paradigmas filosóficos da atualidade. 
Campinas, Papirus, 1989; Crema, Roberto, Introdução à visão holística - Breve relato de viagem do velho ao novo paradigma. São 
Paulo, Ágora, 1989; Crema, Roberto e Brandão, Dênis H. S. (orgs.), O novo paradigma Holístico: ciência, filosofia, arte e mística. São 
Paulo, Summus, 1990; Crema, Roberto e Brandâo, Dênis H. S. (orgs.), O novo paradigma holístico: visão holística em psicologia e 
educação. São Paulo, Summus, 1991; Garcia, Celio, Um novo paradigma em ciências humanas, física e biologia. Belo Horizonte, 
Editora da UFMG, 1988; Wilber, Ken (ed.), O novo paradigma holográfico e outros paradoxos. São Paulo, Cultrix, 1991; Badiou, Alain, 
Sobre o conceito de modelo. São Paulo, Mandaracu, 1990; Gutting, Gary (org.), Paradigms and revolutions. Notre Dame, Notre Dame 
University Press, 1980. 
7
 Eco, Umberto, La ricerca della lingua perfetta. Bari, Editori Laterza, 1993. 
3 
 
poder. Em última análise, os paradigmas nunca são puramente científicos, porque servem de 
apoio à estabilidade e possibilitam a sensação de segurança tanto na aplicação de métodos de 
pesquisa como na organização do poder. 
Uma questão central é, portanto, a dos "sete fôlegos" ou a tendência dos paradigmas à 
autopreservação e à resistência a mudanças. Essa tendência não existiria se não tivessem 
ocorrido plausíveis comprovações da serventia teórica e prática do paradigma em questão. Os 
paradigmas tendem a sobreviver enquanto conseguem absorver ou marginalizar as anomalias 
que encontram pela frente. Mas precisamente neste ponto Thomas Kuhn acrescentou um ele-
mento explicativo importante: nunca se trata apenas da serventia ou utilidade comprovada de um 
paradigma, porque sempre estão em jogo interesses corporativos muito fortes do "colegiado de 
apoio" (os cientistas filiados a tal ou qual paradigma), e esses interesses corporativos têm um 
papel decisivo na preferência por determinados projetos, na canalização de verbas, no aval 
público e na difusão do conhecimento científico. 
Além de humanamente necessários, historicamente relativos e naturalmente seletivos, os 
paradigmas tendem - talvez por isso mesmo - a "territorializar-se", isto é, tendem a 
compartimentalizar a leitura (construção) do real. Dão a impressão de servir tão satisfatoriamente 
como modelos explicativos para determinados contextos específicos que é enorme a tentação de 
nem sequer tomar conhecimento de outras áreas e dimensões da realidade. É preciso salientar 
que grande parte da comunicação entre os seres humanos só funciona razoavelmente no círculo 
restrito de campos semânticos comuns, geralmente bastante territorializados. 
No mundo de hoje é espantosa a territorialização dos modelos interpretativos. E é bom não 
se iludir: simplesmente não dá para transpor facilmente as percepções do sentido de um campo 
semântico a outro. Trata-se de uma espécie de hologramas sociais que se tocam apenas em 
alguns pontos, ou seja, que têm uma interface mútua sumamente precária. A índole corporativa 
dos paradigmas costuma criar códigos crípticos. (O mesmo sucede com as linguagens intra-
eclesiais de boa parte da teologia e da pastoral que representam um mundo à parte, praticamente 
sem conexões com as demais linguagens acadêmicas e científicas... Seria interessante pesquisar 
até que ponto e em que contextos conseguem criar, apesar disso, hologramas comunicativos e 
em que aspectos realmente não passam de códigos crípticos para a maioria do povo.8) 
Já que não é possível, e provavelmente nem conveniente, querer abolir os paradigmas 
territorializados (vejo com simpatia certos aspectos das propostas multiculturalistas), devemos 
propiciar um chão comum de conceitos transversáteis capazes de inaugurar atitudes, teóricas e 
práticas, que busquem situar-se além das fronteiras dos paradigmas. Receio que não seja 
conveniente aplicar a esse novo patamar pós-paradigmático a terminologia de "novo paradigma". 
Guardo algumas reservas nesse sentido, dada a infecção ideológica da linguagem sobre os 
paradigmas. 
Tomemos como exemplo de particularização contextual e, se quiserem, de infecção 
ideológica (o que não é motivo para desconsiderá-lo) o conhecido vídeo Os paradigmas, bastante 
usado como peça inicial em cursos de reciclagem em gestão empresarial. Nesse vídeo, o conceito 
de paradigma viaja desde as coisas mais banais dos comportamentos cotidianos – nos quais, 
aliás, os paradigmas estão soberanamente encrustados – até a visão ampla de paradigmas 
científicos de Thomas Kuhn. O objetivo do vídeo é muito claro: quebrar as resistências à 
mudança, mostrar as desvantagens mercadológicas do imobilismo e, no fundo, levantar a questão 
do gerenciamento de qualidade ("uma doença que, se você não a pegar, talvez não sobreviva"). 
Dentro desse quadro referencial específico caberia explicar que os paradigmas funcionam 
como filtros na percepção do mundo, que agudizam, por um lado, a capacidade perceptiva para 
alguns aspectos e, por outro, criam uma verdadeira cegueira para o resto, afetam a escolha da 
informação tida como relevante, selecionam as perguntas tidas como válidas e tendem a 
estabelecer parâmetros de crença. Por isso o vídeo propõe estar alerta e viver numa espécie de 
tensão em busca de novos paradigmas emergentes. Já que os paradigmas funcionam como 
modelos de compreensão do mundo, eles simulam sempre uma consistência isenta de 
contradições para poderem direcionar melhor as expectativas. O risco é o da paralisia 
 
8
 Tomem-se como exemplo as peculiaridades das “três tradições" sobre a “nova evangelização” em Comblin, J., Cristãos rumo ao 
século XXI - Nova caminhada de libertação. São Paulo, Paulus, 1996. 
4 
 
paradigmática. (Sobre esse vídeo haveria muito mais a comentar porque, apesar de sua 
aparência laica, obedece a uma estrutura catequético-religiosa quase proselitista.) 
Embora também seja utilizada para contextos restritos e até banais, não cabe dúvida que o âmbito 
mais condizente para o discurso sobre os paradigmas é o das grandes mudanças ocorridas (e por 
ocorrer) nos paradigmas científicos. Foi nesse âmbito que Thomas Kuhn elencou as famosas 
cinco características para um bom paradigma: 
a) Ser exato (não necessariamente a teoria em si, mas suas consequências devem ser 
matematizáveis e experimentalmente comprováveis);b) Ser consistente (sem contradições internas e entendível para a comunidade científica); 
c) Ser amplo (permitindo generalizações além de um campo restrito); 
d) Ser simples (obedecendo ao critério de descomplicar o complicado); 
e) Ser útil (por conter novidade explicativa para adentrar-se em fenômenos ainda não 
compreendidos e, sempre que possível, uma ponte para o conhecimento aplicável). 
 
É impossível detalhar aqui todos os meandros da discussão epistemológica relacionada 
com a questão dos paradigmas (Lakatos, Popper, Feyerabend, Bachelard etc.). Creio que seria 
pouco promissor qualquer esforço por estabelecer uma pauta teórica unificada que servisse de 
denominador comum de categorias e conceitos aplicáveis por igual a todas as ciências. Não 
existe a Ciência como campo inteiramente unificado. Por isso também os exemplos de revoluções 
paradigmáticas costumam ter uma atenção preferencial a determinada área, mais ou menos 
extensa, do conjunto das ciências. 
A chamada revolução copernicana foi muito mais do que a passagem do geocentrismo ao 
heliocentrismo – que se tornou sua metáfora básica –, porque transitou da astronomia para a 
astrofísica (leis da gravidade e do movimento) e das metáforas circulares para as elípticas. Se 
juntarmos as contribuições de Copérnico, Galileu, Brahe, Kepler e Newton, temos um conjunto 
bastante heterogêneo, embora obviamente convergente, de teorias. É importante ressaltar que 
foram necessários 150 anos para que esse paradigma fosse universalmente admitido entre os 
cientistas, e para a teoria newtoniana da gravidade foram necessários outros 40 anos. No caso da 
revolução einsteiniana e quântica, o panorama científico da Física se alterou radicalmente em 25 
anos. 
Nos dois casos citados, o campo referencial básico foi o da Astronomia e da Física, com 
multiplicadas derivações para outras áreas científicas. Os dois exemplos ilustram também o fato 
de que as mudanças de paradigma não são pura substituição de um pacote teórico concluído por 
outro pacote teórico concluído. Há evidentemente uma ruptura radical e, nesse sentido, um novo 
começo, mas sempre permanecem também amplas margens para subteorias e 
complementações. Não se pode, por exemplo, confundir a posição de Einstein com a de Niels 
Bohr, Heisenberg ou David Bohm no tocante à Mecânica Quântica. 
Nas últimas décadas, a convulsão paradigmática mais revolucionária já não se limita às 
novidades na Física e na Astrofísica. Ela se intensificou enormemente no campo das Ciências da 
Vida (Biociências) e na Tecnotrônica (Informática, Inteligência Artificial, Vida Artificial). É 
sobretudo dessas duas vastas áreas que provém, na atualidade, uma profusão de novas 
linguagens e novas categorias analíticas. Os “novos espaços do conhecimento” – para usar uma 
expressão de Ladislau Dowbor9 – abrem-se sobretudo a partir dessas duas áreas, como veremos 
mais adiante. Para entrever parte do novo panorama de questionamentos, valha como exemplo 
introdutório o elenco de questões básicas que John L. Casti levanta em seu livro Paradigmas 
Perdidos10: o genoma humano e as velhas questões da liberdade e da responsabilidade; a 
constituição da identidade do eu e os condicionantes neuronais e das linguagens; a “máquina” 
cognitiva natural do cérebro e sua crescente interação com máquinas cognitivas artificiais; somos 
os únicos seres inteligentes?; A dialética do real e do virtual: quão real é o mundo real? 
 
 
 
9
 Dowbor, L., “Os novos espaços do conhecimento”, in: Revista do COGEIME (Conselho Superior das Instituições Metodistas de 
Ensino, Secret. Geral apud UNIMEP, Piracicaba, SP), n. de agosto 1996 (no prelo). Disponível também na Internet numa primeira 
versão sob o título “Os espaços do conhecimento”. 
10
 Casti, John L., Paradigms lost. Images of man in the mirror of science. New York, William Morrow and Co., Inc., 1989. 
5 
 
2. Aproxima-se o fim do cientificismo racionalista? 
 
Ao que tudo indica, está chegando a um “momento de transformação” uma longa etapa 
evolutiva durante a qual a humanidade “precisou” da crença na existência, em praticamente todos 
os âmbitos da natureza e da história, de supostas “leis objetivas” que estariam garantindo a 
consistência do real. Hoje, o próprio conceito de vida está sendo redefinido como algo que se dá 
sempre na fronteira entre ordem e caos, melhor: como interpenetração de ambos. O 
cérebro/mente é analisado, numa perspectiva pós-mecanicista, como um “sistema” dinâmico, 
complexo e adaptativo. Inteligência e memória são reconceituadas igualmente como processos 
complexos e dinamicamente auto-organizativos. 
Por milênios vigorou uma espécie de obsessão pelos parâmetros ordenadores, tanto na 
concepção da natureza e da história, como na visão do corpo e das formas de ativação neuronal 
do cérebro denominadas “mente”. As epistemologias articuladas a partir dessa ânsia de “fixar o 
real” em formas estáticas de conhecimento estão sendo substituídas por uma visão 
epistemológica que tem como referência básica a autopoiesis – o auto-fazer-se – dos processos 
vivos, imersos interativamente em ambientações (ecologias cognitivas), propícias ou adversas. O 
processo do conhecimento começou a reconciliar-se com a maneira dinâmica na qual acontece a 
vida, redefinida pelas Biociências de hoje como encadeamento de aprendizagens. 
Até muito pouco tempo atrás, os processos de pensamento eram vistos como 
ordenamentos sistematizadores. No Ocidente preponderou o apreço às lógicas formalizadoras de 
linguagens sobre o real, que eram tidas como “expressivas” de algo supostamente “objetivo”. As 
lógicas pretendiam chegar a dizer a “verdade”. Até mesmo o conceito de beleza obedecia 
geralmente a parâmetros de “ordem”. 
As lógicas “científicas” modernas representam a culminação desse longo período evolutivo 
que agora se aproxima visivelmente do seu termo. A revolução epistemológica que está em curso 
atualmente em diversas áreas científicas já se manifesta, há bastante tempo, nas diversas formas 
da expressão artística. A música foi um dos campos artísticos mais profundamente marcados por 
ordenamentos rígidos. Hoje ela se encontra em plena convulsão. 
Os conceitos de ordem e desordem não passam de divisões artificiais que o ser humano 
elaborou para facilitar sua organização mental das aparências muito parciais da realidade que a 
sua limitada capacidade de sensoriamento do real consegue registrar. Trata-se de ferramentas 
epistemológicas do e para o ser humano. Não se trata, portanto, de propriedades do real em si, 
que está fora de nosso alcance perceptivo direto, mas apenas de divisões artificiais atribuídas ao 
real em determinado marco perceptivo. 
Os epistemólogos, que discutem as armações e o caráter histórico das epistemes que os 
humanos foram elaborando para os mais diversos fins interpretativos e pragmáticos, discutem 
muito entre si o que seria universal a todos os seres humanos no que se refere a esquemas 
epistemológicos e o que não passa de constructos socioculturalmente situados. 
Nosso cérebro/mente acolhe e cria conceitos. Enxergamos a realidade mediante as 
linguagens e ideias sobre a realidade que as nossas culturas nos deram. As ideias-acerca-da-
realidade recebem o rótulo equivocado de “realidade”. É por isso que as pessoas, que ignoram 
essa distinção fundamental, costumam ficar perplexas com o fato de que outras pessoas, 
especialmente outras culturas, veem a “realidade” de maneira diferente. O que difere são as 
ideias-acerca-da-realidade. A questão sobre o que é a realidade-em-si refere-se a um nível que 
não coincide com o plano no qual se movem nossas linguagens e conceitos. Mas, para nós, o 
limite de nossas linguagens é o limite do nosso mundo (como dizia Wittgenstein). Não há mundo 
perceptível por/para nós além da nossa elaboração conceitual e linguístico-simbólica apoiadaem 
nosso limitado sensoriamento do real. 
O Windows (janelas), conhecido software para computador, representa uma opção 
epistemológica: a “janelização” de todos os acessos que o programa possibilita. Sua incrível 
versatilidade tem aspectos sedutores. Do ponto de vista filosófico, a opção programática do 
Windows representa uma boa oportunidade para refletir sobre como funciona um reducionismo 
exacerbado acerca do “real admissível” numa visão epistemológica de “janelização” do real. 
Nosso comportamento epistêmico usual é muito parecido com esse tipo de enquadramento 
dentro de enquadramentos dentro de enquadramentos dentro de enquadramentos ... 
6 
 
Costumamos enxergar o mundo através de “janelas" armadas com linhas divisórias. Nossos 
conceitos/linguagens têm marcos/grades embutidos. Filosofias diferentes usam marcos/grades 
conceituais diferentes. Mediante uma janela conceitual determinada percebemos, por exemplo, 
certas coisas como desordenadas e caóticas, que não se “encaixam”. Isso porque estabelecemos 
uma relação enquadradora com determinados parâmetros divisórios de nossa grade mental e 
emitimos o “juízo” de que tal ou qual fenômeno merece o nome de desordem/caos. Em outras 
palavras, na maioria de nossos “juízos” já nem sequer advertimos os pressupostos com os quais 
julgamos e que funcionam como uma “ordem” pré-embutida em nosso marco/grade de conceitos. 
A cultura ocidental nos condicionou fortemente para determinados acessos-janelas na 
percepção da “realidade”. Nossa forma de “pensar” trabalha, em boa medida, com comandos de 
acesso a recortes do real que são como janelas conceituais. O programa Windows ilustra, de 
maneira exemplar, as possibilidades e os limites desse reducionismo epistemológico. 
O pensamento filosófico ocidental esteve tradicionalmente preocupado com confrontações 
e contraposições de um marco conceitual com outro, e foi criando, assim, marcos e mais marcos, 
grades e mais grades, janelizações sobre janelizações, na esperança de encontrar um conjunto 
perfeito de grades/marcos que daria supostamente conta da compreensão da realidade e seria 
(aos olhos dos ocidentais epistemologicamente ingênuos) a expressão plena da “verdade”. 
Isso foi se revelando, nos poucos, como ilusão ou, se quiserem, como um impressionante 
encadeamento de alucinações coletivas, às vezes, praticamente consensuais. Hoje a ciência 
começa a reconhecer seu parentesco com os mitos. Não raras vezes ocorreu na ciência algo 
semelhante às fantásticas elaborações míticas e religiosas sobre as origens e a criação, o 
pecado, a redenção, as colisões apocalípticas entre o reino do bem e o reino do mal, enfim, os 
“novíssimos” ou perspectivas escatológicas. Hoje voltamos a enxergar semelhanças entre os 
grandes “criadores de mitos” (como São Paulo e Santo Agostinho) e os criadores de paradigmas 
científicos. 
Um sintoma revelador da insatisfação com a racionalidade cientificista aparece no enorme 
êxito de livros sobre o papel das emoções no conhecimento humano11. 
 
3. Novas configurações epistêmicas 
 
Há ao menos três grandes áreas de avanços científico-tecnológicos nas quais entrou em 
ebulição o debate sobre a necessidade de novas configurações epistêmicas. São elas: 1) as 
Biociências e a Nova Antropologia; 2) a Tecnotrônica (Informática Avançada, Realidade Virtual, 
Inteligência Artificial, Cibernética de Segunda e Terceira Ordem, Vida Artificial) e 3) a 
Complexidade e os Sistemas Dinâmicos Complexos, que representam em conjunto um novo 
patamar ou uma espécie de cenário epistemológico abrangente que recobre as duas áreas 
anteriores e irradia novos conceitos de forma transdisciplinar. 
1. Entre os grandes temas irrecusáveis, eu citaria os seguintes: 
 a auto-organização dos sistemas vivos (autopoiesis); 
 a bio-psico-sociogênese do conhecimento humano; 
 a coexistência de auto-organização e auto-regulação nos processos sócio-históricos; 
 as teorias dos sistemas (abertos, fechados, dinâmicos e complexos)12; 
 as tecnologias e sistemas de interação cognitiva entre aprendentes humanos e máquinas 
aprendentes (engenharia cognitiva, sistemas aprendentes etc.); 
 a mimética enquanto nova abordagem sociocultural das ideologias e do funcionamento dos 
consensos e dissensos coletivos (memes = os genes da cultura). 
 
2. O termo complexidade parece ter adquirido o status de holograma abrangente desse vasto 
conjunto de temas multidirecionais. Ao debruçar-se sobre a questão da complexidade, Laerthe Abreu 
 
11
 Goleman, D., Inteligência emocional. São Paulo, Ed. Objetiva, 1996 (seis edições de maio a julho); Damasio, Antônio, O erro de 
Descartes. São Paulo, Companhia das Letras, 1996. 
12
 Vale conferir, além das centenas de sites sobre isso na Internet, a revista eletrônica Cybernetics & Human Knowing. A Journal of 
Second Order Cybernetics & Cyber-Semiotics (disponível na Internet). 
7 
 
Jr.
13
 optou por descartar a linguagem solene do anúncio de um novo paradigma: o paradigma da 
complexidade. Preferiu falar de um cenário em que os constructos conceituais não se congelam 
isoladamente, mas formam parte de uma dinâmica de inter-relações abertas. Algo parecido às 
chamadas “instalações” artísticas que admitem percursos internos. Como escrevi no prólogo a seu 
livro, “o conceito de complexidade não pode ficar prisioneiro do senso comum, no qual o termo 
funciona como uma espécie de curinga verbal para aludir a coisas complicadas. Tampouco deve 
incorrer num neopositivismo de suplência para apenas nomear os confins em que os algoritmos 
regenerativos e a maciça computação paralela ainda não se entranharam. Nada a objetar à 
complexificação eficiente dos cálculos, nem a que se os chame de complexos por serem sumamente 
intrincados. Mas a complexidade como ruptura epistemológica com a razão calculante do cientificismo 
moderno refere-se, sobretudo, aquilo que não pode ser analisado pela somatória de todas as análises 
parceladas de todos os seus componentes. O que equivale a dizer que, por mais modelos 
mecanicistas que se invoquem para complementar-se, nunca se chega a capturar por essa via as 
interações que existem no bojo dos sistemas complexos. Só afinado desse modo, o conceito de 
complexidade se presta para inaugurar um novo modelo explicativo não-reducionista". 
 
3. Para perceber melhor para onde apontam essas novas configurações epistêmicas tomemos 
o exemplo da explosão de novas linguagens sobre a morfogênese do conhecimento. Como já terão 
notado, “conhecimento” virou tema obrigatório. Mas convém nos aprofundar nesse fenômeno para 
entendê-lo melhor. Deparamos, então, com o insight básico que consiste na equiparação cada vez 
mais nítida entre processos vitais e processos cognitivos. 
Constata-se hoje uma profusão de linguagens novas sobre o conhecimento. As palavras 
“conhecimento” e “aprender” voltaram a exercer um fascínio quase mágico. Aparecem por todo 
lado. Podemos verificar isso não apenas em títulos de livros e artigos, mas até na publicidade. O 
que estará acontecendo? Já que é impossível mapear aqui todo esse fenômeno, vejamos pelo 
menos alguns exemplos. 
Sociodade do conhecimento (knowledge society), sociedade aprendente (learning society), 
sistemas com base no conhecimento (knowledge based systems), gestão do conhecimento 
(knowledge management), engenharia do conhecimento (knowledge engeneering), ecologia 
cognitiva etc. Essas expressões, e outras similares, rendem um bom número de acessos 
interessantes nos melhores sistemas gerenciadores da Internet. O livro de R. Fagin et al. 
Reasoning about knowledge faz um mapeamento dos novos conceitos e linguagens nesse 
terreno, especialmente na última década14. 
Atentemos para a quantidade de pressupostos teóricos e práticos embutidos nas seguintes 
formulações: "A aprendizagem como processofundante do comportamento econômico – 
Elementos básicos para uma teoria econômica da aprendizagem"15. Ou ainda: "A Organização 
Aprendente - Proposta de criação de uma cultura empresarial orientada para a aprendizagem"16. 
"Evolução, aprendizagem e dinâmica econômica”.17 
É surpreendente a variedade de contextos nos quais se intensificou, nos últimos anos, o 
debate sobre o conhecimento. Não faz tanto tempo que nosso senso comum via o conhecimento 
como atributo exclusivo do homo sapiens sapiens. Este pretendido monopólio desmanchou-se 
com incrível rapidez nas últimas décadas. 
Tanto nas Biociências como na Informática avançada foi surgindo uma quase indissolubilidade 
dos conceitos de agentes cognitivos e sistemas cognitivos. Hoje a noção de agentes cognitivos aplica-
se a um grande número de “sistemas baseados no conhecimento”, ou seja, sistemas complexos com, 
ao menos, dois tipos de capacidade operacional: o manejo e a inovação interna de fluxos informativos 
e o acoplamento funcional, mas flexível, a contextos externos variáveis. 
 
13
 Abreu Jr., Laerthe, Conhecimento Transdisciplinar – O Cenário Epistemológico da Complexidade. Prólogo de Hugo Assmann, 
Plracicaba, Ed. UNIMEP, 1996 (no prelo). 
14
 Fagin, R. et aI., Reasoning about knowledge. The MIT Press, 1995. 
15
 Texto disponível na Internet (Trabalho de habilitação para professor titular do Dr. Oec. Tilman Slembeck – http://www.unisg.ch/-
vwal/slembeck/slem-akt.html). 
16
 Bertels, T./Walz, H., Die Lernende Organisation. Cf. na Internet (por Alta Vista, Lycos ou outro gerenciador) o verbete Learning 
Organization ou diretamente Thomas Bertels Unternem... ; Raggat, T. et aI., The Learning Society. Challenges and Trends. London, 
Routledge, 1995. 
17
 Cf. na Internet AI Roth's game theory and experimental economics page, que abre múltiplos acessos para a inter-relação entre 
dinâmica econômica, aprendizagem, teoria de jogos etc. 
8 
 
“Cognição” (do latim cognitio, conhecimento) é o termo adotado pelas Ciências Cognitivas para 
designar os estudos relacionados com fluxos supostamente informáticos (e supostamente medíveis) 
no substrato neuronal do cérebro/mente e nas máquinas “inteligentes”. Por décadas (dos anos 40 a 80) 
prevaleceu uma vinculação conceitual forte entre cognição e processamento da informação. Ainda hoje 
um grande número de cognitivistas, quer estudem mais o cérebro/mente ou mais o desempenho de 
máquinas “inteligentes”, persiste em preferir teorias estritamente computacionais para a análise de 
processos cognitivos. Mas nos últimos quinze anos, com a crescente aplicação de algoritmos 
recursivos e regenerativos na Inteligência Artificial e o consequente aumento do uso da “lógica 
nebulosa” (fuzzy logic) na tecnologia e na bioengenharia, o conceito de. cognição tornou-se 
transversátil em diferentes ciências. Foi também nesse contexto que se vulgarizou o conceito de “Vida 
Artificial”. Já se tornou normal a aplicação de linguagens cognitivas tanto aos processos de 
conhecimento e aprendizagem naturais como aos artificiais. Mais recentemente, de uns cinco anos 
para cá, já se dá o nome de processos cognitivos ao conjunto de operações mistas que acontecem na 
parceria entre seres humanos e máquinas informáticas. 
A atribuição da capacidade ativa de conhecimento e aprendizagem aplica-se, pois, a plantas, 
animais e máquinas “inteligentes”. Muitos não hesitam em estender o conceito de sistema cognitivo 
complexo a ecossistemas (nichos que propiciam e albergam tais ou quais formas de vida) e sistemas 
sócio-organizativos (empresas, instituições). Não é de estranhar que se fale de aprendizagem e 
conhecimento na economia. Para Friedrich Hayek
18
 (que muitos consideram o inspirador-mor do 
neoliberalismo) e muitos outros economistas, o mercado seria, antes de mais nada, um conjunto 
dinâmico de operações cognitivas a partir das quais estariam surgindo constantemente as mais 
variadas formas de conhecimento (com destaque à formação dos preços etc.), sem a necessidade 
de intenções conscientes. Segundo tais economistas, o mercado seria basicamente uma grande 
máquina cognitiva, isto é, geradora de conhecimentos e experiências de conhecimento. 
Em síntese, a discussão sobre o conhecimento abarca hoje todos os processos naturais e 
sociais nos quais se geram, e a partir daí são levadas em conta formas de aprendizagem. Tudo 
aquilo que é capaz de aprender cumpre processos cognitivos. Embora existam tendências 
redutivistas, é claro que não se trata de ignorar as enormes diferenças de grau e nível nas 
operações cognitivas. A novidade consiste no fato de ter surgido um traço comum, ou seja, um 
conjunto inegável de semelhanças fartos, entre os mais diversos sistemas cognitivos complexos. 
Sob esse ponto de vista, desfez-se em alguns aspectos a nitidez das fronteiras diferenciadoras 
que antes pareciam evidentes. E é sobre as surpreendentes semelhanças entre os mais diversos 
sistemas cognitivos que certas propostas teóricas avançam rapidamente. Por isso, é inevitável 
que comecemos a familiarizar-nos com esse tipo de linguagem, mantendo-nos sempre em alerta 
crítico. 
Para que a nossa reflexão possa avançar em direção a uma série de implicações desses 
“novos espaços do conhecimento” para a Pedagogia, é preciso entender bem um ponto 
fundamental: processos vitais e processos cognitivos tornaram-se praticamente sinônimos tanto 
para as Biociências como para os mentores da “Vida Artificial”19. Note-se que isso significa adotar 
uma definição bastante nova do que se entende por “vida” e também do que se chama 
“conhecimento”. As consequências dessa revolução conceitual para o agir pedagógico são 
simplesmente tremendas. Onde não se propiciam processos vitais tampouco se favorecem 
processos de conhecimento. E isso vale tanto para o plano biofísico como para a inter-relação 
comunicativa. 
 
4. Um exemplo de transitividade epistemológica: Edgar Morin 
 
Quando Edgar Morin se propôs, em meados dos anos 70, repensar uma base mais 
exigente para seu projeto intelectual, que já se manifestara numa produção fecunda de duas 
décadas, concebeu o opus magnum que leva o título de O método20. Conforme nos relata agora 
 
18
 Nemo, Philippe, La société de droit selon F. A. Hayek. Paris, PUF, 1988; especialmente o primeiro capítulo: “Psychologie cognitive et 
ordre sociale”, pp. 21-65. 
19
 Ver Negroponte, Nicholas, Vida digital. São Paulo, Companhia das Letras, 1996; Levy, Steven, Vida artificial – Em demanda de uma 
nova criação. Lisboa, Dom Quioxote, 1993. 
20
 Morin, E., O método. 4 volumes. Trad. port., Publicações Europa-América. 
9 
 
em seus fragmentos autobiográficos Os meus demônios21, sua mente de militante social e político 
havia sido tomada por uma espécie de evidência: não podia continuar em sua trajetória de 
pensamento socialmente engajado sem criar uma refundamentação da visão abrangente sobre o 
funcionamento dos processos humano-sociais. Essa convicção o levou a fazer uma pesquisa de 
fôlego na qual seguiu metodologicamente determinada sequência de passos: abordou, 
sucessivamente, “a natureza da natureza”, “a vida da vida”, “o conhecimento do conhecimento” e, 
só depois, atreveu-se a esboçar uma teoria das “ideias”, já que desejava analisá-las como 
conjuntos quase holográficos em “sua natureza, vida, hábitat e organização”. 
Como consta, Morin cumpriu os quatro mergulhos, expressos em quatro volumes. Só que 
aconteceram, ao que tudo indica, dois “pequenos” imprevistos sintomáticos. O volume sobre o 
conhecimento leva a etiqueta III/1, já que o autor se deu conta de que a discussão sobre o tema 
estava em plena efervescência e não havia como arredondar o assunto. O III/2 foi 
sintomaticamente adiado, embora tenha saído o vol. IV sobre “As Ideias”. O segundo imprevistoé 
da maior relevância: Morin teve de render-se à primazia do tema “complexidade” (ou seja, a teoria 
dos sistemas dinâmicos complexos), que irrompeu na discussão científica nos anos 80 e se 
intensificou nos anos 90. A essa altura já lhe devemos uma série de publicações que resituam 
toda a problemática da morfogênese do conhecimento no interior desse novo cenário 
epistemológico22. Relato essa pequena história porque ela é sumamente ilustrativa para a virada 
científica que está acontecendo sobre o conhecimento. 
Na realidade, ainda não sabemos muito sobre certos aspectos básicos da morfogênese do 
conhecimento, por exemplo, o que acontece com a parte de nosso imenso potencial neuronal que 
fica “subutilizada” ou até socialmente impedida de ativar-se devidamente. Não é absurdo levantar 
a hipótese de que, nas escolas e na sociedade excludente em geral, se pratica um violento 
“apartheid neuronal”. Sabemos algo, mas não muito, sobre hiperativações estressantes do 
sistema nervoso. E só aos poucos começam a aparecer embasamentos científicos mais sólidos 
sobre o papel fundamental do prazer nos processos cognitivos (sobre isso direi algo mais adian-
te). Mas pode-se afirmar com toda segurança que não basta, de modo algum, ater-se a certas 
chaves interpretativas de corte socioanalítico para aprofundar a compreensão da morfogênese do 
conhecimento. O recurso às Biociências já não pode ser visto como algo apenas complementar a 
análises de cunho social e/ou psicológico. Melhor dito, não há como dar-se por satisfeito com 
categorias monodisciplinares. 
 
II. PRELUDIOS A UM PENSAR TRANSDISCIPLINAR 
 
1. A coincidência entre processos vitais e processos de conhecimento 
 
Um aspecto importante é a comprovada capacidade do ser humano de criar, entender, 
observar e manipular regras. É ilustrativo o caso (aludido de forma parecida por diversos 
cognitivistas) daquele homem que conhecia e sabia usar as regras de mais de 140 jogos com 
diferentes baralhos, sabia como lidar com grande quantidade de aparelhos eletrônicos, era 
programador de computadores e hacker (quebrava códigos informáticos), jogava xadrez, além de 
conhecer obviamente os complicados rituais da vida moderna urbana, mas... não conseguia 
acompanhar uma conversa rasamente filosófica por mais de alguns minutos e empacava na 
compreensão do segundo ou terceiro parágrafo de um texto de filosofia, embora se sentisse 
perfeitamente “em casa” na leitura de complicados manuais técnicos. Sobre o que esse caso nos 
leva a refletir? 
Parece que a evolução nos habilitou a funcionar razoavelmente bem como “animais 
instrucionais”. Talvez a forte semelhança ou quase imutabilidade dos processos didáticos ao longo 
de séculos deva-se ao fato de que a escola clássica fez uma espécie de opção preferencial pelo 
nosso lado de animal domesticável e adestrável. E não se pode negar que, onde foi implantado e 
cumprido à risca, esse sistema educativo deu apreciáveis resultados na linha do que se propunha, 
permanecendo mais ou menos fiel à visão mecanicista do corpo proposta por Descartes. 
 
21
 Morin, E., Os meus demônios. Portugal, Publicações Europa-América, 1995. 
22
 Entre elas o texto ágil e de visão geral: Morin, Edgar, Introdução ao pensamento complexo. Lisboa, Instituto Piaget, 1991. 
10 
 
Hoje sabemos que todo conhecimento tem, em sua origem e preservação, uma inscrição 
corporal. Quando se procura compreender as formas de conhecimento como níveis emergentes 
gerados pelos processos auto-organizativos corporais, com seu apoio básico e permanente na 
interação sensorial23 (não homeostática, mas homeocinética) entre, por um lado, os processos 
endógenos do indivíduo com sua relativa autonomia e, por outro, os do meio ambiente propiciador 
ou obstaculizador dos processos vitais, então passa-se a ter um novo patamar explicativo para 
avaliar certos enigmas do comportamento humano. 
A afirmação básica é, portanto, que toda morfogênese do conhecimento – sobretudo na 
criança, mas também no adulto – instaura-se como cognição corporal. Todo conhecimento é um 
texto corporal, tem uma textura corporal. É a partir da compreensão desse aspecto básico – toda 
morphé (forma) de conhecimento é gerada bio-organizativamente – que se multifurcam, depois, 
diversas e diferenciadas ênfases teóricas. Para Maturana e Varela, por exemplo, parece não 
haver legitimação teórica alguma para qualquer tipo de dissociação explicativa entre processos 
linguísticos e orgânico-vitais24. A auto-organização25 físico-orgânica constitui em nós, que somos 
seres bio-socio-culturais, um processo autopoiético (um autofazer-se) unificado com as formas 
simbólico-linguísticas, mediante as quais se manifesta nosso estar-vivos e nossa persistência em 
continuar vivendo, anelando sempre por mais vida. Como expressa Varela em seus avanços pes-
soais, trata-se de uma “em-corporeidade” (embodiment) cognitiva que sucede de um modo mais 
radicalmente corpóreo do que admitem as várias teorias representacionistas. A palavra adequada 
já não seria “representação”, mas “em-ação” ou ação-desde-dentro (enaction)26. 
Até hoje predominaram as concepções mentalistas do conhecimento. A instância 
“operacional” do conhecimento seria a mente e, em decorrência, definiam-se os processos 
cognitivos como processos mentais. A inteligência e mesmo a memória eram concebidas como 
instâncias mentais. Portanto também o ensino era concebido como uma espécie de transação 
entre mentes, ou seja, como transmissão de mensagens da mente do/a professor/a para a mente 
do/a aluno/a. Esse modelo mentalista não é mais compatível com o que hoje se sabe sobre nossa 
corporeidade e, em especial, sobre o funcionamento de nosso cérebro/mente. Faz-se necessária 
uma renovação profunda das linguagens pedagógicas impregnadas de mentalismo. O problema é 
que muitos insistem num conceito mentalista da razão e da racionalidade. Precisamos de 
linguagens pedagógicas que explicitem a inscrição corporal dos processos cognitivos. E o ponto 
de partida fundante de toda uma nova visão do conhecimento consiste em entender a profunda 
identidade entre processos vitais e processos de conhecimento. 
 
2. O cérebro/mente como sistema complexo e dinâmico 
 
Ao que parece também está chegando lentamente ao final a tendência nas ciências 
cognitivas, predominante há trinta anos, que insiste em hipóteses computacionais no estudo do 
cérebro/mente. Hoje cresce o número dos que aderem a modelos interpretativos que tomam como 
base a noção de sistemas dinâmicos complexos e adaptativos27. Em resumo, já se começa a reler 
a história das ciências cognitivas como uma evolução, grosso modo, em três etapas até hoje: 1) o 
simbolicismo computacional, que modeliza os processos cognitivos como processos digitais 
(entendendo-se por “símbolos” algo semelhante aos “bits” do computador); 2) o conexionismo, 
que usa o modelo das redes neuronais complexas; 3) o dinamicismo, que estuda o cérebro/mente 
 
23
 Maccannell, J. F. & Zakarin, L. Thinking bodies. Cambridge Univ, Press, 1994 (livro que estabelece uma ligação explícita entre a 
inscrição corporal do “pensar” e a condição pós-moderna). Como estudo que insere essa visão da intersensorialidade do conhecimento 
numa vasta releitura da evolução, cf. Shipley, Thorne, Intersensory origin of mind. A revisit to emergent evolution. London, Routledge, 
1995. 
24
 Maturana, Humberto/Varela, Francisco, A árvore do conhecimento. As bases biológicas de entendimento humano. Campinas, Ed. 
Psy, 1995. 
25
 Sobre o conceito de “auto-organização”, ver: Flickinger, H-G. & Neuser, W., Teoria da auto-organização – As raízes da interpretação 
construtivista do conhecimento. Porto Alegre, EdipucRS, 1994. Sobre a transdisciplinaridade desse conceito: Selbst-Organisation. 
Ordnungprozesse in sozialenSystemen aus ganzheitlicher Sicht. Hamburg, Verlag Paul Parey, 1987. 
26
 Varela, F. et al., The embodied mind, Cambridge, Mass., The MIT Press, 1991. 
27
 Elias, Chris, Mind as a dynamical system. Waterloo (Canadá), Univ. of Waterloo, 1995 (tese disponível na Internet); Kelso, J. A. 
Scott, Dynamic patterns: the self-organisation of brain and behavior. Cambridge, Mass., MIT Press, 1995 (sumário e resenha 
disponíveis na Internet). 
11 
 
como um sistema dinâmico complexo. Existem obviamente interpenetrações, especialmente entre 
os dois últimos. 
Nenhuma dessas tendências abandona totalmente a ideia de que o cérebro/mente é 
também um “sistema baseado em regras” (a rule based system). A diferença entre os modelos 
explicativos – e ela é enorme! – está em admitir ou rejeitar que os parâmetros ordenadores, 
próprios de um sistema baseado em regras, possam servir de chave explicativa principal para os 
processos cognitivos. É neste ponto que as posições divergem crucialmente. Hoje ganham terreno 
as posições científicas francamente favoráveis ao uso preponderante dos conceitos: 
complexidade dinâmica, auto-organização (autopoiesis, na linguagem de Maturana e Varela em 
Biologia, e em N. Luhman na teoria dos sistemas sociais), níveis emergentes, interpenetração de 
caos e ordem etc. 
O cérebro/mente do ser humano possui uma plasticidade fantástica. A herança da longa 
evolução da vida muniu-o de uma capacidade enorme de captar, criar e observar regras 
operacionais de toda índole. Mas seu destino, amadurecido na evolução, já não é primordialmente 
a elaboração e o cumprimento de regras; já não está condenado a lógicas rígidas e lineares. 
Nascemos inábeis, extremamente carentes e prematuros sob muitos aspectos. Como tal, só 
conseguimos sobreviver porque nossa corporeidade já vem geneticamente impregnada de 
extraordinárias capacidades adaptativas que, em boa medida, implicam a aprendizagem de regras 
comportamentais. Mas o potencial humano é utilizado apenas em níveis muito baixos e 
elementares pelos sistemas baseados em regras fixas. 
Precisamos decifrar pedagogicamente esse estranho paradoxo das habilidades humanas: 
somos seres com capacidade formidável para manejar regras empíricas; a sobrevivência 
evolucionária nos obrigou a isso; mas nosso cérebro/mente já atingiu um estágio de evolução no 
qual não costuma chegar aos mais intensos níveis de aprendizagem (nem geralmente aos mais 
elevados índices de satisfação, embora até isso possa ser distorcido!) por meio de meras 
performances prescritas por sistemas baseados em regras. Forçar o ser humano ao puro 
enquadramento em lógicas rígidas significa desqualificar seu potencial humano. 
Nossa dinâmica neuronal e nossa corporeidade são “subutilizadas” pelas lógicas lineares. 
Paradoxalmente aprendemos a manejá-las com relativa facilidade, mas, ao mesmo tempo, elas 
são banais demais para a imensa plasticidade do sistema complexo, dinâmico e aberto que 
somos. Embora sejamos quase ilimitadamente adestráveis e “domesticáveis”, nunca somos de 
longe o que podemos ser quando apenas nos querem “amestrar” (não é sintomático que amestrar 
tenha virado sinônimo de adestrar?). 
Hoje muitos especialistas sustentam que as lógicas mais condizentes com o modo de 
funcionar do nosso cérebro/mente são as lógicas multivariantes e sistematicamente abertas como, 
por exemplo, a “lógica nebulosa” (fuzzy logic) que procura levar em conta o fato básico do 
predomínio de áreas oscilatórias e indefinidas, e a persistência de referencialidades elásticas – 
como sendo a regra, e não a exceção no funcionamento do cérebro/mente. A “lógica nebulosa”, 
enquanto fronteira avançada de simulações matemáticas (mediante algoritmos recursivos e 
regenerativos) dos processos complexos, procura adentrar-se no caos potenciador que se 
entremeia nos parâmetros ordenadores e levar em conta as estruturas dissipativas e os níveis 
emergentes de “novidades vitais” (a surpresa, o imprevisto), que se misturam e entrelaçam nas 
operações neuronais. 
Existe uma ficção/fixação racionalista que é preciso abandonar e desmanchar. Trata-se da 
ficção, fatal em suas consequências pedagógicas, de que o ser humano, para poder avançar em 
aprendizagens, teria de passar por uma cadeia quase interminável de sucessivas escolhas 
obrigatórias entre o certo e o errado, entre “representações” racionalmente bem focalizadas e 
outras rejeitáveis por estarem desfocadas. Cobra-se, assim, a constante superação da tentação 
de vacilar e duvidar. Duvidar no início, sim; continuar na dúvida, não. Começar com perguntas, 
sim; contentar-se com melhorá-Ias sem necessariamente respondê-Ias, não. A pedagogia das 
certezas rege-se por determinações do saber admissível, que, em última instância, pretende 
espelhar um mundo concebido como regido por determinismos. Nessa pedagogia não se abre 
espaço para o cultivo da perplexidade e do encantamento pelo ainda não desvelado e talvez 
nunca desvelável. 
12 
 
Na realidade, nosso cérebro/mente está neuronalmente predisposto para lidar com 
vacilações, mantendo-as e superando-as, conforme lhe é conveniente. Eis uma das pontas mais 
fascinantes do tema prazer! O cérebro/mente está feito para a fruição do pensar. Por isso a 
ênfase no “pensar próprio” – não apenas como pensamento que consegue tomar forma e 
articular-se, mas também como uma experiência humanamente gostosa – é um tema pedagógico 
fundamental28. O conhecimento só emerge em sua dimensão vitalizadora quando tem algum tipo 
de ligação com o prazer. 
As características caóticas da recepção de mensagens e sinais por exemplo, durante uma 
aula – não requerem ordenamentos imediatos e obrigatórios no plano neuronal. É importante que 
os aprendentes criem o seu fio de pensamento próprio, mesmo durante uma aula. Existem 
distrações criativas (além das que são válvula de escape, autodefesa ou desatenção mesmo). O 
fio de pensamento do ensinante muitas vezes não coincide com o fio do imaginário e do 
pensamento dos aprendentes. O ideal da pedagogia é conseguir tecer redes com todos os fios de 
ensinantes e aprendentes e fazer pesca abundante de conhecimentos. 
Nosso cérebro/mente é feito para aguentar e até cultivar sinuosidades e incertezas. O 
cérebro/mente não recebe nem decifra os impactos sensoriais em categorias binárias. É 
perfeitamente capaz de ver simultaneamente coisas bem diferentes num mesmo mapeamento 
sensorial do “real-de-fora”, porque seu “mundo real” é sempre construído e refeito “desde dentro”. 
O cérebro/mente só passa a viver o drama (em sentido literal, já que para ele é algo dramático) da 
binarização e linearidade quando é exposto, demorada e seguidamente, a tais esquematismos 
formais. Revela-se (rebela-se), então, altamente perito na captação e execução de regras, mas 
possivelmente se ressinta, e muito, na dimensão mais profunda do prazer, dessa adaptação 
forçada ao predomínio de parâmetros ordenadores. 
Se a vida é, como afirmam muitos biocientistas hoje, uma constante interpenetração de 
caos e ordem, equilíbrio e desequilíbrio, então querer arrancá-Ia dessa combinação dinâmica 
sempre implica matá-Ia em parte. Não é isso o que a pedagogia das certezas costuma fazer? Em 
contrapartida, o cultivo de incertezas extremadas também viola expectativas de ordenamentos 
que já trazemos geneticamente incorporadas a partir da nossa história evolutiva. Por isso parece 
recomendável uma pedagogia plástica e sinuosa que incentive certezas operacionais 
imprescindíveis, capacite para modelizações da “realidade”, mas preserve incertezas sobre os 
rumos, para que sejam buscados e não estejam predefinidos. 
As implicações dessa concepção dinâmica do cérebro/mente são particularmente 
importantes para a discussão da cultura pós-moderna. Como se disse no início, o pós-
modernismo é, entre outras coisas, uma tentativa de reintroduzir a lógica nebulosa (fuzzy logic) 
nas práticasculturais, As velhas metanarrativas já não contam com suficiente credibilidade. Por 
uma parte, isso pode dar uma sensação de orfandade àqueles que se nutriam de “certezas” 
oriundas daquelas metanarrativas. Por outra, surge a oportunidade de optar por lógicas mais 
dinâmicas e mais conformes aos sistemas dinâmicos e complexos. Fica aberto, assim, um 
caminho para uma pedagogia que aceite trabalhar com o jogo de certeza e incerteza que constitui 
um aspecto importante do novo cenário epistemológico da educação. 
 
3. Complexidade: sentido e limite das metáforas biológicas e sistêmicas 
 
Há uma dimensão profunda nos processos vitais, cognitivos e culturais que transcorre 
“aquém da identidade e da oposição”29. O conceito provisório de que dispomos para nos referir a 
isso é complexidade, que por ser usado com muita frequência corre o risco de banalizar-se. Há 
centenas de acessos fascinantes a sistemas complexos e adaptativos na Internet. Constata-se um 
cruzamento ousado entre metáforas derivadas das biociências (chamemo-Ias metáforas 
“biológicas”, embora muitos entendam esse conceito à antiga) e dos modelos sistêmicos. 
Como é sabido, os mentalistas têm um medo-pavor dessas metáforas. Elas são, sem 
dúvida, ambíguas e capciosas e requerem distinções. Falar de sistemas fechados (cibernética de 
primeiro grau) e abertos (cibernética de segundo e terceiro grau) não é a mesma coisa; nem é o 
 
28
 Lipman, Matthew, O pensar na educação, Petrópolis, Vozes, 1995. 
29 Colho essa expressão de Pinheiro, Amálio, Aquém da identidade e da oposição. Formas na cultura mestiça. Piracicaba, Editora 
UNIMEP, 1994. 
13 
 
mesmo falar de auto-organização do vivo e auto-regulação do mercado. Portanto, essas 
metáforas podem nos levar a transposições ingênuas da “natureza” para a “história”. De fato já 
não vigoram distinções nítidas entre esses dois conceitos. 
O medo das metáforas biológicas e sistêmicas não se deve principalmente, na minha 
opinião, ao risco de elas se transformarem em peças ideológicas. Deve-se, mais que tudo, à 
persistência obtusa de outras peças ideológicas que impedem a compreensão das instigações 
teóricas que perpassam essas metáforas. Trata-se de bloqueios ideológicos que têm a ver com 
discutíveis esquematismos sobre os “sujeitos históricos” e a “consciência”. Neles não há lugar 
para a ideia de processos auto-organizativos do vivo nem para mecanismos auto-reguladores 
como os que existem no mercado, embora o mercado também seja, ao mesmo tempo, um jogo de 
poderes (como unir a denúncia da “idolatria do mercado” com um discurso também operacional-
mente positivo sobre ele?). No mercado, os dois aspectos podem ser distinguidos e analisados 
como tais, embora sejam inseparáveis. 
O pambiologismo, assim como o pan-sistemicismo, é um risco ideológico inegável. Mas 
isso não pode servir de pretexto para recusar metáforas fecundas. O que alguns ainda não 
percebem é que a própria hipótese do rechaço global dos desafios epistemológicos provenientes 
da Nova Biologia e da IA é totalmente absurda. Já não existe um mundo sem esses avanços 
científicos e tecnológicos e suas linguagens. Portanto também não existe mais a possibilidade de 
ignorar essas linguagens e discutir o sujeito humano sem levar em conta o que hoje se sabe sobre 
auto-organização e/ou auto-regulação, sistemas dinâmicos adaptativos, complexidade, 
inteligência natural e inteligência artificial, e até mesmo “vida artificial”. É no contexto de todo esse 
conceituário novo que se perfila hoje uma visão desafiadoramente nova da morfogênese do 
conhecimento, cuja trama básica tem a ver com a correspondência entre processos de vida e 
processos cognitivos. 
Aos que se apavoram tanto com analogias biológicas e sistêmicas eu diria duas coisas: 
primeiro, que se dessem conta da enorme quantidade de metáforas mecanicistas, que levamos 
embutidas em nossas linguagens e que se vinculam a teorias científicas ultrapassadas. Segundo, 
que confrontem sua visão do sujeito e da consciência com ponderações e perguntas como as que 
seguem. Que dizer dos pressupostos de Freud de que os mecanismos do inconsciente são os 
primários, e não os da consciência? Ou que dizer das afirmações de cognitivistas como Newell 
que acham que, na comunicação humana, os níveis de compreensão semântica recíproca variam 
do normal (menos de 10%) a intensidades privilegiadas (de mais ou menos 30%), havendo 
apenas excepcionalmente níveis de intelecção semântica mútua superiores a 60%? Será que não 
sabemos por experiência própria (em palestras, discussões, refregas ideológicas, incomunicações 
institucionalizadas etc.) que esses índices correspondem aproximativamente aos que sabemos 
por fatos? E como nossa corporeidade viva poderia funcionar sem processos auto-organizativos 
que, afortunadamente, não necessitam de comandos intencionais, porque possuem inscrita uma 
intencionalidade da vida? Vale a pena meditar sobre o que é provavelmente correto naquilo que 
insinua uma conhecida metáfora, a do holograma: estamos, de alguma forma, imersos em 
hologramas sociais que nos permitem um discreto papel ativo, mas que também nos 
“transportam”. 
Não há dúvida de que, uma vez que se tenha entendido razoavelmente o que se pretende 
dizer com as noções de auto-organização do vivo, caos, níveis emergentes, sistemas dinâmicos 
adaptativos etc., fica difícil continuar inventando, a todo momento, poderes perversos conscientes 
por trás dos complexos acontecimentos que nos circundam. A questão do(s) poder(es) não fica 
eliminada de jeito nenhum; e muito menos o esforço por incrementar em nós a consciência 
possível, que sempre será extremamente limitada. Essas questões se tornam um pouco mais 
complicadas, já que não podem mais ser reduzidas ao jogo fácil da invenção do inimigo. 
O conceito de complexidade parece nos libertar da estreiteza da concepção dialética que 
não conseguia sair de esquemas triádicos (tese, antítese, síntese) no interior de uma suposta 
totalidade, confinada em sua estrutura, em que não havia “além” nem “aquém” sem que se 
passasse pela famosa “contradição”. A “consciência” tinha sido erigida numa instância que 
inaugurava o “histórico”, mas ignorava soberanamente a essência fluida dos processos vivos. 
Como então chegar a aceitar que o interfluxo de parâmetros, caóticos uns e ordenadores outros, 
constitui conjuntamente a dinâmica da vida, e que o mesmo vale para a dinâmica do 
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conhecimento? Não há dúvida de que, para achar tudo isso extremamente fascinante e razoa-
velmente esclarecedor, é preciso passar a outro tipo de dialética. 
 
Conclusão 
 
A reflexão deste texto quis tecer uma espécie de cortina transparente através da qual se 
pudesse adivinhar um outro espaço a ser iluminado pela reflexão de cada um de vocês. Nele 
começaram a transparecer, quase como personagens em inevitável desnudamento, temas como 
o do sujeito histórico, da consciência possível, das inter-relações coletivas, das caminhadas que 
avançam e dos passos que trepidam e por vezes se cansam... Enfim, uma série de temas ligados 
à busca de uma sociedade mais participativa e justa. Não é hora para desânimos, mas tampouco 
para as mesmices ideológicas de sempre, ocas e medíocres. A escolha desses e não de outros 
prelúdios pretendeu ser a forma suave e não excessivamente brusca para dar a entender que é 
preciso começar a admitir que, sob muitos aspectos, o buraco do ético-político “é mais embaixo”.

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