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mente e cérebro PÂNICO o medo de ter medo

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ANO XIII
No 303
ps ico log ia • ps icaná l i se • neuroc iênc ia
PÂNICO
 | ESPECIAL | 
O QUE AS CRIANÇAS GUARDAM NA MEMÓRIA
PSICANÁLISE
O novo sujeito da
contemporaneidade
OUVIR A LUZ
Cientistas descobrem 
como pessoas 
surdas “escutam”
 sinais luminosos
Técnicas que funcionam como pronto-socorro
para combater crises de ansiedade
o medo de ter medo
ELETROCHOQUE
A utilidade do 
tratamento que já foi 
usado como tortura
Além dos limites do pavor
V
ivemos em um mundo assustador. Na maior parte do tempo transitamos entre 
necessidades, obrigações e desejos como se tivéssemos controle sobre a maio-
ria das variáveis que nos rodeiam, e procuramos acreditar que temos muito mais 
autonomia do que de fato dispomos. A fragilidade, no entanto, salta aos olhos quando 
o ambiente – externo ou interno – desafia nossa restrita capacidade de manter as coisas 
como desejamos. “Apesar das transformações culturais, ainda há pouco lugar para dife-
renças, as subjetividades contemporâneas caracterizam-se pelo apagamento da alterida-
de e há grande tendência em nos reduzirmos à dimensão da imagem”, diz a psicanalista 
Luciana Menezes, uma das especialistas ouvidas nesta edição de Mente e Cérebro. Em 
sua opinião, o pânico tem uma dimensão social, na medida em que expressa o fracasso 
do sujeito em atender às exigências dos ideais e valores que a sociedade atual prega. 
Não por acaso a síndrome ganha espaço progressivo e cada vez mais pessoas enfrentam 
seus sintomas físicos e psicológicos. No entanto, vale lembrar que nada é puramente 
psíquico, já que os fenômenos de ordem emocional estão associados a reações físicas – e 
vice-versa. Além disso, o cérebro tem participação fundamental nesses processos. Mais 
especificamente, as estruturas que deflagram o pânico são as mesmas que desenca-
deiam reações de fuga e luta, necessárias em situações de risco verdadeiro. O problema 
é que, às vezes, esse mecanismo de interpretação do que é perigo passa a funcionar de 
forma descontrolada.
De forma simplificada, podemos dizer que, do ponto vista neurológico, o pânico re-
sulta da hiperatividade do sistema cerebral, que foi desenhado para produzir respostas 
imediatas às ameaças à própria vida. Para lidar de fato com o medo extremo da finitude, 
é fundamental haver-se com as próprias angústias e elaborá-las em um ambiente tera-
pêutico seguro. Simultaneamente ao processo de autoconhecimento, algumas atitudes 
práticas podem ser fundamentais para diminuir a ansiedade e permitir a travessia com 
maior tranquilidade por uma crise de pânico, apreendendo esse momento desconfortá-
vel como o que de fato é: uma crise que, como tal, tem começo meio e, felizmente, fim. 
Boa leitura.
GLÁUCIA LEAL, editora-chefe 
glaucialeal@editorasegmento.com.br
carta da editora
sumário | abril 2018
capa
 Um fantasma 
chamado pânico
Quando sensações 
inesperadas de medo 
irracional se tornam uma 
ameaça e a pessoa passa 
a conviver com o temor 
constante da morte iminente, 
os índices de estresse 
se tornam absurdamente 
elevados e o mundo, 
muito mais ameaçador
32 Do que você 
tem medo
Esse sentimento resulta 
de processos tão básicos 
quanto a respiração ou a 
digestão; mesmo assim, 
compreender e descrever 
o que acontece em nosso 
cérebro quando algo nos 
apavora continua sendo 
um desafio para cientistas
38 Pronto-socorro 
contra o pânico
 O que passa em sua cabeça 
quando reconhece os sinais 
de uma crise? Talvez pense: 
“Estou morrendo, estou 
ficando louco, vou desmaiar, 
estou enjoado, vou passar 
vergonha em público”. 
E a lista continua. Para lidar 
com a angústia e evitar 
que o descontrole aumente, 
alguns exercícios práticos 
podem ser muito úteis
especial
58 Do que as criançasse lembram?
A forma como os pequenos aprendem os leva a
criar mais recordações falsas e fantasias do que
os adultos; novas maneiras de investigar o
assunto, porém, têm trazido novas pistas
sobre esse tema
08 O que um
sorriso revela
Estudos sobre a capacidade
de decifrar as nuances das
expressões faciais mostram
como o cérebro acessa
memórias e decodifica gestos
16 O novo e o sujeito
 Com tantas transformações 
ocorrendo de forma rápida 
e múltipla no mundo 
contemporâneo, são 
inevitáveis as indagações e os
questionamentos a respeito
do que se transforma e do que
permanece em relação ao que
acreditamos saber sobre o 
funcionamento psíquico 
44 Expectativas 
influenciam efeito 
de medicamentos
Acreditar tanto no efeito 
positivo quanto no negativo 
dos remédios que tomamos 
pode mudar a maneira como o 
organismo recebe a droga e a 
forma como ela age 
48 Os sons da luz
Estímulos luminosos podem 
produzir atividade neural bastante 
precisa no tronco cerebral, similar 
à provocada pela audição normal; 
os animais conseguiram ter um 
elevado grau de discriminação, 
superior ao que próteses atuais 
podem alcançar
 62 Por que 
esquecemos nossos 
primeiros anos
 O cérebro do bebê prioriza 
a aprendizagem em vez 
da formação e consolidação 
de recordações duradouras 
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Marcio Cardial e Rita Martinez 
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Edição no 301, fevereiro de 2018, 
ISSN 1807156-2.
NOTÍCIAS Notas sobre fatos relevantes nas áreas de psicologia, 
psicanálise e neurociência.
AGENDA Programação de cursos, congressos e eventos.
Saiba com antecedência qual será o tema da capa da próxima edição
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CARTA DA EDITORA
6 
ASSOCIAÇÃO LIVRE
69 
LIVROS
seções
52 A verdade sobre 
a terapia de choque 
 Apesar de a eletroconvulsoterapia 
ser uma técnica ainda cercada de 
preconceitos, há casos em que pode 
ser uma solução razoavelmente 
segura para algumas doenças 
mentais graves
64 Marca-passo 
cerebral para 
retomar movimentos 
 Aplicada por neurocirurgiões 
brasileiros, técnica tem obtido 
sucesso em conter o avanço dos 
sintomas da doença e proporcionar 
melhor qualidade de vida aos 
pacientes, que chegam a obter uma 
melhora de até 90% após a cirurgia
associação livre
XTEATRO
Quando a inclusão 
sobe ao palco 
Montagem do grupo Os Satyros, na Praça Roosevelt, no centro 
de São Paulo, apresenta elenco formado por artistas refugiados, 
trans e egressos do sistema prisional 
O espetáculo O incrível mundo dos baldios se passa em uma noite de Ano-Novo, em que um anjo circula pela Terra e um peregrino busca atender às promessas 
de pessoas que esperam por milagres para suas vidas. Surgem daí cinco encontros 
inesperados. Em uma casa de repouso, uma voluntária dá um banho em um velho 
palhaço adoentado. Em um ponto de ônibus, uma cantora maranhense conhece 
dois verdureiros evangélicos. Na quebrada, um segurança faz um plano com um 
amigo para enriquecer rapidamen-
te. Em um cruzeiro, uma advogada 
bem-sucedida vive seus últimos mo-
mentos ao lado de uma médica e um 
amigo. Em uma área de fumantes de 
um clube, uma refugiada palestina 
conhece um adolescente perdido.
As histórias apresentadas nas-
ceram das biografias dos próprios 
participantes. Partindo do contato 
entre os diferentes, a peça se pro-
põe o diálogo em um mundo que se 
mostra, cada vez mais, carregado 
de polarizações, intolerância e ódio. 
A palavra “baldio” não foi esco-
lhida ao acaso, pelo contrário: faz 
referência à ideia de algo inútil, sem proveito, utilizado basicamente para terre-
nos abandonados. Do ponto de vista capitalista, é “baldio” todo e qualquer grupo 
social que não faça parte da força de trabalho utilizada com o fim de gerar lucro. 
Transexuais, refugiados, idosos, negros, adolescentes em situação vulnerável e 
ex-detentos são grupos sociais com dificuldade de inserção na força econômica 
e social. Nesse sentido, Os Satyros se consideram tão baldios quanto esses gru-
pos e essa identificação é o que nos une: somos a escória econômica, que vive à 
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associação livre
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sombra de um sistema que visa, acima de tudo, a geração de lucro. 
No sentido clássico da língua, no entanto, “baldios” eram os terrenos comu-
nitários de pequenas vilas do interior de Portugal que eram utilizados para rea-
lizar várias ações comunitárias, tais como celebrações, hortas, festas e eventos 
culturais. Os baldios portugueses eram os espaços do convívio social, da troca 
simbólica e cultural, do prazer da coletividade. Os Satyros buscam fazer das 
suas ações na Praça Roosevelt um grande baldio, onde os mais diversos grupos 
sociais, vindos dos mais diversos pontos da cidade, podem se sentir acolhidos 
e o convívio social possa ser enriquecedor e respeitoso.
O projeto foi construído pelo grupo de teatro no jogo entre os dois significa-
dos dessa palavra. A pesquisa do elenco foi desenvolvida durante sete meses, 
com base nas experiências biográficas dos próprios participantes e acabaram 
ecoando na proposta de dramaturgia de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. 
Os atores mais antigos da companhia (Ivam Cabral, Gustavo Ferreira, Fabio Pen-
na, Henrique Mello, Julia Bobrow, Ju Alonso, Lorena Garrido, Robson Catalunha 
e Sabrina Denobile) dividiram o processo com novos integrantes, como Roberto 
Francisco, ator idoso morador do Palacete dos Artistas; Junior Mazzine, egresso 
do sistema prisional; Oula al-Saghir, refugiada palestina recém-chegada ao país; 
Alex de Jesus, adolescente contemplado pelo projeto teen dos Satyros e egresso 
da Fundação Casa; e a transexual Márcia Dailyn. 
Desde a sua fundação em 1989, Os Satyros tem se dedicado a ter em seus 
processos criativos artistas vindos de minorias silenciadas que, além de sua posi-
ção social historicamente vulnerável, foram alijados de qualquer acesso ao mundo 
teatral. A chegada do grupo teatral à então deteriorada Praça Roosevelt, em 2000, 
aprofunda o interesse da companhia em abordar as questões dos grupos sociais 
subalternizados, transformando a trajetória estética do próprio coletivo.
O incrível mundo 
dos baldios. Duração: 
85 minutos. Satyros Um – 
Praça Roosevelt, 214 (tel. 11 
3258 6345). Sextas às 21h; 
sábados às 19h30 e 21h30; 
domingos às 19h30. Até 26 
de agosto de 2018. Ingresso: 
R$ 20,00 (inteira)/ R$ 10,00 
(meia)/ R$ 5,00 (moradores 
da Praça Roosevelt). 
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O que um 
sorriso 
revela
Estudos sobre a capacidade de decifrar as 
nuances das expressões faciais mostram como 
o cérebro acessa memórias e decodifica gestos
O AUTOR
ALBERTO OLIVERIO é neurobiólogo, professor de psicobiologia da Universidade La Sapienza, em Roma.
comportamento
A
s expressões faciais revelam muito sobre nossos in-
terlocutores. Com base em mínimos indícios que às 
vezes escapam à consciência, somos capazes de 
avaliar em que medida expressões amigáveis são 
autênticas ou falsas, detectamos se um sorriso é espontâneo 
ou de conveniência, se uma risada é sincera ou forçada. Essas 
nossas competências derivam, pelo menos em grande parte, 
de duas questões geométricas. Sabemos intuitivamente que: 1. 
a expressão facial espontânea implica uma resposta simétrica 
das duas metades do rosto; 2. os diversos mús-
culos faciais são ativados de modo simultâneo e 
rápido. Algo que fuja disso, portanto, costuma – 
ou pelo menos deveria – fazer piscar nosso “si-
nal vermelho interno”, avisando que algo ali não 
parece exatamente sincero. 
No entanto, nem sempre somos capazes de 
avaliar objetivamente as expressões dos outros, 
principalmente quando queremos mentir para 
nós mesmos – por exemplo, quando contamos 
uma piada com tanta animação que não perce-
bemos que quem está ouvindo demonstra estar 
se divertindo só por gentileza ou conveniência.
De que depende a capacidade de decifrar as 
expressões faciais? Hoje sabemos que o hemis-
fério direito tem papel central nessa forma de 
decodiicação: a prova mais evidente é o fato 
de que as pessoas que sofreram uma lesão na 
metade direita do cérebro apresentam déicit 
relativo à compreensão das expressões faciais. 
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Quando o problema se refere especii camente às expressões 
de medo, a lesão é localizada na amígdala direita. Diante de 
gente de carne e osso ou de fotograi as que retratam expres-
sões de medo ou de terror, os pacientescom uma lesão nessa 
área cerebral demonstram não entender o signii cado das ex-
pressões faciais, como se fossem impermeáveis à mensagem 
visual, mesmo que possam descrevê-la com detalhes. 
Também no que se refere à compreensão da expressão fa-
cial das emoções, foi observado o predomínio do córtex motor 
do hemisfério direito (que contro-
la a metade esquerda do rosto, 
enquanto o córtex do hemisfério 
esquerdo controla os músculos 
faciais do lado oposto). Com um 
programa de computador capaz 
de revelar a dinâmica de uma ex-
pressão facial, é possível obser-
var que em um sorriso forçado 
(ou dado após a pessoa receber 
um comando para que sorria) o 
hemisfério direito está mais capacitado para governar a “meta-
de sorriso” da esquerda, enquanto o esquerdo se mostra me-
nos capaz. Na prática, isso se traduz em maior artii cialidade de 
expressão na metade direita do rosto. 
Mas há uma questão a ser considerada: o fato de que, nas 
pessoas que sofreram lesão em qualquer lado do córtex motor, 
o sorriso comandado, controlado pelo córtex, ser obviamente 
limitado à parte do rosto que corresponde aos comandos do 
córtex saudável – da direita ou da esquerda – faz com que o 
sorriso seja, portanto, totalmente assimétrico. Essas mesmas 
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pessoas podem, no entanto, sorrir ou rir de modo pleno, isto 
é, com as duas metades do rosto se a emoção for espontâ-
nea: isso ocorre graças à intervenção dos gânglios da base, 
núcleos nervosos localizados no interior do cérebro que têm 
a função de governar gestos automáticos e memórias proces-
suais como caminhar, andar de bicicleta, rir e sorrir.
Focos de atenção
Considere um paciente que sofre de 
diminuição das funções do cérebro 
após uma alteração da circulação 
do sangue (íctus), o que pode acar-
retar uma hemiparesia (interrupção 
parcial dos movimentos de um ou 
mais membros superiores, inferio-
res ou ambos conforme o grau do 
comprometimento). Se o pesquisa-
dor lhe pede que sorria ao seu co-
mando ou por conveniência, para 
ser gentil, seu movimento será par-
cial. Mas, se a mesma pessoa en-
contra um amigo querido, o sorriso surge de forma normal, no-
vamente simétrico, visto que é relacionado aos automatismos 
governados pelos gânglios da base, não atingidos. Em alguns 
casos, bastante raros, é possível observar uma lesão de meta-
de dos gânglios da base (direita ou esquerda): nessa situação, 
o sorriso comandado emerge graças ao fato de o córtex motor 
estar íntegro, enquanto o espontâneo, devido aos gânglios da 
base, falha. Geralmente, porém, apenas as pessoas próximas 
percebem isso. 
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Mesmo para quem não tem nenhum problema em nenhum 
dos dois hemisférios cerebrais, talvez o mais indecifrável dos 
sorrisos seja o da Mona Lisa. Ai nal, qual é o segredo que tor-
na tão mutável a expressão da Gioconda retratada por Leo-
nardo da Vinci? Em geral, as respostas baseiam-se no pres-
suposto de que a ambiguidade se deve à técnica do sfumato 
(“esfumado”, em italiano), que desfoca os cantos dos olhos e 
da boca dando ao quadro um ar de mistério. Mas a neurobió-
loga Margaret Livingstone, pesquisadora da
Faculdade de Medicina da Universidade
Harvard, propôs uma explicação ba-
seada nas diferenças da percepção
da chamada “frequência espacial” 
no interior do nosso olho. Trata-
-se de uma medida de quanto é 
detalhada uma imagem: se para 
cada centímetro quadrado da tela 
de um computador há mais pixels
(isto é, pontinhos que emitem luz),
então a representação do objeto é mais
nítida. Ou, em outras palavras, a frequência
espacial é mais elevada. Quando utilizamos a visão central
(mirando diretamente o objeto), apreciamos, sobretudo, as
imagens nítidas (frequências elevadas), antes das maldeini-
das, enquanto a nossa visão periférica é mais apta a perceber
os contornos esfumados.
Assim, segundo Livingstone, quando não olhamos dire-
tamente a boca da Mona Lisa, percebemos a parte “alegre”
escondida nas baixas frequências, isto é, no esfumaçado dos
lábios. Mas, se direcionamos o olhar para os lábios, perdemos
comportamento
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ga
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uma parte de seu sorriso e temos a impressão de que a ex-
pressão muda.
No livro A expressão das emoções no homem e nos animais, 
de 1872, Charles Darwin buscou uma explicação do signiica-
do das expressões no reino animal, perguntando-se por que 
se apresentam em certas formas particulares. Segundo o pai 
da teoria da evolução, nos homens numerosas emoções têm 
uma expressão universal, isto é, são as mesmas independen-
temente de raça, cultura e nível de instrução. São inatas, e não 
adquiridas, mero produto do nosso caminho evolutivo. Nós, 
humanos, temos uma gama de expressões complexas cujo 
signiicado, ao longo do tempo, se imprimiu na nossa mente. 
De forma análoga, os animais possuem expressões que lem-
bram as nossas: os répteis, por exemplo, emitem sinais quando 
abrem a boca mostrando os dentes.
No início do século 20, os behavioristas puseram em dúvi-
da a universalidade das expressões faciais dos estados emo-
cionais, mas depois dos anos 50 alguns estudos conirmaram, 
sem margem a dúvidas, a existência de expressões universais. 
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Em 1969, o anatomista Carl Hjortsjö descreveu em detalhe o 
efeito dos 23 músculos mímicos da face durante os estados 
emocionais. Com base nisso, ao im dos anos 70, os psicólogos 
Paul Ekman e Vincent Friesen criaram 
o Facs (Facial Action Coding System, 
ou Sistema Codiicador da Ação Fa-
cial), um conjunto de todas as ações 
musculares associadas à expressão 
de dada emoção, que inclui a medida 
da intensidade das contrações e da 
sua duração. Por exemplo, no caso de 
um sorriso de alegria, contraem-se o 
músculo zigomático maior, que ergue 
os cantos da boca, e o músculo orbi-
cular do olho, que estreita as órbitas 
oculares.
Nó de contato 
Ekman e Friesen usaram depois es-
ses dados para medir o grau de con-
cordância das expressões entre os 
membros da etnia fore, na Nova Gui-
né, e em americanos. Depois levaram 
em conta registros em vídeo e foto-
graias de expressões faciais efetuadas entre japoneses, bra-
sileiros, chilenos e argentinos. Suas pesquisas conirmaram a 
concepção evolucionista de Darwin e constituíram a prova da 
universalidade para oito emoções: surpresa, tristeza, cólera, 
prazer, desprezo, nojo, vergonha e medo. Os estudos condu-
zidos nos últimos anos no campo das neurociências mostram 
comportamento
divulgação/eduardo kobra
14
que a amígdala, área do cérebro que representa um “nó de 
contato” entre os sinais cerebrais, contribui para o reconheci-
mento da sensação suscitada por uma face. Uma pessoa com 
essa estrutura em forma de amêndoa afetada não reage à visão 
de um rosto aterrorizado e é incapaz de reconhecer expressões 
em que emoções como felicidade e surpresa estão misturadas.
Ainda assim, a amígda-
la não seria essencial para 
identiicar as emoções: se-
gundo alguns experimen-
tos efetuados com PET 
(tomograia por emissão
de pósitrons), método de 
análise que permite visua-
lizar o aluxo de sangue 
nas diversas estruturas do 
cérebro durante a execu-
ção de operações mentais, 
as faces alegres ou tristes
provocam aumento de ati-
vidade do giro do cíngulo. Parece também que a amígdala, ao 
contrário do córtex, não reageàs expressões de nojo. O riso 
e o sorriso nos revelam ainda algo mais geral sobre o funcio-
namento do cérebro: muitas vezes uma função não depende 
apenas de uma única estrutura, como no caso especíico do 
córtex motor, mas do concurso de mais estruturas, o que nos 
permite compensar uma perda neurológica com o auxílio da 
reabilitação. Cabe, de qualquer modo, ao córtex frontal a maior 
parte das decisões conscientes: por exemplo, a interpretação de 
um sorriso que reclama discernimento – como o da Mona Lisa
PARA SABER MAIS
A psicologia das 
emoções - O fascínio 
do rosto humano. 
A. Freitas-Magalhães. 
Editora Leya Portugal. 
2013 
 
O sorriso de Mona 
Lisa. Susana 
Martinez-Conde e 
Stephen L. Macknik. 
Especial Mente e 
Cérebro – Ilusões, 
n° 28, págs. 36-45.
comportamento
divulgação/eduardo kobra
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16
Com tantas transformações ocorrendo de forma rápida e múltipla 
no mundo contemporâneo, são inevitáveis as indagações e os 
questionamentos a respeito do que se transforma e do que permanece 
em relação ao que acreditamos saber sobre o funcionamento psíquico 
psicanálise
O AUTOR
FÁBIO SANCHEZ é psicanalista e jornalista, mestre em divulgação científica e cultural pelo 
Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp) e integrante do grupo de pesquisa Sujeito Punção 
Contemporâneo, do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo.
O novo e 
o sujeito 
psicanálise
A
pergunta incomoda a cena psicanalítica: o mundo 
psíquico, ou, exatamente, o sujeito da psicanálise, 
muda com o tempo ou ainda é o mesmo da época 
de Freud? Parece óbvio que, se o sujeito, no sentido 
lacaniano, é constituído na sua relação com o Outro (a lingua-
gem, a “sociedade”) e este Outro muda com o tempo, o sujeito 
também mudará, tal como mudam os conceitos de família, de 
masculino e feminino etc. Mas, se assim for, os fundamentos 
teóricos lançados por Freud quase 120 anos atrás, ou por Lacan, 
há quase sete décadas, e que são base para as escolas de psi-
canálise poderiam ser questionados a cada modismo.
O assunto ocupa espaço generoso nas grades curriculares 
de instituições sintonizadas com as discussões de ponta. O Fó-
rum do Campo Lacaniano de São Paulo, por exemplo, mantém 
o grupo de pesquisas (ao qual pertenço) chamado Sujeito Pun-
ção Contemporâneo. A Sociedade Brasileira de Psicanálise pre-
parou para agosto deste ano seu primeiro Simpósio Bienal com 
o tema “O mesmo, o Outro, psicanálise em movimento”, e o 32º 
Congresso Latino-Americano de Psicanálise, que ocorrerá no 
Peru em setembro, foca desconstru-
ções e transformações, com o objetivo 
de discutir, segundo seu presidente, 
Roberto Scerpella, as “complexidades 
da psicanálise contemporânea”. O Ins-
tituto Sedes Sapientiae, tradicional es-
cola psicanalítica de São Paulo, tem 
pelo menos dois cursos sobre clínica 
contemporânea, cuja proposta é inves-
tigar em que medida as novas deman-
das podem ser lidas “como variantes 
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psicanálise
das formas clássicas da psicopatologia psicanalítica”.
As dúvidas são tantas que, quando o lacaniano francês Da-
vid Bernard, focado na interface entre psicanálise e contem-
poraneidade, esteve no Brasil em março, alertou em artigo que 
os psicanalistas “não deveriam versar sobre um medo e um 
catastroismo generalizados” sobre a modernidade e o receio 
de que tudo mude. Os herdeiros de Freud e Lacan acreditam 
em um diferencial contemporâneo, ou pelo menos se interro-
gam a esse respeito na maior parte do tempo. Freud já esta-
va atento ao contexto cultural 
de cada momento, como se vê 
em textos como A moral sexual 
civilizada e a doença nervosa 
moderna (1908), em que atribui 
algumas patologias ao contex-
to comportamental repressivo 
da virada do século. Ou quando 
atribui à tecnologia de transporte 
(proliferação de ferrovias e tran-
satlânticos) a causa de certo mal-
-estar psíquico pelo distancia-
mento de pessoas queridas (em 
O mal-estar na civilização, de 1930). Mas mesmo aí a estrutura 
psíquica se mantinha a mesma. Freud considerava tão imutáveis 
os parâmetros do funcionamento psíquico que avaliou com cri-
térios psicanalíticos Leonardo da Vinci e Moisés. 
Lacan foi mais complexo quanto a esse tema. Era de certa for-
ma conservador, como quando defendeu que a “estrutura” da ho-
mossexualidade em 1960, data de seu seminário sobre a “trans-
ferência”, era a mesma que a da Roma antiga, mudando apenas 
Lacan inovou e 
questionou paradigmas, 
como nos momentos em 
que relativizou a força da 
figura paterna, ou quando 
destacou e teorizou sobre 
o capitalismo, que seria 
responsável, entre outras 
coisas, pela ampliação do 
racismo e da segregação
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psicanálise
“a qualidade dos objetos” (os adolescentes seriam melhores no 
passado, mais dignos, porque não precisavam ser buscados “na 
sarjeta” ou em “esquinas recônditas”). Acreditava mesmo que a 
questão sexual estruturalmente se mantinha porque a interdição 
ao sexo reformula-se para se manter intacta mesmo quando se 
estabelecem os novos paradigmas sexuais. Apesar disso, Lacan 
não só inovou como questionou os paradigmas. Isso ocorreu, por 
exemplo, na criação de conceitos como o do “objeto a”, que rela-
tivizou a importância do falo e ou quando teo-
rizou sobre questões como o gozo, o cinismo 
e o capitalismo, que seria responsável, entre 
outras coisas, pela ampliação do racismo e da 
segregação. Essa relação com o contempo-
râneo – e os ajustes que requer ou não – é o 
que se pode chamar de um mal-estar. Requer 
trânsito interminável no litoral entre o que é 
psicanálise e o que não é. Exige pensar pos-
síveis paradoxos como, por exemplo, uma 
parceria do superego (a instância psíquica 
repressora por excelência) com o gozo (caso este seja obrigató-
rio, como no capitalismo descrito por Lacan e Slavoj Žižek). Exige, 
por exemplo, contemplar um aparato como o da tela que carre-
gamos diuturnamente junto à mão (o telefone celular), como um 
ambiente ao mesmo tempo público e privado, um nó conceitual 
que já exige novas investigações teóricas. 
É evidente que, para domar idiossincrasias, já foram providen-
ciadas soluções retóricas, que acomodam, lado a lado, o proces-
so histórico e a epistemologia da psicanálise. Há os que falam, 
por exemplo, não em sujeito contemporâneo, mas em “subjeti-
vidades” contemporâneas. Intérpretes de Lacan como Jacques-
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psicanálise
-Alain Miller citam uma “nova estrutura do discurso hipermoderno 
da civilização”, mas ainda dentro dos paradigmas lacanianos.
A corajosa inquietude da psicanálise com relação a isso en-
contra caminhos e consensos interessantes quando lança mão 
de pelo menos duas aberturas para se pensar a contempora-
neidade, porque são submissas ao tempo e decididamente in-
terferem no humano. Elas são a tecnologia, na medida em que 
propicie uma subjetividade e um comportamento novos; e o 
processo histórico, com seus determinantes (sociais, econômi-
cos, morais, sexuais etc.). 
A alteração da sociedade de produção, 
vivida na época de Freud, para a socieda-
de de consumo, que vivemos hoje, é citada 
desde o próprio Lacan até diversos pen-
sadores atuais, não necessariamente psi-
canalistas (Žižek, Zygmunt Bauman, Um-
berto Eco, Giorgio Agamben, entre outros). 
Joel Birman já investigou esse cenário em 
pelo menos dois livros, Mal-estar na atua-
lidade, de 2005, e O sujeito na contempo-
raneidade, em 2012, e fala em “novas condições” no mal-estar 
da civilização.
Lacan, com seu arsenal de referências externas à psica-
nálise (a matemática, o idioma chinês, a linguística, a iloso-
ia etc.), saiu pavimentando pontes com o contemporâneo.Apontou claramente, em seu Seminário 18 (de 1971), em 
Televisão (1973) e outros textos, o capitalismo interferindo no 
sujeito, em seu gozo (como na “necessidade” de gozar que o 
capitalismo de consumo exige, inventando o termo “mais-de-
-gozar”, análogo à mais-valia de Marx). 
A alteração da 
sociedade de 
produção vivida 
na época de Freud 
para a de consumo, 
que temos hoje, é 
citada por diversos 
pensadores atuais
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Entre os efeitos da assunção dos fenômenos capitalistas, há 
a “individualização” detectada, por exemplo, por Alain Ehren-
berg, quando este fala do “culto à performance”. Nesse contex-
to, há teóricos como Fernanda Bruno, da Universidade Federal 
do Rio de Janeiro (UFRJ), que veem o ideal de eu (a identiica-
ção narcísica do sujeito com uma imagem projetada sobre um 
pano de fundo composto pelos pais e heróis da infância) já se 
sobrepondo ao superego. Os indicadores de uma sociedade 
repressora estariam cedendo espaço à valorização de heróis; 
o padrão normativo das identidades contemporâneas parece 
abandonar os modelos institucionais que se apegam às regras 
(o bom aluno, o bom trabalhador etc.) em favor dos sujeitos 
inovadores, intrépidos, desaiadores, com muitos amigos nas 
redes sociais, portadores de telas.
O outro consenso-chave para a contemporaneidade é com 
relação à ciência e à técnica. Nesse contexto, o cotejamento 
com os dias correntes está cheio de esparrelas. O narcisismo 
desbragado das redes sociais, por exemplo, não é necessaria-
mente berço de algumas características do sujeito contempo-
râneo. Gustave Flaubert, em seu irônico Dicionário das ideias 
feitas (escrito ainda no século 19), já descrevia como utilizar a 
mídia para “brilhar” em sociedade (leia-se, por exemplo, o di-
vertido verbete “Jornais”).
psicanálise
Os indicadores de uma cultura repressora 
parecem ceder espaço à valorização 
de heróis; o padrão normativo das 
identidades contemporâneas favorece 
o abandono de modelos institucionais
21
psicanálise
E as fake news, ilhas da imensa facilidade que temos para 
emitir e acreditar em notícias de procedência evidentemente 
duvidosa porque nos parecem certas, em registrar a vida pú-
blica incluindo nosso pitaco, aí teríamos um comportamento 
realmente novo? Também não. O historiador Robert Darnton 
descreve em detalhes, em mais de um livro, fake news se-
melhantes às atuais trabalhando na desestabilização da mo-
narquia francesa pré-revolução, com redes de distribuição 
extremamente eicazes. 
E o que dizer do anonimato proporcionado pelos games, 
chats, salas de bate-papo, coletivos diversos na internet? Não 
seriam novas formas de exercer a fantasia? Bailes de másca-
ras já no século 17 cumpriam esse pa-
pel nos salões e carnavais de rua, onde 
se podia ser ousado sem a angústia 
da vergonha e sem ser identiicado; e 
nas ruas, onde podiam se “misturar” 
nobreza e povão, casados e solteiros 
etc. Sem contar as formas mais triviais 
de exercer a fantasia, como as corres-
pondências em festas juninas ou brin-
cadeiras de amigo secreto.
É claro que, evitados o fetiche e o fascínio pela técnica, ou 
por seu mais recente avatar, a tecnologia, é preciso conside-
rá-la na formação do sujeito contemporâneo. Umberto Eco, 
por exemplo, lembra, com relação às redes sociais, que “pela 
primeira vez na história da humanidade, os espionados cola-
boram com os espiões, facilitando o trabalho destes últimos” 
(uma mudança na formação da autoimagem?). 
O ser humano é considerado há décadas por alguns pensa-
dores, de Donna Haraway a Amber Case, um tipo de ciborgue 
Alguns pensadores 
chegam a considerar 
o uso cada vez 
mais frequente da 
tecnologia como uma 
espécie de evolução 
biológica da espécie
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psicanálise
lowtec, o que leva a diversos insights sobre o relacionamento 
com uma tela que torna o Outro presente e ao mesmo tempo 
ausente (uma abordagem do olhar nova entre as muitas das 
quais dispõe a psicanálise). E alguns pensadores, como Leroi-
-Gourhan, chegam a considerar o homem ciborgue, que faz 
uso cada vez mais frequente de aparatos tecnológicos no dia 
a dia, uma evolução
biológica da pró-
pria espécie huma-
na. Filósofos como
o italiano Maurizio
Ferraris pensam
uma nova ontolo-
gia do ser humano
com base no uso já
incorporado do te-
lefone celular.
São questões que não podem ser ignoradas e colocam em 
jogo a identidade da psicanálise. Se ela está para a passagem 
do tempo como uma ciência, como a situou Freud, ou se teria 
alguma das demais atribuições conferidas a ela ao longo de 
mais de um século, com sujeições distintas ao peso dos anos 
(investigação, ilosoia, terapêutica, processo, método, herme-
nêutica, hipótese, ética etc.).
Além disso, os efeitos dessas questões sobre a clínica, que 
é o que ao cabo interessa aos psicanalistas, convocam os es-
crúpulos dos que não temem mudar paradigmas, ou enfren-
tá-los. Se houver uma psicanálise da contemporaneidade ou, 
pelo menos, uma clínica de seus efeitos e da tecnologia, seus 
termos já estão em campo e pedem passagem.
PARA SABER MAIS
O amor na era do 
virtual. Cristiane Dias. 
Em Discurso e sujeito, 
trama de significantes. 
Lauro José Siqueira 
Baldini e Lucília Maria 
Abrahão (orgs.). 
EdUFSCar, 2014. 
 
Where are you? Em 
Ontology of the cell 
phone. Maurizio 
Ferraris. Fordham 
University Press, 2014. 
 
Máquinas de ver, 
modos de ser – 
Vigilância, tecnologia 
e subjetividade. 
Fernanda Bruno. 
Editora Meridional, 
Porto Alegre, 2013. 
 
O sujeito na 
contemporaneidade. 
Joel Birman. 
Civilização Brasileira, 
2012. 
 
Um olhar a mais: 
Ver e ser visto na 
psicanálise. Antonio 
Quinet. Zahar, 2002.
23
chamado
Um fantasma
capa
Quando sensações inesperadas de medo 
irracional se tornam uma ameaça e a pessoa 
passa a conviver com o temor constante da 
morte iminente, os índices de estresse se 
tornam absurdamente elevados e o mundo, 
muito mais ameaçador
capa
D
e repente vem a certeza: algo terrível está para 
acontecer. E o corpo oferece sinais que apoiam 
essa sensação: o ar parece faltar, a boca seca, as 
mãos tremem, a pessoa sente náuseas e o mal-es-
tar se generaliza. Durante uma crise de síndrome do pânico, 
prevalece o medo de se perder de si mesmo, de enlouquecer 
ou morrer. Embora um pouco de ansiedade seja até benéico 
em dadas situações – já que antecipar mentalmente o futuro 
nos prepara para enfrentar eventuais riscos – o excesso des-
se sentimento. O problema ica caracterizado quando essa an-
siedade começa a causar sofrimento demais para a pessoa. 
A preocupação culmina nas crises, e a pessoa ica ainda mais 
ansiosa porque não sabe quando a próxima irá acontecer.
Em geral, a síndrome do pânico aparece no começo da 
vida adulta, em situações de estresse, em que a pessoa se 
sente desamparada. Fatores genéticos, biológicos e psíqui-
cos e sociais contribuem para o surgimento da crise. A inci-
dência é maior em mulheres (de duas a quatro vezes mais 
frequente que em homens) e costuma ser atribuída à maior 
sensibilidade das estruturas cerebrais causada pela variação 
hormonal, já que a incidência de pânico aumenta no período 
fértil. A maioria dos pacientes tem a primeira crise entre 15 e 
20 anos desencadeada sem motivo aparente. Com o passar 
do tempo, as crises vão se repetindo de maneira aleatória. 
Um único episódio de ansiedade, porém, não caracteriza a 
síndrome do pânico, são as crises repetidas que caracterizam 
o transtorno. Ou seja: o fato de uma pessoa ter sintomas de 
pânico em dado momento não signiica, necessariamente, que 
a situação vai se repetir.Segundo a Organização Mundial da 
Saúde (OMS), a maioria dos indivíduos tem pelo menos uma 
crise de pânico ao longo da vida. Segundo estimativas do Insti-
25
capa
tuto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade Brasil, 
23% da população brasileira terá algum tipo de distúrbio an-
sioso ao longo da vida e 12% das pessoas sofrem com algum 
transtorno de ansiedade, o que representa aproximadamente 
24 milhões de brasileiros com ansiedade patológica. 
A maioria dos pacientes passa por vários médicos em bus-
ca de uma resposta e do tratamento para tamanha ansieda-
de, sem saber ou, às vezes, aceitar, que tantos sintomas físicos 
sejam provenientes de problemas emocionais. Felizmente, o 
transtorno tem tratamento e, quanto mais precoce o diagnós-
tico, maiores são as chances de recuperação. A combinação 
entre medicamentos e sessões de psicoterapia costuma ser 
a mais eiciente. Raramente há cura espontânea e, apesar de 
muitas pessoas ainda colocarem em xeque a relevância de 
complicações psicológicas, a síndrome deve ser encarada 
como doença, capaz de levar a complicações ainda maiores: 
depressão, desenvolvimento de outros transtornos de ansie-
dade, abuso de álcool e/ou de sedativos, com prejuízos para a 
vida proissional, social e familiar.
De todos os transtornos ansiosos, o de pânico foi o mais 
estudado nos últimos 30 anos; no entanto, ainda existem la-
cunas importantes em termos 
de diagnóstico e classiicação, 
etiologia e tratamento dessa 
condição clínica. A prevenção 
de novas crises e a diminuição 
das complicações associadas 
a elas, como a ansiedade an-
tecipatória e a evitação fóbi-
ca, são os pontos-chaves no 
tratamento do distúrbio. Hoje 
26
capa
se sabe que um dos principais fatores de risco para transtor-
nos de ansiedade na vida adulta é a presença de transtornos 
ou traços de ansiedade durante a infância e a adolescência. 
Nesse sentido, de forma cada vez mais precoce, pesquisas 
atuais vêm focando o tratamento precoce dos transtornos 
de ansiedade ou mesmo a prevenção em crianças de risco, 
como os ilhos de pais com transtornos de ansiedade, por 
exemplo. Há poucas pesquisas investigando a eicácia des-
sas estratégias de prevenção; no entanto, este é um campo 
promissor de pesquisas futuras.
Por medo de ser tomada por esses sintomas, a pessoa tende 
a evitar situações que acredita serem mais prováveis ocorrer 
ou só as enfrenta acompanhada . Os temores costumam estar 
relacionados a experiências que se tenta eliminar ou reduzir ao 
máximo para evitar a angústia. Entre os locais temidos estão 
os espaços abertos, lojas concorridas, centros públicos com 
grande circulação de pessoas e estádios de futebol. Multidões 
também são assustadoras para esses pacientes.
Especialistas alertam que o pânico pode, em alguns ca-
sos, ser uma manifestação secundária do uso exagerado 
de determinados medicamen-
tos utilizados para emagrecer, 
por exemplo. Psicoestimulantes, 
como a cocaína e o ecstasy tam-
bém podem delagrar crises. Pro-
blemas de saúde, como o hiper-
tireoidismo (produção excessiva 
de hormônios), também podem 
provocar sintomas muito pareci-
dos com os do pânico.
27
Psicanálise 
para enfrentar o 
desamparo
E
mbora intervenções 
embasadas na psico-
terapia cognitivo-com-
portamental sejam frequente-
mente usadas por psicólogos 
para auxiliar pacientes com 
transtorno do pânico, a expe-
riência clínica mostra que a 
abordagem psicanalítica pode 
ser muito útil no tratamento 
desse quadro. “A proposta é le-
var o paciente a se implicar no 
próprio sofrimento, se ques-
tionando sobre o que acon-
tece com ele, procurando dar 
sentido, a partir da sua história, 
aos ataques súbitos de pânico 
que parecem não ter sentido”, 
airma a psicanalista Lucianne 
Sant’Anna de Menezes, pro-
28
capa
fessora da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), autora 
de Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade, um 
estudo psicanalítico (Casa do Psicólogo, 2006).
“Vivemos num mundo onde ainda há pouco lugar para di-
ferenças; as subjetividades contemporâneas caracterizam-
-se pelo apagamento da alteridade, em que a tendência é 
uma redução do homem à dimensão da imagem. Nesse 
sentido, o pânico expressa o fracasso do sujeito em aten-
der às exigências dos ideais e valores que a sociedade atual 
prega. Por isso, o pânico ganha espaço progressivo na cena 
social. Sob este ponto de vista, portanto, existiria um pro-
cesso de produção social do pânico”, diz. Menezes lembra 
que aquilo que Freud denominou mal-estar na civilização 
relaciona-se ao mal-estar na modernidade. A civilização é o 
caminho necessário para o desenvolvimento que vai da fa-
mília à humanidade como um todo. “O pânico, na atualidade, 
seria expressão de um modo que o sujeito encontrou de se 
organizar na sociedade contemporânea, respondendo aos 
subsídios que a organização social atual oferece para que 
ele se sustente para além da cena familiar”, airma. 
Não apenas o momento 
em que os sintomas 
aparecem se torna 
ameaçador; os intervalos 
entre uma crise e outra 
são aterrorizantes, pois 
o próximo episódio 
pode ocorrer a qualquer 
momento
29
capa
Para Freud, o desamparo seria o que instaura o mal-estar, 
nas relações entre os seres humanos; é o motor na construção 
da civilização. O homem desenvolveu a cultura numa tentativa 
de diminuir seu desamparo diante das forças da natureza, dos 
enigmas da vida e, sobretudo, da própria morte. 
“O desamparo no campo social diz respeito à falta de ga-
rantias do sujeito no mundo, que é obrigado a uma renún-
cia pulsional como condição de viver em sociedade e, em 
consequência da satisfação pulsional frustrada, experimenta 
um desconforto que é sentido como um mal-estar”, ressalta 
Menezes. A condição de existência do sujeito no mundo, na 
civilização, é apoiada numa condição 
de desamparo do psiquismo.
 “A mensagem freudiana é que, para 
viver, as pessoas criam possibilidades 
afetivas no enfrentamento desta condi-
ção fundamental e o pânico seria uma 
dessas possibilidades, seria uma das 
expressões do mal-estar na atualidade 
que marca a relação do sujeito com a 
cultura”, observa a psicanalista. Ela en-
fatiza que a modernidade não promoveu a superação do mal-
-estar, resultado do excesso de ordem e da escassez de li-
berdade; ao contrário, na sua máxima radicalização, o que fez 
foi “re-conigurar” o mal-estar. “O mal-estar contemporâneo é 
efeito da desregulamentação e do excesso de liberdade indi-
vidual, é fruto do excesso pulsional e da fragilidade de simbo-
lização; nesse sentido, há uma marca essencialmente traumá-
tica, o que aponta para a vulnerabilidade psíquica do homem 
contemporâneo, assim como destaca o pânico entre os mo-
dos atuais de sofrimento humano.”
30
capa
No tratamento psicanalítico, a proposta é criar, junto com 
o paciente, condições para que ele possa elaborar a condi-
ção de desamparo. Em geral, até a eclosão da primeira crise 
de pânico, a questão do desamparo não se colocara de fato 
para o paciente, essa condição 
provavelmente estava enuviada 
pela ilusão de um ideal protetor 
onipotente, que garantia a esta-
bilidade do mundo organizado 
longe das incertezas e da falta 
de garantias da vida. 
“É comum em quem sofre de 
pânico um apego dependente e 
concreto a alguém ou a alguma 
situação estável”, diz Menezes. 
“É frequente que o paciente necessite de uma pessoa que o 
acompanhe aos lugares aonde precisa ir. Ele sabe, tem cons-
ciência de que não vai mudar nada, mas necessita desta pre-
sença concretaque cumpre o papel de um objeto iador de 
sua existência (ideal protetor), garantindo a estabilidade de seu 
mundo. É uma compensação para a incapacidade de lidar com 
a falta e, ilusoriamente, o livra do confronto com o desamparo. 
O apego ao remédio tem signiicado semelhante.”
Um único episódio de ansiedade 
não caracteriza a síndrome do pânico, 
são as crises repetidas que caracterizam 
o transtorno; no Brasil, estima-se que 12% 
da população sofre com algum transtorno 
de ansiedade, o que representa 24 milhões 
de brasileiros com o problema
31
Esse sentimento resulta de processos tão básicos quanto 
a respiração ou a digestão; mesmo assim, compreender e 
descrever o que acontece em nosso cérebro quando algo 
nos apavora continua sendo um desafio para cientistas
capa
Do que você tem 
MEDO? 
capa
O
que é mais assustador: uma cobra venenosa 
serpenteando em sua direção numa trilha, ou 
observar uma queda de mil pontos na bolsa de 
valores? Embora os dois acontecimentos se-
jam de natureza bastante diversa, ambos são assustadores. 
“Medo é uma resposta para estímulos imediatos, que pode-
mos sentir no corpo como sensação de vazio no estômago, 
aceleração do coração, suor nas mãos e a tensão muscular”, 
diz o neurocientista Joseph LeDoux, professor de neurociên-
cia e psicologia da Universidade de Nova York, Segundo ele, 
essas reações evidenciam que o cérebro está responden-
do de forma pré-programada a 
uma ameaça muito especíica. 
“Ver a bolsa de valores despen-
car mil pontos é a mesma coisa 
que observar uma cobra”, ava-
lia LeDoux. “O medo, carateri-
zado pela sensação de vazio , 
aceleração do coração, palmas 
das mãos suadas e tensão é 
uma resposta para estímulos 
imediatos”, airma o neurocien-
tista. O pesquisador observa que, do ponto de vista neuroa-
natômico podemos assumir que nossas sensações diante 
de ameaças são semelhantes. 
O medo afeta diferentes espécies de modo semelhante. 
“Viemos ao mundo sabendo como ter medo, pois nosso 
cérebro evoluiu para lidar com a natureza”. avalia LeDoux, 
observando que os cérebros de ratos e humanos respon-
dem de maneiras semelhantes a ameaças, ainda que de 
naturezas distintas.
33
capa
Para outros pesquisadores o medo é uma experiência muito 
pessoal. Enquanto algumas pessoas icam apavoradas ao as-
sistir a um ilme de terror, outras podem icar com muito mais 
medo ao se encaminharem para seus carros, em um estacio-
namento escuro, depois de assistir ao ilme.
Se pedirmos para várias pessoas fazerem uma lista das coi-
sas que mais as assustam, provavelmente cada uma fará uma 
lista bem diferente da outra, avalia Michael Lewis, diretor do 
Instituto de Desenvolvimento Infantil, da Faculdade de Medi-
cina Robert Wood Johnson, em New Brunswick, Nova Jersey. 
“Intimamente, podemos concordar que o medo de uma audi-
toria do imposto de renda ou de um assalto pode se manifes-
tar da mesma maneira. O problema é que não temos como ob-
ter uma boa medida isiológica do medo ou de qualquer outra 
emoção”, considera Lewis.
Ele observa que o comportamento das pes-
soas que nos cercam inlui nas nossas respos-
tas a situações ameaçadoras. “Aprendemos a 
ter medo por experiências com fatos assusta-
dores, ou com pessoas próximas, como nossos 
pais, irmãos, amigos”, observa Lewis. “O medo 
parece ter um componente contagiante, que 
faz com que o medo dos outros seja transmiti-
do para nós. É um comportamento condiciona-
do, como Pavlov e os cães que salivavam.”
Outros pesquisadores recorrem à tecnologia 
para ajudar a melhor entender o medo. “É muito 
difícil deinir essa emoção em termos do sen-
timento que ela evoca”, argumenta Joy Hirsch, 
professora de neurorradiologia, neurociência e 
34
capa
psicologia, bem como diretora do Pro-
grama para Ciências de Imageamen-
to e Cognição, da Columbia Univer-
sity, em Nova York. “É possível deinir 
dor? É possível deinir a cor vermelha? 
Essas sensações extremamente pes-
soais são consideradas os problemas 
mais difíceis em neurociência.” 
Para descobrir mais sobre o que 
nos faz perder o sono, Hirsch e sua 
equipe usam imageamento por 
ressonância magnética funcional 
(fMRI) para investigar como fun-
cionam as conexões no nosso cérebro. “O circuito que co-
manda a sensação de medo é ativado imediatamente por 
meio de um estímulo específico”. observa Hirsch. Na pes-
quisa que ela desenvolve, uma fotografia do rosto de uma 
pessoa com expressão assustada é mostrada aos partici-
pantes. Uma biblioteca padrão de estímulos que evocam 
atividades assustadoras usa atores para criar expressões 
faciais que transmitem sensação de medo.
Na pesquisa com fMRI, a reação ao estímulo indutor de 
medo manifesta-se na amígdala, uma estrutura arredonda-
da em forma de amêndoa, localizada abaixo do lobo tem-
poral e também conhecida como centro cerebral do medo. 
Hirsch lembra que a amígdala é a primeira a responder a 
estímulos ameaçadores.
O escâner de fMRI rastreia a alteração no fluxo sanguí-
neo para a amígdala. “Estamos à procura de mudanças 
de sinais em regiões específicas do cérebro”, argumenta 
35
Hirsch; “Esse sinal significa aumento da atividade neural.” 
O sinal de ressonância magnética responde à quantidade 
de sangue que está abastecendo uma determinada área. 
Durante o período de varredura da amígdala a foto de um 
rosto apavorado provoca um maior afluxo sanguíneo – in-
tensificando o sinal da imagem – que um rosto com ex-
pressão neutra.
Críticos da pesquisa baseada na fMRI argumentam que 
nem sempre é claro o signiicado do aluxo de 
sangue em uma região cerebral. Mas Hirsch reba-
te os adversários: “Usamos estímulos escolhidos 
de forma muito cuidadosa e que 
não necessariamente assustam 
as pessoas que estão sendo 
analisadas, mas que despertam 
sistemas envolvidos em sensa-
ções de medo, se você estiver 
assustado”. conclui. “A interpre-
tação de outra face demons-
trando medo estimula regiões 
neurais do observador que res-
pondem ao medo.”
Hirsch observa que a amígda-
la responde a outros estímulos 
além de expressões faciais. “Se 
você estiver em um beco escuro 
e alguma coisa saltar de repente 
em cima de você, provocando um 
susto, ela adverte: “É a amígdala 
que vai fazer você sair correndo.”
36
capa
Pronto-socorro 
contra o pânico
O que passa em sua cabeça quando reconhece os sinais de uma crise? 
Talvez pense: “Estou morrendo, estou ficando louco, vou desmaiar, 
estou enjoado, vou passar vergonha em público”. E a lista continua. 
Para lidar com a angústia e evitar que o descontrole aumente, alguns 
exercícios práticos podem ser muito úteis
capa
D
e repente seu coração 
dispara. Parece não haver 
ar suiciente para respi-
rar, você sente uma leve 
vertigem e as mãos transpiram. Esse 
conjunto de sintomas costuma revelar 
uma crise de pânico. “Não raro, nesse 
momento as pessoas acreditam que 
estão morrendo ou icando loucas”, 
diz a doutora em psicologia Ellen Hen-
driksen. Ela ensina técnicas desenvol-
vidas com base na psico-
logia cognitivo-compor-
tamental para controlar a 
angústia, uma espécie de “pronto-socorro” para 
que a pessoa retome a autonomia sobre o próprio 
corpo. Considerando que a crise pode ter causas 
nem sempre óbvias, é fundamental buscar ajuda 
de um proissional, mas – pelo menos no momen-
to mais crítico – é possível se acalmar sozinho e 
em poucos minutos. Os resultados costumam ser 
bastante positivos, principalmente quando o pa-
ciente aprende a se preparar para enfrentar o des-
conforto. Mas a especialista alerta: é precisoestar 
disposto a suportar um pouco de ansiedade para 
superar esse estado.
Brinque com os sintomas
Parece bem pouco atraente induzir o mal-estar 
justamente quando nos sentimos bem. E é com-
preensível que experimentar sentimentos desa-
39
capa
gradáveis seja a última coisa que alguém deseja. “Mas é fun-
damental se familiarizar com os sintomas, como o coração ba-
tendo descompassado, por exemplo, e se dar conta de que 
isso não é, necessariamente, sinal de perigo”, airma Hendrik-
sen. Ela enfatiza que os sinais de que “a pessoa está morrendo” 
surgem na hora da crise e têm efeito de uma bola de neve, 
que aumenta de forma descontrolada. Segundo a psicóloga, é 
importante simular fora do contexto de um ataque os sintomas 
que tanto nos assustam para nos acostumarmos a não vê-los 
como perigosos. A ideia é que a pessoa passe a lidar com o 
coração acelerado ou garganta apertada sem ver essas rea-
ções físicas como um grande problema. “Quando estamos no 
controle, temos a chance de nos habituar aos sintomas isola-
damente”, salienta a psicóloga. 
Mas, na prática, o que fazer? Simples. Se a pessoa está preo-
cupada com a aceleração cardíaca, caminhe ou corra na esteira 
até perceber o coração batendo forte e, então, apenas interrom-
pa o movimento e note como o organismo se estabiliza. Aterro-
rizado com a possibilidade de sentir tontura? Sente-se em uma 
cadeira de escritório e gire várias vezes, em seguida pare e res-
pire profundamente até que a vertigem passe. Falta de ar? Se-
gure a respiração por alguns segundos e depois estabilize a ins-
piração e a expiração. O importante é ir, aos poucos, “brincando” 
com o que o assusta, de forma segura e sem se expor a perigos. 
Não brigue com a crise
Pode parecer estranha a ideia de aceitar calmamen-
te a chegada dos sintomas, sem fazer absolutamente 
nada para fugir deles. “Mas uma pequena dose de ‘psi-
cologia inversa’ pode fazer maravilhas”, garante Hen-
driksen. Ela observa que grande parte da energia gas-
40
capa
ta durante um ataque de pânico é direcionada a 
fugir dos sintomas para que eles não se tornem 
intensos a ponto de nos matar, mas isso só au-
menta a ansiedade e a sensação de descontro-
le. “Por isso, faça o teste: quando começar a se 
preocupar com o pânico ou sentir o primeiro sinal de que uma cri-
se se aproxima, diga a si mesmo: ‘Ei, corpo, eu quero mais. Pode 
vir!’; então respire fundo e não brigue com seu corpo.” 
Curiosamente, estar disposto a sentir sintomas de pânico 
ajudará a parar o ciclo. Ainal, o pânico é a resposta a algo que 
seu cérebro entende como um grande perigo; quando você 
entra na briga (ainda que seja consigo mesmo), o embate só 
aumenta exponencialmente. Em contraste, quando você aco-
lhe as sensações de medo sem lutar contra elas, seu orga-
nismo percebe que não tem motivos para lutar ou fugir. E as 
coisas tendem a se acalmar. 
É só ansiedade, não é realidade
O pânico está na interpretação. Considere um exem-
plo: são 3 horas da manhã e o telefone toca. O que 
aconteceu? Pode signiicar que uma pessoa querida 
está com graves problemas ou até mesmo morta. Mas 
também pode signiicar apenas que alguém ligou para 
o número errado. Até que você atenda o telefone, o 
motivo da chamada é mero produto da sua interpreta-
ção. O mesmo acontece durante crises de ansiedade. 
Em vez de entender o desconforto físico como sinal 
claro de que você está morrendo, é possível pensar: 
“É apenas meu alarme interno que está desregulado; 
é desagradável, mas já senti isso antes e na ocasião eu 
41
não estava morrendo, da mesma forma como não vou morrer 
agora”. Hendriksen oferece uma dica bastante útil: “Vale a pena 
lembrar que não há perigo em interpretar o medo nesses ca-
sos como algo de fato irritante com o qual você já lidou antes e 
pode lidar de novo; é apenas ansiedade, não realidade”.
Fator tempo
Uma paciente minha teve um ataque de pânico durante um trei-
no na academia e não só não voltou ao local, mas também pa-
rou de se exercitar inteiramente. Passou até mesmo a evitar su-
bir escadas, pois se preocupava com a possibilidade de seu co-
ração acelerar e delagrar outro ataque de pânico. Para 
reverter essa situação, a moça começou a lidar com o 
esforço gradualmente: nas primeiras tentativas, tinha 
uma tarefa simples: atirar longe um bloco de concreto. 
Dias depois, deveria dar uma volta no quarteirão e, ao 
longo das semanas, ininterruptamente, fazer um trajeto 
mais longo, até que após dois meses voltou à academia. 
“É comum que um lugar ou situação ique associa-
do ao temor que a pessoa sentiu, é comum que pas-
se a evitar qualquer coisa parecida, mas podemos ‘enganar’ o 
medo, mostrando ao cérebro que está tudo bem aos poucos, 
para que uma nova memória seja registrada”, observa Hendrik-
sen. “Se você teme ter um ataque de pânico em um cinema 
lotado, por exemplo, comece por ir ao teatro e se sente o mais 
perto possível da saída. Da próxima vez, avance mais dois lu-
gares em direção ao centro”, sugere a psicóloga. Duas coisas 
importantes: não deixe passar tempo demais entre um exercí-
cio de habituação e outro (nesse caso, as idas ao teatro) nem 
avance rápido demais, achando que o desaio está muito fácil, 
pois seu cérebro precisa de treinamento gradual e constante.
capa
42
44
Expectativas 
influenciam 
efeito de 
medicamentos 
Acreditar tanto no efeito positivo quanto no 
negativo dos remédios que tomamos pode 
mudar a maneira como o organismo recebe 
a droga e a forma como ela age 
U
ma atitude otimista pode fazer mais do 
que ajudar você a começar bem o dia – 
é capaz também de melhorar condições 
clínicas gerais do corpo. A pesquisa re-
cente coordenada pela neurocientista cognitiva Irene 
Tracey, professora da Universidade de Oxford, mos-
trou que tanto os pensamentos radiantes como os cé-
ticos inluem na forma como as drogas são assimila-
das pelo organismo. As descobertas foram publicadas 
no periódico Science Translational Medicine. 
comportamento
comportamento
Quando pacientes 
esperaram que a dor 
aumente porque pensam 
que o analgésico foi 
suspenso, o efeito da 
droga diminui
Durante o estudo, 22 voluntários saudáveis foram submeti-
dos a exames de imagem por ressonância magnética funcio-
nal (fMRI) enquanto um dispositivo aquecia a panturrilha de sua 
perna direita até um nível desconfortável durante dez minutos. 
Como era esperado, regiões do cérebro associadas à percep-
ção da dor foram ativadas pelo estímulo.
Na fase seguinte do experimento, os participantes recebe-
ram continuamente na veia doses do analgésico remifentanil, 
de ação rápida, enquanto se submetiam ao mesmo aqueci-
mento na perna. Os pesquisadores, porém, enganaram os 
participantes da pesquisa. 
De início, os voluntários não 
sabiam que o tratamento ti-
nha começado, por isso não 
pensaram que a dor fosse 
diminuir. Dez minutos depois, 
foram informados de que a 
droga estava sendo adminis-
trada – e pensaram que, em 
razão disso, o desconforto deveria diminuir. Depois de mais 
dez minutos, os aplicadores do teste informaram aos voluntá-
rios que tinham parado de administrar o medicamento, o que 
induziu as pessoas a acreditar que sua perna começaria a doer 
mais nos minutos seguintes.
Após a experiência, os participantes relataram que a dor 
que sentiam era muito menos intensa e desagradável quando 
acreditavam estar recebendo o analgésico, em comparação 
ao momento em que pensavam não estar sendo medicados 
45
– independentemente de a administração da droga ter sido 
interrompida ou não.
O que acontecia era que, quando eles esperaramque a dor 
aumentasse porque pensavam que a droga tinha sido suspen-
sa, essa percepção desanimadora interferia no benefício quí-
mico do analgésico. Nesses casos, o desconforto que sofriam 
era o mesmo do primeiro ensaio, sem administração de me-
dicamento. Além disso, as áreas cerebrais responsáveis pela 
captação de sensações dolorosas permaneciam mais ativas 
quando eles esperavam pelo pior, imitando a atividade cere-
bral durante a aplicação inicial do calor. 
“Os efeitos do pessimismo são provavelmente mais pronun-
ciados em pacientes com condições clínicas crônicas, que vi-
venciaram anos de frustração com medicamentos ineicazes”, 
observa Irene Tracey. “Por isso, é muito importante que pro-
issionais da área da saúde não subestimem a inluência das 
expectativas negativas dos pacientes; estes, por sua vez, tam-
bém devem icar atentos para que as baixas expectativas não 
agravem desnecessariamente o sofrimento.”
 
comportamento
46
Gerenciamento
14º Curso de
do Stress
com certificação internacional
Congresso de Stress da ISMA-BR
(International Stress Management Association)
Fórum Internacional de Qualidade 
de Vida no Trabalho
Encontro Nacional de Qualidade 
de Vida na Segurança Pública
Encontro Nacional de Qualidade 
de Vida no Serviço Público
Encontro Nacional de Responsabilidade 
Social e Sustentabilidade
18º
20º
10º
10º
6º
Um
 dos maiores eventos do mundo sobre stress e Qualidade de V
ida no Traba
lho
Estímulos luminosos podem produzir atividade 
neural bastante precisa no tronco cerebral, 
similar à provocada pela audição normal; 
os animais conseguiram ter um elevado 
grau de discriminação, superior ao 
que próteses atuais podem alcançar
implante
Os sons 
da luz 
implante
O
som da orquestra varia do extremamente suave 
ao mais intenso e os espectadores, todos surdos, 
apreendem cada nota, graças a implantes coclea-
res que traduzem sons complexos em um arco-í-
ris de luz óptica. É esse o objetivo de uma equipe de cientistas 
da Alemanha, do Japão, da Coreia do Sul e de Cingapura. Eles 
trabalham no desenvolvimento de um dispositivo que usa a 
óptica em vez de ondas sonoras para desenvolver uma classe 
reinada de próteses auditivas.
No caso de pessoas sem pro-
blemas auditivos, neurônios do 
gânglio espiral no ouvido interno 
permitem a discriminação preci-
sa do som. Podemos reconhe-
cer centenas de pessoas pelo 
som da voz e distinguir entre 
milhares de diferentes alturas e 
frequências. Implantes coclea-
res tradicionais dispõem de um 
microfone externo para captar o som e transmiti-lo para essas 
células através de eletrodos, mas com baixíssima resolução. 
Os neurônios são ainados como teclas de piano no ouvido in-
terno. Usar eletrodos para estimulá-los é como dirigir um con-
certo com os punhos em vez dos dedos. Os cientistas acredi-
tam que há uma maneira melhor.
Em um estudo publicado no Journal of Clinical Investiga-
tion, pesquisadores usaram um vírus para implantar genes 
com sensibilidade à luz em embriões de camundongos sur-
dos. As unidades agiram nas vias auditivas do cérebro dos 
ratos, criando manchas sensíveis à luz nas membranas dos 
Em um estudo 
publicado no Journal of 
Clinical Investigation, 
pesquisadores usaram 
um vírus para implantar 
genes com sensibilidade 
à luz em embriões de 
camundongos surdos
49
implante
neurônios do gânglio espiral 
e de outras células. Então, 
os cientistas direcionaram 
luz LED sobre esses neurô-
nios e gravaram a atividade 
do tronco cerebral, um pas-
so de integração essencial 
no processamento auditivo.
A atividade indicou que os ratos surdos percebe-
ram a luz como som com sucesso. Em comparação 
com a estimulação dos eletrodos de implante coclear 
tradicionais, a luz produziu atividade neural mais precisa no 
tronco cerebral, similar à audição normal. Os ratos também exi-
biram um elevado grau de discriminação de som que próteses 
atuais não podem alcançar.
Os cientistas acreditam que, no futuro, pessoas surdas po-
derão se beneiciar de terapia genética semelhante às abor-
dagens atualmente testadas em ensaios clínicos para outras 
doenças. E caso queiram, poderiam alterar a cóclea para ex-
pressar canais sensíveis à luz. Então, uma cadeia de luz LED 
poderia ser inserida no ouvido, que se acende de acordo com 
as qualidades de um som externo, permitindo que neurônios 
auditivos comuniquem ricos detalhes para o cérebro. 
É possível que, no futuro, pessoas com 
deficiência auditiva possam se beneficiar 
de terapia genética semelhante 
às abordagens atualmente 
testadas em ensaios clínicos 
para outras doenças
50
52
A verdade 
sobre a
terapia de 
choque 
Apesar de a eletroconvulsoterapia ser uma 
técnica ainda cercada de preconceitos, há casos 
em que pode ser uma solução razoavelmente 
segura para algumas doenças mentais graves
tratamento
OS AUTORES
SCOTT O. LILIENFELD é professor de psicologia na Universidade de Emory. 
HAL ARKOWITZ é professor-associado de psicologia na Universidade do Arizona.
tratamento
U
m paciente agitado é levado à força para uma sala e 
contido em uma maca num hospital psiquiátrico. Pu-
nido por desaiar a autoridade sádica da enfermeira-
-chefe, é submetido – completamente acordado – à 
intervenção conduzida por um médico e outros membros da 
equipe, que colocam eletrodos em ambos os lados da cabe-
ça e disparam uma rápida carga elétrica. Vários enfermeiros o 
seguram, enquanto o paciente se contorce de dor descontro-
ladamente, caindo em seguida em estado de estupor. A cena 
do premiado Um estranho no 
ninho (1975), estrelado por Jack 
Nicholson como o paciente re-
belde, provavelmente inluen-
ciou muito mais a percepção 
do público em geral sobre a 
terapia eletroconvulsiva (ECT) 
do que as descrições cientíi-
cas. Como resultado, muitos 
leigos a consideram hoje um 
procedimento perigoso ou até mesmo cruel. No entanto, diver-
sos dados sugerem que, quando administrado de forma correta 
e cuidadosa, o tratamento, utilizado em situações especíicas, 
é relativamente seguro e pode ser benéico para casos de de-
pressão grave e outras formas de doença mental. 
Ossos quebrados 
O clássico dirigido por Randle Patrick McMurphy está longe 
de ser o único retrato negativo da ECT. Em uma pesquisa de 
2001 com 24 ilmes que abordam o tratamento, os psiquia-
tras Andrew McDonald, da Universidade de Sydney, e Garry 
53
tratamento
Walter, da Central Coast Health do Norte de Sydney, em Nova 
Gales do Sul, apontam que as representações sobre o méto-
do são geralmente pejorativas e imprecisas. Na maioria dos 
casos retratados, a técnica é aplicada em pessoas totalmen-
te conscientes e aterrorizadas, sem seu consentimento e, não 
raro, como castigo pela desobediência. Após os choques, os 
pacientes geralmente passam a dizer coisas incoerentes ou 
permanecem num estado de apatia. Em seis dos ilmes anali-
sados, pioram drasticamente ou 
morrem.
É muito provável que o modo 
como o assunto é tratado nos il-
mes colabore com atitudes nega-
tivas do público em geral sobre a 
ECT. Uma pesquisa de 2012, de-
senvolvida pelas psicólogas Annette Taylor e Patricia Kowalski, da 
Universidade de San Diego, com 165 universitários do curso de 
psicologia (presumidamente mais informados sobre terapias para 
doença mental), demonstrou que aproximadamente 74% dos par-
ticipantes concordavam que o procedimento é isicamente peri-
goso. Outro estudo de 2006, com 1.737 suíços, coordenado pelo 
psicólogo Christoph Lauber, na época do Hospital Universitário 
de Psiquiatria em Zurique,revelou que 57% consideravam a ECT 
prejudicial; apenas 1,2% apoiavam a utilização.
Coloquialmente chamada de “terapia de choque”, a técnica 
foi introduzida em 1938 pelos neurologistas italianos Ugo Cer-
letti e Lucio Bini como um tratamento para a psicose. (Aparen-
temente, Cerletti se inspirou ao observar que vacas que iam 
para o abate icavam sedadas depois de receberem uma car-
ga elétrica.) O tratamento é simples: eletrodos são colocados 
Para 68% dos pacientes 
submetidos a ECT a 
experiência não foi mais 
perturbadora do que 
uma visita ao dentista
54
tratamento
na cabeça do paciente, por onde passa uma corrente elétrica 
que provoca mudanças na química e na atividade cerebral. 
Assim como muitos temiam, de fato a intervenção era pe-
rigosa antes de meados dos anos 50. Na época, os pacientes 
permaneciam acordados durante a ECT. Os choques causa-
vam convulsões e os movimentos produzidos eram tão brus-
cos que chegavam a quebrar seus ossos. 
Hoje em dia, nos Estados Uni-
dos e em outros países ociden-
tais, os pacientes recebem a ECT 
com relaxante muscular e anes-
tesia geral, administrados para 
conter movimentos desordena-
dos durante o episódio epiléti-
co (inerente ao uso da técnica) 
e diminuir o desconforto geral. 
Embora ainda passem por essa 
crise, permanecem inconscientes durante o procedimento e 
não sentem dor nem enfrentam convulsões observáveis. Além 
disso, as ondas cerebrais e outros sinais vitais são monitorados 
para assegurar o bem-estar da pessoa. 
Esses avanços tornaram a ECT mais segura e menos assus-
tadora. Em uma pesquisa de 1986, com 166 pacientes subme-
tidos a eletroconvulsoterapia, os psiquiatras C.P.L. Freeman e 
R.E. Kendell, da Universidade de Edimburgo, relataram que 
68% dos voluntários descreviam a experiência como não mais 
perturbadora do que uma visita ao dentista. Para os outros, era 
mais desagradável, porém indolor.
No entanto, o tratamento não é livre de perigos. Em alguns 
países, muitos médicos ainda administram a ECT como em 
55
tratamento
1950. Em um estudo de revisão de 2010, o psiquiatra Worrawat 
Chanpattana e seus colegas, do Hospital Samitivej Srinakarin, em 
Bangkok, apontam que 56% dos pacientes de 14 países asiáticos 
receberam o tratamento sem relaxante muscular ou anestésico. 
Mas, é preciso considerar que, independentemente do país e do 
método, a ECT pode causar efeitos negativos, como desorienta-
ção temporária, e mais seriamen-
te, amnésia retrógrada, o que faz 
com que a pessoa se esqueça de 
eventos que ocorreram algumas 
semanas ou até mesmo meses 
antes do tratamento. Os efeitos 
colaterais são menores quando os 
eletrodos são colocados somente em um dos lados da cabeça. 
Tecnologias recentes, como máquinas de pulsos breves que 
permitem calibrar com mais cuidado a dose de energia elétri-
ca, minimizam a extensão da amnésia. No entanto, alguns pro-
blemas de memória quase sempre acompanham quem passou 
pelo procedimento. Além disso, estudos sugerem que a ECT 
pode, em casos raros, levar a perdas cognitivas permanentes. 
Embora os dados que sustentam essa hipótese ainda não sejam 
deinitivos, é importante considerar essas informações. 
Misteriosos mecanismos 
Devido aos efeitos adversos na memória, a ECT deve ser con-
siderada somente como último recurso de tratamento. No en-
tanto, muitas pesquisas sugerem que o tratamento pode ser 
eicaz no alívio de sintomas de várias doenças mentais, como 
depressão grave e mania no transtorno bipolar. Além disso, pa-
rece amenizar a catatonia, uma condição associada à esqui-
Para 68% dos pacientes 
submetidos a ECT a 
experiência não foi mais 
perturbadora do que 
uma visita ao dentista
56
tratamento
zofrenia e ao transtorno bipolar, caracterizada por alterações 
marcantes do movimento, como permanecer em posição fetal 
ou gesticular repetidamente. 
Argumentos a favor da intervenção seriam ainda mais fortes 
se os pesquisadores pudessem determinar exatamente como 
o tratamento funciona. Em uma revisão feita em 2011, o psi-
quiatra Tom Bolwig do Hospital Universitário de Copenhague 
observou que a ECT pode aumentar a 
secreção de determinados hormônios, 
um processo prejudicado na depres-
são. Outros pesquisadores sugerem 
que a eletricidade estimula o cresci-
mento neural e ajuda a reconstruir áreas 
do cérebro que protegem contra o dis-
túrbio. Uma terceira hipótese é de que 
as próprias convulsões redei nem fun-
damentalmente a atividade cerebral, o 
que pode trazer alívio, conclui Bolwig. 
A ECT também pode ajudar no tratamento de algumas pa-
tologias, alterando a sensibilidade dos receptores de neuro-
transmissores, como a serotonina. No entanto, nenhuma des-
sas teses foi sui ciente para que os cientistas conseguissem 
apoio para pesquisa. À medida que aprendemos mais sobre 
essa intervenção mal compreendida, podemos rei nar nossos 
métodos de aplicação e os efeitos negativos da ECT. E é im-
portante que os proissionais de saúde tenham em mente que, 
mesmo em sua forma atual, o tratamento não se trata de um 
castigo cruel, como muitas vezes retratado. Em determinadas 
circunstâncias, quando tudo mais falha, vale a pena considerá-
-lo como opção para aliviar um intenso sofrimento psicológico. 
PARA SABER MAIS
Hollywood and ECT. 
Andrew McDonald 
e Garry Walter em 
International Review 
of Psychiatry, vol. 21, 
n° 3; págs. 200–206; 
junho de 2009.
Shock: the 
healing power of 
electroconvulsive 
therapy. Kitty Dukakis 
e Larry Tye. Avery 
Publishing group, 
2006.
57
58
A forma como os
pequenos aprendem
os leva a criar mais
recordações falsas e
fantasias do que os
adultos; novas maneiras
de investigar o assunto,
porém, têm trazido novas
pistas sobre esse tema
desenvolvimento infantil 
Do que as 
crianças se 
lembram? 
desenvolvimento infantil 
C
rianças não são testemunhas muito 
coni áveis. A sabedoria popular diz que 
frequentemente “relembram” coisas que 
nunca aconteceram. Nos últimos anos, 
porém, vários cientistas discordaram dessa tese 
com base em alguns estudos segundo os quais 
adultos criam até mais memórias falsas do que os 
pequenos. Um novo estudo, porém, coni rma a pro-
pensão infantil para confundir realidade e fantasia, e 
seus defensores alegam que experimentos an-
teriores podem simplesmente não ter utilizado
o método de pesquisa mais adequado. 
Tradicionalmente, em geral, para explorar falsas memórias,
os cientistas apresentam aos pequenos voluntários uma lista de
palavras (por exemplo, “lacrimejar”, “tristeza” e “molhado”) tema-
ticamente relacionadas a um termo que não está na lista (nesse
caso, “choro”) e, em seguida, perguntam aos participantes do
que se recordam. Tipicamente, os adultos mencionam a palavra
que falta com maior frequência do que as crianças. “Isso acon-
tece possivelmente porque suas experiências de vida permitem
traçar associações entre os conceitos mais facilmente”, diz o
psicólogo forense Henry Otgaar, da Universidade de Maastricht,
na Holanda, coautor do estudo, publicado no periódico cientíi-
co Journal of Experimental Child Psychology.
“Em me lembro de uma longa estrada 
de terra que ia até a casa. Acreditava 
que o outro lado podia levar ao céu”
59
Em vez de usar esse tipo de analogia para investigar o fe-
nômeno, Otgaar e seus colegas mostraram aos voluntários
imagens de cenas que se passavam numa sala 
de aula, num funeral ou numa praia. Depois 
de uma pequena pausa, perguntavam aos 
participantes se haviam notado certos ob-
jetos em cada igura. Em três experimen-
tos, crianças de 7 e 8 anos relataram con-

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