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Antropologia Juridica

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CONEXÕES
 O estudo do direito não pode se restringir apenas ao aspecto dogmático, que implica meras sistematizações e classificações de normas jurídicas emanadas do Estado. A ciência do direito, como diz Tercio Sampaio Ferraz envolve sempre um problema de decisão de conflitos sociais, motivo pelo qual tem por objeto central o próprio ser humano que, por seu comportamento, entra em conflitos e cria normas para decidi-lo. O ser humano é, pois, o centro articulador não apenas do pensamento antropológico, mas também do pensamento jurídico.
 As conexões do direito com a antropologia constitui o mesmo objeto central que é o ser humano o direito constitui um dos aspectos da cultura, e esta constitui objeto especifico da antropologia cultura. A antropologia se interessa pelos conflitos sociais, principalmente no que diz respeito à intervenção normativa na decisão jurídica desses conflitos, bem como pelo desdobramento da ordem jurídica diante das transformações culturais, sociais, politicas e econômicas.
APROXIMAÇÕES E AFASTAMENTO
 Há entre os teóricos uma preocupação no sentido de construir uma compreensão universal do fenômeno jurídico. Essa preocupação esta presente nas definições que elaboram sobre o conceito de direito. 
 Podem-se colher entre os juristas dois tipos de definições: 1) definições genéricas, quando isoladas do complexo teórico que as fundamentam, são imprestáveis pra traçar os limites daquilo que se define. Definição inspirada nos jurisconsultos romanos, expressa que o direito é a intenção firme e constante de dar a cada um o que é seu não lesar os outros e realizar a justiça; 2) definições restritivas, esbarram em dificuldades insuperáveis, porque, em virtude de serem muito circunstanciadas, perdem a sua pretendida universalidade. Definição inspirada no positivismo jurídico, o direito é o conjunto de regras dotadas de coatividade e emanadas do poder constituído.
 A diferença entre essas duas definições é no que diz respeito ao enfoque teórico adotado. Na definição genérica predomina o enfoque zetetico; enquanto na definição restritiva predomina um enfoque dogmático. O enfoque dogmático não questiona seus dogmas, predomina o sentido diretivo do discurso, visa, portanto, dirigir o comportamento de uma pessoa, induzindo-a a adotar uma ação. A dogmática jurídica enfoca mais as premissas técnicas, suas sistematizações, classificações, divisões e conceitos. O enfoque zetetico preocupa-se com o problema especulativo, predomina o sentido informativo do discurso, visa, portanto descrever certo estado das coisas enfatiza os aspectos antropológicos, filosóficos, históricos e sociológicos.
 Assim numa perspectiva dogmática, o direito tende a se afastar da antropologia, e de outras áreas do conhecimento. Enquanto a perspectiva zetetica, o direito se aproxima da antropologia, e de outras áreas do conhecimento.
 Malinowski propõe uma estratégia conceitual em que o objetivo da generalidade se sobrepõe ao da especificidade, motivo pelo qual conclui que, em todos os povos, qualquer que seja o grau de “primitivismo”, existe direito. Badcliffe-Brown, ao contrario, segue uma estratégia conceitual e que o objetivo da especificidade tem precedência sobre o da generalidade, motivo pelo qual conclui que algumas sociedades “primitivas”, não têm direito.
O FENÔMENO JURÍDICO
 Para Ferraz Jr, o direito é um dos fenômenos mais notáveis na vida humana. Compreender o direito é compreender uma parte de nos mesmo, é saber por que obedecemos, por que mandamos, por que nós indignamos, por que aspiramos mudar em nomes de ideias e por que em nome de ideias conservamos as coisas como estão. 
 O direito serve para expressar e produzir a aceitação da situação existente, mas parece também como sustentação moral da indignação e da rebelião. O direito nos protege do poder arbitrário exercido à margem de toda regulamentação, das oportunidades iguais e ampara os desfavorecidos. É também um instrumento manipulável que frustra as aspirações dos menos privilegiados e permite o uso de técnicas de controle e dominação.
 O estudo do direito exige precisão e rigor cientifica, mas também abertura para o humano, para a história, para o social. Na medida em que o direito se abre para o humano, a história e o social, ele se depara com a antropologia, dai a ideia de uma antropologia jurídica.
ESTUDO DO DIREITO
 Com o resultado da positivação do direito, passa a predominar no estudo jurídico o enfoque dogmático e a ciência jurídica passa a ser concebida como ciência dogmática. Essa ciência enxerga seu objeto, o direito posto e dado previamente pelo Estado. Como um conjunto compacto de normas que lhe compete sistematizar, classificar e interpretar, tendo em vista a decisão de possíveis conflitos. No mundo contemporâneo, o direito aparece como um fenômeno burocratizado, um instrumento de poder, e a ciência jurídica, como uma tecnologia. Identificar a ciência jurídica como um tipo de produção técnica destinada apenas a atender as necessidades do profissional no desempenho imediato de suas funções. Muitos desses profissionais ficam alienados em relação ao processo de construção do próprio direito positivo, não percebem o direito como instrumento de gestão social, não visualizam a função social das normas jurídica, não compreendem o direito como um saber que também serve á luta social exigida pelo mundo em que vivemos, não entendem o direito como instrumento de mudança. Há uma tendência no sentido de redirecionar o estudo do direito, como forma de evitar a alienação na qual a dogmática jurídica tende a colocar o profissional do direito. Reconhecer que o estudo do direito não se reduz a mera sistematização de normas, visto que, se as normas condicionam comportamentos, os comportamentos também condicionam as normas. Isso significa que não é possível isolar normas jurídicas de suas condicionantes situadas na antropologia, sociologia, economia, biologia, filosofia, ética, política etc. 
 As sociedades estão em transformação e a complexidade do mundo está exigindo novas formas de manifestação do fenômeno jurídico. Esse direito instrumentalizado, uniformizado e generalizado sob a forma estatal de organização venha a implodir, recuperando-se em manifestações espontâneas e localizadas, um direito de muitas faces, peculiar aos grupos e às pessoas que os compõem. A consciência da nossa circunstância atual não deve ser entendida como um momento final, mas como um ponto de partida. 
ANTROPOLOGIA JURÍDICA
 Para Norbert Rouland, a antropologia jurídica demonstra sua utilidade quando permite descobrir (e entender) o direito que se encontra encoberto pelos códigos. Quando prepara e alerta a sociedade para aceitar as evoluções jurídicas que estão em curso e que apontam para um direito mais maleável, punições flexíveis, transações ou mediações em vez de julgamentos, regras que mais formam modelos do que prescrevem ordens. Pode ser aceito mais naturalmente quando as pessoas tomam conhecimento de que há muito tempo ou que em algumas sociedades, homens e mulheres, aos quais chamamos primitivos, já reconheceram esses procedimentos, ou os empregam ainda. A antropologia jurídica investigava o direito das sociedades simples ou primitivas. Uma subversão dessa divisão de trabalho, de modo que a antropologia do direito também passou a se interessar pelo estudo das sociedades complexas ou metropolitanas. Deu-se assim origem a um sincretismo teórico e metodológico. A antropologia jurídica tem colocado em evidência o fenômeno conhecido como pluralismo jurídico.
PLURALISMO JURÍDICO
 O pluralismo jurídico pressupõe a existência de mais de um direito ou ordem normativa no mesmo espaço geográfico. No século XX, retorna com todo vigor para constituir tema da antropologia do direito. O pluralismo jurídico tem lugar sempre que as contradições se condensam na criação de espaços sociais, Esses espaços sociais variam segundo o fator dominante na sua constituição e segundo a composição da classe social. O espaço jurídico consuetudináriocriado pelos comerciantes americanos, à revelia das normas do direito oficial (civil e comercial), com o objetivo de facilitar as transações e diminuir os custos. No Rio de Janeiro, as associações de moradores de favelas passaram a assumir funções nem sempre previstas diretamente nos seus estatutos, A associação de moradores transformou-se, assim, gradualmente num fórum jurídico, à volta do qual se foi desenvolvendo uma prática e um discurso jurídico, que possibilitou o surgimento de um direito novo: o direito da favela. Esse é um direito paralelo não oficial. A administração paralela recupera ou reativa, em novos moldes, estruturas administrativas de tipo popular ou participativo há muito abandonadas ou marginalizadas. Assim, em áreas como segurança, defesa do consumidor, relações entre vizinhos, questões de família, pequenos delitos criam-se tribunais sociais, comunitários ou de bairros presididos por juízes leigos, eleitos ou designados pelas organizações sociais, e em que a representação das partes por advogados não é necessária. O processamento das questões é informal e oral e, por vezes, nem sequer a sentença é reduzida a escrito. Não é um direito revolucionário, visa decidir conflitos num espaço social “marginal”, representa uma tentativa para neutralizar os efeitos da aplicação do direito capitalista de propriedade no seio da favela, no domínio habitacional da reprodução social. E porque se centra a volta de uma organização eleita pela comunidade, o direito da favela representa, também por essa razão, a alternativa de uma administração democrática da justiça.
JUSTIÇA ESTATAL X JUSTIÇA COMUNITÁRIA 
 Ao comparar o direito da favela com o direito estatal, verifica que o direito estatal, por ser mais institucionalizado, com maior poder coercitivo e com discurso jurídico de menor espaço retórico, é concomitantemente mais profissionalizado, mais formalista e legalista, mais elitista e autoritário. Três componentes estruturais básicos: a retórica, a burocracia e a violência. A retórica baseia-se na produção de persuasão, e artefatos verbais e não verbais socialmente aceitos. Burocracia baseia-se na imposição autoritária, a violência baseia-se no uso ou ameaça da força física. O funcionamento e a interação desses três componentes estruturais revelam o modelo jurídico estatal da sociedade capitalista. Tem-se caracterizado pelo progressivo abandono da retórica e pela progressiva expansão da burocracia e da violência. 
 Santos reconhece a possibilidade de modelos alternativos de administração da justiça, que a torne, em geral, mais rápida, mais barata e mais acessível. A justiça comunitária, que pressupõe a mediação ou conciliação através de instâncias e instituições que sejam descentralizadas e informais e que possam substituir ou complementar o modelo tradicional. Essas reformas possibilitariam a construção de um direito novo, de um modelo jurídico capaz de limitar e restringir o espaço da dominação da burocracia e da violência e de promover a expansão da retórica como processo dialógico de negociação e de participação. Quanto mais elevado é o nível de institucionalização da função jurídica menor tende a ser o espaço retórico do discurso jurídico; quanto mais poderosos são os instrumentos de coerção ao serviço da produção jurídica menor tende a ser o espaço retórico do discurso jurídico. Nas sociedades em que o direito apresenta um baixo nível de institucionalização da função jurídica e instrumentos de coerção pouco poderosos, o discurso jurídico tende a caracterizar-se por um amplo espaço retórico.

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