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Cassiano

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REGULAÇÃO E CONCORRÊNCIA
1. O meu ponto de partida em comentário à intervenção do Professor Luís Cabral é o de que a regulação (seja ela qual for) pode ter, nos mercados em que se aplica, um efeito perverso anti-concorrencial equivalente ao de um monopólio. 
E assim é quer a respeito de sectores estruturalmente sujeitos à concorrência (indústrias transformadoras, transportes rodoviários, serviços), quer relativamente a sectores estruturalmente não concorrenciais (como os sectores das utilities, tradicionalmente sujeitos a monopólios de serviço público e agora, por todo o lado, em vias de liberalização/privatização - telecomunicações, electricidade, gás, abastecimento de água). 
As normas de carácter regulatório, baseadas sobretudo numa lógica de intervenção ex ante, tendem a assumir um carácter excessivamente impositivo e a derrapar para a micro-regulação do mercado e do comportamento das empresas. Ainda por cima, os critérios políticos a que normalmente se sujeita o legislador tendem a privilegiar as vantagens de curto prazo e a esquecer os sacrifícios correspondentes: a imposição de preços máximos agrada naturalmente aos consumidores, mas pode (se o cap for demasiado baixo) estrangular a concorrência potencial e impedir assim uma estrutura de mercado mais competitiva no futuro. 
Por isso, a regulação só deve intervir enquanto for claro que a concorrência não é suficiente para assegurar que o mercado funcione de modo a proporcionar eficácia e utilidade social, isto é, perante “falhas de mercado”. 
Como escrevia, há um pouco mais de um ano o Prof. Richard Whish, num paper apresentado à Conferência sobre Competition Law and Economics, organizada, em Lisboa, pela Autoridade da Concorrência: “regulator ‘holds the fort’ until competition arrives”. A regulação actua assim “as a surrogate for competition until effective competition develops”�. 
É o que se passa, em particular, na fase de liberalização de qualquer dos sectores de serviços essenciais (água, gás, electricidade, telecomunicações, correios) tradicionalmente sujeitos ao controlo de um monopólio de Estado. Ao mesmo tempo que se impõe ao antigo monopolista a obrigação de prestar ao público um certo número de serviços a um nível adequado de cobertura e de qualidade (a mais característica dessas obrigações é o chamado “serviço universal”), não é possível “largá-lo no mercado” sem lhe impor algumas “baias” que evitem os riscos de abuso de posição dominante. Isto é particularmente evidente durante os primeiros anos após a liberalização, quando novos operadores estão a tentar instalar-se no mercado e longe ainda de atingirem a dimensão e o músculo que lhe permita fazer uma concorrência efectiva ao incumbent. 
O papel da regulação é, nessas condições, nomeadamente, o de evitar a foreclosure do mercado e a exclusão de concorrentes, as práticas discriminatórias e os abusos de exploração (v.g., preços excessivos), o mau serviço e a degradação das infra-estruturas, os obstáculos ao acesso a essential faclities. 
Neste contexto, a regulação deve tender, a não ser em casos excepcionais, para a sua própria extinção. 
2. Essa não é, no entanto, a tendência natural: as estruturas regulatórias tendem, muitas vezes, a auto-justificar-se e a perpetuar-se para além do que seria desejável, com frequência apoiadas em poderosos interesses político-económicos aos quais a regulação interessa, desde logo pelos seus efeitos anti-concorrenciais. 
Ainda por cima, as regras de carácter regulatório tendem a ser aplicadas per se, tendo mais em conta a sua forma que os seus efeitos, mais em conformidade com a conveniência da administração do que em função do resultado a alcançar. 
Além disso, uma certa forma de captura do regulador (ou melhor, da regulação) pelas entidades reguladas é muitas vezes um facto. As empresas aprendem a viver com a regulação existente, que lhes aproveita, e fazem lobby nesse sentido. 
Nessas condições, a regulação, em vez de colmatar as falhas de mercado, torna-se ela própria uma “falha da política” (uma “poitical failure”). 
E se isto é assim no caso da regulação em sentido estrito (normalmente levada a cabo por um regulador sectorial independente), ao deslocarmos a análise para o plano da regulação em sentido lato, encontramos idêntica situação em que a intervenção do regulador (legislador ou administração), em vez de contribuir para desenvolver a concorrência, com frequência faz o contrário, a coberto da tradicional justificação tirada das exigências do interesse geral: subsídios e outras ajudas; licenças e condicionamentos; restrições à importação; preços mínimos; monopólios de Estado ou golden shares; carteis promovidos e tutelados pelo próprio legislador; promoção dos campeões nacionais. 
4. Ora, sucede que, não só a informação de que dispõem à partida os diversos intervenientes no mercado é assimétrica (p. ex., sobre a qualidade e a própria utilidade� dos serviços prestados), mas também a distribuição dos custos e dos benefícios da regulação é, normalmente, assimétrica: os benefícios aproveitam a alguns, enquanto os custos se repartem por todos. 
Com a agravante de que os que saem prejudicados com o processo regulatório (em particular os consumidores) são, em geral, anestesiados, apenas sentindo os efeitos negativos indirectamente e de forma já muito atenuada, pelo que o estímulo à organização para defesa dos interesses é muito ténue. 
A assimetria na distribuição de custos e benefícios tende, naturalmente, a agravar-se quando alguns regulados (os já instalados) são chamados a partilhar do exercício da regulação. Assim sucede com o actual regime das UCDRs (“unidades comerciais de dimensão relevante”), em cujas comissões de…. participam representantes dos comerciantes da região. Com esse e outros fundamentos, a Comissão Europeia abriu um procedimento por infracção contra o Estado português, por violação do direito comunitário, designadamente…
5. O que se escreveu aplica-se também àquilo a que poderíamos chamar “regulação corporativa”, exercida pela própria profissão, muitas vezes por delegação do legislador e em sua substituição, incidindo quer sobre os requisitos de acesso à profissão, quer sobre as suas condições económicas ou modalidades jurídicas de exercício�. 
A Ordem dos Médicos Veterinários e a Ordem dos Médicos Dentistas, em 2005, bem como a Ordem dos Médicos, em 2006, foram sancionadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) pela adopção de Tabelas de Honorários com preços mínimos, a respeitar obrigatoriamente sob pena de sanções disciplinares, justificados com a necessidade de proteger a qualidade dos actos clínicos e a saúde dos pacientes�. 
Mas também a Ordem dos Advogados inscreveu, durante anos, nos seus Estatutos, com força de lei, disposições fortemente restritivas do exercício de certas liberdades, designadamente da publicidade informativa, a coberto de justificação tirada de exigências de carácter deontológico. Já todos s grandes escritórios internacionais atingiam o mercado português sem barreiras, através da Internet, com informação sobre si próprios e os serviços por eles prestados, ainda se entendia que os escritórios portugueses estavam impedidos de abrir um site na net! Entendia-se igualmente que os advogados estavam impedidos de divulgar a própria dimensão ou organização interna dos seus escritórios, ou de incluir no site ou prospecto informativo fotografias dos advogados ou referências aos respectivos currículos ou outras actividades exercidas. A progressiva abertura internacional dos mercados jurídicos tem contribuído, nos últimos anos, para melhorar sensivelmente a situação. 
O pecado não é apenas português. Em 1992, a Comissão Europeia considerou contrárias às regras de concorrência e, portanto, proibidas várias disposições dos Estatutos e regulamentos internos da Confederação das Associação das empresas de construção holandesas, cuja existência datava de há muitos anos. A decisão da Comissão, que infligiu coimas pesadas, foi confirmada poracórdão de 1995 do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias�. 
O que é interessante sublinhar é que um dos objectivos da Confederação, expressos nos seus estatutos, era, candidamente, o de “promover e gerir uma concorrência ordenada, evitar e combater comportamentos inconvenientes aquando da formulação de propostas de preços e promover a formação de preços economicamente justificados”. Entre as regulamentações internas existentes, destinadas a pôr em prática os objectivos estatutários, figuravam um designado « Código de Honra dos Empresários da Construção » e umas « Regras para a regulação institucionalizada dos preços e da concorrência”. 
De acordo com as referidas regras, sempre que vários membros de uma das associações se apresentassem a um concurso para uma obra, deveriam obrigatoriamente reunir-se para decidir qual deles deveria apresentar a proposta mais baixa. O candidato escolhido ficaria então protegido da concorrência dos demais e teria de pagar determinados montantes para reembolsar os outros concorrentes das despesas incorridas com as suas propostas mal sucedidas. 
Todas estas práticas eram publicamente conhecidas e aceites e justificadas pela conveniência de equilibrar a oferta e a procura e de reduzir, em nome do interesse geral, os custos de transacção das empresas participantes, eliminando, do mesmo passo, a concorrência entre eles! 
6. Na prática, pois, com frequência excessiva, a regulação, em vez de promover a concorrência acaba por se lhe opor ou com ela entrar em conflito. A pontos de permitir, muitas vezes de forma abusiva, o uso da “regulated conduct defence”, em nome daquilo que os anglo-saxónicos conhecem como a “state action doctrine”, de acordo com a qual a legislação restritiva de carácter específico (no plano sectorial ou no plano regional) prevalece sobre a legislação geral (nacional ou federal) da concorrência. O artigo 1.º, n.º 3, da nossa antiga Lei da concorrência (o Decreto-lei n.º 371/93, de 29 de Outubro) é um exemplo dessa abordagem; por isso, foi pura e simplesmente eliminado na Lei 18/2003, de 11 de Junho. 
Na realidade, a exclusão da ilicitude de práticas anticoncorrenciais das empresas ao abrigo de uma “regulated conduct defence” tem justificação, mas deve ser interpretada e aplicada de forma estrita, de acordo com um princípio de proporcionalidade e de maneira a permitir que o regulador da concorrência possa agir em todas as áreas não cobertas pela regulação sectorial. Foi à luz dessa perspectiva que a AdC actuou contra cinco laboratórios farmacêuticos por alegada cartelização no fornecimento no mercado hospitalar de tiras teste de glucose no sangue, não obstante o mesmo produto ter um preço fixado por portaria no mercado das farmácias. 
O que este último exemplo também nos ensina é que a criação, por incentivo do próprio legislador, de um espaço de encontro entre as empresas com vista à negociação do preço administrativo com o regulador sectorial, pode criar a oportunidade para a produção de efeitos secundários de concertação no mercado ao lado, não submetido a preços regulados. 
Quando as práticas em causa são susceptíveis de afectar o comércio intracomunitário e, portanto, estão sujeitas à aplicação do direito comunitário, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) deu uma ajuda à intervenção do regulador da concorrência, ao considerar que as regras de concorrência do Tratado aplicáveis às empresas, em particular os artigos 81.º (acordos, decisões de associações de empresas e práticas concertadas restritivas da concorrência) e 82.º (abusos de posição dominante) se impõem igualmente aos Estados-Membros, que, por força do dever de cooperação leal na realização dos objectivos do Tratado, resultante, nesta parte, dos artigos 10.º e 3.º, g), TCE, devem abster-se de tomar quaisquer medidas que prejudiquem o efeito útil daquelas regras. 
7. No fundo, o que isto quer dizer é que, salvo em presença de uma justificação objectiva, a regulação não deve opor-se à concorrência e, em caso de conflito, deve ceder-lhe o passo�. De forma mais geral, significa também que, ao analisar as modalidades alternativas de intervenção regulatória, o legislador deve sempre pender para aquela que se revele menos restritiva do funcionamento do mercado, em função do objectivo (supostamente legítimo) da intervenção. 
No mesmo sentido concorre, no espaço comunitário, a disposição do artigo 86.º TCE, que tem como contraponto na legislação portuguesa o artigo 3.º da Lei 18/2003 (Lei da Concorrência). De acordo com estes preceitos, (i) as empresas públicas e aquelas às quais o Estado atribuiu direitos especiais ou exclusivos estão plenamente sujeitas às regras de concorrência e (ii) as empresas encarregadas pelo legislador de uma missão de interesse económico geral estão sujeitas às regras de concorrência do Tratado em tudo o que não prejudique a realização dessa missão. 
A aplicação que o TJCE tem feito desta última condição confirma que as restrições introduzidas no funcionamento da concorrência por razões de “interesse económico geral” devem ser objecto de uma interpretação estrita. 
8. Neste ponto, é do maior interesse a recomendação (recentemente acatada pela Comissão Europeia) de submeter a um “competition test” todos os projectos de legislação destinada a intervir ou a ter efeitos no campo da economia e no funcionamento dos mercados�. 
Mas não é fácil encontrar, e menos ainda pôr de pé (mais até por resistências políticas do que técnicas), um sistema de detecção ou alerta precoce destinado a medir e a evitar ou corrigir o impacto anti-concorrencial da regulação. 
A dificuldade é que a concorrência não tem lobby; donde, a importância decisiva da “competition advocacy”, através da acção das associações, fóruns e outros grupos organizados de discussão e promoção das questões de concorrência. As próprias autoridades da concorrência têm um papel importante na disseminação de uma cultura de concorrência e, nesse contexto, na emissão de recomendações dirigidas ao próprio legislador. Ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo .. dos seus Estatutos, a AdC tem utilizado esse poder de recomendação em vários casos (farmácias, águas, notários). Da mesma forma quanto aos auxílios de Estado, como prevê o artigo 13.º da Lei da Concorrência.
A vantagem da concorrência sobre a regulação sectorial está principalmente em que, ao contrário desta última e com excepção do controlo prévio das concentrações, aquela actua ex post, deixando o espaço necessário ao mercado e dando-lhe assim todas as chances de mostrar o que vale. 
9. Enquanto subsiste - e em toda a medida em que subsiste - uma regulação sectorial, sobretudo em sectores em vias de liberalização ou privatização, é necessário encontrar soluções de articulação entre a intervenção do regulador sectorial e a do regulador da concorrência. 
A questão principal a resolver é saber quem deve aplicar as normas de concorrência nos sectores regulados. Diferentes respostas são possíveis e têm sido dadas a essa questão. 
No caso português, adoptou-se uma solução eclética que é equilibrada e possibilita uma articulação sem choques. Cada regulador age no seu domínio específico de competências (sectoriais ou transversais) fixado por lei; a consulta do regulador sectorial competente é obrigatória por força da Lei da Concorrência (artigos 29.º e 39.º) em caso de processos por infracção ou no âmbito do controlo prévio das concentrações; o regulador sectorial deve aplicar a regulação específica na óptica e tendo em conta as exigências da concorrência (como resulta, desde logo, das directivas comunitárias para os sectores energético e das telecomunicações). 
Assim se conciliam as vantagens da intervenção de um com as da intervenção do outro: um conhece bem o sector e os seus tecnicismos; o outro está familiarizado com as exigências transversais da concorrência.
Mas, como não há sistemas perfeitos, os resultados do funcionamento de qualquer sistema de articulaçãoentre reguladores depende da sua prática de entendimento, a qual requer não apenas o respeito das competências de cada um, mas também processos de trabalho adequados, incluindo a realização de reuniões periódicas ou a adopção, em conjunto, de regras de boas práticas ou códigos de conduta, que as empresas devem conhecer e sobre os quais, desejavelmente, se tenham pronunciado. 
10. Seja como for, é princípio aceite hoje em dia que a regulação – sectorial ou da concorrência – deve ser exercida com independência e numa óptica de desgovernamentalização. A regulação, sobretudo a da concorrência, releva da economia e não deve ser afectada por considerações que relevam da ordem política. 
O risco de excessos do regulador deve, porém, ser evitado e controlado, igualmente em matéria de concorrência, designadamente para impedir a captura da regulação por uma qualquer “ideologia” circunstancialmente abraçada pela burocracia, como sucede quando os funcionários pretendem usar casos concretos para demonstrar uma tese formulada no plano jurídico ou da teoria económica. Assim o demonstram algumas das decisões sobre operações de concentrações anuladas em 2002 pelo Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias (TPI), designadamente a decisão Air Tours/First Choice e a incapacidade da Comissão para sustentar, no plano da prova, a sua tese do “abuso de posição dominante colectiva”, bem como as vicissitudes experimentadas no âmbito de casos antitrust comunitários ou nacionais, como o caso Microsoft ou a questão da exclusividade das arcas congeladoras em alguns mercados nacionais de gelados de impulso na Europa. 
9. Neste contexto, é bem de ver a importância que, na ausência de outro tipo de controlo interno das decisões (maxime, do governo ou do parlamento), assume a existência de um controlo jurisdicional eficaz. 
As dificuldades deste são, contudo, evidentes. Por um lado, a forma como os juízes interpretam os limites dos seus poderes de cognição são, com frequência, extremamente limitativas. Os juízes – que não são nem têm de ser técnicos – tendem a respeitar, de forma estrita, a chamada discricionariedade técnica da administração, relutantes em submeter a correcção económica das intervenções do regulador ao escrutínio do princípio da proporcionalidade. 
Alguns países ou organizações optaram, neste domínio, pela entrega da fiscalização da legalidade das decisões das autoridades da concorrência a tribunais (ou jurisdições equivalentes) de competência especializada. É o caso do Reino Unido, que criou o Competition Appeals Tribunal. O mesmo se passa, de certa maneira, com o TPI das Comunidades Europeias que, encarregando-se embora também de outro tipo de matérias, foi criado com uma vocação específica para se ocupar das questões de concorrência. 
A reforma da aplicação do direito comunitário da concorrência, introduzida pelo Regulamento nº. 1/2003, do Conselho, de 16.12.2002, veio tornar as coisas mais exigentes do ponto de vista do controlo jurisdicional. Com efeito, o referido regulamento de 2003 veio substituir o sistema do “velho” Regulamento n.º 17/62 - sistema de aplicação centralizada, baseado num princípio de proibição de acordos e práticas restritivas da concorrência, sob reserva de isenção, concedida pela Comissão Europeia ao abrigo do n.º 3 do artigo 81.º, com base em prévia notificação obrigatória - por um sistema de “excepção legal” e de aplicação descentralizada pelas autoridades e pelos tribunais nacionais, aos quais é cometida uma responsabilidade acrescida no quadro do private enforcement das regras de concorrência do Tratado. 
A reforma do sistema de aplicação do direito comunitário da concorrência aproximou-o do modelo norte-americano, no qual o papel das agências especializadas (a Antitrust Division do Department of Justice e a FTC - Federal Trade Commission) é, principalmente, o de acusar e investigar, competindo, porém, aos tribunais tomar as decisões em matéria sancionatória e remedial. 
Só que os juízes que, nas District ou Circuit Appeals Courts dos Estados Unidos, são chamados a aplicar o direito antitrust não só dispõem de estruturas e apoios em assessoria apropriados, como eles próprios são, em casos relevantes, distintos juristas e economistas, professores de antitrust law and policy, com nomes bem conhecidos como Richard Posner, Robert Borck ou Frank Easterbrook. 
Em Portugal, o certo é que não temos tribunais especializados (é o Tribunal de Comércio de Lisboa, com três juízes, assoberbados com milhares de processos de falências, insolvências e direitos de propriedade intelectual, que fiscaliza a legalidade das decisões da AdC), nem juízes especialistas (nenhum juiz tem preparação específica nestas áreas e o desenrolar normal das carreiras faz que a preparação adquirida em exercício corre o risco de se tornar despicienda a breve trecho, por força das normais transferências e promoções). 
Ainda por cima, como se torna claro à leitura do recente Discussion Paper da Comissão Europeia sobre a reforma da aplicação do artigo 82.º do Tratado (abusos de posição dominante) e é confirmado pela jurisprudência comunitária, em matéria de concorrência prevalece, hoje em dia, uma abordagem baseada nos efeitos económicos das condutas (effects based approach) em detrimento de uma aplicação formalista. O que se pode ganhar em sofisticação perde-se, naturalmente, em segurança jurídica para as empresas. 
José Luís da Cruz Vilaça
� Richard Whish, Competition and Regulation, First Lisbon Conference Law and Economics, Lisboa, Novembro, 2005 (não publicado). 
� O consumidor não conhece, com frequência, a sua curva de procura, isto é, pode nem sequer se perceber, no caso de serviços profissionais, de quais são aqueles de que precisa. 
� A auto-regulação contém em si a vantagem de entregar a tarefa de regulação àqueles que dispõem da melhor informação sobre o sector de actividade (além de poder ser mais flexível que a regulação pública), mas corre o grave risco de se converter numa forma de colusão destinada a preservar as estruturas existentes e a proteger os interesses dos membros da profissão, em detrimento dos outros interesses relevantes, designadamente os dos consumidores. 
� O mesmo já sucedera em 2000 com a Câmara dos Revisores Oficiais de Contas, por decisão do extinto Conselho da Concorrência. 
� Acórdão 21.2.1995, T-29/92, SPO e outros / Comissão, Rec.1995, II-289. 
� Numa perspectiva mais radical, ver a intervenção do Dr. Ulf Böge, Presidente do Bundeskartellamt, “Competition and regulation: What role can the State play for a better functionning of the markets?”, na First Lisbon Conference on Competition Law and Economics, Lisboa, Novembro, 2005. 
� Cfr. Giuliano Amato e Laraine L. Laudati (eds.), The Anticompetitive Impact of Regulation, European University Institute of Florence/Fondazione Eni Enrico Mattei, Edward Elgar eds., 2001. 
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