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FALSAFA FILOSOFIA DOS ARABES

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MIGUEL ATTIE FILHO 
 
 
 
 
 
 
 
»»»»€€€€€€€€¬¬¬¬ŸŸŸŸ 
 
FALSAFA 
A Filosofia entre os Árabes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2001
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 2
»»»»€€€€€€€€¬¬¬¬ŸŸŸŸ 
FALSAFA 
A Filosofia entre os Árabes 
SUMÁRIO 
Tabela de transliteração das letras árabes ....................................................................4 
Tabela de pronúncia .....................................................................................................5 
Introdução .....................................................................................................................6 
 
1 – ALGUNS INTRÓITOS 
1.1 A importância do estudo da falsafa........................................................8 
1.2 A origem e o significado do termo falsafa.............................................9 
1.3 As principais características da falsafa ................................................12 
1.4 Árabes, islâmicos e muçulmanos ........................................................14 
1.5 Filosofia árabe ou filosofia islâmica ? .................................................17 
1.6 História do pensamento e história da filosofia ....................................21 
1.7 Filosofia e teologia ..............................................................................23 
1.8 Filosofia e mística ................................................................................27 
 
2 – UM TAQUINHO DE UMA HISTÓRIA DA FILOSOFIA 
 2.1 ...e, afinal, onde estamos?....................................................................31 
 2.2 Divisões na História ...........................................................................35 
 2.3 Os períodos da Filosofia......................................................................39 
2.4 Alguns ditos sobre a filosofia dos medievais .....................................42 
 2.5 Um panorama religioso da época .......................................................46 
 2.6 O saber e alguns de seus centros ........................................................52 
 2.7 A chegada dos árabes .........................................................................57 
 
3 – NO ISL¿¿¿¿M NASCENTE 
 3.1 A Arábia pré-islâmica..........................................................................59 
 3.2 O Profeta Mu¬ammad ........................................................................61 
3.3 O Alcorão ...........................................................................................64 
 3.4 A expansão muçulmana .....................................................................66 
3.5 Os Omíadas ........................................................................................67 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 3
3.6 Os Abássidas.......................................................................................68 
 3.7 Os primeiros intérpretes ......................................................................72 
 3.8 O Kalām ..............................................................................................74 
 
4 – “IDE BUSCAR O SABER ATÉ NA CHINA”... A RECEPÇÃO 
 4.1 Uma herança do saber ........................................................................78 
 4.2 Primeiras traduções..............................................................................81 
4.3 Hunayn e a Casa da Sabedoria ...........................................................83 
 4.4 De Aristóteles a ArisÐýÐālis ................................................................87 
 4.5 De Platão a AflaÐýn ............................................................................91 
 4.6 De Plotino a AfluÐ÷n – o “mestre grego” – .......................................94 
 4.7 Outras presenças .................................................................................98 
 
5 – A FALSAFA E OS FAL¶SIFA 
 5.1 Al-Kind÷, o anfitrião .........................................................................100 
 5.2 Al-Fārāb÷, o inventor ........................................................................121 
 5.3 Ibn S÷nā, o sistematizador .................................................................143 
 5.4 Al-¦azāl÷, o batedor .........................................................................172 
5.5 Ibn Ru¹d, o reformador ....................................................................196 
 
6 – AS DUAS FACES DA FALSAFA 
6.1 O pouso das águias ...........................................................................220 
6.2 Caminhos para o “Oriente” ...............................................................221 
6.3 Caminhos para o “Ocidente” .............................................................225 
6.4 Traduções para o latim ......................................................................227 
6.5 A recepção dos árabes-filósofos .......................................................230 
6.6 Maimônides e a falsafa......................................................................234 
6.7 Santo Alberto e os medievais latinos ................................................235 
 
À guisa de conclusão ...............................................................................................238 
Bibliografia............. .................................................................................................240 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 4
 
Tabela de transliteração das letras árabes 
 
[ ā y r š § 
] b { z ā f 
a t } s ¢ q 
e t ‚ ¹ ¦ k 
i j † ½ ª l 
m ¬ Š Å ® m 
q æ Ž Ð ² n 
u d ’ Þ ¶ h 
w d – ‘ ¼ ý/ w 
 Vogais ¾ ÷/ y 
 _´_ a Æ ’ 
 _ _ i ( Õ â ) 
 ´ 
 _’_ u ( Â ä) 
 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 5
Tabela de pronúncia 
 
 
Letra nome tranlist. som aproximado Letra nome tranlist. som aproximado 
[ alef ā aspirar Š Åad Å Those - enfático 
] be b beleza Ž tá Ð Todo - enfático 
a te t toda ’ dzá Þ Zero - enfático 
e te t think (ing.) – ‘ain ‘ -------------- 
i jim j junto š §ain § -------------- 
m ¬e ¬ H - aspirado ā fe f feliz 
q æ æ juego (esp.) ¢ qaf q quente 
u del d divino ¦ kef k construir 
w del d those (ing.) ª lam l longo 
y re r roda ® mim m memória 
{ zain z zero ² nun n nada 
} sin s seguir ¶ he h heaven (ing.) 
‚ ¹in ¹ chance ¼ wau ý/ w um 
† ½ad ½ Seguir - enfático ¾ ie ÷ / y inominável 
 Æ hamza ’ ----------- 
 
 ( Õ ---------- â --------------) 
( ÅÅÅÅ AA-----------AäAAAA 
 
 
Vogais breves 
 
_______´____ a 
 
_______ ____ i 
 ´ 
______ ’_____ u 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 6
INTRODUÇÃO 
 
Este não é um escrito para especialistas na filosofia em árabe mas se 
destina, com mais propriedade, aos estudantes de filosofia e ao público em geral, 
limitando-se a contornos de caráter introdutório ao tema. Não pretendi, também, 
escrever uma “História da Filosofia” no mundo islâmico. O meu objetivo foi mais 
singelo: traçar um roteiro mínimo dentro da História e da Filosofia que pudesse 
fornecer ao leitor um quadro da localização da falsafa como um momento crucial para 
se compreender com mais clareza alguns aspectos do curso de transformações do 
pensamento filosófico tanto do Oriente como do Ocidente. Para tal, procurei apresentar 
alguns temas principais que compõem o cenário da falsafa para ser um guia de 
assuntos ao leitor. Desse modo, é inegável que o caráter panorâmico deste trabalho 
carregatodas as dificuldades e os riscos que são inerentes a tal opção. No entanto, 
espero que, futuramente, outros autores venham a contribuir para preencher as lacunas 
que aqui se apresentam. 
Vale adiantar que o termo “falsafa” significa “filosofia”. Neste trabalho, 
porém, adquire um sentido mais específico, e é entendido como o período clássico da 
filosofia entre os árabes, a partir do movimento de recepção e desenvolvimento da 
filosofia grega nas terras dominadas pelo Islām circunscrito entre os sécs VIII d.C. / II 
H. e XIII d.C. / VII H. Visto, portanto, como um segmento histórico da filosofia, a 
“falsafa” a qual me refiro é um movimento que inicia-se com as obras de Al-Kind÷ e se 
encerra com a morte de Ibn Ru¹d sem que, com isso, se comprometa a sua 
continuidade, quando entendida de modo genérico. 
Uma importante razão que pode levar o estudante e pesquisador de 
filosofia a dirigir sua atenção à falsafa é, em primeiro lugar, o seu relevante papel no 
cenário histórico da filosofia do Oriente e do Ocidente. Além dessa importância 
histórica, ressalte-se que a envergadura de suas teses traz elementos enriquecedores à 
cena do debate filosófico. Muitas vezes, esse papel de primeira importância não é 
reconhecido com evidência tanto pela dificuldade de informações como pela escassez 
de obras especializadas em nosso idioma a esse respeito. 
 Neste trabalho, inicialmente, são analisados alguns conceitos que 
guardam uma proximidade com a falsafa, tais como, os termos “árabe”, “islâmico”, 
“filosofia” e “teologia”, indicando direções pelas quais essas discussões caminham 
atualmente. Em seguida, são abordados alguns pontos da História da Filosofia no 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 7
Ocidente, particularmente a respeito do período medieval, objetivando fornecer uma 
localização da falsafa do ponto de vista histórico e filosófico. Após esse quadro geral 
da História da Filosofia, há algumas informações básicas sobre o momento histórico do 
surgimento da religião islâmica. Com o estabelecimento do texto sagrado dos 
muçulmanos – o Alcorão – e a expansão do Islām, a atenção se dirige ao período de 
traduções da ciência e da sabedoria dos antigos para a língua árabe. Em seguida, são 
apresentadas algumas características básicas do pensamento dos quatro nomes de 
maior envergadura da falsafa, ou seja, Al-Kind÷, Al-Fārāb÷, Ibn S÷nā (Avicena) e Ibn 
Ru¹d (Averróis) e, também, alguns pontos da polêmica de Al-¦azāl÷. Ao final, há 
algumas indicações a respeito dos caminhos seguidos pela falsafa no Oriente e no 
Ocidente. 
Em todo esse trajeto, o meu maior intuito foi oferecer um conjunto 
mínimo de informações que se traduzisse num estímulo para que, no futuro, os estudos 
a respeito da falsafa, aqui no Brasil, estejam de acordo com sua importância histórica 
e filosófica, encontrando espaço junto ao meio acadêmico para criar uma base mínima 
para que outros possam continuar sem interrupção. 
Setembro de 2001 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 8
1 – ALGUNS INTRÓITOS 
 
1.1 A importância do estudo da falsafa. 
 
Mesmo que não pretendessemos contar a História da Filosofia ocidental 
em algumas páginas, mas procurássemos apenas traçar uma linha mínima que ligasse 
as principais etapas da História da Filosofia, seria natural que tivessemos em mente 
que, de algum modo, o mais atual pensamento do mais jovem filósofo do nosso planeta 
teria alguma relação com o mais antigo pensamento do mais antigo filósofo da História 
da Humanidade; fosse essa relação, uma relação de proximidade e concordância ou 
fosse de afastamento e divergência. É justamente por admitirmos que tal relação é 
inerente às diversas manifestações filosóficas que podemos justificar o porquê damos 
a isso o nome de “História da Filosofia” e, também, o porquê do interesse em pesquisá-
la. 
 Ao nos habituarmos em estabelecer um diálogo com a filosofia é 
comum estarem presentes em nossas reflexões filósofos como Aristóteles, Platão, 
Heráclito, e grande parte dos filósofos da antiga Grécia. Além desses, por vezes 
fazemos figurar pensadores do Ocidente medieval latino como Agostinho, Rogério 
Bacon e Tomás de Aquino. A estes, não raro, podemos acrescentar igualmente os 
nomes de alguns modernos como Hegel, Kant, Nietzsche, Descartes e outros. Mesmo 
sabendo que tais pensadores possuem extremas diferenças filosóficas entre si, não nos 
sentimos cometendo nenhuma contradição em reuní-los, pois sabemos que todos são 
tributários dos argumentos da razão – propósito da filosofia – para superar os desafios 
particulares que se-lhes apresentaram em cada época. Se isso nos é natural, não 
devemos ter, pois, a menor hesitação em trazer às nossas reflexões, por exemplo, os 
nomes de Al-Kind÷, Ibn S÷nā, Al-Fārāb÷ e Ibn Ru¹d que são os nomes mais 
representativos da falsafa, tendo sido a justo título conhecidos também como os 
“filósofos árabes helenizados”. 
Nascidos no período medieval em terras dominadas pelo Islām, entre os 
sécs. VIII e XII d. C./ II e VI H., esses pensadores foram denominados, em árabe, pelo 
termo “falāsifa”1, isto é, “filósofos” em vista de sua arte: a “falsafa”, isto é, a 
“filosofia”. Em suas obras, justifica-se tal denominação em virtude de haver traços 
profundos e marcantes de grande parte da tradição da filosofia e da ciência antiga dos 
 
1 No singular, failasýf (filósofo). 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 9
gregos. O fato de tais pensadores estarem inseridos numa cultura mais distante da 
nossa, talvez nos desse a falsa impressão de que o mundo árabe e o mundo islâmico 
pouco teriam a acrescentar às nossas discussões histórico-filosóficas em vistas da 
formação do nosso pensamento ocidental. Porém, ao se entrar em contato com as obras 
dos falāsifa pode-se verificar que eles adotaram os princípios da filosofia através das 
demonstrações lógicas, estabelecidos principalmente por Aristóteles para superar os 
desafios impostos pelas mais variadas questões que se-lhes apresentaram. Assim, é 
natural que eles figurem juntamente com os grandes nomes da História da Filosofia. 
Curiosamente, em muitos aspectos, a sua importância se deu mais em vista do impacto 
causado na História da Filosofia do Ocidente do que na do próprio Oriente. De todo 
modo, a falsafa é um dos elos mais esclarecedores para a compreensão dos caminhos 
da filosofia no período medieval visto que se deu no mesmo período em que o 
Ocidente esteve sob a denominação (às vezes injusta) de Idade das Trevas. 
Uma das coisas que mais chama a atenção ao atento estudante de 
filosofia é que, não raras vezes, os manuais de História da Filosofia – ao tratarem do 
período medieval – passam de Agostinho (séc. IV d. C.) a Tomás de Aquino (séc. XIII 
d.C.) sem dar a devida atenção ao que ocorreu nesse ínterim, o que indiretamente acaba 
reforçando que, nesse período, o conhecimento científico e filosófico teriam ficado 
estagnados. Tal julgamento não pode se aplicar ao lado oriental medieval, pois neste, o 
que se viu, permite considerá-lo como um dos períodos mais luminosos da História: 
grandes avanços foram realizados em praticamente todas as áreas do conhecimento e, 
de modo particular, na filosofia. 
 
1.2 A origem e o significado do termo “falsafa”. 
 
 A transcrição do termo grego φιλοσοφια (filosofia) para a língua 
árabe resultou no termo »€€¬Ÿ ( falsafa ). Vale esclarecer que se, por um lado, na 
língua grega, os morfemas φιλια / σοφια (filia/sofia) se unem para dar, entre outras, a 
idéia de “amor à sabedoria”, por outro lado, em árabe – assim como nas transcriçõesque encontramos em outras línguas como, por exemplo, “philosophia” em latim; 
“philosophie” em francês e alemão; “philosophy” em inglês etc. – a idéia que liga os 
conceitos de amor e de sabedoria se dá somente por uma analogia e um retorno ao 
termo grego. Os vocábulos usados para significar “amor” e “sabedoria”, na língua 
árabe, não possuem qualquer semelhança com os radicais gregos decorrendo, portanto, 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 10
que no vocábulo »€€¬Ÿ ( falsafa ) não há qualquer idéia que provenha dos radicais 
próprios da língua árabe. É uma pura transcrição da língua grega. 
Mesmo não sendo o caso de nos aprofundarmos na discussão de 
significados dos termos gregos e nem de fazer corresponder com rigidez os termos 
gregos aos termos árabes, podemos aludir ao fato de que alguns conceitos que podem 
se incluir no conceito de φιλια (filia) são, por exemplo, o conceito de amor, de paixão, 
de amizade, de desejo e de inclinação da alma. No caso do conceito de σοφια (sofia), 
podemos incluir nele os conceitos de sabedoria, ciência e conhecimento. 
 Quanto a φιλια (filia) há três termos na língua árabe que podem se 
aproximar de sua definição: `o (¬ub), »£[vˆ (½ad÷q) e ¢„— (þi¹q). Os dois 
primeiros, apesar de serem usados com frequência na língua árabe, não tiveram um uso 
muito corrente no vocabulário da falsafa. No caso de `o (¬ub), sua aplicação se dá 
mais propriamente ao amor no sentido da ternura, do carinho e do afeto podendo ser 
traduzido como o amor num sentido mais amplo. O segundo termo – »£[vˆ (½ad÷q) – 
se traduz por amizade, porém sua raiz original remete à noção de autenticidade, 
sinceridade, veracidade e outros termos afins. E, talvez, justamente pelo fato de uma 
amizade não poder prescindir de todos esses atributos é que, na língua árabe, o termo 
“amizade” provém daqueles primeiros conceitos. Por fim, a idéia de amor no sentido 
da paixão e da inclinação do desejo, encontra sua melhor tradução no termo ¢„— 
(þi¹q). Ibn S÷nā, por exemplo, ao fazer uso desse termo não o restringe meramente ao 
sentido material da atração carnal mas, procura espiritualizá-lo no sentido metafísico 
do movimento da hierarquia dos seres em direção à causa final. Nesse sentido, o termo 
¢„— (þi¹q) guarda também uma certa proximidade com o conceito de ερωσ (eros) e, 
no vocabulário filosófico é, pois, o que mais se aproxima também da idéia de 
φιλια (filia). 
Em relação ao termo σοφια (sofia), há três termos na língua árabe que 
estão relacionados ao sentido de sabedoria, de ciência e de conhecimento. São eles: 
±¬— (‘ilm ), »Ÿz˜° ( ma‘rifa ) e »°¨n (¬ikma). Esses três termos possuem um uso 
frequente na linguagem filosófica entre os árabes. No primeiro caso – ±¬— (‘ilm ) –, 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 11
sua melhor correspondência é o termo ciência. Com mais frequência foi esse o termo 
utilizado para traduzir a noção grega de επιστηµη (episteme). No vocabulário da 
falsafa é com ±¬— (‘ilm ) que se expressa, por exemplo, a noção de “ciência divina”, 
“ciência da natureza” “ciência da alma”, “ciência da lógica” etc. Nos dias de hoje, 
grande parte da denominação das ciências modernas e suas variantes como, por 
exemplo, Biologia, Sociologia, Economia e Ecologia é antecedido pelo termo ±¬— (‘ilm 
). Quando se predica à alguém o adjetivo ±«\— (‘÷lm), o sentido mais apropriado é o de 
que esse alguém é douto, erudito, diplomado. O mesmo termo também é usado para 
designar o cientista. 
No segundo caso, isto é, »Ÿz˜° (ma‘rifa), este deriva da raiz do verbo 
āz— (‘arafa) que significa conhecer. Assim, o termo »Ÿz˜° (ma‘rifa) pode ser 
traduzido por “conhecimento”. É com esse termo, por exemplo, que Ibn S÷nā afirma 
que “o fim da filosofia especulativa é o conhecimento da verdade, e o fim da filosofia 
prática é o conhecimento do bem” 2. Mas, num outro sentido, há certa nuance nesse 
termo: ao analisá-lo, Goichon aproxima-o do termo grego γνωσισ (gnosis). Assim, por 
exemplo, ao se predicar alguém com o adjetivo ¡¿z— (‘ar÷f ), pode se indicar o 
caráter do conhecimento do iniciado, do que tem acesso ao saber esotérico, oculto. 
Por fim, é mais propriamente com o termo »°¨n (¬ikma) que 
encontramos a melhor aproximação da noção de sabedoria. Esse foi o termo usado na 
tradução do grego σοφια (sofia). Em alguns casos, esse termo também é usado com o 
sentido de ciência – ±¬— (‘ilm) – e conhecimento – »Ÿz˜° (ma‘rifa) – Porém, 
enquanto os dois primeiros denotam um tipo de saber mais indicativo, o espectro mais 
amplo do conceito »°¨n (¬ikma) é o que mais se aplica no caso do vocabulário 
filosófico para designar a extensão do conceito “sabedoria”. Por essa razão, às vezes, 
»°¨n (¬ikma) também, foi usado como sinônimo do próprio conceito de filosofia. Se 
os antigos gregos chamavam um homem sábio de σοφοσ (sofos), em árabe ele seria 
denominado ±À¨n (¬ak÷m). Vocábulos como “governador”, “juiz”, “árbitro” e outros, 
 
2 Cf. GOICHON, Vocabulaire, p. 19 e Lexique, p.221. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 12
também derivam da mesma raiz, remetendo a um sentido mais abrangente do conceito 
de sabedoria. 
 Na medida em que, tanto nas línguas ocidentais modernas como na 
língua árabe, o termo “filosofia” foi uma importação de origem grega, é natural que em 
todas elas tenha havido uma apropriação do vocábulo. Nesse sentido é comum, por 
exemplo, – tanto em árabe como em português –, se dizer que um tal homem pensativo 
é um “filósofo” ou que determinada pessoa possui uma “filosofia de vida”. No entanto, 
pode haver sutis diferenças nessas mesmas afirmações pois a intensidade com que o 
Ocidente e o Oriente assimilaram algumas tradições da filosofia da antiga Grécia não 
foi a mesma. Talvez, por isso, a falsafa fôra, em muitos casos, mais estrangeira para os 
árabes do que a filosofia o foi para os ocidentais. 
 
1.3 as principais características da falsafa. 
 
 Preenchendo páginas e mais páginas em língua árabe, os falāsifa 
desenvolveram suas teses entre os séculos VIII e XII d. C. / II e VI H. Portanto, a 
principal característica da falsafa é ser medieval. Tal condição traz consigo uma grande 
bagagem de pré-conceitos a respeito da Idade Média e, conseqüentemente, da filosofia 
praticada nesse período. Se a binômia tabuleta em que se lê “razão e fé” pôde guardar 
um olhar estreito em relação ao todo da filosofia medieval, mais ainda poderia sê-lo em 
relação à falsafa. A isso se acrescenta, não raramente, uma visão distorcida dos povos 
semitas, de modo geral, e dos árabes, em particular. 
 Outra característica da falsafa é ter sido uma novidade no cenário da 
filosofia que, até então, já havia se construído e se alicerçado ao longo de, pelo menos, 
1200 anos. Afinal, até o séc. VIII d.C., a filosofia havia se desenvolvido 
principalmente entre os povos gregos, no interior do império romano e entre a 
cristandade do Oriente e do Ocidente. A novidade repousa no fato de que, nesse 
panorama de povos e culturas, também passou a figurar o povo árabe. E, do mesmo 
modo, que o helenismo, quando absorvido por outras culturas, teve que se adaptar às 
características locais, o mesmo aconteceu no caso da falsafa. Os ingredientes da 
filosofia e das ciências gregas também se adaptaram à cultura e à religião dos árabes. 
Esse encontro resultou numa filosofia original e renovada que não se confunde com 
particularidades filosóficas anteriores. Além disso, a filosofia que havia sido, até então, 
um patrimônio praticamente exclusivo da língua grega, latina e siríaca, chegou, pela 
Falsafa, a Filosofia entre os ÁrabesMiguel Attie Filho 
 
 13
primeira vez, a ser escrita em língua árabe. Nesse caso, não é difícil imaginar que os 
termos e os conceitos filosóficos tiveram de seguir um novo itinerário para serem 
adaptados ao novo idioma. 
 Outro ponto relevante é o fato de a filosofia se confrontar com uma 
nova religião. O islamismo recebeu a filosofia pouco mais de 150 anos após o seu 
nascimento. A filosofia, nascida entre os mitos gregos, transportada juntamente com os 
deuses para o panteão de Roma, absorvida pelos padres da igreja para cimentar os 
dogmas da cristandade, havia se confrontado, até então, com outras formas de religião 
mas não ainda com o islamismo. Foi a falsafa que se encarregou de fazer com que os 
princípios filosóficos se deparassem, pela primeira vez, com os dogmas da religião 
islâmica, o que foi, sem dúvida, um novo desafio para ambas. 
 A falsafa foi a responsável não só pela imersão do pensamento da 
filosofia grega entre os árabes mas também pela transmissão da filosofia grega ao 
Ocidente. Na medida em que o paradigma grego foi um dos responsáveis pela 
construção filosófica do Ocidente, não é difícil imaginar que a falsafa ocupa um lugar 
histórico muito peculiar. Sobre o meridiano da filosofia oriental e ocidental, a meio 
caminho da contemplação de dois – ou mais – caminhos, a falsafa contribuiu 
sobremaneira para inúmeras transformações da filosofia do Oriente e do Ocidente. É 
assim que, por exemplo, muitas teses desenvolvidas no interior da falsafa possuem – 
aos moldes das duas faces da alma propostas por Ibn S÷nā – duas frontes distintas: uma 
voltada para o Oriente e a outra para o Ocidente. Como bem assinalou Carra de Vaux, 
“esta escola se divide em dois ramos: o oriental e o ocidental. Al-Kind÷, Al-Fārāb÷, 
Avicena são nomes célebres do primeiro ramo; Ibn Bāja, Ibn Æufayl, Averróis, os do 
segundo ramo.” 3 
Talvez se Voltaire tivesse conhecido, além dos infindáveis volumes 
escritos pelos pensadores do Ocidente medieval, também os dos falāsifa, certamente 
teria continuado a exclamar de que tudo deveria ser colocado em dicionários. E isso 
não seria à toa, pois uma das características comum aos falāsifa, que chama muito a 
atenção, é o número de suas obras. Os títulos de Al-Kind÷, citados por Badawi em sua 
Histoire de la Philosophie Islamique, chega ao número de 241; no caso de Al-Fārāb÷, 
mais de 120; para Ibn S÷nā, Anawati cataloga 276 obras; para Ibn Ru¹d, Badawi 
apresenta uma lista de 92 títulos. Algumas dessas obras não chegaram até nós, muitas 
 
3 Cf. VAUX, C. Les penseurs de l’Islam, pp. 1s. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 14
encontram-se ainda em manuscritos arquivados em bibliotecas, algumas foram 
editadas em árabe, as mais importantes tiveram traduções para o latim durante a Idade 
Média e pouquíssimas foram traduzidas para as línguas modernas. 
 Os temas abordados pelos falāsifa cobriram grande parte dos 
conhecimentos da época: lógica, física, matemática, metafísica, medicina, astronomia, 
música, psicologia, ética e política. Pelo fato de haver, dentre essas obras, comentários 
sobre Aristóteles e, em menor número, sobre outros autores, muitas vezes se quis 
reduzir o papel da falsafa a esses comentários. Há muito, porém, as pesquisas a 
respeito da falsafa, já se incumbiram de mostrar o quanto a denominação de 
“comentadores” era restrita e imprecisa para designar o trabalho realizado por esses 
pensadores. Se o comentário foi uma realidade entre os falāsifa, tanto o foi, também, o 
desenvolvimento de uma filosofia original, de grande envergadura, por parte de cada 
um deles. 
 
1.4 Árabes, islâmicos e muçulmanos 
 
 Apesar de muitas vezes serem tomados um pelo outro, esses três termos 
não são sinônimos. Certamente, podem ter mais de um sentido dependendo do modo 
como são empregados mas, geralmente, os encontramos utilizados a partir de uma 
distinção bàsica: o termo “árabe” geralmente é utilizado no sentido da língua, da 
cultura, da política ou da etnia e não no sentido religioso; o termo “islâmico” guarda o 
caráter da religião, mas também do Estado ou da cultura e não da etnia; o termo 
“muçulmano”, aplica-se às pessoas adeptas à religião islâmica, mas que não são, 
necessariamente, árabes. De todo modo, passemos a verificar com mais detalhes tais 
significados. 
 Dentre os inúmeros sentidos em que é usado, o termo “árabe”, pode ser 
entendido a partir de duas vertentes principais: o conceito “árabe” utilizado em sua 
origem e o sentido atual que guarda em nossos dias. Talvez a melhor maneira de 
abordar esse espinhoso assunto seja compreender um pouco da história dos povos 
chamados árabes e as transformações que esse termo sofreu ao longo desse percurso. 
Os árabes fazem parte dos povos semitas. A primeira notícia que se tem a respeito 
desses povos, de modo geral e, dos árabes e da região da Arábia, em particular, 
remonta ao Antigo Testamento. No capítulo 10 do Livro do Gênesis, o povoamento da 
terra é apresentado pela descendência de Noé a partir de seus três filhos: Sem, Cam e 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 15
Jafé. Os árabes fazem parte do conjunto de povos que se formaram a partir da 
descendência de Sem e, por essa razão, foram chamados “semitas”. O capítulo em 
questão termina do seguinte modo: 
“Esses foram os filhos de Sem, segundo seus clãs e suas línguas, 
segundo suas terras e suas nações. Esses foram os clãs dos 
descendentes de Noé, segundo suas linhagens e segundo suas nações. 
Foi a partir deles que os povos se dispersaram sobre a terra depois do 
dilúvio.”4 
O conjunto dos povos semitas localizou-se preferencialmente na região da 
Mesopotâmia e originou as civilizações antigas que ocuparam essas terras. Os 
babilônios, caldeus, fenícios, hebreus, sírios, assírios e os árabes são, portanto, todos 
primos. Por volta de 850 a.C. já era possível encontrar em inscrições assírias e 
babilônicas termos equivalentes ao vocábulo “árabe”. A literatura grega clássica, 
através de Heródoto, também menciona não só os árabes como também a região da 
Arábia. Em princípio, o termo “árabe” se aplicou mais precisamente aos beduínos e à 
população nômade do deserto da Arábia em oposição à população sedentária das 
cidades. Restrito a esse sentido, “a forma mais pura de árabe é a dos beduínos, os quais 
preservaram com maior fidelidade do que quaisquer outros o modo de vida e a língua 
árabe originais.”5 
 Em português, o termo “árabe” é derivado diretamente do original ]z— 
(‘arab) que é um coletivo: os árabes. No caso do adjetivo, que para nós possui a 
mesma forma, no original sofre uma alteração para Á^z— (‘arabiy ). As derivações a 
partir dessa raiz englobam todos os termos afins como, por exemplo, “arabismo”, 
“arábico” e “arabizar”. O termo “hebreu” ¾z_— ( ‘ibriy ) deriva de uma raiz 
semelhante que se diferencia pela inversão da segunda com a terceira letra formando o 
verbo z_— (‘abara ) que significa atravessar, passar. 
A partir do séc. VII d.C / I H. com o surgimento do Islām, a aplicação 
do termo “árabe” começou a ganhar novas variantes. As conquistas que se sucederam 
logo após a morte do profeta Mu¬ammad, estenderam o império do norte da India ao 
sul da Espanha. Nesse primeiro período o califado esteve em poder dos árabes e, 
 
4 Gênesis, X, 31-32. 
5 Cf. LEWIS, B. Os árabes na história, p.17. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 16
mesmo com a rápida expansão que se verificou, o termo “árabe” ainda se aplicava 
somente aos que falavam a língua árabe e descendiam de algumastribos árabes. No 
entanto, à medida que outros povos foram adotando a língua e a religião dos árabes 
como, por exemplo, os sírios e os egípcios, o termo “árabe”começou a migrar em 
direção a uma conotação mais próxima tanto do conceito religioso como do línguístico, 
pois, tanto a língua como a nova religião haviam sido geradas no seio do povo árabe. 
Como bem assinalou Lewis, “a partir do século VIII d.C / II H. o 
califado foi se transformando gradualmente de um império árabe num império 
islâmico”. O Califado Omíada que durou por pouco mais de 100 anos, desde o 
estabelecimento do Islām, esteve em poder dos árabes. Em meados do século VIII d.C. 
/ II H. a hegemonia árabe sobre o império começou a se perder. Os Abássidas, de 
origem persa, assumiram o califado e transferiam a capital de Damasco para Bagdá. 
Nessa época os interesses do império já não eram mais exclusivamente árabes. Esse foi 
um marco importante no distanciamento entre os conceitos “’arabe” e “islâmico”. Não 
é difícil perceber que à medida que esse processo de transformação dos povos 
convertidos encontrava mais acolhida no termo “islâmico” do que no termo “árabe”, as 
discussões entre os dois conceitos se mantiveram acesas e chegaram até os dias atuais. 
Questões como “medicina árabe” ou “medicina islâmica” e, no nosso caso, “filosofia 
árabe” ou “filosofia islâmica” têm suas raízes nesse processo histórico de 
desenvolvimento do islamismo desde a península arábica até os limites de hoje. 
Atualmente, o termo “árabe” é aplicado num sentido mais genérico 
designando não somente os árabes que habitam a Arábia mas também os que habitam 
outros países tais como o Egito, Marrocos, Síria, Líbano e Iraque. Por outro lado os 
países árabes não designam a totalidade dos países islâmicos. Isso quer dizer que 
“árabe” e “islâmico” não são sinônimos, assim como “árabe”e “muçulmano” também 
não o são: há muçulmanos que não são árabes e árabes que não são muçulmanos. 
Nesse sentido, os árabes vêem a si mesmos como uma grande nação. Do mesmo modo 
que os países da Europa vêem a si mesmo como uma unidade, os árabes entendem ser 
uma nação nos limites daqueles que “falam a língua árabe e são sensíveis à memória da 
glória árabe passada”6 possuindo uma divisão apenas geográfica e política, que teve, 
entre outras causas, o próprio colonialismo europeu. 
 
6 Cf. LEWIS, B. Os árabes na história, p.21. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 17
Na língua árabe, os termos “Islām”e “muçulmano” derivam de uma 
mesma raiz: ±¬€ (salima). A ideía geral aplicada a esta raiz engloba uma série de 
conceitos como “paz”, “saúde”, “benevolência”, “integridade”, “proteção”, 
“resignação”, “hospitalidade” e outros tantos ligados a um ótimo sentimento. O termo 
®Ø€[ (Islām), derivando dessa raiz, se traduz no sentido de confiança em Deus, 
resignação a Deus, conformação a Deus ou submissão a Deus. A adjetivação desse 
termo resultou em ¾¯Ø€[ (islāmiy) que se traduziu por “islâmico”. Logo, aquele que 
aceita o princípio contido no termo ®Ø€[ ( Islām ) é um ±¬~¯ ( muslim ), termo que 
se traduz por “muçulmano”. Apesar de não haver uma regra rigorosa, o termo 
“islâmico” geralmente é usado no sentido das idéias e dos ideais contidos no Islām, ao 
passo que o termo “muçulmano” aplica-se com mais frequência à pessoa, ao sujeito 
concreto que pratica os ideais do Islām. Assim como do verbo ±¬— (‘alima ) – saber – 
se retira aquele que pratica o saber, isto é, o ±¬˜¯ (mu‘allim ) – professor –, do mesmo 
modo a prefixação “mu” indica, em ±¬~¯ (muslim) a noção do sujeito concreto. Por 
isso é mais comum encontrarmos “filosofia islâmica” e “filósofo muçulmano” e não o 
contrário, apesar de que, em casos como “mundo islâmico”, pode se encontrar também 
“mundo muçulmano”. No entanto o primeiro se mantém no sentido dos ideais do Islām 
e o segundo denota o conjunto dos sujeitos concretos. 
 
1.5 Flosofia árabe ou filosofia islâmica? 
 
Definir o termo mais apropriado para designar o conjunto de 
manifestações da filosofia no período da falsafa esbarrou na variedade e na 
complexidade que lhe foram inerentes. Como seria possível reunir sob um mesmo 
nome as obras medievais escritas não só em língua árabe, mas também em persa e em 
hebraico; não só por muçulmanos, mas também por cristãos e por judeus ? Na década 
de 50, por ocasião do Congresso de Filosofia Medieval em Louvain, Georges Anawati, 
um nome respeitável no estudo da falsafa, patrocinou uma enquete para tentar fixar a 
denominação desse período da História da Filosofia. Se a quase sinonímia entre o 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 18
conceito “árabe” e o conceito “muçulmano” esteve quase sem restrições entre os 
medievais do Ocidente, a realidade do século XX se incomodou com essa situação. O 
próprio Anawati, iniciou a enquete sabendo que sua primeira opção não era definitiva:
 
“Empregamos a expressão “filosofia árabe”, mas observamos 
imediatamente o perigo do exclusivismo que ela pode apresentar. 
Pensamos, em particular, nos nossos amigos iranianos, preocupados, 
com justiça, em salvaguardar os direitos de seu inestimável patrimônio 
filosófico.”7 
A resposta do ministro iraniano ‘Ali Asghar Hekmat confirmou a negativa por parte 
dos iranianos, nos seguintes termos: 
“No que concerne a denominação “filosofia árabe”, este termo me 
parece inexato e estimo ser preferível (ý) “ filosofia muçulmana” que é, 
sem dúvida, mais apropriada e menos contestada.”8 
M. Achena, tradutor de uma obra escrita em persa por Ibn S÷nā9, fez uma dupla crítica 
a esse impasse, dizendo: 
“Mesmo que nos resignássemos, por razões práticas ou outras, a uma 
tal escolha, o título de “filosofia árabe” e de “filosofia muçulmana” 
seriam assaz impróprios. Eles tem o incoveniente de dizer o que não 
devem dizer e de não dizer aquilo que devem dizer.”10 
As principais justificativas em defesa de uma ou de outra posição foram publicadas 
por Anawati, ilustrando bem as dificuldades impostas numa decisão de consenso. Na 
mesma época Henry Corbin preparou a sua História da Filosofia Islâmica. A 
substituição do termo “muçulmano” pelo termo “islâmico” ganhou terreno nos anos 
seguintes. O projeto de Corbin pretendeu focalizar os autores islâmicos com ênfase na 
espiritualidade persa. Mesmo que, em princípio, parecesse mais consistente, o trabalho 
de Corbin deixou de fora autores cristãos e judeus que escreveram em árabe e que 
estavam em estreita ligação com o pensamento dos autores muçulmanos. Em defesa 
da denominação “filosofia islâmica” Corbin entendeu que o uso do termo “filosofia 
árabe” desde a Idade Média já não mais cabia nos dias atuais. Mesmo reconhecendo 
que o profeta Mu¬ammad era árabe, que a língua da revelação foi o árabe e que, ao 
 
7 ANAWATI, G. Études de philosophie musulmane, p. 23. 
8 ANAWATI, G. Études de philosophie musulmane, p. 23. 
9 AVICENNE, Le Livre de Science. Traduction du texte perse Danesh #ama par Mohammad Achena e 
Henri Massé . Paris: Les Belles Letres, 1986./ 
10 ANAWATI, G. Études de philosophie musulmane, p. 24. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 19
menos na base do islamismo, o elemento árabe foi preponderante, Corbin aludiu ao 
fato de que o termo “árabe”, teria se alterado profundamente, significando um conceito 
étnico, nacional e político preciso com o qual não coincidiriam totalmente o conceito 
religioso “Islām” nem mais os limites do seu universo. 
No outro extremo, numa posição preferencial pelo termo “filosofia 
árabe” destacou-se o argumento de T. Husseinque lembrava que a maior parte dos 
textos foi escrita em árabe. Além disso, segundo ele, a ortodoxia religiosa dos falāsifa 
foi fortemente contestada e seria um paradoxo qualificar de “muçulmana” ou 
“islâmica” uma filosofia que se chocou frontalmente a certos dogmas da religião. No 
mesmo sentido também encontrou-se o argumento de Schacht favorável ao termo 
“filosofia árabe” acompanhado pelo termo “ciência árabe”, o qual era aceito sem 
muitas restrições. Nesse caso levou-se em conta que a língua árabe foi o meio de 
expressão essencial no desenvolvimento verificado tanto na filosofia como na ciência. 
O próprio Anawati lembrava que a língua, não só do Alcorão, como do comércio e da 
cultura, foi o árabe, adotada por muitos povos dominados pelo Islām. No entanto, 
apesar dos esforços, a conclusão de Anawati foi desalentadora: 
“Os que tiveram a oportunidade de ler as respostas publicada para 
nossa enquete puderam se dar conta que, teoricamente, o problema 
colocado é insolúvel: não há conceito adequado que abrace ao mesmo 
tempo o ponto de vista linguístico e o ponto de vista religioso. (ý) Nós 
mesmos, com M. Gardet, tentando encontrar uma expressão sintética, 
“aberta” a todos os aspectos do problema, terminamos por chegar à 
fórmula: “filosofia medieval em terras do Islām” 11 
Apesar de inovadora, a proposta não foi adotada com amplitude pela comunidade 
intelectual. Na década de 70, Badawi optou por lançar sua obra com a denominação de 
História da Filosofia no Islām, aproximando-se da sugestão de Anawati, mas não a 
reproduzindo totalmente. Nesse título, Badawi, sublinhava bem a diferença entre o 
sentido que se deveria entender por “filosofia islâmica” – compreendida como uma 
série de manifestações do pensamento, mesmo que não rigorosamente filosóficos – e o 
sentido de “filosofia no Islām” – entendida como a filosofia no sentido mais restrito 
das bases da filosofia grega – 
Na década de 80, Majid Fakhry – assim como Corbin, mas por razões 
diferentes – denominou sua obra de História da Filosofia Islâmica. Porém, o assunto 
 
11 ANAWATI, G. Études de philosophie musulmane, p. 85. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 20
não dava qualquer sinal de definição. No caso de Fakhry, as dificuldades se inverteram 
obrigando-o, no início de sua obra, a fazer um alerta ao leitor: 
“A filosofia islâmica é o produto de um processo intelectual complexo 
no qual sírios, árabes, persas, turcos, berberes e outros tomaram uma 
parte ativa. Porém, o elemento árabe é de tal modo preponderante que 
ela poderia, com todo o direito, ser nomeada filosofia árabe”.12 
Apoiado no fato de que a língua que os autores escolheram para se expressar foi o 
árabe e de que a força de coesão que permitiu o desenvolvimento da filosofia e da 
ciência foi o árabe, Fahkry encerrou dizendo que “sem o claro interesse dos árabes 
pelo saber antigo, quase nenhum progresso intelectual teria sido feito ou mantido”13. 
 Certamente, mesmo que a enquete de Anawati tenha sido bem 
intencionada para definir os termos, o seu resultado contemplou, antes de tudo, a 
aporia. Em todo o debate, observa-se que os critérios para nomear um determinado 
pensador, um determinado movimento ou o conjunto das manifestações do período 
medieval oriental foram quatro: o critério religioso, linguístico, geográfico ou étnico. 
Todos, por sua natureza, se mostraram excludentes ou insuficientes. 
O próprio Corbin ao não aceitar, por exemplo, a redução dos nascidos 
na Pérsia como inclusos no termo “árabe”, também deve ter imaginado não ser 
possível se reduzir todos os árabes ao termo “islâmico”. Apenas para que fique um 
exemplo, podemos citar o caso concreto de Ibn S÷nā que ilustra bem essa problemática. 
Nascido na região da antiga Pérsia, de fé muçulmana, a maior parte de sua obra foi 
escrita em árabe. Com referência a Ibn S÷nā, as três denominações podem, portanto, ser 
encontradas: filósofo persa, filósofo árabe e filósofo muçulmano. Certamente sempre 
se encontrará algum argumento para justificá-la: “filósofo persa” de nascimento, 
“filósofo árabe” pela língua e “filósofo muçulmano” pela religião. A opção por ouma 
ou outra denominação varia de acordo com a ênfase que os diversos autores entendem 
ser a mais adequada em cada caso particular. Desde que, fornecidas explicações que 
contrabalancem os outros critérios, isso não parece ofender o leitor. Dada a 
complexidade da questão, a única coisa que se desvia do bom senso é a tentativa de 
reduzir a denominação a um critério que prevaleça de modo absoluto sobre os outros. 
 Outra opção que tem sido veiculada é o termo “filosofia em árabe”, 
privilegiando a língua em que foi escrita a maior parte da falsafa. Porém, essa opção 
 
12 FAKHRY, M. Histoire de la philosophie islamique, p. 15. 
13 FAKHRY, M. Histoire de la philosophie islamique, p. 15. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 21
também não consegue abarcar as obras escritas em persa, em siríaco e em hebraico 
que, em alguns, casos, foram fundamentais na história da falsafa. 
A opção pelo termo “a filosofia entre os árabes” não pode pretender ser 
definitiva. Mas, fazendo-se com que a falsafa figure “entre”os árabes indica-se, pois, 
com essa prestadia preposição, ser possível manter a presença do elemento de coesão 
que historicamente acompanhou praticamente todas as manifestações do Oriente 
medieval, sem excluir, ao mesmo tempo, nenhum outro elemento que ao longo do 
desenvolvimento histórico e filosófico ganhou mais destaque, quer tenha sido ele a 
própria religião islâmica, quer tenha sido a região da antiga Pérsia – atual Irã – , quer 
tenha sido uma outra língua que não o árabe, ou ainda um outro fator. E dadas, tais 
preeliminares, entendo-as como uma autorização para poder variar as denominações 
sem prejuízo de nenhuma e nem do leitor. 
 
1.6 História do pensamento e história da filosofia 
 
 Entre os séculos VIII e XII d.C. / II e VI H a filosofia começou a falar 
em árabe. Nas terras dominadas pelo Islām, a falsafa foi a continuadora da filosofia 
antiga. Por essa razão, em sentido estrito, é somente com o termo “falsafa” que é 
possível se referir à ocorrência da filosofia entre os árabes. Houve muitas outras 
manifestações do pensamento no mundo islâmico nesse mesmo período mas, pelo fato 
de seus princípios não estarem sob a mesma égide das demonstrações – propósito da 
filosofia –, torna-se incorreto designar todas elas pelo nome de “filosofia”. 
 Na classificação das diversas manifestações do pensamento ocorridos no 
Islām, a falsafa pode muito bem ser caracterizada como sendo o período dos “filósofos 
helenizados”. Essa denominação, aliás, encontra-se na classificação de Corbin.. No 
caso de Fakhry e de Hernandez, o adjetivo “helenizado”não é usado para designar 
esses pensadores mantendo-se somente o termo “filósofo”. Badawi, por sua vez, 
denomina os falāsifa de “filósofos puros”. Em todos os casos parece certo que os 
autores julgam que o leitor tenha em mente a diferença entre a falsafa e as outras 
manifestações do pensamento no mundo islâmico. Em linhas gerais, a diferença entre 
pensamento e filosofia no mundo islâmico não encontra premissas diferentes das que 
aplicam-se ao caso mais geral. A primeira delas é a de que não se deve confundir 
pensamento com filosofia: em sentido estrito, toda filosofia é uma manifestação do 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 22
pensamento mas nem todo pensamento é filosofia. Vejamos alguns casos que ilustram 
essa questão. 
 No primeiro deles, otermo “pensamento” pode ser usado num sentido 
mais abrangente, referindo-se a várias manifestações, como é observado, por exemplo, 
no título a História do Pensamento no Mundo Islâmico de Miguel Cruz Hernandez; ou 
ainda na opção de Carra de Vaux com o título Os Pensadores do Islām. A opção pelo 
termo mais genérico – “pensamento” – não cria maiores dificuldades para agrupar e 
classificar os autores segundo suas tendências e características: “pensamento 
teológico”, “pensamento espiritualista”, “pensamento místico” ou “pensamento 
filosófico”. 
 Outro modo de encarar as diversas manifestações do pensamento no 
mundo islâmico é entender que esse conjunto seria a própria “filosofia islâmica”. Esse 
título é encontrado, por exemplo, nas obras de Fakhry e de Corbin. Nesse caso os 
autores entendem o termo “filosofia” num sentido amplo, assim como podemos dizer 
“filosofia hindu” ou “filosofia cristã”. Essa opção, contudo, naturalmente cria uma 
dificuldade para distinguir o sentido estrito do termo “filosofia” segundo a tradição da 
filosofia grega.. É por essa razão que Corbin optou em chamar os falāsifa – como Al-
Kind÷, Al-Fārāb÷ e Ibn S÷nā – de “filósofos helenizados” para diferenciá-los de outros 
pensadores que, apesar de não poderem ser classificados, num sentido estrito, como 
“filósofos” poderiam, ainda assim, obter essa classificação segundo o significado mais 
amplo de “filosofia” adotado por Corbin. 
 Outra opção é entender o termo “filosofia” no sentido mais estrito de 
acordo com a tradição grega. Nesse caso, “filosofia” possui um significado mais focal 
e não pode ser considerada ou dita de toda forma de manifestação do pensamento mas, 
ao contrário, é um caso específico e particular. É dessa maneira que Badawi entende 
“filosofia” quando escreve sua História da Filosofia no Islām. Nessa obra não são 
analisadas todas as manifestações de pensamento dentro do islamismo mas apenas as 
que seguem os princípios da filosofia em sentido estrito. Mesmo assim, Badawi divide 
sua obra em duas partes: à primeira concede o título de “filósofos teólogos” e à 
segunda, o de“filósofos puros” . Estes últimos são os falāsifa, e é nesse sentido que o 
termo “filósofo” é melhor aplicado. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 23
 Se por uma lado, na classificação mais geral do termo “pensamento” 
podemos englobar todos os que se manifestaram de algum modo sobre as questões 
mais variadas a respeito do homem, do universo, da sociedade, da religião e das 
ciências naturais; por outro lado, na classificação mais restrita, o termo “filosofia” 
cabe somente à falsafa e aos falāsifa na medida em que seus representantes procuraram 
trilhar os caminhos do pensamento segundo a tradição da filosofia herdada da 
antiguidade, notadamente pelas vias estabelecidas por Platão e por Aristóteles. 
1.7 Filosofia e teologia 
 
 Sendo que a falsafa foi, em sentido estrito, a manifestação do 
pensamento filosófico no Islām, parece sensato procurar esboçar alguns limites que a 
diferencia de outras linhas de pensamento, também surgidas após o estabelecimento do 
Alcorão. Pode se especular que dentre as inúmeras posturas adotadas pelos homens 
diante de um texto sagrado, três parecem emergir com grande força: a teológica, a 
mística e a filosófica. No caso do Alcorão, não foi diferente. Se verificarmos com 
atenção as inúmeras manifestações do pensamento no Islām –adotando qualquer uma 
das divisões propostas pelos diversos autores da história do pensamento no mundo 
islâmico –, podemos agrupá-las segundo uma postura teológica, mística e filosófica. 
Por sinal, uma divisão semelhante (escolástica, teologia e mística) foi adotada por 
Carra de Vaux em sua obra14. Nesse caso, a teologia deve ser entendida no sentido 
moderno do termo que pauta seu desenvolvimento a partir da fé na revelação; a 
mística, no sentido da experiência interior com Deus, abandonando a razão para fundir-
se no divino; e a filosofia como ciência independente que busca, a partir da razão, o 
entendimento dos fenômenos. 
 No Islām a teologia denominou-se ®Ø¨ (kalām); a mística é o »ÀŸ½‡ 
(¼ýfiya), isto é, o sufismo; e o entendimento pela demonstração lógica, é a »€€¬Ÿ 
(falsafa ). Entre as três há muitas diferenças. Como neste trabalho se pretende um olhar 
mais detido sobre a falsafa, não cabe, aqui, uma análise mais detida da teologia ou da 
mística pelo aprofundamento dos princípios do sufismo ou do kalām. Mas algumas 
indicações sumárias marcam alguns pontos fronteiriços entre essas posturas. Pelo fato 
 
14 Cf. CARRA DE VAUX, Les penseurs de l’Islam. Paris: Paul Geuthner, 1921, vol. IV “A escolástica, 
a teologia e a mística. A música.” 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 24
de estarmos destacando aspectos dessemelhantes, talvez seja razoável observar que 
também existem pontos de contato mas que não serão tratados aqui. 
 Se abrirmos um dicionário da língua portuguesa, veremos que, hoje em dia, o 
termo “teologia” é entendido como a “ciência da religião, do estudo sobre Deus e das 
coisas divinas à luz da revelação”.15 Assim, o termo “teologia”, em seu significado 
puramente religioso, é associado aos dogmas da fé e da reflexão feita a partir dos 
dados revelados por Deus nas escrituras sagradas. Os primeiros pensadores do início 
do cristianismo, por exemplo, usaram esse termo num sentido amplo, significando o 
estudo e a contemplação de Deus, sem fazer uma distinção mais rigorosa entre filosofia 
e teologia. Foi somente após Tomás de Aquino que se deu uma distinção mais precisa 
entre esses dois conceitos que, paulatinamente, se desenvolveram até chegar ao 
moderno sentido diviso como o conhecemos hoje em dia. No séc. XVII d.C. já se 
distinguia a “teologia natural” ou teodicéia da “teologia revelada”. Na primeira, a 
busca do conhecimento de Deus seria feita pelas vias da razão, somente com os limites 
da ordem da natureza, valendo-se apenas da argumentação silogística e sem recorrer à 
autoridade das escrituras. A “teologia revelada”, de outro modo, faria uso do princípio 
da fé na palavra revelada para conhecer a Deus. Tomás de Aquino faz referência a isso 
dizendo que “a sagrada doutrina é ciência porque parte dos princípios conhecidos 
através da luz de uma ciência superior, que é a ciência de Deus e dos bem 
aventurados.”16 A famosa díade razão e fé que se equilibrou durante o período 
medieval permitiu maior proximidade entre filosofia e teologia. No cristianismo, a 
filosofia, salva nos mosteiros, vinculou-se solidamente aos padres da igreja. Assim, 
talvez tenha parecido mais natural, nesse caso, que filosofia e teologia estivessem 
amalgamadas. A modernidade realizou a separação desses domínios e fez com que 
parecesse óbvio a qualquer estudante de hoje que filosofia não é teologia. No Islām não 
houve um paralelismo a esse respeito. Desde o início, o Islām viveu um quadro que 
distinguia a filosofia da teologia, isto é a falsafa do kalām. 
 O termo ®Ø¨ ( kalām ) significa discurso, linguagem ou palavra. e o partidário 
do kalām foi denominado ±¬¨c¯ (mutakallim), isto é, “aquele que discursa” ou “aquele 
que fala”. Geralmente são citados pelo plural: ²½°¬§c° ( mutakallimun ). Logo após o 
estabelecimento do Alcorão, e mesmo antes das traduções das obras filosóficas gregas, 
 
15 Cf. Grande dicionário Laroussse cultural da língua portuguesa. São Paulo: Abril, 1999, p.865. 
16 AQUINO, T. Suma de teologia. I.q.1,a 2 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
 25
o kalām já era uma realidade no mundo islâmico. Uma de suascaracterísticas foi ter 
aplicado o raciocínio e a argumentação filosófica aos dogmas do islamismo. Nesse 
sentido, a abordagem do kalām se aproximou bastante do sentido que damos ao termo 
“teologia” tomando por base a experiência do cristianismo. Ao se falar em teologia no 
Islām, é aos mutakallimun – e não aos falāsifa – que se encontram as referências. 
Desse modo, os representantes do kalām, enquanto se basearam na revelação, como 
ponto de partida para a reflexão filosófica, podem ser considerados os mais próximos 
dos pensadores cristãos dos primeiros séculos do cristianismo. Por isso, não é razoável 
estabelecer uma identidade entre a falsafa e o caráter da filosofia medieval cristã. A 
falsafa não tem precedente e não se confunde com nenhum outro movimento, seja no 
Oriente e, menos ainda, no Ocidente. Sua posição histórica é assaz peculiar e única. 
Apesar de se desenvolver num ambiente religioso manteve-se continuadora da filosofia 
antiga. A teologia ficou a cargo dos mutakallimun. 
 Mesmo assim, os mutakallimun buscaram argumentar lógicamente a 
partir dos dados da revelação. Guardadas as devidas particularidades, assim como 
nossos manuais de “história da filosofia” figuram os padres da igreja cristã, os 
mutakallimun podem ser incluídos na “história da filosofia no Islam”. Isso está bem 
colocado por Badawi ao dividir sua obra em “filósofos puros” e “filósofos teólogos”. 
Os primeiros são os falāsifa pois prescindem dos dados da fé para argumentar e os 
segundos são os mutakallimun que se utilizam dos argumentos lógicos para justificar o 
que é sabido pela revelação. Diz Badawi: “quem diz filosofia diz pensamento 
essencialmente racional. Assim, nos limitamos ao estudo dos sistemas racionalistas, 
tanto em teologia especulativa como em filosofia pura” 17ou seja, tanto no kalām como 
na falsafa. Um dos exemplos dessa distinção é que as vias da razão levaram, muitas 
vezes, Al-Fārāb÷, Ibn S÷nā e o próprio Ibn Ru¹d a construírem sistemas que se 
confrontaram com os dogmas da religião. Por essas razões é que a falsafa não é 
teologia islâmica e se mantém fiel à tradição da filosofia herdada dos antigos. 
 Vale lembrar, porém, que os próprios falāsifa também usaram o termo 
“teologia” mas não no sentido da religião e sim no mesmo sentido filosófico usado por 
Aristóteles séculos antes. Sabe-se que o próprio Aristóteles em sua Metafísica não usou 
o termo “metafísica” para designar os estudos sobre a causa primeira mas a denominou 
de θεολογια (teologia) “teologia” ou πρωτη φιλοσοφια (prote filosofia) “filosofia 
 
17 BADAWI, A. Histoire de la Philosophie Islamique, p.5. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
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primeira”. Essa ciência deveria se ocupar do estudo do ser enquanto ser e da substância 
eterna e separada, isto é, Deus pois “a mais divina das ciências é também a mais nobre; 
e esta, ela só, é de duas maneiras a mais divina. Com efeito, a ciência que mais 
conviria a Deus possuir é uma ciência divina, e também o é aquela que trata de coisas 
divinas.”18 O termo “metafísica” teria sido, na verdade, o nome dado por Andrônico de 
Rodes no século I a.C quando organizava os livros de Aristóteles. Como esses livros 
haviam sido colocados após os oito livros da Física, chamou-se-lhes 
τα µετα τα φυσιχα (tá metá tá phisicá) que significa “os que estão depois da física”. 
Geralmente considera-se que o nome, a princípio de caráter classificatório, acabou 
servindo adequadamente ao estudo que se debruçava sobre as coisas que transcendem 
o mundo da natureza. Teria sido a partir dessa classificação de Rodes que os termos 
“teologia”, “filosofia primeira” e “metafísica” foram tomados praticamente como 
sinônimos, o que ocorreu também entre os falāsifa. 
 Na língua árabe, podemos encontrar tanto o termo “teologia” como o 
termo “metafísica”, ora simplesmente transliterado, (como no caso de “filosofia” para 
“falsafa” ) ou como uma construção linguística que corresponde à idèia original grega. 
O primeiro é o caso, por exemplo da tradução para o árabe do apócrifo chamado 
Teologia de Aristóteles. Essa obra, que nos ocuparemos mais adiante, foi traduzida por 
À«\Ž\Ž€y[ \Àk½«½f[ (Atýlýjiya ArisÐāÐāl÷s ) “Teologia de Aristóteles”. No segundo 
caso, encontramos, por exemplo, em Ibn S÷nā o termo árabe ¾¸«[ ±¬— ( ‘ilm ilahiy ) 
“ciência divina” em conformidade com a formação do termo grego 
θεολογια (teologia) “teologia”, ou seja, θεοσ (teos) “deus” e λογοσ (logos) 
“estudo”. Do mesmo modo ele a denomina Å«¼[ »€€¬Ÿ ( falsafat-al’ýla ) “filosofia 
primeira”. Esses dois termos – “teologia” e “ciência divina” – são usados, assim como 
para Aristóteles, como sinônimo de “metafísica” que no árabe guarda exatamente o 
sentido original do grego τα µετα τα φυσιχα (tá metá tá phisicá) “o que está depois 
da física” e se encontra do seguinte modo: »˜À_Ž«[ v˜^ \° (mā ba‘d aÐÐabiy‘at) “o que 
está depois da física”. No segundo livro da Metafísica, Ibn S÷nā assim se refere a essa 
ciência: 
“Ela é chamada filosofia primeira porque é a ciência das primeiras das coisas na 
existência (ý) é igualmente a sabedoria que é a ciência mais nobre concernente ao 
 
18 ARISTÓTELES, Metafísica. Porto Alegre: Ed. Globo, p. 40. 983a-5. 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
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objeto de conhecimento mais excelente. Pois ela é a melhor ciência, isto é, a certeza, 
em vista do objeto cognoscível mais nobre que é Deus, que Ele seja exaltado, e das 
causas que vem depois dele. É também o conhecimento supremo das causas do todo. É 
também o conhecimento de Deus e é por isso que ela é definida como a ciência 
divina”19 
 
1.8 Filosofia e mística 
 Assim como os filósofos, também os místicos já existiam antes do 
Islām. E, assim como o Islām nascente, por um lado, absorveu os métodos e os 
objetivos da filosofia, por outro lado, também absorveu as práticas e o subjetivismo da 
mística. Seguindo o mesmo adágio de recepção, adaptação e desenvolvimento, as 
inúmeras manifestações do pensamento no interior do Islām tiveram a contribuição de 
inúmeras doutrinas que haviam se desenvolvido em outras culturas e em outras 
religiões que lhe eram anteriores. No sufismo, algumas correntes místicas do 
cristianismo, elementos do hinduísmo e do budismo contribuíram para a sua formação. 
Como bem assinala Chevalier, o sufismo “se desenvolveu em regiões cristianizadas e 
helenizadas, possuindo também a inclinação para o conhecimento, como certos 
filósofos, místicos e ascetas desses lugares. No entanto, não de qualquer conhecimento, 
mas acima de tudo, do conhecimento de Deus.”20 
 Os movimentos de ascese propostos pelo sufismo tem proximidade com 
a doutrina do Uno plotiniano que já havia se desenvolvido séculos antes através dos 
gnósticos da Escola de Alexandria. Vale lembrar que o termo “mística” já se encontra 
nas obras do chamado pseudo-Dionísio do séc. V d.C no sentido de mostrar a 
impossibilidade da alma humana em poder conhecer a Deus através do intelecto. Tal 
impossibilidade manifestar-se-ia na denominação de Deus a partir da negação de 
atributos (teologia negativa) como, por exemplo, Deus in-finito, in-efável, etc. 
Paralelamente a essa impossibilidade, insistiu-se numa relação originária, íntima e 
pessoal entre o homem e Deus, em virtude da qual o homem pode retornar a Deus e 
unir-se finalmente a Ele num ato supremo. Esse seria o êxtase supremo, que o pseudo-
Dionísio considerou a deificação do homem. De modo geral, esse pareceu ser o 
 
19 AVICENNE La métaphysique du Shifa’, p. 95.20 CHEVALIER, J. El sufismo. México: Fondo de Cultura Económica, 1998, p.11. 
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esquema geral de muitas doutrinas místicas que, em certa medida, foi extraída pelo 
pseudo-Dionísio dos textos neoplatônicos. 
 Além disso, o sufismo, ao penetrar na Pérsia, parece ter absorvido, 
também, influências do zoroastrismo. Por essas razões, não é demais dizer que as 
origens do sufismo se perdem e, ao mesmo tempo, se encontram em tradições místicas 
anteriores ao Islam. De todo modo, no séc. VIII d.C / II H. a mística islâmica já havia 
absorvido esses elementos a ponto de criar a sua própria face esotérica e os místicos 
muçulmanos, nesse período, já eram designados pelo termo “sýfi ”. A partir do séc. XI 
d.C./VI H. os preceitos do sufismo foram se intitucionalizando e os níveis de 
conhecimento ascético foram organizados segundo uma hierarquia de graus e ritos –
aos moldes dos círculos esotéricos – perdurando até os dias de hoje. É por essa razão 
que Robert Graves afirma que, atualmente, o sufismo seria atualmente como “uma 
antiga maçonaria espiritual (ý) [em que] os sufis sentem-se à vontade em todas as 
religiões e, exatamente como os ‘pedreiros livres e aceitos’, abrem diante de si, em sua 
loja, qualquer livro sagrado – seja a Bíblia, seja o Alcorão, seja a Torá – aceito pelo 
Estado temporal.”21 
 Uma das interpretações para o significado do termo “sufi” é a de que 
ele designaria o manto de lã grossa, bem simples, usado pelos primeiros ascetas. Essa 
interpretação se origina na palavra árabe ā½ˆ (¼ýf) que significa “lã” e na formação 
de seu respectivo adjetivo “de lã”, ou seja, ÁŸ½ˆ (¼ýfiy ). Porém, não há acordo a esse 
respeito. Outras interpretações buscam, por exemplo, uma analogia do termo 
“sufi”com o termo grego “sofos” fazendo-o se aproximar de “sabedoria” ou ainda, 
como uma derivação da palavra árabe Æ\Ÿ‡ ( ¼afā’ ) que significa “pureza”. Mesmo 
que não haja um consenso quanto à origem precisa do termo “sufi”, parece ser 
concórdia que essas qualidades são intrínsecas ao sufismo: o desapego, a sabedoria e a 
pureza. Seguir adiante na definição do que é o sufismo parece ser uma tarefa para 
desavisados que desconhecem a própria doutrina sufi. Em seu prefácio, Idries Shah 
alerta: 
“Não é por acaso que a “doutrina secreta”, cuja existência tem sido 
suspeitada e procurada há tanto tempo, se revela tão esquiva ao 
pesquisador.(ý) Não se chega ao sufismo, à “tradição secreta”, tomando 
 
21 SHAH, I. Os sufis. São Paulo: Círculo do Livro, 1987, p. 7. 
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por base suposições pertencentes a outro mundo, o mundo do intelecto. 
Se sentirmos que só podemos procurar a verdade do fato extrafísico por 
meio de certo modo de pensar, o meio racional e “científico”, não pode 
haver contato entre o sufi e o pesquisador supostamente objetivo.”22 
Após tal alerta, para não se cair em contradição, deve se calar e entender que o 
sufismo é uma prática que necessita, a partir de um certo ponto, da presença de um 
mestre e, por essa razão, não seria razoável avançar na linguagem para querer definí-la. 
No entanto, a recíproca parece não valer, pois é curioso que o próprio Shah possua uma 
obra vastíssima para divulgar o sufismo se valendo da razão, da objetividade e da 
lógica da linguagem para isso. Mas, que não haja engano, pois essa aparente 
contradição também parece agradar alguns sufis. De todo modo, estes são pontos que 
indicam o grande afastamento no trato da lógica e da linguagem entre a mística do 
sufismo e a filosofia da falsafa. Mesmo quando encontramos algumas referências sufis 
a alguns dos falāsifa mais orientais como, por exemplo, Al-Fārāb÷ e Ibn S÷nā, estas, 
certamente, se referem a algum aspecto de sua conduta e não propriamente às suas 
obras filosóficas, pois nestas todo movimento da alma humana é feito pelas vias do 
intelecto e passíveis de entendimento. 
 Não admitindo sua definição fora da própria vivência do místico, fica 
bem certo que o sufismo não pretende ser uma especulação filosófica ou teológica a 
respeito da divindade aos moldes da falsafa ou do kalām. O seu foco não é a 
demonstração, mas, sim, a experiência. É nesse sentido, isto é, por se encontrar melhor 
como uma experiência interna com a divindade que se reflete no modo de viver e de se 
comportar do homem sufi, que Ibn ‘Abdallah Tustari disse que:“o sufi é aquele que é 
puro de tudo o que o perturba, que é cheio de meditação, que se retirou dos homens 
para se consagrar a Deus, e para quem o ouro e a argila são equivalentes.”23 
Juntamente com essa bela frase, poderíamos preencher muitas páginas de infindos 
adornos poéticos do mesmo quilate e, quase sempre, encontraríamos a beleza e a 
poesia nas palavras sufis. Afinal, essa é uma de suas mais marcantes características. E 
talvez, até pelo fato de ser mais poesia do que demonstração lógica, é que o sufismo é 
mística e a falsafa é filosofia. É importante notar que o objetivo do sufismo, não sendo 
a especulação racional e a demonstração pela lógica, é mais um convite à experiência 
do êxtase na união com Deus. 
 
22 SHAH, I. Os sufis, p. 23. 
23 KIELCE, A. O sufismo. São Paulo: Martins Fontes, 1986, p. 15. 
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Miguel Attie Filho 
 
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 Inúmeras passagens do texto sagrado dos muçulmanos lidas pelo 
sufismo, no sentido da experiência mística colocam, por um lado, o sentido exotérico 
do texto revelado no Alcorão, expresso pela lei exterior que organiza e determina os 
direitos e deveres do muçulmano e, por outro lado, o sentido esotérico que mostra o 
caminho para o místico se unir à realidade divina, cumprindo a realização última, 
“aniquilar-se nela”.24 Em busca do êxtase místico, da união com Deus, o homem 
necessita se desvencilhar dos obstáculos que seus próprios limites humanos lhe 
impõem. Ali Shah traduz isto do seguinte modo: 
“Nessa união, tão grande é a influência do Espírito Eterno que o 
julgamento humano – aquilo que podemos descrever como a faculdade 
lógica do homem, seu entendimento – é inteiramente apagado e 
destruído por Ele.” 25 
Comparada com a passagem de Platão na Carta VII, o método e objetivo da filosofia, 
adotada pela falsafa, a distância fica mais evidente: 
“Só quando esfregarmos uns nos outros, nomes, definições, percepções 
de vista e impressões dos sentidos, quando se discutir em discussões 
atentas, onde a inveja não dite nem as perguntas nem as respostas, é 
que, sobre o objeto estudado, vem incidir a luz da sabedoria e da 
inteligência com toda a intensidade que podem suportar as forças 
humanas.”26 
Nessa medida, pode se entender que os limites fronteiriços entre a falsafa e o sufismo 
são praticamente os limites entre a filosofia e a mística. Levadas ao extremo, as vias de 
acesso ao conhecimento propostas por essas duas manifestações do pensamento têm 
mais diferenças do que semelhanças. No entanto, isso não impede que, em 
determinados autores, haja uma interpenetração das duas posturas. Afinal, parecem ser, 
os homens, mais complexos do que os conceitos. 
 
24 KIELCE, A. O sufismo, p. 9. 
25 ALI SHAH, S.I. Princípios gerais do sufismo. São Paulo: Attar, 1987, p. 25. 
26 PLATÃO, Cartas Lisboa: Estampa, 1989, p.77. 
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2 – UM TAQUINHO DE UMA HISTÓRIA DA FILOSOFIA 
 
 
 
2.1 ...e, afinal, onde estamos? 
 
Contextualizar a falsafa no interior da história da filosofia temmenos 
um viés didático do que uma necessidade natural da própria contextualização como 
exigência do entendimento. É muito grande o auxílio que nos prestam as coordenadas 
espacial, temporal, histórica e especulativa: onde, quando, o que e por que acontece? 
Mais ricos ficamos quando seguimos o adágio de que não é possível abordar a filosofia 
desvinculada da história e, esta, desvinculada do homem e, este, desvinculado do 
universo. Mesmo que profetizasse, ninguém pensou fora do seu tempo histórico, do seu 
espaço geográfico e do cenário das idéias que o cercava . Por essas razões, também, 
vale perguntar: afinal, de que mundo, de que época e de que espaço falou a falsafa ? E 
de onde falam, hoje, os historiadores da filosofia ? 
O antigo provérbio que diz: “quem não sabe o que é o mundo não sabe 
onde está” aponta para uma necessidade inerente ao ser humano: localizar-se. Mesmo 
que tal localização seja precária, equivocada, e que se altere ao longo do tempo; 
mesmo que seus paradigmas sejam fluidos; ainda assim, o homem parece querer 
sempre, e antes de tudo, localizar-se. Durante uma boa conversa com um antigo 
mestre, o tema da localização se transformou numa pequena viagem e se mostrou não 
só uma exigência analítica mas, também, um grande prazer existencial, sem o qual 
parece não haver filosofia. Naquela época, já quase cego dos olhos do rosto e quase 
surdo dos ouvidos da cabeça, me disse: 
“– Sabe, ‘seo’ Miguel, antigamente bastava ao homem saber que estava 
sobre um pedaço de terra. Bastava-lhe saber que o sol se levantava... e depois se 
deitava... que a chuva caía, que o rio transbordava e que o alimento crescia na terra... 
naquele pequenino pedaço de terra... isso, apenas isso, era a sua localização... e lhe 
bastava...como o nosso, o seu mundo girava, mas o fazia apenas ao redor de poucos 
alqueires, de poucos dias, de poucas luas... isso lhe bastava... quando nasciam as 
crianças, assim nasciam... e quando morriam os homens, assim morriam... não muito 
mais do que isso... não muito mais...” 
“Hoje, isso não mais nos basta... nossa necessidade de localização, 
ancestral, talvez se pareça com a dos nossos antepassados, mas aquelas respostas já não 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
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nos satisfazem... precisamos demais e de mais localização... onde estamos.. ? ou, 
melhor, até onde podemos responder, mesmo que não seja verdade, o nosso “onde 
estamos”..? Hoje meus pés já não mais pisam a terra... debaixo deles está um tapete... 
e, em princípio, me bastaria – e assim basta para tantos – saber que se está em cima de 
um tapete. Se eu não fosse filósofo, a certeza de estar sobre ele também me bastaria... 
pois a certeza me tranqüiliza... mas como é a dúvida que me movimenta, e me 
atormenta, eu me pergunto: ora, mas o que sustenta o tapete que me sustenta ..? assim, 
avanço minha localização além dele... sobre uma laje... sobre uma viga... sobre uma 
fundação... tudo enfiado numa terra... ah ! a terra... que bom ... ainda há uma 
terra...parece que avançamos, porém nem tanto...” 
 “Mas, insisto em ampliar minha localização espacial e sou capaz de 
saber que a bola que habitamos no espaço possui um diâmetro de aproximadamente 
12.000 Km e circunferência equatorial por volta de 40.000 Km: uma dentre outras 
nove esferas girando ao redor da nossa estrela-mãe, o Sol. É daqui que falamos... para 
onde será que vão minhas palavras..? bem, a Terra não é o maior dos planetas do nosso 
sistema. Júpiter é o maior e tem aproximadamente 10 vezes o diâmetro da Terra. O do 
Sol chega a 1.391.704 Km. Foi-se o tempo em que nosso ego se inflava por pensarmos 
ser o umbigo do mundo... no céu há muitas estrelas e as estrelas do céu são 
companheiras do nosso sol, algumas maiores, outras menores: todas girando ao redor 
do centro da nossa galáxia, a Via Láctea. A estrela Antares, alfa da constelação de 
Escorpião, é aproximadamente 300 vezes maior do que o sol, 30.000 vezes maior do 
que a Terra... puxa! fico pensando...qual será o tamanho do meu pensamento..? ” 
“Me disseram que há mais de cento e cinqüenta bilhões de estrelas na 
nossa galáxia... e, sabe de uma coisa?... sequer nos foi dado o privilégio de estar no 
centro da nossa, estamos na periferia, num dos braços, quase caindo... é daqui que 
falamos, isso é bom lembrar...A Via-Láctea, com seus cento e cinqüenta bilhões de 
estrelas é uma dentre dezenas, centenas, milhares, infindáveis outras galáxias... 
algumas maiores, outras menores do que a nossa... o universo é vasto... qual será o 
tamanho do meu espírito ..? ” 
“Não sabemos quantas galáxias existem , apenas sabemos que se 
afastam... se afastam... e se afastam... às vezes me sinto só... dependendo da massa 
contida no universo, dizem os cientistas, este universo talvez se expanda até esfriar e 
morrer ou, talvez, se volte para o centro e se contraia e inicie novamente uma 
Falsafa, a Filosofia entre os Árabes 
Miguel Attie Filho 
 
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expansão... não sabemos ainda... é daqui que falamos, sempre foi... disso é bom 
lembrar ...” 
 “Alguns estudiosos defendem a idéia de que essa expansão teve um 
início com data e hora marcadas, em que toda a matéria de todas as galáxias estaria 
reunida num espaço ínfimo, menor que a cabeça de um alfinete... Depois, uma grande 
explosão: booom ! big-bang. Será que ainda somos capazes de ouvir esse barulho?... 
será que alguém me ouve?... estou quase surdo... que bom... ainda ouço o momento da 
criação... e você ..? ” 
 “Mas a natureza da Natureza é curiosa. Veja só isto: a luz das estrelas 
para chegar até nós precisa percorrer um certo espaço, Para isso, leva um determinado 
tempo. A luz do sol, por exemplo, leva aproximadamente oito minutos para chegar até 
nós. Portanto, se o sol sumisse do céu, só saberíamos disso oito minutos depois... e, eu, 
que mal sabia que tomava sol atrasado?...a natureza brinca.... um outro caso mais 
longínquo é o da galáxia Andrômeda, nossa vizinha mais próxima, que está a uma 
distância aproximada de 2.3 milhões de anos-luz. Lembro de minha admiração quando 
vi a imagem de Andrômeda e soube que aquilo era, na verdade, sua imagem de 2.3 
milhões de anos atrás, tempo em que homens e macacos talvez conversassem sobre 
bananas... fiquei admirado... a natureza é quase mágica... curioso... e eu querendo ir ao 
limite da minha localização no espaço, encontrei-me, surpreendentemente com o 
relógio do tempo !” 
 “Quanto mais nos distanciamos no espaço mais para trás nós vamos no 
tempo e, no limite, há uma distância de mais de 12 bilhões de anos-luz, nos 
defrontamos com os ruídos da criação desse nosso universo... quasares... os mais 
distantes que nossos olhos e ouvidos científicos podem enxergar... talvez 
remanescentes do big-bang. Especula-se que este universo seja apenas um dentre 
outros. A que lugar nos levam os buracos negros..? talvez a outros universos... mas 
‘seo’ Miguel isso é só uma estória que estou contando... pode não ser assim... mas é 
assim que nos localizamos... é daqui que falamos, disso é bom lembrar...” 
“Agora, imagine que pudéssemos recolher tudo que eu acabei de dizer: 
galáxias, andrômedas, quasares, sóis, nuvens de gás, planetas, terras, vigas, lajes, 
tapetes, nós, tudo, tudo. Coloquemos isso tudo num espaço minúsculo, menor que a 
pinta das costas de uma joaninha. A partir daí, há mais de 12 bilhões de anos atrás, 
estaria acionado o relógio do tempo: tic-tac... tic-tac... A matéria, então compactada, 
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Miguel Attie Filho 
 
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teria iniciado sua expansão. Composta quase exclusivamente de hidrogênio, essa 
matéria primordial teria formado nuvens de gás que, por sua vez teriam gerado as

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