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Biologia Variação e Herança Daniel Pizzaia Lilian Giotto Zaros Millor Fernandes do Rosário Variação e Herança Natal – RN, 2012 Biologia Daniel Pizzaia Lilian Giotto Zaros Millor Fernandes do Rosário Variação e Herança Sumário Apresentação Institucional 5 Aula 1 Genética Mendeliana 7 Aula 2 Genética Quantitativa 37 Aula 3 Genética Molecular 67 Aula 4 Genética de Populações 97 Aula 5 Determinação Cromossômica do Sexo 121 Aula 6 Anomalias Genéticas 151 Aula 7 Herança Genética Relacionada ao Sexo 179 Aula 8 Evolução I 209 Aula 9 Evolução II 233 Aula 10 Biologia de Sistemas 257 5 Apresentação Institucional A Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil – UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações em Administração Pública e Administração Pública Municipal. Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfi co para atender às necessidades de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profi ssionais qualifi cados e que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas, livros, textos, fi lmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem. Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o desafi o de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda- lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local. Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE- TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA SEDIS/UFRN Genética Mendeliana 1 Aula 1 2 3 4 5 6 Aula 1 Variação e Herança 9 Apresentação Caro aluno, Daremos início à disciplina de Variação e Herança. Essa disciplina tem como objetivo apresentar e discutir os principais conceitos de Genéti- ca. Nela você verá como foram os primeiros experimentos desenvolvidos por Gregor Mendel e que deram origem a essa grande área da ciência que, com as mais recentes descobertas, vêm se consolidando e se tornando cada vez mais importante no nosso cotidiano. Estudaremos os vários períodos que compreendem a Genética, desde a Pré-Genética, passando pela Genética Clássica, Genética Moderna, chegando ao que vivenciamos hoje, a Genética Molecular. Estudaremos, ainda, a Genética Quantitativa, Genética de Populações e fi nalizaremos com um tema de grande importância na Biologia, a Evolução. A disciplina está estruturada para que, ao fi nal de cada tópico principal haja uma série de exercícios propostos para você resolver e, no fi nal da aula, uma autoavaliação para que você verifi que a sua aprendizagem. Para compreender os assuntos que serão abordados nessa disciplina, é necessário que você leia atentamente os conceitos, faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Sua participação é essencial para que obtenhamos sucesso na disciplina. Bom estudo! Objetivos Defi nir o conceito de Genética. Descrever os principais eventos que marcaram a história da Genética. Reconhecer a vida e a obra de Gregor Mendel. Reconhecer as Leis de Mendel. Identificar alguns conceitos de probabilidade a serem utilizados na disciplina de Variação e Herança. Aplicar as Leis de Mendel através da realização de exercí- cios, utilizando os conceitos de probabilidade. Aula 1 Variação e Herança 11 Entendendo a genética A nossa primeira aula tem como tema a Genética Mendeliana, ou seja, área da Genética que estuda as Leis de Mendel (aquelas postuladas pelo monge Gregor Mendel, em 1860). Nessa aula, defi niremos o conceito de Genética e apresentaremos uma linha do tempo com os principais eventos que marcaram essa ciência, desde o período Pré-Genética, passando pelo período Clássico e Moderno e chegando ao período atual que compreende a Genética Molecular. Em seguida, estudaremos as Leis de Mendel, a lei da segregação ou pri- meira lei e a lei da segregação independente ou segunda lei. Nesse contexto, veremos como os genes são transmitidos aos seus descendentes e como se dá essa forma de herança. Por fi m, retomaremos alguns dos principais conceitos em Probabilidade aprendidos na disciplina de Bioestatística e que serão empregados para a resolução dos problemas utilizando os conceitos postulados pelas leis de Mendel. A Genética (do grego genno, que signifi ca dar a luz ou fazer nascer) é a ciência que estu- da os genes e como estes são transmitidos para as gerações seguintes, ou seja, a ciência da hereditariedade dos genes e das variações dos organismos. A palavra Genética foi usada pela primeira vez pelo cientista britânico William Bateson, numa carta pessoal escrita para Adam Sedgwich, em 18 de abril de 1905, com a fi nalidade de descrever o estudo da herança e das variações observadas nos organismos. Entretanto, Bateson a utilizou publicamente somente um ano depois, em uma conferência em Londres, e daí por diante ela se concretizou como ciência. Aula 1 Variação e Herança12 A linha do tempo A História da Genética, representada pelos grandes marcos da ciência, está dividida nos seguintes períodos: Pré-Genética Compreende o período de 1666 a 1884, no qual se iniciaram os primeiros estudos das células, observando suas características e constituição, chegando ao fi nal de 1884 com a descoberta dos cromossomos e consequente divisão celular. Foi nesse período que Mendel iniciou os seus estudos, que somente depois de muitos anos viriam a ser reconhecidos. Os principais eventos que aconteceram nesse período podem ser visualizados no quadro abaixo. 1666 Robert Hooke Descoberta das células 1831 Robert Brown Descoberta do núcleo como característica primordial das células 1838-1839 Schleiden e Schwann Estabelecimento formal da constituição celular dos organismos 1858 Charles Darwin e Alfred Russel Wallace Anúncio da teoria da seleção natural 1859 Charles Darwin Publicação do livro “A origem das Espécies” 1865 Gregor Mendel Publicação dos resultados das investigações sobre a herança dos fatores em ervilhas 1875-1876Hertwig e Strasburger Fertilização 1882-1884 Flemming e Van Beneden Mitose e Meiose Quadro 1 – Principais acontecimentos no Período da Pré-Genética Genética Clássica Compreende o período de 1900 a 1927, momento que marca o início da Genética, com a redescoberta dos princípios pré-estabelecidos por Mendel. Ainda nesse período foram identifi cados os cromossomos sexuais de machos e fêmeas, fi nalizando com a geração artifi cial de mutações em Drosophila, a mosca das frutas. Esses e outros acontecimentos que marcaram esse período podem ser visualizados no quadro abaixo. Aula 1 Variação e Herança 13 1900 Carls Correns, Hugo de Vries e Erich Von Tschemak Marco do início da Genética: redescoberta e verifi cação independente dos princípios de Mendel 1902 Walter Sutton Relações entre citologia e Mendelismo 1905 Nettie Stevens e Edmund Wison Descrição do comportamento independente dos cromossomos sexuais: XX (fêmea) e XY (macho) 1908 Archibald Garrod Preposição de que algumas doenças humanas são causadas por erros inatos do metabolismos 1910 Thomas Hunt Morgan Herança ligada ao X em Drosophila, incluindo o princípio de ligação gênica 1927 Hermann J. Muller Uso de raios-X para produzir mutações gênicas artifi ciais em Drosophila Quadro 2 – Principais acontecimentos no Período da Genética Clássica Período Moderno Compreende o período de 1928 a 1968, época caracterizada pelas maiores descobertas científi cas. Foi nesse período que se iniciaram as pesquisas sobre a molécula que transmitia a informação genética, o DNA, culminado na descoberta da sua estrutura e função. Foi em 1953 que James Watson e Francis Crick propuseram o modelo tridimensional da estrutura do DNA. Os demais acontecimentos que envolveram a molécula do DNA podem ser visualizados no quadro abaixo. 1928 Fred Griffi th Preposição do princípio transformante da linhagem resistente da bactéria Diplococcus na linhagem virulenta 1931 Harriet B. Creighton e Barbara McClintock Demosntração citológica do crossing-over em milho (Zea mays) 1941 George Beadle e Edward Tatum Demosntração de que os genes produzem seus efeitos pela produção e regulação de uma enzima particular 1944 Oswald Avery , Colin MacLeod e Demonstração de que o DNA é o princiípio transformante dos pneumococos dos experimentos de Griffi th Final dos anos 40 Barbara McClintock Hipótese dos elementos transponíveis para explicar a variação de cores em grãoes de espiga de milho 1950 Edwing Chargaff Descoberta da razão de 1 para 1 entre as bases do DNA (A e T; C e G) 1951 Rosalind Franklin Difração de raios-X do DNA 1952 Martha Chase e Alfred Hershey Prova fi nal de que o DNA é a molécula que contém a informação genética (experimentos com bacteriófagos) Aula 1 Variação e Herança14 1953 Francis Crick e James Watson Proposição do modelos de dupla hélice do DNA 1956 Tijo e Levan Número correto de cromossomos da espécie humana 1957 Ochai e Watanabe Descoberta dos plasmídeos 1958 Matthew Meselson e Frank Sthal Arthur Komberg Replicação semi-conservativa do DNA Purifi cação da DNA polimerase, a primeira enzima isolada capaz de sintetizar DNA in vitro 1959 Diversos autores Descrição de anomalias cromossômicas humanas 1961-1966 Marshall Neiberg e H. Gobind Khorana Descoberta do código genetic: triplets de RNAm codifi cam cada um dos 20 aminoácidos 1968 Aber e colaboradores Descoberta das enzimas de restrição Quadro 3 – Principais acontecimentos no Período Moderno Período da Genética Molecular Esse período abrange as principais pesquisas realizadas após a descoberta da molécula do DNA. Nessa época iniciaram-se os estudos sobre a “tecnologia do DNA recombinante”, o método de sequenciamento de genomas desenvolvido por Sanger; a descoberta da PCR, por Kari Mullys; passando pelo nascimento do primeiro clone animal, a ovelha Dolly e fi nalizando com o sequenciamento do genoma humano, divulgado em 2001. Esses e outros eventos foram estudados na disciplina de Biotecnologia deste curso. Esses e demais marcos da Genética Molecular podem ser visualizados no quadro abaixo. 1970 Hamilton Smith e Kent Knox Isolamento da primeira enzima de restrição HindII 1972 Paul Berg e Herb Boyer Produção da primeira molécula de DNA recombinante 1973 Joseph SambrookeAnnie Chang e Stanley Cohen Refi namento da técnica de eletroforese de DNA Demonstração de que as moléculas de DNA recombinante podem ser mantidas e replicadas em E. coli 1977 Fred SangerGENENTECH Desenvolvimento do método de terminação de cadeia para seqüenciamento de DNA Fundação da primeira empresa de engenharia genética para produzir drogas de interesse médico por métodos de DNA recombinante 1985 Kary B. Mullis Publicação do artigo descrevendo a técnica de amplifi cação de DNA pela PCR 1988 Início do Projeto Genoma Humano, com o objetivo de determinar a sequencia completa de nucleotídeos que compõem os cromossomos humanos 1Atividade Aula 1 Variação e Herança 15 1989 Allec Jeffreys Impressão digital de DNA e uso dos polimorfi smos de DNA para a determinação de paternidade e identifi cação em casos de genética forense 1997 Ian Wilmut Nascimento da ovelha Dolly 2000 Adam e colaboradores Finalização do genoma da Drosophila 2001 Brasil Francis Collins e J. Greig Venture Sequenciamento completo do genoma da bactéria Xyllela fastidiosa Anunciado o rascunho do seqüenciamento do genoma humano Quadro 4 – Principais acontecimentos no Período da Genética Molecular Tendo como base a linha do tempo da Genética, destaque, em cada período, os eventos de maior impacto ou aqueles que você considera que tenham subsidiado novas descobertas nas fases posteriores. Justifi que a sua escolha. Aula 1 Variação e Herança16 Quem foi Mendel? Austríaco, nascido em 1822, Gregor Johann Mendel (Figura 1) era fi lho de pequenos fazendeiros e, apesar de bom aluno, teve de superar difi culdades fi nanceiras para conseguir estudar. Em 1843, ingressou como noviço no mosteiro de agostiniano da cidade de Brünn, hoje Brno, na República Tcheca. Figura 1 – Gregor Johann Mendel (1822-1884) Fonte: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d3/Gregor_Mendel.png>. Acesso em: 27 out. 2011. Em 1847, após ter se tornado monge, Mendel ingressou na Universidade de Viena, onde estudou matemática e ciências. Depois de dois anos, voltou para Brno, onde passou o resto da vida. Fez estudos meteorológicos, estudou a vida das abelhas e cultivou plantas, tendo produzido novas variedades de maçãs e peras. Entre 1856 e 1865, realizou uma série de experimentos com ervilhas, com o objetivo de entender como as características hereditárias eram transmitidas de pais para fi lhos. No início de 1865, Mendel apresentou um trabalho à Sociedade de História Natural de Brno, o qual narrava as suas experiências com ervilhas, enunciando suas leis da hereditarieda- de. Entretanto, esse trabalho não foi lido pela comunidade científi ca até o início do século XX, em que poucos foram então os leitores de sua obra, sem, entretanto, conseguirem compreen- der sua importância para a Biologia. Somente em 1990 as Leis de Mendel foram redescobertas. Mendel morreu em Brno, em 1884, desempenhando trabalhos administrativos no mos- teiro, onde se sentia frustrado por não ter obtido qualquer reconhecimento público pela sua importante descoberta. Atualmente, Mendel é tido como uma das fi guras mais importantes no mundo científi co, sendo considerado o “pai da Genética”. No mosteiro onde viveu existe um monumento em sua homenagem, e os jardins onde foram realizados os célebres experimentos com ervilhas até hoje são conservados. 2Atividade Aula 1 Variação e Herança 17 Mendel e suas ervilhas Você já deve ter ouvido alguém dizer que os seus olhos são iguais aos da sua mãe, que seu nariz é igual ao do seu pai, ou que vocêse parece muito com o seu avô. A resposta para essas e muitas outras perguntas do gênero foi encontrada pela primeira vez em um jardim. Mas o que será que as características dos seres humanos têm a ver com as fl ores, ou melhor, as ervilhas em um jardim? Mendel mostrou como as características de uma geração são transmitidas para a geração seguinte utilizando apenas ervilhas da espécie Pisum sativum. Mas por que será que Mendel escolheu a ervilha como modelo experimental? Autofecundação A parte masculina da fl or denominada de anteras (que produz o pólen) fe- cunda a parte feminina da mesma fl or denominada de ovários (que originam os óvulos). Polinização cruzada Ocorre quando os óvulos de uma fl or são fecunda- dos pelo pólen de outra fl or.Acima destacamos alguns dos motivos pelos quais Mendel escolheu trabalhar com er- vilhas. Entretanto, há outros motivos que aqui não foram mencionados. Pesquise quais são eles e sugira um outro modelo experimental que pudesse ser utilizado por Mendel. Justifi que a sua escolha. 1) Pelo fato dela ser uma planta anual; 2) Pela facilidade de ser cultivada; 3) Pela facilidade de ser cruzada; 4) Por serem autofecundadas e passíveis de polinização cruzada. Fonte: <http://etevm.g12.br/blogs/biologia/tag/2%C2%AA-lei-de-mendel/>. Acesso em: 27 mar. 2012. Forma da semente Redonda Rugosa Verde Branca Terminal Constrita Amarela Baixa Primeira forma do caráter (dominante) Segunda forma do caráter (recessivo) Amarela Violeta-vermelha Axial inflada Verde Alta Cor da semente Cor da flor Posição da flor Forma da vagem Cor da vagem Altura da planta Aula 1 Variação e Herança18 Iniciando os seus estudos Depois de estabelecer que seu modelo experimental para analisar como as características hereditárias são transferidas de geração para geração seriam as ervilhas, Mendel iniciou os seus estudos. Na primeira parte do seu trabalho, Mendel escolheu várias características, ou caracteres, para estudar. As características escolhidas podem ser visualizadas na Figura 2. Caracteres Do singular caráter, signifi ca uma propriedade específi ca de um organismo. Sinônimo de característica. Figura 2 – As sete características diferentes escolhidas por Mendel em seus estudos Fonte: <http://4.bp.blogspot.com/_JxMOGC05j3c/TMma544J6RI/AAAAAAAAAVU/B4s8USVYlWk/s1600/ervilha.jpg>. Acesso em: 27 mar. 2012. Para cada característica selecionada, Mendel tinha que garantir que essas linhagens eram puras, ou seja, que não apresentavam variações no caráter estudado. Todas as gerações produzidas por autofecundação ou por cruzamento deviam apresentar a mesma forma do caráter parental. Mas como isso era feito? Mendel cultivou duas linhagens de ervilhas que originavam fl ores da cor púrpura e fl ores da cor branca por dois anos. Uma linhagem era pura para a cor púrpura, ou seja, originava apenas fl ores púrpuras, e a outra linhagem era pura para a cor branca, ou seja, originava apenas fl ores brancas (Figura 3). Flor BrancaFlor púrpura Aula 1 Variação e Herança 19 Figura 3 – Obtenção de linhagens pura para o caráter cor da fl or Adaptado de: Lilian Giotto Zaros. Desse modo, Mendel pôde dizer que cada linhagem mostrava uma diferença de caráter. Essa diferença pode ser chamada de formas da característica, variantes da característica ou fenótipos. O termo fenótipo signifi ca “a forma apresentada” e esse é o termo mais usado atualmente pelos geneticistas quando se referem às diferentes características apresentadas. Agora que já defi nimos o termo fenótipo, podemos dizer que as sete características das ervilhas selecionadas por Mendel apresentavam dois fenótipos contrastantes: fl or púrpura x fl or branca; semente verde x semente amarela; semente rugosa x semente lisa, e assim por diante. Os primeiros experimentos De posse dessas informações, Mendel iniciou seus experimentos escolhendo o caráter cor da fl or e utilizando dois fenótipos contrastantes, fl or púrpura e fl or branca. Assim, ele polinizou uma fl or púrpura de linhagem pura com pólen de uma fl or bran- ca, também de linhagem pura. Nesse caso, Mendel realizou um cruzamento denominado de monoíbrido, ou seja, um cruzamento entre plantas puras que diferem em apenas uma característica. Desse modo, essas plantas foram denominadas de geração parental (P) e todas as plantas originadas desse cruzamento foram chamadas de primeira geração fi lial (F1) – todas as fl ores de cor púrpura. Em seguida, Mendel realizou cruzamentos recíprocos, ou seja, ele polinizou uma fl or branca com pólen de uma fl or púrpura e obteve o mesmo resultado: todas as fl ores de cor púrpura. Desse modo, Mendel percebeu que não fazia diferença se ele usasse fêmeas com fl ores púrpuras ou fêmeas com fl ores brancas, o resultado seria sempre o mesmo: toda a geração F1 com fl ores púrpuras. Com isso Mendel também notou que o caráter em questão originava somente uma cor de fl or. Nesse caso, a herança não era apenas uma mistura dos caracteres das fl ores púrpuras e brancas para produzir uma flor com cor intermediária. A forma apresentada Vale lembrar que Mendel não usava esse termo. Ele foi utilizado muito depois dos seus experimentos e descobertas. Todas as flores púrpuras Proporção 3:1 Flor púrpura Flor brancas Geração parental Geração filial - F1 Geração filial - F2 Aula 1 Variação e Herança20 Em seguida, Mendel autopolinizou as plantas da geração F1, obtendo 929 sementes, as quais foram plantadas. Para seu espanto, algumas das plantas resultantes desse cru- zamento (geração fi lial 2 – F2) eram de fl or branca. O fenótipo branco havia reaparecido após uma geração. Mas as observações de Mendel não pararam por aí: ele resolveu contar o número de fl ores púrpuras e fl ores brancas: 705 eram fl ores púrpuras e 224 eram fl ores brancas. Com isso ele percebeu que a proporção de fl ores púrpura em relação às brancas era de quase 3:1 (Figura 4). Figura 4 – Cruzamento entre fl ores púrpuras e brancas (geração parental) originando as gerações F1 e F2 Adaptado de: Lilian Giotto Zaros. Diante desse mais novo fato, Mendel repetiu esse cruzamento para as outras 6 caracte- rísticas das ervilhas, obtendo proporções muito semelhantes (Tabela 1). Aula 1 Variação e Herança 21 Tabela 1 – Resultados de todos os cruzamentos realizados por Mendel Fenótipo Parental F1 F2 Proporção F2 Semente lisa x rugosa Todas lisas 5.474 lisas; 1850 rugosas 2,96:1 Semente amarela x verde Todas amarelas 6.022 amarelas; 2001 verdes 3,01:1 Vagem lisa x rugosa Todas lisas 882 lisas; 299 rugosas 2,95:1 Vagem verde x amarela Todas verdes 428 verdes; 152 amarelas 2,82:1 Flor axial x terminal Todas axiais 651 axiais; 207 terminais 3,14:1 Caule longo x curto Todos longos 787 longos; 277 curtos 2,84:1 Fonte: Griffi ths et al (1998). Com isso, Mendel deduziu que as plantas F1 recebiam de seus parentais a habilidade de produzir tanto o fenótipo púrpura quanto o fenótipo branco, e que essas habilidades eram mantidas e passadas para as próximas gerações, e não misturadas. Ele observou que havia uma unidade responsável por cada característica da ervilha e, de posse dessa informação, ele deduziu que o mesmo acontecia com os outros seres vivos, incluindo o homem. Assim, ele concluiu que cada característica é transmitida separadamente, e é por isso que você pode ter os olhos da sua mãe, o nariz do seu pai e a boca da sua avó. 3Atividade Aula 1 Variação e Herança22 Vamos fi xar alguns conceitos? Defi na: a) Caracteres: b) Fenótipo: c) Genótipo: d) Cruzamento monoibrido: e) Retrocruzamento: f) Geração Parental: g) Geração F1: h) GeraçãoF2: 2/4 amarela impura 1/4 pura verde1/4 pura amarela Proporção inicial 3:1 Aula 1 Variação e Herança 23 Ainda havia algo intrigando Mendel. O que era? Mendel constantemente se perguntava o porquê do fenótipo branco não se expressar nas plantas da geração F1. Ele explicou esse fenômeno alegando que a cor púrpura era dominante sobre a cor branca, sendo esta última recessiva em relação à púrpura. Por definição, o fenótipo da geração parental que é expresso nos indivíduos F1 é o fenótipo dominante. Entretanto, Mendel ainda tinha a difícil tarefa de explicar suas afi rmações. Para isso, ele continuou seus experimentos, e agora utilizando como caráter a cor da semente, demonstrou que nos indivíduos dominantes F2, havia duas subclasses geneticamente distintas. Cruzando uma linhagem de ervilhas puras amarelas com uma linhagem de ervilhas puras verdes, ele obteve 100% da geração F1 de cor amarela. Por defi nição, o fenótipo dominante é o amarelo e o verde é o fenótipo recessivo. Continuando seus experimentos, Mendel autofecundou as ervilhas F1, gerando ervilhas F2, as quais 3/4 eram amarelas e 1/4 eram verdes (novamente a proporção 3:1). Entretanto, dentro do grupo de ervilhas amarelas F2, ele notou que 2/3 dessas eram similares às amarelas de F1 (produzindo sementes amarelas e verdes na proporção 3:1) e 1/3 era igual à geração parental pura. Desse modo, os estudos revelaram que dentro da proporção fenotípica 3:1 na geração F2, há ainda uma proporção 1:2 nas ervilhas amarelas (Figura 5). Figura 5 – Demonstração das proporções descobertas por Mendel, considerando os fenótipos amarelo e verde das ervilhas F2 Adaptado de: Lilian Giotto Zaros. De posse dessas informações, Mendel fi nalmente pôde deduzir a seguinte explicação: a) Há determinantes hereditários envolvidos na transmissão e determinação de caracterís- ticas, que hoje chamamos de genes; b) Para qualquer característica dada, como a cor da semente, o fenótipo é determinado por formas alternativas de um único gene, os alelos; Parental AA x aa aA Aa A AA Aa Aa aa A a a F1 F2 Gametas Gametas Proporção geral da F2: 1AA: 2Aa:1aa Aula 1 Variação e Herança24 c) Cada planta adulta tinha um par de genes para determinadas características: as plantas F1 tinham um gene para o fenótipo dominante e outro para o recessivo, que só veio a ser expresso nas gerações seguintes; d) Os membros de um par de genes se segregam (se separam) igualmente para os gametas e, consequentemente, cada gameta leva apenas um membro de cada par de genes; e) A união do gameta feminino com o gameta masculino é aleatória, no qual os gametas se combinam sem considerar qual membro do par de genes é portado. A dedução de Mendel acima citada pode ser resumida pelo quadro (Figura 6) abaixo: Figura 6 – Modelo de Mendel para os determinantes hereditários das diferenças nas gerações P, F1 e F2. A representa o gene para o fenótipo dominante, e a o gene para o fenótipo recessivo Adaptado de: Lilian Giotto Zaros. x x F1 P F2 AA AA Aa Aa aa aa Aa Aa Aula 1 Variação e Herança 25 Ou ainda pelo diagrama abaixo: Figura 7 – Modelo de Mendel para os determinantes hereditários das diferenças nas gerações P, F1 e F2 referentes à cor da semente. A representa o gene para o fenótipo dominante amarelo, e a o gene para o fenótipo recessivo verde1 Adaptado de: <bio-eportefolio.blogspot.com.br/2011_01_01_archive.html>. Acesso em: 27 mar. 2012. E fi nalmente, Mendel postulou a sua primeira lei, também conhecida como lei da segregação ou lei da pureza dos gametas: “Os dois membros de um par de genes se segregam um do outro para os ga- metas, de modo que a metade dos gametas tem um membro do par e a outra metade tem o membro do outro par.” 5 Por convenção, as letras a serem utilizadas na representação dos cruzamentos Mendelianos são as do fenótipo dominante. No caso da cor da semente, o fenótipo amarelo é o dominante, e por isso usa-se a letra A e a. 4Atividade Aula 1 Variação e Herança26 Caracterize a Primeira Lei de Mendel. E o que veio depois? Não satisfeito, Mendel ainda ser perguntou: o que se espera quando estudamos o cruza- mento de plantas puras que diferem em duas características, ou seja, quando avaliamos um cruzamento diíbrido? Para entendermos melhor essa pergunta, tomemos como exemplo a cor e a forma da semente da ervilha. Vimos que a cor da ervilha (amarela e verde) é determinada pelo gene A e a, e agora estabelecemos que os genes que controlam a forma das ervilhas (lisa e rugosa) são denominados de R e r. Mendel fez o seguinte cruzamento: autopolinizou uma linhagem pura RRaa (semente lisa verde), que produziu sementes RRaa (lisa e verde) e autopolinizou uma outra linhagem pura rrAA (semente rugosa e amarela), que produziu sementes rrAA (semente rugosa e amarela). Num segundo momento, Mendel cruzou essas duas linhagens (RRaa × rrAA) e obteve a geração F1 RrAa, com todas as sementes lisas e amarelas. Em seguida, ele fez o cruzamento diíbrido, autofecundando o diíbrido F1 para obter a geração F2 (Figura 8): ¾ das sementes F2 são lisas ¼ das sementes F2 é rugosa ¾ serão lisas ¼ será verde ¾ serão amarelas ¼ será verde ¾ × ¾ = 9/16 sementes lisas amarelas ¾ × ¼ = 3/16 sementes lisas verdes ¼ × ¾ = 3/16 sementes rugosas amarelas ¼ × ¼ = 1/16 sementes rugosa verde F1 F1 × F2 Gametas P RRaa x rrAA RRaa (lisas verdes) rrAA (rugosas amarelas) r e AR e a Todas lisas amarelas RrAa F2 Total 556 315 Lisas amarelas 108 Lisas verdes 101 Rugosas amarelas 32 Rugosas verdes Aula 1 Variação e Herança 27 Figura 8 – Esquema que ilustra os cruzamentos diíbridos realizados por Mendel Fonte: Adaptado de Klug et al (2010). Figura 9 – Esquema proposto por Mendel para justifi car a proporção 3:1 dentro da proporção 9:3:3:1 Adaptado de: Lilian Giotto Zaros. Note que a proporção obtida no cruzamento entre as linhagens F1 foi de 9:3:3:1, que, para a surpresa de Mendel, era mais complexa do que a proporção de 3:1 obtida anteriormente nos cruzamentos monoibridos. Assim, diante da nova informação, Mendel não hesitou. Ele realizou cruzamentos diíbridos entre outras características avaliadas e observou que todos os indivíduos F1 produziam uma prole nas proporções de 9:3:3:1. Então, Mendel resolveu avaliar o número de indivíduos de acordo com a forma e a cor da semente, em separado. Desse modo, ele notou que havia 423 sementes lisas e 133 sementes rugosas e 416 sementes amarelas e 140 sementes verdes (vide Figura 8), todas com proporções muito próximas de 3:1. Assim, ele concluiu que havia escondida, dentro da proporção 9:3:3:1, a proporção 3:1, concluindo que havia duas propor- ções independentes de 3:1 combinadas aleatoriamente, como podemos observar na Figura 9. As proporções combinadas são calculadas multiplicando-se os ramos do diagrama abaixo. 5Atividade Gameta masculino 9 lisa amarela : 3 lisa verde : 3 rugosa amarela : 1 rugosa Gametas RA RA RRAA RRAa RrAa RrAA RRAa RRaa Rraa RrAa RrAa Rraa rraa rrAa RaAA RrAa rrAa rrAA Ra ra rA Ra ra rA Ga m et a fe m in in o Aula 1 Variação e Herança28 Foi então que Mendel, ao explicar essa proporção, estabeleceu a sua segunda lei ou lei da segregação independente. “Durante a formação dos gametas, a segregação dos alelos de um gene é independente da segregação dos alelos do outro gene.” A segunda lei de Mendel é um fundamento interessante que descreve a independência de dois pares de genes. Assim, se combinarmos a lei de igual segregação e distribuição indepen- dente, podemos prever quais os gametas serão formados e calcular, utilizando o Quadrado de Pannett, a constituição genotípica e fenotípica da geração F2 de qualquer cruzamentodiíbrido (no nosso caso, o cruzamento RrAa × RrAa) (Figura 10). Figura 10 – Quadro de Pannett Fonte: Lilian Giotto Zaros. Caracterize a segunda lei de Mendel. Aula 1 Variação e Herança 29 Mas como aplicar as leis de Mendel? Atualmente, uma parte importante da Genética está relacionada ao se conhecer o tipo de prole que será gerada a partir de um cruzamento e ao cálculo da sua frequência esperada, ou seja, de quantos indivíduos de determinados genótipos serão gerados. O Quadrado de Pannett é um bom método para a obtenção desses resultados. Entretanto, por ser um método que leva muito tempo para ser construído, pode ser substituído pela aplica- ção de simples regras estatísticas de cálculo de probabilidades. Essas duas regras estatísticas são a regra da soma e a regra dos produtos, vistas na Aula 10 da disciplina de Bioestatística. Brevemente, a regra da soma diz que a probabilidade de cada um dentre dois eventos mutuamente exclusivos é a soma de suas probabilidades individuais e a regra do produto diz que a probabilidade de eventos independentes ocorrerem simultaneamente é o produto das probabilidades dos eventos individuais. Vamos ver alguns exemplos? 1) Suponha que tenhamos duas plantas com os genótipos Aa bb Cc Dd Ee e Aa Bb Cc dd Ee e que do cruzamento entre essas duplas plantas queremos saber qual a probabilidade de obter uma planta com o genótipo aa bb cc dd ee na prole. Nesse caso, é só calcular a probabilidade de cada genótipo individualmente e aplicar a regra do produto. P (aa) = Aa x Aa = AA, Aa, Aa, aa = ¼ P (bb) = bb x Bb = Bb, Bb, bb, bb = 2/4 = ½ P (cc) = Cc × Cc = CC, Cc, Cc, cc = ¼ P (dd) = Dd × dd = Dd, Dd, dd, dd = 2/4 = ½ P (ee) = Ee × Ee = EE, Ee, Ee, ee = ¼ Assim, a P (aa bb cc dd ee) = ¼ × ½ × ¼ × ½ × ¼ = 1/256 Nesse caso, centenas de proles serão necessárias para se ter uma chance de obter pelo menos uma com o genótipo desejado. 2) E se desejarmos saber qual a probabilidade de uma planta heterozigota (Aa) cruzar com outra planta heterozigota (Aa) e gerar uma planta com semente amarela ou semente verde? AA, Aa = semente amarela aa = semente verde Aa x Aa = AA, Aa, A, aa = ¾ amarelas e ¼ verdes P (amarela ou verde) = P (amarela) + P (verde) = ¾ + ¼ = 4/4= 1 Disciplina de Bioestatística Para maiores informações sobre as regras da soma e do produto, vide Aula 10 da disciplina de Bioestatística. Aula 1 Variação e Herança30 Agora que já relembramos as regras da soma e do produto, vamos aplicar as leis de Mendel? A seguir estão listadas algumas situações as quais estão presentes as Leis de Mendel. Seguindo o exemplo do Exercício Resolvido, responda o que se pede para a atividade a seguir. Exercício Resolvido Sabe-se que os olhos castanhos são dominantes sobre os olhos azuis. Assim, um homem de olhos castanhos, fi lho de pai de olhos castanhos e mãe de olhos azuis, casa-se com uma mulher de olhos azuis. Qual a probabilidade de que tenham um fi lho de olhos azuis? De acordo com o enunciado, podemos obter as seguintes informações: a) Olhos castanhos é o genótipo dominante AA ou Aa e que olhos azuis é o genótipo recessivo aa; b) O homem de olhos castanhos (AA ou Aa) é filho de pai de olhos castanhos (AA ou Aa) e mãe de olhos azuis (aa). Assim, a mãe pode doar somente um tipo de alelo para seu fi lho (a), o alelo a e o pai, pode doar dois tipos de alelos para seu fi lho (A ou a). Como o fi lho tem olhos castanhos, ele herdou o alelo dominante (A) do pai e o alelo recessivo (a) da mãe. Assim, ele só pode ter o genótipo Aa. c) O homem de olhos castanhos (agora com o genótipo defi nido – Aa) se casa com uma mulher de olhos azuis (aa). Para saber a probabilidade de terem um fi lho com olhos azuis, basta realizar o cruzamento abaixo utilizando o quadro de Pannett: Mulher aa Homem Aa Alelo a Alelo a Alelo A Aa Aa Alelo a aa aa d) Assim, haverá 2 chances em 4 (2/4 = ½ ou 50%) dos fi lhos terem olhos castanhos (Aa) e também 2 chances em 4 (2/4 = ½ ou 50%) dos fi lhos terem olhos azuis. 1 2 3 6Atividade Aula 1 Variação e Herança 31 De um cruzamento de duas fl ores, obteve-se uma linhagem constituída de 50% de indivíduos com fl ores róseas e 50% com fl ores vermelhas. Qual o genótipo dos parentais? Se um rato cinzento heterozigótico (Aa) for cruzado com uma fêmea do mesmo genótipo (aa) e com ela tiver um descendente, qual a proporção de cada genótipo para esse indivíduo? Em camundongos, o genótipo aa é cinza; Aa é amarelo e AA morre no início do desenvolvimento embrionário. Que descendência se espera do cruzamento entre um macho amarelo com uma fêmea amarela? 4 5 6 Aula 1 Variação e Herança32 Um homem de aspecto exterior normal, casado com uma mulher normal, tem 11 fi lhos, todos normais. O seu irmão gêmeo, univitelino, tem 6 fi lhos normais e dois albinos. Qual o genótipo dos dois irmãos e das duas mulheres? Na Drosophila melanogaster, a cor do corpo ébano é produzida por um gene re- cessivo (e) e o corpo de cor cinza, pelo seu alelo (E). A asa vestigial é produzida por um gene recessivo (v) e o tamanho normal da asa é determinado pelo seu alelo (V). Se moscas diíbridas são cruzadas entre si e produzem 256 indivíduos, quan- tas moscas desta progênie apresentarão o mesmo genótipo dos pais? Qual a proporção fenotípica encontrada na descendência do cruzamento entre indi- víduos heterozigotos para dois caracteres com dominância completa? 7 Resumo Aula 1 Variação e Herança 33 Sendo Aa, Bb e Cc três pares de gens com segregação independente, quantos tipos de gametas poderão ser formados por um indivíduo AA Bb Cc? Nesta aula, você compreendeu o conceito de Genética e conheceu os principais eventos que marcaram a história da Genética, passando pela Pré-Genética, Genética Clássica, Genética Moderna e por fi m, pela Genética Molecular. Você pôde conhecer a vida e a obra de Gregor Mendel, um cientista além da sua época. Compreendeu as leis postuladas por Mendel, chamadas de Leis de Mendel: primeira lei ou lei da segregação e segunda lei ou lei da segregação independente. Relembrou alguns conceitos de probabilidade vistos na disciplina de Bioestatística e que são fundamentais para a compreensão das Leis de Mendel. Por fi m, você aplicou os conceitos de probabilidade em exercícios contendo os postulados nas Leis de Mendel. Aula 1 Variação e Herança34 Autoavaliação Duas linhagens puras de coelhos, linhagens A e B foram cruzadas. Um macho da linha- gem A foi cruzado com uma fêmea da linhagem B e os coelhos gerados na F1 foram cru- zados para produzir uma geração F2. ¾ dos animais F2 tinham gordura subcutânea branca e ¼ tinha gordura subcutânea amarela. Diante disso, a F1 foi observada e constatou-se que ela tinha gordura branca. Anos depois, o experimento foi repetido, utilizando-se o mesmo macho e a mesma fêmea. Dessa vez, a F1 e toda F2 (22 animais) tinham gordura branca. A única diferença entre os experimentos é que no original todos os animais foram alimen- tados com vegetais frescos e na repetição foram alimentados com ração comercial para coelhos. Forneça uma explicação para a diferença e um teste para a sua idéia. Anotações Aula 1 Variação e Herança 35 Referências GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996. 856p. ______. An introduction to genetics analysis. 7. ed. Nova Iorque, USA: Freeman, 1999. KLUG, W. S. et al. Conceitos de genetica. 9. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2010. 896p. MORI, L.; PEREIRA, M. A. Q. R. Meiose e as Leis de Mendel. Disponível em: <http://www.ib.usp.br/microgene/fi les/manuais-7-PDF.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2011. WATSON, J. DNA O segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470p. ZATZ, M. Genética: escolhas que nossos avós não faziam. São Paulo: Editora Globo, 2011. 207p. AnotaçõesAula 1 Variação e Herança36 Genética Quantitativa 2 Aula 1 2 3 4 5 6 7 Aula 2 Variação e Herança 39 Apresentação Na primeira aula, através do estudo das Leis de Mendel, o “pai da Genética”, compreen-demos a base da hereditariedade, ou seja, como os alelos (cada gene apresenta dois alelos em uma espécie diploide) são transmitidos dos pais aos seus descendentes. Entretanto, Mendel estudou características denominadas de qualitativas em ervilhas (cor da semente, tipo de folha, cor de fl or, por exemplo). Nossa proposta para esta aula é compreender como é possível realizar o melhoramento genético de espécies animais e vegetais, mas sob a visão das características quantitativas. Essas características são as de interesse comercial, como exemplo, citamos a produção de leite, carne, ovos, grãos. Damos a sugestão para que você releia a Aula 1 desta disciplina antes de iniciar os estudos desta aula. Certamente, isso facilitará a compreensão dos conceitos e da discussão apresentados aqui. Faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Bom estudo! Objetivos Reconhecer o histórico da Genética Quantitativa. Defi nir melhoramento genético e Genética Quantitativa. Identifi car a importância de um programa de melhoramento genético. Diferenciar seleção de cruzamento e características qualitativas de quantitativas. Defi nir e ilustrar os modos de ação gênica. Descrever os fundamentos e a importância da Genética Quantitativa. Defi nir conceitos e apresentar cálculos relacionados à Genética Quantitativa. a b Aula 2 Variação e Herança 41 Histórico Gregor Mendel publicou seus resultados em 1865, mas somente em 1900 três pesqui-sadores (H.M. de Vries, C.E. Correns e E. Von Tschermak-Seysenegg) “redescobriram” seus achados. Nessa mesma época, na Inglaterra, Francis Galton e colaboradores (C.R. Darwin, K. Pearson, R.C. Punnett, W.F.R. Weldon) divulgaram os resultados de seus trabalhos sobre características quantitativas defendendo o Darwinismo. Os adeptos do Mendelismo consideraram o modelo proposto por Galton incompatível com as leis propostas por Mendel, enquanto que Galton e seus seguidores consideraram essas meras exceções de uma situação mais geral e complexa. Figura 1 – (a) Gregor Mendel, líder do Mendelismo; (b) Francis Galton, líder do Darwinismo Fonte: (a) <http://www.molwick.com/pt/evolucao/536-leis-de-mendel.html>; (b)<http://www.skilluminati.com/Research/entry/the_wit_and_wisdom_of_sir_francis_galton>. Acesso em: 9 set. 2011. Dessa forma, estabeleceu-se uma das mais acirradas disputas no campo da biologia. A conciliação entre Mendelistas e Darwinistas demorou aproximadamente 20 anos e só foi possível graças aos trabalhos de vários cientistas, dentre os quais se destacou R.A. Fisher, que propôs um modelo que combinava o Mendelismo e o Darwinismo. Tanto o Mendelismo quanto o Darwinismo deram suporte para que programas de me- lhoramento genético pudessem ser conduzidos em espécies vegetais e animais. Vamos ver os detalhes? 50% dos genes do pai 1/2 VGE do pai 50% dos genes da mãe 1/2 VGE da mãe Valor genético esperado (VGE) da progênie = 1/2 VGE pai + 1/2 VGE mãe Aula 2 Variação e Herança42 O melhoramento genético O melhoramento genético basicamente tem por objetivo a obtenção dos genótipos su- periores. Este processo altera a frequência dos alelos, ou seja, os melhores alelos têm suas frequências aumentadas enquanto que os piores alelos têm suas frequências reduzidas. Para se alterar as frequências dos alelos são empregados dois procedimentos: a seleção e o cruza- mento. Dessa forma, é possível obter os genótipos superiores, que são aqueles que contêm as melhores combinações gênicas, os quais apresentam um melhor desempenho. Por exemplo, a vaca produz mais leite, a soja produz mais grãos, a galinha mais ovos. Desde os primórdios da civilização humana, o melhoramento já era realizado, pois nos- sos ancestrais sempre retinham em seus rebanhos os animais mais produtivos, aqueles que resistiam a certas doenças, ou ainda plantas mais produtivas, mais vigorosas. Portanto, eles já praticavam a seleção. Uma vez selecionado os melhores indivíduos é possível cruzá-los e obter progênies ainda mais produtivas (cruzamento). Mas, naquela época, o melhoramento era realizado sem base científi ca e se baseava única e exclusivamente na avaliação visual. Desde 1865, quando Mendel postulou suas leis, fi cou evidente que o valor genético de um indivíduo é composto por metade dos genes oriundos do pai e a outra metade da mãe (Figura 2). Atualmente, a Genética Quantitativa é a área da genética que estuda a herança e variação dos caracteres quantitativos. Esse estudo se baseia na estimação de algumas medidas estatísticas, tais como a média, variância, herdabilidade, heterose, ganho com seleção. Veremos cada uma destas medidas ao longo desta aula. Figura 2 – Composição do valor genético na progênie Fonte: Van der Weerf (2006). 1Atividade Aula 2 Variação e Herança 43 Assim, o melhoramento genético é tido como uma das formas de produzir mais ali- mentos, aumentando a produtividade de animais e vegetais. Além disso, animais e vegetais geneticamente mais resistentes a determinadas doenças, por exemplo, possibilitam que menos produtos químicos sejam utilizados ou na prevenção ou no controle destas doenças. Dessa forma, o melhoramento também contribui para uma menor poluição ambiental e melhor qua- lidade de vida. Mas as perguntas que você pode estar se fazendo neste momento são “mas como identifi car a melhor vaca dentro de um rebanho? Como identifi car a melhor planta de soja dentre milhares no campo? Como identifi car a galinha que põe mais ovos dentre muitas em um aviário?”. É justamente para responder a estas questões que, de maneira geral, existem algumas etapas que devem ser seguidas dentro de um programa de melhoramento genético. Vamos ver cada um delas? 1) Provocar o aparecimento do genótipo desejado: lançamos mão desta estratégia quando o genótipo desejado não existe previamente ou quando sua ocorrência é pouco provável; 2) Procurar e identifi car o genótipo desejado: na prática, esse genótipo ocorre juntamente com outros genótipos inferiores. Por isso, é necessário isolar o genótipo de interesse e eliminar os demais. Nessa estratégia, aplicamos os conceitos relacionados à seleção, que veremos ainda nesta aula; 3) Multiplicar o genótipo desejado: após o isolamento do genótipo desejado, é necessário multiplicá-lo, pois só dessa forma os produtores terão acesso ou aos animais para criação ou às sementes para cultivá-las de forma comercial. Defi na melhoramento genético e apresente sua importância para as espécies vegetais e animais. A seguir, apresente um esquema das três etapas gerais a serem empregadas na condução de um programa de melhoramento genético. Teste de progênie Avaliação do mérito ge- nético dos pais com base no desempenho de seus descendentes (progênies). Consanguinidade Grau de parentesco entre indivíduos com ascendên- cia comum. Autofecundação Quando a fecundação se dá entre gametas produzidos pelo mesmo organismo; modo de reprodução sexuada em que os gametas femininos e masculinos são originá- rios do mesmo individuo; ocorre naturalmente em plantas hermafroditas. Aula 2 Variação e Herança44 Existem algumas difi culdades que podem surgir na procura por genótipos superiores. A seguir, resumimos essas difi culdades e apresentamos as medidas adotadas no sentido de contorná-las. 1) Difi culdade 1: devido ao grande número de diferentes genótipos. Para contorná-la, deve- mos empregar um grande número de indivíduos, principalmente no início dos trabalhos; 2) Difi culdade 2: que surge quando as diferenças fenotípicas entre genótipos são pequenas.Para contorná-la, devemos adotar um delineamento experimental e um número de repe- tições apropriados e uniformizar o ambiente; 3) Difi culdade 3: devido à presença de dominância gênica e interações não alélicas. Para contorná-las, devemos empregar o teste de progênie; 4) Dificuldade 4: devido ao efeito e ao ambiente sobre a expressão fenotípica. Para contorná-la, empregamos os mesmos procedimentos relatados para a difi culdade 2; 5) Difi culdade 5: devido à baixa frequência do genótipo de interesse no início do trabalho. Para contorná-la, trabalhamos com um grande número de indivíduos ou, se for o caso, começamos fazendo cruzamentos apropriados, usamos a consanguinidade em animais ou a autofecundação em plantas. Como o melhoramento genético é baseado na seleção e no cruzamento, veremos a seguir como essas duas estratégias são utilizadas na obtenção do genótipo superior. Seleção A seleção artifi cial é o processo conduzido pelo ser humano com o objetivo de selecionar características desejáveis em animais e plantas. Os processos empregados na seleção artifi - cial são o endocruzamento e a formação de híbridos. Através do endocruzamento, o homem promove uma seleção direcional escolhendo os indivíduos portadores das características que pretende selecionar e promove o cruzamento entre os indivíduos selecionados. Nas gerações seguintes faz o mesmo tipo de seleção e, assim sucessivamente. Dessa forma, os genes res- ponsáveis pelas características escolhidas têm aumentado sua frequência e tendem a entrar em homozigose, ou seja, tendem a se fi xar. Cruzamento Esta estratégia permite a obtenção de híbridos em espécies vegetais. Em animais permite a obtenção dos mestiços. Sendo pronunciadamente heterozigóticas, tais plantas ou animais exibem vigor ou heterose, o que veremos mais a frente, e tendem a ser mais uniformes. Os híbridos em vegetais são geralmente obtidos a partir de linhagens altamente homozi- góticas. Esses podem ser classifi cados em híbrido simples (o genótipo superior), híbrido triplo Tipos de Híbrido Híbrido Simples Cruzamento entre duas linhagens puras. L1 × L2 Hs(12) Híbrido Duplo Cruzamento entre dois híbridos simples provenientes de populações diferentes. L1 × L2 L3 × L4 Hs(12) × Hs(34) HD(12)(34) Híbrido Triplo Cruzamento entre um Híbrido Simples e uma linhagem pura. L1 × L2 Hs(12) × L3 HT(12 ×L3) a b Aula 2 Variação e Herança 45 (uma parte dos genótipos superiores) e híbrido duplo (uma parte ainda maior dos genótipos superiores). A Tabela 1 ilustra esses tipos: Tabela 1 – Cruzamentos necessários na obtenção de híbridos Cruzamento Tipo de híbrido (A × B) = 2 linhagens simples (A × B) × C = 3 linhagens triplo (A × B) × (C × D) = 4 linhagens duplo A Figura 3 apresenta um esquema da obtenção dos diferentes tipos de híbridos de milho. Ao lado, observa-se a homogeneidade e vigor das plantas do híbrido simples cultivadas em campo. Figura 3 – (a) Esquema de obtenção de milhos híbridos; (b) cultivo do milho híbrido simples em campo Fonte: (a) <http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:WsGb3JHg3VkJ:members.fortunecity.com/crsa1/mg.htm+eSPECIES+ALOGAMAS+exemplos&cd=5&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>; (b) <http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=62021>. Acesso em: 10 set. 2011. Em animais podem ser obtidos diversos tipos de mestiços, conforme a Tabela 2. Tabela 2 – Combinação das raças na obtenção de diferentes tipos de mestiço Cruzamento Tipo de mestiço A × B 1/2 sangue (A × B) × A 3/4 sangue A, 1/4 sangue B ou 3/4 A, 1/4 B (A × B) × B 1/4 A, 3/4 B [(A × B) × A] × B 3/8 A, 5/8 B [(A × B) × B] × A 5/8 A, 3/8 B Homozigose Situação em que, no loco gênico que se está considerando, ocorre o mesmo alelo em ambos os cromossomos homólogos. Por exemplo, AA ou aa. Planta autógama A planta que se reproduz preferencialmente por au- tofecundação. Exemplos: feijão, arroz, soja, trigo, amendoim, tomate. 2Atividade a b Aula 2 Variação e Herança46 A Figura 4 ilustra a raça composta Canchim, utilizada na pecuária de corte, e a raça com- posta Girolando, utilizada para pecuária leiteira. Figura 4 – (a) Canchim (5/8 Charolês + 3/8 Zebu); (b) Girolando (5/8 Holandês + 3/8 Gir) Fontes: (a) <http://www.abspecplan.com.br/?modulos/abs_news/express:229>; (b) <http://nelore.geneticaaditiva.com.br/?tag=girolando>. Acesso em: 5 set. 2011. Diferencie seleção de cruzamento. Dê dois exemplos em animais (diferentes daqueles que foram apresentados) obtidos a partir de cruzamentos e demonstre quais raças foram uti- lizadas na composição do mestiço ou composto. Você poderá acessar a internet para facilitar sua busca. Tanto as linhagens em vegetais quanto as raças em animais apresentam elevado nível de homozigose dos locos e podem ser obtidos a partir de autofecundação (plantas autógamas) ou por cruzamentos consanguíneos entre indivíduos aparentados (animais). Aula 2 Variação e Herança 47 Assim como na Aula 1 – Genética Mendeliana você fez alguns cálculos e teve contato com algumas fórmulas, nesta segunda aula, outras fórmulas serão ilustradas e seus signifi cados biológicos discutidos, pois estudaremos os fundamentos da Genética Quantitativa. Vamos ver as diferenças entres as características qualitativas e quantitativas? Características qualitativas As características genéticas a serem melhoradas em uma espécie podem ser de dois tipos: qualitativas ou quantitativas. Podemos defi nir características qualitativas como aquelas governadas por um ou poucos genes. Você também encontrará que elas são denominadas de variáveis discretas por apresentarem classes fenotípicas facilmente separáveis umas das outras, já que apresentam um ou poucos genótipos. O ambiente infl uencia essas características, mas numa magnitude inferior àquela evidenciada para as características quantitativas, visto que apenas poucos genes atuam em seu controle. Exemplos que podemos citar são: a cor da semente da ervilha que Mendel estudou, cor de fl ores, tipo de crista na galinha, presença ou ausência de chifre em bovinos. Você pode ter acesso a vários exemplos acessando o site do OMIA: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/omia>. Na Figura 5 ilustramos alguns exemplos de características qualitativas em ervilha. Figura 5 – Características qualitativas estudadas por Mendel Fonte: <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Genetica/leismendel.php>. Acesso em: 1 set. 2011. Aula 2 Variação e Herança48 No entanto, a maior parte das características que os melhoristas e geneticistas têm inte- resse apresentam herança quantitativa. Este tipo de herança não pode ser estudado da mesma maneira que as variáveis discretas. Para isso, há uma área específi ca da Genética, chamada Genética Quantitativa. Características quantitativas Podemos defi nir as características quantitativas ou poligênicas como aquelas governadas por diversos genes, sendo que cada gene apresenta segregação conforme as Leis de Mendel. Além disso, quando se analisa uma população segregante, observa-se que essas caracte- rísticas apresentam distribuição contínua de fenótipos, já que cada gene contribui de forma diferenciada para a composição do fenótipo exibido pelo animal ou planta. Dessa forma, há uma diversidade maior entre os tipos extremos de indivíduos encontrados em uma população, inúmeros fenótipos de difícil separação em classes distintas. Outro aspecto importante dessas características reside no fato de serem mais infl uencia- das pela variação do ambiente do que as características qualitativas, difi cultando ainda mais a identifi cação dos genótipos com base apenas no fenótipo observado. A partir do número de genes envolvidos na expressão da característica é possível predizer o número de genótipos a serem obtidos. Na Tabela 3, apresentamos comoo número de alelos infl uencia na obtenção de genótipos e fenótipos em uma população segregante, considerando dominância completa. Tabela 3 – Evolução no número de genótipos e fenótipos em função do número de locos envolvidos no controle da característica Número de locos Número de genótipos Número de fenótipos 1 (A com alelos A e a) 3 2 2 (A como alelos A e a; B como alelos B e b) 9 4 ... ... ... n 3n 2n Para ilustrarmos o efeito do número de locos que controla uma característica quantitativa, assumiremos que o peso de grãos de milho seja controlado por 20 locos (n = 20). Dessa forma, teremos 3.486.784.401 genótipos e 1.048.576 fenótipos na população segregante (F 2 ). Salientamos que o número de fenótipos é menor do que o de genótipos devido ao fato de que algumas combinações alélicas apresentam a mesma contribuição para a composição do peso de grãos. A Figura 6 ilustra a evolução do número de genótipos a serem obtidos com 1, 2 e 3 locos com dois alelos. População segregante Pode ser do tipo F 2 em que duas linhagens AA e aa são cruzadas e o F 1 (Aa) cruzado com outro F 1 ou autofecundado, produ- zindo F 2 com genótipos ¼ AA: ½ Aa : ¼ aa; ou do tipo retrocruzamento (RC) em que o F 1 é retrocruza- do com um de seus pais, se for com AA produzirá genótipos ½ AA : ½ Aa, se for com aa produzirá genótipos ½ aa : ½ Aa. Dominância completa O indivíduo heterozigóti- co apresenta o fenótipo condicionado pelo alelo dominante, ou seja, o alelo recessivo só se manifesta em homozigose; A_ (pode ser AA ou Aa) ou aa. 3Atividade 50 40 30 20 y 10 0 AABB AABb AAbb AaBB AaBb Aabb aaBB aaBb aabb b 50 40 30 20 y 10 0 AA aaAa a 50 y 45 35 25 15 5 40 30 20 10 0 AA BB CC AA BB cc AA Bb Cc AA bbC C AA bbc c Aa BB Cc Aa bbC C Aa bbc c Aa bbC c aa BB CC aa BB cc aa BB Cc aa bbC C aa bbc c c Aula 2 Variação e Herança 49 Figura 6 – Demonstração do número de genótipos a serem obtidos na geração F 2 com 1 loco (a), 2 locos (b) e 3 locos (c), todos com dois alelos Fonte: Millor Fernandes do Rosário. Apresente três argumentos para diferenciarmos as características qualitativas das quan- titativas. Qual delas é de interesse para um programa de melhoramento genético? Justifi que sua resposta. Aula 2 Variação e Herança50 Existem basicamente três modos de ação dos genes que controlam as características. Abaixo, apresentamos os detalhes. Modos de ação gênica Como as características quantitativas são controladas por diversos genes, e com elevada infl uência ambiental, torna-se importante conhecer o tipo de ação gênica que tem predominân- cia na formação de novos genótipos. Basicamente, há três tipos de ação gênica: ação gênica aditiva, ação gênica dominante e ação gênica epistática ou de interação. Na ação gênica aditiva, o efeito médio de cada alelo contribui na formação de um fenótipo. Damos o exemplo relatado por Davenport, em 1913, sobre a herança da cor da pele na espécie humana, a qual é resultante da ação de dois pares de genes (A e B). Dessa forma, A e B determinam a produção da mesma quantidade do pigmento melanina e possuem efeito adi- tivo. Logo, conclui-se que devem existir cinco tonalidades de cor na pele humana, segundo a quantidade de genes A e B (Quadro 1). Genótipos Fenótipos aabb pele clara Aabb, aaBb mulato claro AAbb, aaBB, AaBb mulato médio AABb, AaBB mulato escuro AABB pele negra Quadro 1 – Genótipos e fenótipos a serem obtidos para a cor da pele na espécie humana Vejamos os resultados genotípicos e fenotípicos que são obtidos a partir do cruzamento de dois indivíduos mulatos médios, duplo-heterozigotos (Quadro 1): mulato médio X mulato médio AaBb AaBb AB Ab aB ab AB AABB negra AABb mulato escuro AaBB mulato escuro AaBb mulato médio Ab AABbmulato escuro AAbb mulato médio AaBb mulato médio Aabb mulato claro aB AaBBmulato escuro AaBb mulato médio aaBB mulato médio aaBb mulato claro ab AaBbmulato médio Aabb mulato claro aaBb mulato claro aabb branca Quadro 2 – Xadrez Mendeliano para a cor da pele em humanos Consequentemente, as proporções fenotípicas são: 1/16 : 4/16 : 6/16 : 4/16 : 1/16 e os respectivos fenótipos são: negra, mulato escuro, mulato claro e branca. Aula 2 Variação e Herança 51 Na ação gênica dominante este efeito não corresponde à média, pois os alelos dominantes controlam a expressão da característica. Nesse caso, genes heterozigóticos ou homozigóticos terão o mesmo valor na contribuição do fenótipo (Figura 7). Figura 7 – Representação da ação gênica de dominância no experimento com as ervilhas de Mendel Fonte: <http://ligiabio12.blogspot.com/2007/11/genetica-e-mendel.html>. Acesso em: 11 set. 2011. Na ação gênica de epistasia, alelos de um loco interagem com alelos de outro loco podendo infl uenciar positiva ou negativamente uma característica (Figura 8). O alelo que age inibindo é chamado epistático e o que sofre a ação inibitória é chamado hipostático. Figura 8 – Representação da ação gênica de epistasia no controle do tipo de crista em galinha Fonte: <http://atiliano.com.br/materias/genetica1.html>. Acesso em: 10 set. 2011. 4Atividade Aula 2 Variação e Herança52 Pode-se determinar o tipo de ação gênica média comparando-se as gerações parentais, F 1 e F 2 como se segue: Ação aditiva: F 1 = (P 1 + P 2 )/2 , F 2 = F 1 Ação dominante: F 1 = P 1 , F 2 < F 2 Ação sobredominante: F 1 > P 2 , F 2 < F 1 Para os caracteres quantitativos, cada loco apresenta um tipo de interação gênica. A ação aditiva, dominante e epistática são efeitos que podem contribuir para a expressão de um caráter quantitativo em uma população. Portanto, considera-se a ação gênica média dos locos. Entretanto, geralmente a ação gênica aditiva tem maior importância para o melhoramento genético, pois é ela que é transmitida ao longo das gerações. Quais são os modos de ação gênica? Descreva cada um deles e dê exemplos diferentes dos apresentados em aula. Você poderá acessar a internet para facilitar sua busca. Aula 2 Variação e Herança 53 O fenótipo Quando medimos o valor fenotípico (F ) de uma característica em um animal ou plan- ta podemos considerar esta medida como sendo F = G + E. Isto quer dizer que o valor que observamos é o resultado de uma contribuição do genótipo (G) do individuo e de uma contribuição do ambiente (E) particular onde ele se desenvolveu. A parte correspondente ao genótipo (G) pode ainda ser decomposta nos três modos de ação gênica visto acima. Dessa forma, G = A + D + I. Então, a variação verifi cada em uma espécie (variação fenotípica, ¾2F) pode ser de duas origens: variação devido ao ambiente (¾2E) e variação devido a diferenças genéticas (¾ 2 G). A existência de variação genética é um pré-requisito necessário e obrigatório para que o me- lhoramento genético obtenha o genótipo superior. Portanto, torna-se importante quantifi car a proporção da variação fenotípica que corresponde ao ambiente e a variação correspondente ao genótipo para podermos estimar com melhor precisão experimental a resposta dos genótipos nos ambientes testados. Variância genotípica e ambiental Para que a seleção permita a identifi cação do genótipo superior é necessário que haja variabilidade ou que existam diferentes expressões fenotípicas numa população que servirá de base para o melhoramento. Entretanto, apenas variabilidade fenotípica não é sufi ciente. É preciso que haja uma variabilidade devida às diferenças genotípicasentre os indivíduos, ou seja, variabilidade genotípica. Como visto acima, o fenótipo é dado por F = G + E que pode ser decomposto em F = A + D + I + E + GE em que, GE corresponde à interação entre o genótipo e o ambiente. Esse termo é evidenciado, por exemplo, em vacas da raça Holandesa, que produzem menos leite em condições ambien- tais estressantes (calor). Então, existe uma raça apropriada para ser criada em determinadas condições ambientais. Para fi ns didáticos e dentro de nossa discussão não abordaremos a interação genótipo-ambiente. Portanto, o fenótipo pode ser resumido por F = A + D + I + E . Cada termo dessa equação apresenta a sua respectiva variância. Assim, podemos escrevê-la como se segue ¾2F = ¾ 2 G + ¾ 2 E = ¾ 2 A + ¾ 2 D + ¾ 2 I + ¾ 2 E E Emprega-se a letra E para o efeito de ambiente, pois é um termo amplamente difundido no meio científi - co; o símbolo E tem como origem a palavra inglesa environment, que signifi ca ambiente em português. 5Atividade Aula 2 Variação e Herança54 Portanto, inicialmente, precisamos medir a variabilidade, o que conseguimos calculando a variância dos fenótipos mensurados no campo. Assim, se temos N medidas fenotípicas, F 1 , F 2 , ... FN e se M é a média da população, a variância será dada por σ2F = N∑ i=1 (F −M)2 N = ∑ d2 N em que d corresponde aos desvios das observações em relação à média M. Quando trabalhamos com amostras (de plantas ou animais), o que é mais comum, podemos apenas estimar a variância empregando a seguinte expressão: σˆ2F = N∑ i=1 (F −M)2 n− 1 em que n é o número de dados da amostra. Observamos que, quanto maior a dispersão dos dados (maiores discrepâncias ou desvios em relação à média) maior a variância. A variância fenotípica só será nula se todos os dados forem iguais. Portanto, a variância, na realidade, é uma medida global das diferenças fenotípicas existentes entre cada dado mensurado. Quais são os componentes do fenótipo? Defi na variação fenotípica, genotípica e am- biental. Como podemos calcular a variância de um conjunto de dados. Apresente a fórmula. Aula 2 Variação e Herança 55 Um exemplo prático Com a fi nalidade de facilitar a compreensão do assunto, bem como proporcionar a você a chance de assimilar os cálculos necessários, a partir deste momento nossa aula se baseará no exemplo abaixo. Vamos conferir? Suponhamos que um melhorista, que pretende fazer seleção para maior produção de frutos, tenha plantado tomateiros em dois lotes adjacentes. Em um dos lotes (lote A) plantou uma variedade que ele supunha ter sufi ciente variabilidade genética para nela praticar a seleção. A fi m de garantir a variabilidade genética, plantou sementes colhidas, cada uma, de plantas diferentes. No outro lote (lote B) plantou sementes oriundas de uma linhagem pura, isto é, um conjunto de plantas geneticamente idênticas. Conforme veremos, o lote B foi instalado apenas para o melhorista avaliar a infl uência do ambiente sobre a produção. O melhorista atentou-se para oferecer as mesmas condições de solo, nutrientes e manejo para os dois lotes. Após a coleta dos dados, verifi caram-se as seguintes produções, em kg, para 28 plantas do lote A: 3,8; 7,3; 9,7; 4,2; 7,4; 8,6; 3,8; 6,6; 6,9; 5,6; 10,2; 6,2; 4,3; 2,6; 4,7; 5,4; 5,8; 8,8; 3,9; 10,4; 4,4; 9,0; 4,3; 7,3; 3,6; 6,2; 9,3; 5,9. Já para o lote B foram avaliadas 18 plantas: 5,2; 4,3; 6,1; 4,9; 3,8; 4,0; 4,8; 4,1; 6,0; 5,5; 6,1; 4,2; 3,9; 5,7; 5,9; 5,8; 5,2; 4,4. Se empregarmos a fórmula para calcular a variância fenotípica do lote B, a qual se baseia na amostra, obteremos um valor de 0,69 (kg)2 e média de 4,99 kg. Não estranhe que a unidade de variância é a mesma da média elevada ao quadrado. O que devemos fazer agora é interpretar o signifi cado desta variância dentro do lote B. Nesse caso, todas as plantas apresentam o mesmo genótipo e, portanto, as observações fenotípicas são tais que podem ser decompostas em 5, 2 = M + E1 4, 3 = M + E2 ... ... 4, 4 = M + E18 σ2F = 0 + σ 2 E Portanto, concluímos que a variabilidade da produção do lote B se deve apenas aos efeitos ambientais, já que todas as plantas apresentam o mesmo genótipo (¾2 G = 0). Assim, ¾2F = 0,69 = ¾ 2 E . No caso do lote A, a variância fenotípica calculada da mesma maneira que a do lote B, é igual a 4,98 (kg)2 com média igual a 6,29 kg. Para este lote, devemos representar as produções como se segue: 3, 8 = M + G1 + E1 7, 3 = M + G2 + E2 ... ... 5, 9 = M + G28 + E28 σ2F = 4, 98 + 0 + σ 2 G + σ 2 E Linhagem pura quando os descenden- tes são homozigotos e mantêm as mesmas características de um de seus ancestrais. Aula 2 Variação e Herança56 Esta variância fenotípica, então, é decomposta em uma parte referente à variância genotípica (¾2G) e outra parte à variância ambiental (¾ 2 E). Isso se deve ao fato de as produções diferirem não só pelas diferenças de ambiente entre as plantas, como também pelas diferenças genotípicas que há entre elas. Pelo modo como o melhorista instalou o ensaio, podemos admitir que a variabilidade ambiental no lote B é igual a do lote A (¾2EB = ¾2EA ). Desse modo, podemos proceder à se- guinte decomposição das variâncias, conforme Tabela 5. Tabela 4 – Decomposição das variâncias para os lotes A e B Variância (kg)2 Lote A Lote B Fenotípica 4,98 0,69 Genotípica 4,29 0,00 Ambiental 0,69 0,69 Média (kg) 6,29 4,99 Podemos observar que a variação genotípica do lote A foi obtida por diferença, isto é: lote A : σ2F = 4, 80 = σ 2 G + σ 2 E lote B : σ2F = 0, 69 = 0 + σ 2 E σ2F (lote A)− σ2F (lote B) = 4, 29 = σ2G Pelos resultados obtidos, concluímos que as diferenças nas produções de frutos do lote A são grandemente devidas às diferenças genotípicas entre as plantas, pois a variância ge- notípica (¾2G ) igual a 4,29 é bem maior do que a variância ambiental (¾ 2 E ), que é igual a 0,69. Nesse caso, concluímos ainda que as medidas fenotípicas são ótimas indicadoras dos respectivos valores genotípicos das plantas. O melhorista pode, então, ter uma confi ança razoável nas produções de frutos quando as utilizou para reconhecer as plantas genotipica- mente superiores. Coefi cente de herdabilidade No nosso exemplo, o valor da variância genotípica de 4,29 por si só não representa muito. O que interessa é sabermos quanto das diferenças fenotípicas é devido às diferenças genotípicas existe entre as plantas. Dessa forma, podemos defi nir herdabilidade como sendo a proporção da variância gené- tica sobre a variância fenotípica total, ou seja, a proporção herdável da varialibidade total. Esta proporção herdável é alterada pelo efeito do ambiente. Portanto, com o aumento da variabilida- de proporcionado pelo efeito do ambiente, a seleção de novos genótipos torna-se mais difícil. Podemos classifi car a herdabilidade em dois tipos: herdabilidade no sentido amplo e herdabilidade no sentido restrito. 6Atividade Aula 2 Variação e Herança 57 Herdabilidade no sentido amplo ( h2A ) Podemos defi ni-la como h2A(%) = σ2G σ2F × 100 = σ 2 G σ2G + σ 2 E × 100 Esta herdabilidade é denominada de herdabilidade no sentido amplo, já que computa toda a variação genotípica que tem como causa os modos de ação gênica aditiva, de dominância e de epistasia. Retomando nosso exemplo para o lote A, temos que h2A(%) = 86,1, pois ¾2G = 4,29 e ¾2E = 0,69. Herdabilidade no sentido restrito (h2R) A herdabilidade no sentido restrito é defi nida como h2R(%) = σ2A σ2F × 100 = σ 2 A σ2G + σ 2 E × 100 Esta herdabilidade é assim denominada porque computa apenas uma parte de toda a variação genotípica que tem como causa o modo de ação gênica aditiva. Para o melhorista, essa herdabilidade é a que realmente interessapara fi ns de seleção, pois ela contém apenas a parte que é transmitida às próximas gerações, que é a fração aditiva da variância genotípica. Entretanto, o seu cálculo envolve delineamentos experimentais apro- priados a fi m de isolar apenas a fração aditiva. A importância do coefi ciente de herdabilidade reside na relação que tem com a seleção. Quando selecionamos, visamos obter um grupo novo de indivíduos geneticamente e, portanto, fenotipicamente melhor do que o original. Para medir o sucesso de uma seleção, veremos a seguir como calcular o progresso com a seleção. Defi na herdabilidade no sentido amplo e restrito. Apresente as fórmulas para o cálculo de cada uma delas. Qual delas é mais importante para um programa de melhoramento genético? Justifi que sua resposta. Aula 2 Variação e Herança58 Estimação do progresso genético ou ganho com seleção Uma grande contribuição da Genética Quantitativa é a possibilidade de se estimar o ganho obtido com uma estratégia de seleção adotada pelo programa de melhoramento genético. Para medir o sucesso de uma seleção, devemos considerar três valores, referentes à característica em estudo: F 0 = média da característica na população original. FS = média da característica nos indivíduos selecionados da população original e que geram a população melhorada. FM = média da característica na população melhorada. Se a seleção não promover resultado positivo, então, podemos defi nir que FM = F 0 . Portanto, o progresso genético ou ganho com seleção é medido através da seguinte relação ΔG = FM − F 0. Voltemos ao nosso lote A, que assumido como a população original, apresentou F 0 = 6, 29 kg (média estimada somando-se todas as produções e dividindo-se por 28 plan- tas). Ainda não sabemos quanto a população melhorada irá produzir porque o melhorista não fi nalizou a seleção. O coefi ciente de herdabilidade, porém, poderá nos dar uma estimativa de quanto a população melhorada será superior à original. Uma estimativa do progresso ou ganho com seleção para este caso é dado por ΔGesperado = (FM − F 0)× h2 = ds× h2 em que ds é denominado diferencial de seleção e corresponde à (FM − F 0) Se o melhorista selecionar as cinco plantas mais produtivas dentro da população original, ele calculará a média da população selecionada ( FS ) como se segue FS = 1 5 (10, 4 + 10, 2 + 9, 7 + 9, 3 + 9, 0) = 9, 72 kg Portanto, ds = 9,72 – 6,29 = 3,43 kg e �Gesperado = 3,43 × 0,861 = 2,95 kg. Sendo ΔG = (FM − F 0) , então FM = F 0 + ΔG , o que para o exemplo em questão é FM = 6, 29 + 2, 95 = 9, 24 kg. Podemos representar em um gráfi co, as médias destas três populações a fi m de facilitar a visualização dos resultados (Figura 9). Na Figura 9, (Fo ) é a média da população original, (FS) é a média do grupo de plantas selecionados para serem os progenitores da população melhorada e (FM) a média da população melhorada. 6,29 Fo ds ∆G Fs Fm Populações Pr od uç ão (k g) 12 10 8 6 4 2 0 9,72 9,24 Aula 2 Variação e Herança 59 Figura 9 – Representação das médias das três populações: original (Fo ), de seleção (FS) e melhorada (FM) Fonte: Millor Fernandes do Rosário. Pelo gráfi co, notamos que a superioridade fenotípica das plantas selecionadas (ds = 3,43 kg) não é totalmente transmitida aos fi lhos quando a herdabilidade é inferior a 100%. No nosso exemplo, apenas 86,1% dessa superioridade das plantas mães é retida nos descendentes, ou seja, 2,95 kg. O progresso com seleção (�G) é comumente expresso em porcentagem da média da característica na população original. Isso porque, em valor absoluto, o �G é real apenas para as condições do ambiente no qual foi praticada a seleção. Preferimos, então, dizer que a população melhorada será tantos porcento melhor do que a original. Assim, o �G dado em porcentagem é ΔG(%) = ΔG F 0 × 100 Para os dados do nosso exemplo, temos ΔG(%) = 2, 95 6, 29 × 100 = 46, 9% Esperamos, assim, que a variedade de tomate melhorada produza, em média, 46,9% a mais em peso de frutos do que a original. Empregamos o termo “em média” devido ao fato de se tratar de uma característica quantitativa, pois haverá uma variação no peso de frutos. O coefi ciente de herdabilidade não é uma propriedade de certa característica, mas sim uma propriedade de uma população. No exemplo, vimos que a mesma característica tinha uma alta herdabilidade no lote A (h2 = 86,1%) e uma herdabilidade nula no lote B (h2 = 0), já que as plantas desse lote eram geneticamente idênticas. Modifi cações no valor da herdabi- lidade também podem ocorrer como consequência de alterações nas condições ambientais. Se instalássemos o lote A de plantas num terreno mais heterogêneo, a variância ambiental seria maior do que 0,69 e a herdabilidade, em consequência, menos do que 86,1%. Podemos, então, aumentar a herdabilidade uniformizando o ambiente. Outra maneira de aumentá-la é trabalharmos com populações geneticamente mais heterogêneas, cujas variâncias genéticas são maiores. Estaríamos, nesste caso, aumentando nossa probabilidade de encontrarmos bons genótipos, o que, nos termos da nossa discussão, signifi ca um aumento no progresso genético. 7Atividade Aula 2 Variação e Herança60 Dentro de um programa de melhoramento genético de milho foram obtidos alguns pa- râmetros genéticos para produtividade de grãos em toneladas por hectare. Esses parâmetros são apresentados a seguir: ¾2F = 4,90, ¾ 2 G = 2,30 , F 0 = 35 e FS = 45 . Pedimos para você calcular a variância ambiental ( ¾2 E ), a herdabilidade (h2), o diferencial de seleção (ds), o pro- gresso genético (�G ) em porcentagem da média da população original e a média da população melhorada (FM ). Confeccione um gráfi co demonstrando as médias da população original, de seleção e melhorada e discuta os resultados. Aula 2 Variação e Herança 61 Heterose ou vigor híbrido Pode ser defi nida como a diferença da média do F 1 em relação à média de seus pais. Temos então h = F 1 − 12(P 1 + P 2) em que h é o coefi ciente de heterose, F 1 é a média dos indivíduos F1 e 1 2 (P 1 + P 2) é média dos parentais. Esse coefi ciente pode ser positivo, quando os F1 são superiores à média de seus parentais, o que é certamente desejável pelos melhoristas. Mas pode também ser negativo, o que não é de interesse dos melhoristas. Não confunda o símbolo de heterose (h) como sendo a raiz quadrada da herdabilidade (h2). A heterose é mais pronunciada quanto mais divergentes (geneticamente diferentes) forem as raças ou linhagens envolvidas no cruzamento. Esse efeito genético é explorado nas espécies vegetais que se reproduzem de forma sexuada (espécies alógamas), como por exemplo, milho, e também em animais, como o frango que consumimos, que é um híbrido duplo. A heterose é causada pela heterozigose envolvendo ação gênica não aditiva (dominância, sobredominância e epistasia). Detalhamos cada uma delas a seguir: 1) Dominância: o maior valor adaptativo das progênies resultantes de cruzamentos é devido à reposição de genes dominantes em locos que nos parentais havia genes recessivos, em sua maioria deletérios, e que com o cruzamento passaram a homozigóticos; 2) Sobredominância (ação acumulada de alelos divergentes): o maior valor adaptativo das progênies resultantes de cruzamentos, em relação aos parentais puros, se deve ao fato de cada um dos alelos ter função diferente, ocorrendo no heterozigoto a soma das ações dos alelos divergentes; 3) Epistasia: o maior valor adaptativo das progênies resultantes de cruzamentos é devido, em parte, a interação entre pares de genes não alelos. Devido à complexidade dos tipos de interação possíveis entre os genes de locos diferentes é difícil avaliar o efeito da epistasia sobre a heterose. 8Atividade Aula 2 Variação e Herança62 Na obtenção de bovinoscompostos da raça Girolando foram obtidas as seguintes mé- dias para produção de leite, em litros por dia: P 1 = 40 (raça Gir), P 2 = 48 (raça Holandesa) e F 1 = 54 (Girolando). Solicitamos que você calcule a heterose. A seguir, apresente e discuta as causas da heterose. Através dos conceitos vistos nesta aula você pôde compreender a importância da Ge- nética Quantitativa para a condução de um programa de melhoramento. Certamente, nosso objetivo aqui não é a formação de um melhorista, mas esses conceitos lhe darão suporte para compreender detalhes específi cos de programas de melhoramento genético de espécies específi cas de vegetais e animais. Resumo Aula 2 Variação e Herança 63 Nesta aula, você compreendeu conceitos relacionados ao melhoramento genético e à Genética Quantitativa. Demonstramos a importância de excetuar programas de melhoramento Genético tanto para espécies vegetais quanto animais. Conceituamos os termos “seleção” e “cruzamento” e apresentamos a importância de cada um deles na condução de um programa de melhoramento genético. Definimos e ilustramos os três modos de ação gênica e como eles controlam as características quantitativas. Finalmente, você adquiriu conhecimentos sobre os fundamentos da Genética Quantitativa, incluindo cálculos relacionados a um exemplo aplicado a um programa de melhoramento genético de tomate. Autoavaliação Apresente a importância dos programas de melhoramento genético e como a Genética Quantitativa pode contribuir para o sucesso deles. Sugerimos que você apresente um exem- plo, incluindo os cálculos vistos nesta aula, para uma espécie animal. Anotações Aula 2 Variação e Herança64 Referências BESPALHOK FILHO, J. C.; GUERRA, E. P.; OLIVEIRA, R. A. Noções de genética quantitativa. Disponível em: <http://www.bespa.agrarias.ufpr.br/paginas/livro/capitulo%205.pdf>. Acesso em: 9 set. 2011. CRUZ, C. D. Princípios de genética quantitativa. Viçosa: UFV, 2005. 394p. FALCONER, D. S. Introdução à genética quantitativa. Tradução: ALMEIDA, M.; SILVA, J. C. Viçosa: UFV, 1987. 279p. PEREIRA, J. C. C. Melhoramento genético aplicado à produção animal. Belo Horizonte: FEP-MVZ, 1999. 496 pg. Anotações Aula 2 Variação e Herança 65 Anotações Aula 2 Variação e Herança66 Genética Molecular 3 Aula 1 2 3 4 5 6 7 Aula 3 Variação e Herança 69 Apresentação Nesta terceira aula serão abordados os principais conceitos relacionados à Genética Molecular. Serão relembrados alguns dos eventos que marcaram a história da Ge-nética Molecular, vistos na Aula 1 dessa disciplina. Em seguida, conheceremos a estrutura e função do DNA, o material que contém a informação genética. Nesse contexto, veremos que o DNA está organizado em diversos níveis e nomearemos e caracterizaremos cada um deles. Nessa mesma abordagem, veremos como o DNA, os genes e os cromosso- mos estão relacionados. Em seguida, estudaremos como se dá o fl uxo da informação genética na célula, conhe- cendo o processo de síntese de RNA, denominado de transcrição, e o processo de síntese de proteínas, denominado de tradução. Conheceremos a estrutura, função e as particularidades do código genético, o código descoberto na década de 1960 e que tem grande importância para a Genética. Por fi m, entenderemos como são as mutações, seus tipos e suas consequências. E você já sabe. Assim que fi nalizar a leitura dessa aula, acesse o fórum de dúvidas para registrar seus questionamentos, dúvidas ou sugestões. Essa é uma parte essencial para a consolidação do seu aprendizado. Bom estudo! Objetivos Defi nir o conceito de Genética Molecular. Descrever a estrutura e composição do DNA. Compreender como o material genético está organizado na célula. Reconhecer a relação existente entre DNA, gene e cro- mossomo. Descrever como se dá o fl uxo da informação genética. Descrever a estrutura, função e características do código genético. Reconhecer os processos de mutações, seus tipos e consequências. H 3 C CH 2 H H C P C C C CC C C NH N 0 0 0 0 0 Açucar Grupo fosfato Base nitrogenada 00 0 Aula 3 Variação e Herança 71 Conhecendo a genética molecular Na Aula 1- Genética Mendeliana, pudemos conhecer, dentre outros temas, as diversas fases que compreendem a Genética, as quais se destaca a Genética Molecular, principal objeto de estudo dessa aula. Se relembrarmos esse período, ele foi marcado pelas principais pesquisas realizadas após a descoberta da molécula do DNA, como a tecnologia do DNA recombinante, o método de sequenciamento de genomas desenvolvido por Sanger, a descoberta da PCR por Kari Mullys, o nascimento do primeiro clone animal, a ovelha Dolly e o sequenciamento do genoma humano, divulgado em 2001. Esses e outros feitos caracterizaram a era da Genética Molecular, que não somente se restringe a essas descobertas (para maiores detalhes sobre essas descobertas, vide as aulas que compõem a disciplina de Biotecnologia). A Genética Molecular vai mais além. Ela utiliza os fundamentos da Genética Clássica com foco na organização do material genético nas células, na estrutura e função dos genes a nível molecular e como as informações contidas nos genes são repassadas de geração para geração. E isso é o que veremos a seguir. Composição e estrutura do DNA O DNA (ácido desoxirribonucleico) é composto por unidades repetidas chamadas de nucleotídeos, formados por uma base nitrogenada (adenina, timina, guanina e citosina), um açúcar com cinco átomos de carbono (uma pentose chamada de desoxirribose) e um grupo fosfato (Figura 1). Figura 1 – Estrutura do nucleotídeo Fonte: <http://www.nutritotal.com.br/textos/fi les/44--nucleotideo.jpg>. Acesso em: 12 dez. 2011. H CH N C H N N C C N C N H H 2 3H H C O O C N H C C CH H H O C C H C H N C O N H H N H C N C H N C C N C H N H Base Adenina (A) Guanina (G) Timina (T) Citosina (C) PirimidinaPirimidinaPurinaPurinaPurina/Pirimidina Estrutura Química Representação Simplificada Aula 3 Variação e Herança72 As bases nitrogenadas que compõem o DNA pertencem a dois grupos: as purinas, que compreendem a adenina (A) e a guanina (G) e as pirimidinas, que compreendem a timina (T) e a citosina (C). Essa classifi cação é baseada na estrutura química de cada uma das bases nitrogenadas, como mostra a Figura 2. Figura 2 – Características das bases nitrogenadas: adenina, guanina, timina e citosina Fonte: <http://biomarista.vilabol.uol.com.br/quadro.jpg>. Acesso em: 12 dez. 2011. A-T Adenina e timina mantêm-se ligadas por duas pontes de hidrogênio (A=T). G-C Citosina e guanina mantêm-se ligadas por três pontes de hidrogênio (C= G). Os nucleotídeos que compõem o DNA estão dispostos ao longo de uma fi ta dupla, per- manecendo unidos entre si através de ligações fosfodiéster (grupo açúcar de um nucleotídeo ligado ao grupo fosfato do nucleotídeo seguinte). As fi tas de DNA apresentam orientação oposta: uma fi ta tem a direção 5’ para 3’ e a outra de 3’ para 5’, sendo denominadas de fi tas antiparalelas. Essas fi tas mantêm-se unidas entre si através de ligações de pontes de hidrogênio, havendo complementaridade entre os nucle- otídeos de ambas as fi tas de DNA: uma purina se liga a uma pirimidina no DNA para formar um par de bases. Seguindo essa regra, a regra do pareamento de bases, a adenina e timina ligam-se uma a outra para formar o pareamento A-T. Do mesmo modo, guanina e citosina ligam-se uma a outra para formar o par G-C. São estas pontes de hidrogênio as responsáveis pela manutenção da estrutura de dupla hélice do DNA (Figura 3). G T T T TA A A A A A A A A G G GG G G G Duas cadeias de nucleotídeos orienta-se em direção opostas. 3’ 5’ 3’ 5’ As bases ligam-se, formando degraus de uma escada helicoidal. As duas cadeias estão enroladas formando uma dupla hélice.. Entre as bases ocorre o pareamento de A com T e de C com G. Açúcar Base Fosfato Nucleotídeo Aula 3 Variação e Herança 73 Figura 3 – Estrutura do DNA Fonte: <http://perlbal.hi-pi.com/blog-images/427023/gd/1232838189/Tipos-de-Bases-Nitrogenadas.gif>. Acesso em: 12 dez. 2011. O quadro abaixo resume as principais características da molécula do DNA. Molécula que contém a informação genética Formado por nucleotídeos (base hidrogenada + açúcar + fosfato) Dupla hélice Fitas antiparalelas (5’ – 3’ e 3’ – 5’) Complementaridade das bases (A-T e C-G) Curvatura maior e curvatura menor Quadro 1 – Principais características da molécula do DNA 1 2 3 1Atividade Aula 3 Variação e Herança74 Sabe-se que a adenina faz par com a timina e que a citosina faz par com a guanina. Assim, conhecendo-se o nucleotídeo em uma das fi tas de DNA é possível determi- nar o nucleotídeo da fi ta complementar. Que nome recebe esse mecanismo? Respeitando-se a regra do pareamento de bases, se em uma das fi tas de DNA tivermos 20% de adenina, quais as porcentagens das demais bases desse DNA? Justifi que sua resposta. Pesquise as principais diferenças na estrutura e composição das moléculas de DNA e RNA. A T C G T A G C A T C G T A G C A T Os genes consistem de DNA, que por sua vez é formado pelos nucleotídeos Célula 23 pares de cromossomos O cromossomo é feito de genes Aula 3 Variação e Herança 75 Como está organizado o material genético na célula? Como já sabemos, o material genético (ou seja, o DNA) é a molécula que contém e transmite as informações hereditárias de geração para geração e se encontra no núcleo das células, situado nos cromossomos1. As informações contidas no DNA estão distribuídas em unidades fundamentais denominadas de genes. Figura 4 – Organização do material genético na célula Fonte: <http://www.oncolink.org/library/images/id818-1.gif>. Acesso em: 12 dez. 2011. Durante a divisão celular, especifi camente na metáfase, o DNA se encontra com o mais alto grau de compactação, que apresenta vários níveis. O primeiro é denominado de nucleossomo, um arranjo de DNA de aproximadamente 200 pares de bases, enovelado em oito unidades de proteínas denominadas histonas (H2a, H2b, H3 e H4). Em seguida, essas estruturas estão organizadas em forma de solenoide devido à presença da histona H1, formando uma estrutura denominada de fi bra de cromatina, com aproximadamente 30nm de espessura. Os demais níveis de organização, um pouco menos compreendidos, envolvem a espiralização da fi bra de cromatina seguida pela ligação a uma matriz cromossômica constituída de proteínas denominada topoisomerases (Figura 5). 1 Notem que esse conceito se aplica aos organismos eucariotos, uma vez que, nos organismos procariotos, o DNA também está contido em um cromossomo extracromossomial denominado de plasmídeo. Para maiores detalhes, vide a Aula 3 – Tecnologia do DNA Recombinante I, da disciplina Biotecnologia. Nanômetro (nm) Unidade de comprimento pertencente ao sistema internacional de medidas que equivale ao bilionési- mo do metro, ou seja, 1,0 x 10-9metros. DNA- dupla hélice DNA Cromatina 2¹m 20¹m 200¹m 700¹m 1000¹m Histona Centrômero Cromátides Cromossomas Nucleossoma Aula 3 Variação e Herança76 Figura 5 – Níveis de organização da informação genética Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_mBGeAYDHcnA/SybFeUylnVI/AAAAAAAAAOI/_QwTAD2GcXI/s400/dna_cromossomas_estrutura_1.png>. Acesso em: 12 dez. 2011. E os genes? Os genes determinam os traços hereditários, como a cor do cabelo ou dos nossos olhos e até como ocorrem as reações químicas do nosso organismo. Eles fazem isso fornecendo instruções sobre como cada atividade em cada célula do nosso corpo deve ser realizada (para maiores detalhes sobre o conceito de genes, vide Aula 7 – Genoma Humano, da disciplina de Biotecnologia). Os genes podem ser pequenos, compostos por 1000 pares de bases, ou longos, com- postos por milhares de pares de bases. Seu número é variável entre as espécies, sendo que os humanos podem ter de 30 mil a 40 mil genes. Dependendo do tipo de organismo, eucarioto ou procarioto, a sua estrutura é diferenciada. Vamos conhecer essas diferenças? O gene de organismos procariotos, em geral, não possui íntrons (sequencias não codifi - cantes) e se caracterizam por apresentar um trecho compreendido entre o códon de iniciação da síntese proteica (usualmente ATG ou TTG) e um dos três códons para terminação da síntese proteica (designados aqui por stop), que determina a sequência de aminoácidos do polipeptídeo fi nal, ou seja, do produto do gene. Promotor ATG RBS Cds ou ORF Stop Terminador mRNA 5’-UTR 3’-UTR Proteína +1 Aula 3 Variação e Herança 77 Esse trecho é frequentemente designado como quadro aberto de leitura (ORF = do inglês open reading frame) ou sequência codifi cadora (CDS = coding sequence). Antes dele estão o promotor (onde se liga a RNA polimerase) e o sítio ligador de ribossomo (RBS = ribosome binding site ou RRS = ribosome recognition site), sequência que, quando transcrita para o mRNA, irá permitir o pareamento deste com um trecho complementar da subunidade menor do ribossomo. Após a ORF, há o sinal de parada da transcrição. A transcrição da região do terminador provoca a formação de um grampo no RNAm nascente, seguido de um poli-U, que interrompe a síntese de RNA. A Figura 6 mostra em detalhes as estruturas acima citadas. Figura 6 – Estrutura de um gene procarioto Fonte: <http://www.ufpe.br/biolmol/Genetica-Medicina/genes-estrutura_e_organizacao.htm>. Acesso em: 12 dez. 2011. A transcrição do DNA, que começa numa base dentro da região promotora e termina no grampo de terminação, gera o mRNA. A análise da fi gura a seguir (Figura 7) mostra que o RNAm tem um segmento antes do códon de iniciação (AUG) que não será traduzido. Esse trecho de mRNA é designado 5’- UTR (região 5’ não traduzida; UTR = untranslated region) e pode ter dezenas de bases na maioria das bactérias. Da mesma forma, após o códon de termi- nação da tradução, há um trecho de mRNA não traduzido, designado como região 3’- UTR. Este segmento pode ter também várias dezenas de bases. A função das regiões UTR nas bactérias nem sempre é clara. No caso da 5’-UTR, ela contém o sítio ligador de ribossoma, sem o qual nenhuma síntese de proteína é possível. Figura 7 – RNAm transcrito de um gene procarioto Fonte: <http://www.ufpe.br/biolmol/Genetica-Medicina/genes-estrutura_e_organizacao.htm>. Acesso em: 12 dez. 2011. CAT TATA Stop Terminador ? ATG 5’-UTR 3’-UTR S Promotor +1 Introns = sequências intercalares Exos = sequências codificantes Aula 3 Variação e Herança78 Já os genes dos eucariotos costumam ter, cada um, sua região controladora. Há poucos exemplos de transcritos de RNA com vários genes, que são, entretanto, comuns nas bactérias. Esses genes são compostos por regiões transcritas e não traduzidas nas extremidades 5’ e 3’, sequencias não codifi cantes (íntrons) intercalados com sequencias codifi cantes (exons), além das suas regiões regulatórias, sendo a região promotora caracterizada pelas sequencias TATA ou CAT (Figura 8). Figura 8 – Estrutura do gene eucarioto Fonte: <http://www.ufpe.br/biolmol/Genetica-Medicina/geneeucarioto1.gif>. Acesso em: 12 dez. 2011. O promotor, como nos procariotos, pode conter uma sequência de 6 a 8 bases, rica em A e T, conhecida como caixa TATA. Esta sequência varia um pouco de posição, mas costuma estar a 25 bases do início da transcrição do RNA(que determina a base +1). A caixa CAT está mais acima (5’) e tem uma posição menos conservada. Eventualmente, pode não existir. No gene eucarioto, o códon de iniciação da síntese proteica (ATG) está quase no meio do primeiro exon. Esta posição é muito variável e o códon pode até mesmo estar no segundo ou no terceiro exon. Todas as bases antes dele vão formar a região 5’ não traduzida. 1 2 3 2Atividade Aula 3 Variação e Herança 79 As questões abaixo se referem ao conceito de cromossomo e gene: O que são os cromossomos? O que são os genes? Como os genes determinam o fenótipo de um organismo? 4 5 Aula 3 Variação e Herança80 Qual o conceito de íntron e exon? Cite as principais diferenças na estrutura e organização dos genes de organismos eucariotos e procariotos. A que se atribui essa diferença? DNA Núcleo Processamento do RNA RNA mensageiro RNAm maduro Formação da cadeia polipeptídica Ribossoma Proteína Citoplasma Aminoácidos RNA1 Transcrição Tradução DNA RNA Proteínas Aula 3 Variação e Herança 81 Agora que já vimos como está organizada a informação genética, como será o fl uxo dessa informação? Para responder a essa pergunta, vamos iniciar os nossos estudos conhecendo o Dogma Central da Biologia, segundo o qual, o fl uxo da informação genética ocorre no seguinte sentido: Desse modo, há duas etapas diferentes envolvidas nesse processo: a transcrição, que consiste na síntese de RNA a partir do DNA; e a tradução, que consiste na síntese de proteínas a partir do RNA (Figura 9). Figura 9 – Processo de transcrição e tradução Fonte: <http://fi les.soniafranco.webnode.com/200000092-32b6033afd/dbio-1.jpg>. Acesso em: 12 dez. 2011. A transcrição, ou seja, a síntese de RNA a partir da molécula de DNA (apenas de uma das fi tas), constitui a etapa inicial do fl uxo da informação genética e é realizada no núcleo da célula, fato que confi rmou que o DNA é o molde utilizado na síntese de RNA. A síntese de RNA é catalisada pela enzima RNA polimerase, que, nas células eucarióticas, apresenta três tipos, RNA polimerase I, II e III. Nesse processo, podemos destacar três etapas: Stop codon para a RNA Polimerase RNA polimerase Abertura de dupla fita de DNA Iniciação da transcrição Alongamento da fita de RNA na direção 5” para 3’ Produção da fita de RNA Pequena região de DNA/RNA Terminação e liberração da RNA polimerase e da fita completa de RNA 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ Códon de inicialização da transcrição Dupla fita de DNA Pomoter Aula 3 Variação e Herança82 1) Iniciação: Ligação da RNA polimerase à região promotora e atuação dos fatores de transcrição; 2) Alongamento: Cópia da sequencia de DNA pela RNA polimerase; 3) Término: Encontro da RNA polimerase ao sinal de terminação e liberação da molécula de RNA recém-sintetizada. A fi gura abaixo ilustra essas etapas. Promotor Sequencia curta de DNA localizados à montante do gene, a 200pb do sítio de início da transcrição, e tem como função iniciar a transcrição. Fatores de transcrição Proteínas que auxiliam na etapa inicial da transcrição. Sinal de terminação ou sequencia de terminação É uma sequencia de nucle- otídeos que indica o fi nal da transcrição. Figura 10 – Etapas da transcrição do RNA Fonte: Adaptado de <http://www.enq.ufsc.br/labs/probio/disc_eng_bioq/trabalhos_pos2003/genetica/rna002.png>. Acesso em: 12 dez. 2011. O RNA originado do processo de transcrição é denominado de RNA mensageiro (RNAm)2 complementar à molécula de DNA utilizada como molde para a sua síntese. A fi ta molde tem orientação 3’-5’, enquanto a fi ta complementar do DNA, denominada de fi ta não molde, tem orientação 5’-3’. Além disso, a fi ta não molde possui a mesma sequência de nucleotídeos da 2 Vale ressaltar que além do RNA mensageiro há o RNA ribossômico (RNAr) e o RNA transportador (RNAt), que atuam ativamente na síntese de proteínas. Há, ainda, o RNA de interferência (RNAi), recentemente descoberto. 5’ GATCTCTAATTGCTACTAGCGGATTCACTGACTAGACTAGCATCATGG 3’ DNA-Fita não molde 3’ CTAGAGATTAACGATGATCGCCTAAGTGACTGATCATGATCGTAGTACC 5’ DNA-Fita molde 5’ GAUCUCUAAUUGCACUAGCGGAAUUCACUGACUAGACUAGCAUCAUCC 3’ RNAM Aula 3 Variação e Herança 83 fi ta de RNA (substituindo-se T por U3), sendo também denominada fi ta sense, enquanto a fi ta molde é denominada antisense (Figura 11). Figura 11 – Fita dupla de DNA (fi ta molde e não molde) e a fi ta de RNA transcrita Fonte: Lilian Giotto Zaros Relembrando os tipos e funções do RNA Além do RNA mensageiro, que contém a informação para a síntese de proteí- nas, há o RNA ribossômico (RNAr) e o RNA transportador (RNAt). Assim como o DNA, os três tipos de RNA são moléculas poliméricas consideravelmente me- nores por conterem ribose em vez de desoxirribose e uracila em vez de timina. O RNA mensageiro compreende somente cerca de 5% do RNA da célula e é o tipo mais heterogêneo de RNA em termos de tamanho. O RNAm transporta a informação genética do DNA para o citoplasma, onde é usado como molde para a síntese de proteínas. Apresenta uma longa sequência de nucleotídeos adenina (uma “cauda poli-A”) no 3’-terminal da cadeia de RNA e uma “cabeça” na região 5’ terminal chamada de cap 5’. O RNA ribossômico é encontrado em associação com uma série de proteínas diferentes, como componente dos ribossomos, as estruturas complexas que servem como sítios para a síntese de proteínas. O RNA transportador tem a forma de trevo. Existe no mínimo um tipo específi co de molécula de RNAt para cada um dos 20 aminoácidos comumente encon- trados nas proteínas. Juntos, eles constituem cerca de 15% do RNA da célula. Cada RNAt serve como um “adaptador”, que transporta seu aminoácido especí- fi co ao sítio de síntese de proteínas. Lá, ele reconhece o termo do código gené- tico que especifi ca a adição de seu aminoácido à cadeia peptídica em formação. É no RNAt que está o anticódon, sítio que reconhece um códon do RNAm. 3 Na molécula de RNA, a timina (T) é substituída pela uracila (U). Aula 3 Variação e Herança84 Já no processo de tradução, a informação genética contida no RNAm é codifi cada ou traduzida numa sequência de aminoácidos. Esse processo conta com a participação do RNAm, RNAt, ribossomos e aminoácidos. Assim como a transcrição, a tradução é dividida em etapas: 1) Iniciação: Ligação de uma molécula de RNAm à subunidade menor do ribossomo, mediada por um fator de iniciação da tradução4, seguida pela ligação da molécula de RNAt ao códon de iniciação AUG na molécula de RNAm. 2) Alongamento: Os RNAt ligados aos aminoácidos são transportados ao sítio A do ribossomo por complementariedade códon/anticódon. O RNAt seguinte, que traz um novo aminoácido, se acopla ao sito P do ribossomo, constitui uma ligação peptídica entre os aminoácidos e assim sucessivamente; 3) Terminação: O alongamento procede até que o complexo encontre o códon de terminação ou stop codon. Há fatores de terminação que clivam o peptídeo produzido, seguido pela dissociação do ribossomo. A função do rRNA é auxiliar a ligação do mRNA e do tRNA ao ribossomo. O ribossomo primeiramente liga-se a um sítio de iniciação na sequência do mRNA. Este sítio consiste no códon AUG, que especifi ca o aminoácido metionina. O ribossomo então liga o tRNA a sua su- perfície, de modo que possa haver pareamento entre o tRNA e o mRNA. O ribossomo move-se ao longo da sequência de mRNA, códon por códon, no sentido usual 5’ para 3’. Este, então, desliza ao longo do mRNA a cada três bases, alinhando o códon seguinte para o reconheci- mento por outro tRNA com o próximo aminoácido. À medida que cada códon é processado, um aminoácido é traduzido pela interaçãoentre mRNA e tRNA. A ligação entre o códon e o anticódon coloca o aminoácido apropriado na posição seguinte no ribossomo para formação de uma ligação peptídica com a ponta carboxila e a cadeia polipeptídica crescente. Quando o ribossomo chega a um códon fi nalizador na sequência de mRNA, termina a tradução e a formação de polipeptídeo. Quando a síntese está completa, o mRNA, o ribossomo e o polipetídeo se separam um do outro e o polipeptídeo é, então, liberado para o citoplasma (Figura 12). 4 Assim como na transcrição, na tradução também há fatores iniciadores, que são proteínas que auxiliam no início da tradução. 3Atividade Códon iniciador Stop códon Movimento ribossômico mRNA tRNA 5 ribossomos lendo o mesmo RNA sequencial Cadeia polipeptídica nascente Polipeptídeo completo AUG 5’ 3’ UAG 3OS 5OS Aula 3 Variação e Herança 85 Figura 12 – Processo de tradução Fonte: <http://www.icb.ufmg.br/lbcd/grupo6/genp445.gif>. Acesso em: 12 dez. 2011. Neste tópico da aula vimos como se dá o fl uxo da informação genética, desde a trans- crição, que originou a molécula de RNAm até a tradução, que dá origem às proteínas. Para aprofundar mais o seu conhecimento, descreva detalhadamente esses dois processos. UUU Fenilalanina UUC Fenilalanina UCU Serina UCC Serina UCA Serina UCG Serina UAU Tirosina UAC Tirosina UAC Cisteína UGC Cisteína UAC Parada UAC Triptofano CGU Arginina CGC Arginina CGA Arginina CGG Arginina UAC Serina UAC Serina AGA Arginina AGG Arginina GGU Glicina GGC Glicina GGA Glicina GGG Glicina UAA Parada UAG Parada CAU Histidina CAC Histidina CAA Glutamina CAG Glutamina AAU Asparagina AAC Asparagina AAA Lisina AAG Lisina GAU Aspartato GAC Aspartato GAA Glutamato GAG Glutamato CCU Prolina CCC Prolina CCA Prolina CCG Prolina ACU Treonina ACC Treonina ACA Treonina ACG Treonina GCU Alanina GCC Alanina GCA Alanina GCG Alanina U U U C A G 1 L ET RA a 3 L ET RA a 2 LETRAa U C A G U C A G U C A G C C A A G G UUA Leucina UUG Leucina CUU Leucina CUC Leucina CUA Leucina CUG Leucina AUU Isoleucina AUC Isoleucina AUA Isoleucina AUG Metionina GUU Valina GUC Valina GUA Valina GUG Valina Aula 3 Variação e Herança86 O código genético Se fi zermos uma consulta nos principais sites de busca pela internet veremos que a grande maioria apresenta uma defi nição errônea sobre o código genético. Esses sites trazem a defi nição de que o código genético é sinônimo de genoma. Vamos ver o que isso tem de errado? A informação genética, armazenada nos cromossomos e transmitida às células fi lhas através da replicação do DNA, é expressa através da transcrição em RNAm e subsequente tradução em cadeias polipeptídicas, como vimos anteriormente nesta aula. O processo de tradução requer um código genético, através do qual a informação contida na sequência de ácidos nucleicos é expressa para produzir uma sequência especifi ca de aminoácidos. A simples lógica nos leva a pensar que, se os pares de nucleotídeos são as letras em um código, então a combinação de letras poderia formar palavras representando diferentes amino- ácidos. Desse modo, o código genético é a correspondência entre uma determinada trinca de nucleotídeos do RNA e um determinado aminoácido na proteína. Assim, a leitura da informação contida no RNA mensageiro (RNAm) se dá em trincas, chamadas de códons, ou seja, cada sequência de três bases do RNAm está associada a um dos 20 diferentes aminoácidos ou a um sinal de início ou de parada da síntese de proteínas. Desse modo, o código genético possui 64 códons, pois são 64 as combinações possíveis dos quatro tipos de nucleotídeos em trincas. Durante a tradução do código, os códons do RNAm são lidos de maneira não sobreposta, como se houvesse uma janela que deslizasse de trinca em trinca, permitindo a chegada dos RNA transportadores (RNAt) carregando os aminoácidos constituintes do anticódon. Estes são ligados, posteriormente, uns aos outros obedecendo a ordem determinada pela ordem dos códons do RNAm. Esta associação entre os códons e os aminoácidos correspondentes constitui o código genético (Figura 13). Trinca de nucleotídeos Combinação de três nucleotídeos para formar um aminoácido. Códons Trincas e códons são sinônimos. Os códons se encontram na sequencia de RNAm que serão lidos para formar uma aminoácido. Figura 13 – O código genético Fonte: Mori et al (2009). Aula 3 Variação e Herança 87 Em teoria, são possíveis variações quase infi nitas na disposição das bases ao longo de uma cadeia polinucleotídica. Uma vez que existem 20 aminoácidos diferentes e apenas quatro bases diferentes de RNA, uma única base não pode especifi car cada aminoácido. Em qualquer posição existem quatro possibilidades (A, T, C, G). Assim, existem 4n combinações possíveis em uma sequência de n bases. O texto abaixo ilustra quais são essas possibilidades. Número de letras no código Ao lermos uma molécula de RNAm a partir de uma determinada ponta, apenas uma, dentre quatro bases diferentes, A, U, G ou C, pode ser encontrada em cada posição. Portanto, se as palavras tivessem apenas uma letra, só seriam pos- síveis quatro palavras. Isto não poderia ser o código genético, pois temos que ter uma palavra para cada um dos 20 aminoácidos comumente encontrados nas proteínas celulares. Se as palavras tivessem duas letras de comprimento, então 42 =16 palavras seriam possíveis. Por exemplo: AU, CU ou CC. Esse vocábulo ainda não é sufi cientemente grande para ser lido e traduzido, mas, se as palavras tivessem três letras, então 43 = 64 palavras seriam possíveis. Por exemplo: AUU, GCG ou UGC. Este código fornece palavras mais que sufi cientes para descrever os aminoácidos. Assim, podemos concluir que o código genético deve constituir pelo menos três nucleotídeos. Entretanto, se todas as palavras forem trincas, teremos então um considerável excesso de palavras possíveis a mais das 20 necessárias para indicar os aminoácidos comuns. Fonte: Adaptado de Grifths et al (1996). As características do código genético Agora que já relembramos alguns conceitos sobre como a informação genética contida no DNA é repassada para as gerações seguintes, vamos ver como o código genético foi decifrado. Decifrar o código genético, determinando os aminoácidos especifi cados para cada trinca, foi uma das maiores conquistas das últimas décadas. Uma vez que as técnicas experimen- tais necessárias tornaram-se disponíveis, o código genético foi rapidamente decifrado. Isso aconteceu na década de 60, quando Marshall W. Nirenberg, Robert Holley e Gobind Khorana demonstraram, de modo elegante e apurado, que o código consiste em códons, cada um composto por uma trinca de bases nitrogenadas. Dos 64 códons (RNAm) possíveis, três indicam o fi m de um gene, e são conhecidos como códons fi nalizadores (ou sem sentido ou stop codons) porque designam o termino da tradução do mRNA neste ponto. São eles: UAA, UGA e UAG. Os outros 61 especifi cam aminoácidos. Como existem apenas 20 aminoácidos essenciais, isto signifi ca que a maioria dos ami- noácidos pode ser especifi cada por mais de um códon. Por exemplo, a leucina e a arginina são especifi cadas por seis códons. Apenas a metionina e o triptofano são, cada um deles, Aula 3 Variação e Herança88 especifi cados por um único códon. Por esse motivo, o código genético é dito redundante ou degenerado. Embora um determinado aminoácido possa ser especifi cado por mais de um códon, cada um deles só pode designar um aminoácido. Essa redundante descoberta é fundamental para, entre outras coisas, compreendermos que nem toda alteração no código genético leva a uma doença. Uma alteração de TTT para TTC, por exemplo, não deverácausar absolutamente nenhuma alteração no fenótipo de um individuo, porque ambos codifi cam o mesmo aminoácido. Porém há alterações na sequência de ácidos nucleicos que podem resul- tar em um aminoácido inapropriado, sendo inserido na cadeia polipeptídica, potencialmente causando uma doença ou mesmo a morte do organismo. Outra característica do código genético é a sua universalidade, sendo utilizado por diferentes formas de vida e pelo fato de sua linguagem ser traduzida de acordo com as regras universais. Virtualmente, todos os organismos vivos usam os mesmos códigos de DNA para especifi car aminoácidos. Uma exceção conhecida a essa regra é a das mitocôndrias, que têm suas próprias moléculas de DNA extranuclear. Vários códons do DNA mitocondrial codifi cam aminoácidos diferentes dos códons do DNA nuclear. Por fi m, o código genético é extremamen- te conservado. As mesmas trincas correspondem aos mesmos aminoácidos, seja em seres humanos, seja em bactérias. Agora podemos responder a nossa pergunta inicial As sequências do genoma que podem ser traduzidas em proteínas correspondem a genes. O código genético não pode ser usado como sinônimo de genoma por duas razões: a primeira delas é porque o genoma corresponde a todo o material genético de uma célula haploide do organismo, isto é, o genoma equivale à sequência completa de nucleotídeos, quer de segmentos gênicos ou não. Além disso, o genoma corresponde à sequência da informação e não às regras (código) com que tais sequências devem ser traduzidas. Bastante frequente também em artigos encontrados em diversos meios de comunicação é a referência errônea à “decifração do código genético” como sinônimo de “determinação da sequência de bases do genoma”. O código é único para todos os organismos e foi decifrado na década de 60, como anteriormente apresentado. Não só o termo “código genético” é usado de forma errada, como também os méritos dessa descoberta são erroneamente atribuídos a outros pesquisadores que se dedicaram a estudos correlatos. Recentemente Marshall W. Nirenberg, um dos descobridores do código genético, desabafou a sua revolta ao comentar o livro de autoria de Matt Ridley (2006), cujo título é: Francis Crick: discoverer of the genetic code. Nessa entrevista, publicada na Scientifi c American Brasil em dezembro 2007, Nirenberg ressalta o trio Marshall W. Nirenberg, Robert Holley e Gobind Khorana (laureados com o prêmio Nobel de 1968) como os responsáveis pela interpretação do código genético e de sua função na síntese de proteína. 4Atividade Aula 3 Variação e Herança 89 Leia com atenção as afi rmativas abaixo, analise sua veracidade e justifi que sua resposta: a) Decifrar o código genético signifi ca determinar os aminoácidos especifi cados para cada trinca de nucleotídeos. b) O código genético não é redundante. c) Três bases codifi cam um aminoácido. Aula 3 Variação e Herança90 d) O código genético é universal. e) Códons são trincas de nucleotídeos do RNAm. f) Anticódons são trincas de nucleotídeos contidas no RNAt. g) Códons de terminação são aqueles que indicam o início de um gene. Sequência de DNA AAATTT Proteína normal Proteína baixa ou que não funciona AATTTT AACTTT Pessoa 1 Pessoa 2 Pessoa 3 Algumas variações de DNA não têm efeitos negativos Outras variações levam a doenças ( por exemplo, a célula falciforme) ou à suscetibilidade elevada a doenças ( por exemplo, câncer no pulmão) Aula 3 Variação e Herança 91 Figura 14 – Exemplo de mutações Fonte: <http://static.hsw.com.br/gif/dna-14.jpg>. Acesso em: 12 dez. 2011. As mutações chamadas de mutações gênicas são aquelas que alteram a sequência de nucleotídeos do DNA, por substituição, adição ou deleção de bases. Essas mutações podem conduzir à modifi cação da molécula de RNAm que é transcrita a partir do DNA e, consequen- temente, alterar a proteína produzida, o que tem, geralmente, efeitos no fenótipo. Mutação por substituição de bases É aquela na qual uma base na sequencia de nucleotídeos é substituída por outra. Elas podem ser: Mutações: conceito, tipos e consequências Mutações são alterações na sequência dos nucleotídeos de um organismo, que podem ou não acarretar danos, confi gurando ou não o desenvolvimento de uma anomalia ou doença (Figura 14). Mutações gênicas As mutações cromossômi- cas serão vistas na Aula 6 dessa disciplina. ErroSequência original Sequência original A A T T T T TC C C CCG G G G GA A A Sequência mutante Sequência mutante Sequência mutante C GA A T A TT T T TC C C G G GA A A A T A T A T C G C G C G C G G C G T A T A Sequência original A T A A T T C G C G C G C G C G C GC G T A A A A T A T A T C G C G C G C GC G T A T A A T A T C G C G C G C GC G T A T A Su bs tit ui çã o In se rç ão De le çã o Aula 3 Variação e Herança92 Figura 15 – Principais tipos de mutações Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_dWNjPOC9Ys4/SxGc_Mxyd1I/AAAAAAAAAF0/cp9OASqqZsA/s1600/15.JPG>. Acesso em: 12 dez. 2011. � Mutação silenciosa: Substituição de uma base do DNA por outra (no 3º nucleotídeo do códon) que não altera o aminoácido codifi cado, devido à redundância do código genético. São muito comuns e responsáveis pela diversidade genética que não é expressa fenoti- picamente. � Mutação com perda de sentido: Substituição de uma base do DNA por outra, que tem como consequência a substituição de um aminoácido por outro na proteína codifi cada. A conformação da proteína pode ser alterada. (ex: anemia falciforme). � Mutação sem sentido (nonsense): Substituição de uma base do DNA que altera um có- don no RNAm que especifi ca um aminoácido para um códon de terminação (stop codon). Origina uma proteína mais curta ou mais longa do que a proteína normal. Mutação por adição de bases ou inserção É aquela na qual há adição de uma ou mais bases na sequência de nucleotídeos. A adi- ção de um número que não seja múltiplo de três altera completamente a mensagem do gene. Quando é inserida uma sequência igual a outra, ocorre uma duplicação. Mutação por deleção de bases É aquela na qual há remoção de uma ou mais bases na sequência de nucleotídeos. A remoção de um número de bases que não seja múltiplo de três altera completamente a mensagem do gene. A fi gura abaixo resume os principais tipos de mutações. Resumo Cromossom 11 normal Cromossom 11 Mutante 6º códon cadeia ¯ GAB Ác. GLU 6º códon cadeia ¯ GTB VAL s a b Aula 3 Variação e Herança 93 Um exemplo clássico de mutações que alteram a proteína codifi cada é a doença cha- mada de anemia falciforme, caracterizada pela alteração dos glóbulos vermelhos do sangue, tornando-os parecidos com uma foice, daí o nome falciforme. Essas células têm sua membrana alterada e rompem-se mais facilmente, causando anemia. Essa doença é causada por uma substituição de uma timina por uma adenina na sequencia de bases do gene que codifi ca a hemoglobina (Hb). Essa substituição altera o aminoácido ácido glutâmico para valina, alterando o formato e função das hemácias (Figura 16 a e b). Figura 16 – a – hemácias normais e hemácias em forma de foice, característica da anemia falciforme e b – representação esquemática da mutação gênica Fonte: (A) <http://i.plugbr.net/2010/02/anemia-falciforme.gif>; (B) <http://www.scielo.br/pdf/jbpml/v39n1/v39n1a10.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2011. Nesta aula, você pôde conhecer o conceito de Genética Molecular, passando a reconhecer os principais eventos que marcaram essa fase de Genética. Pôdeperceber a importância dos eventos anteriores à Genética Molecular e que possibilitaram o desenvolvimento e implantação de muitas técnicas, métodos e conceitos atuais. Você conheceu a estrutura e composição do DNA, molécula que contém a informação genética das células e ainda compreendeu os níveis de organização desse material na célula, entendendo também a relação existente entre DNA, gene e cromossomo. Em seguida, compreendeu como se dá o fl uxo da informação genética, desde DNA até o RNA e, consequentemente, até as proteínas. Por fi m, você conheceu a estrutura, função e características do código genético e compreendeu o conceito de mutações, seus tipos e consequências. 5’ - ATA.GAG.CCC.TCA.ACC.GGA.ATG.GCT.TCT.AAC.TTT.ACT.CAG.TTC. GTA.GTC.GTG.CCA.GTA.TTT.ACC.GAC.GAA.TGG.ATG.AGC.TCC.GGC.ATC. TAC.TAA.TAG.ACG.CCG.GCC.ATT. - 3’ 1 50 90 100 60 70 80 10 20 30 40 50 90 100 60 70 80 10 20 30 40 5’ - G.AUA.GAG.CCC.UCA.ACC.GGA.AUG.GCU.UCU.AAC.UUU.ACU.CAG.UUC. GUA.GUC.GUG.GAA.UGG.AUG.AGC.UCC.GGC.AUC.UAC.UAA.UAG.ACG.CCG. GCC.AUU.AAAA A AAAAAAAAA - 3’ Aula 3 Variação e Herança94 Autoavaliação A sequência abaixo se refere a uma fi ta de DNA eucarioto e a respectiva fi ta de RNAm transcrita a partir dela, na qual os nucleotídeos estão numerados de 10 em 10. Responda: a) Por que a fi ta de RNA não corresponde inteiramente à fi ta de DNA? b) Qual o processo que ocorreu para a formação do RNAm acima exemplifi cado? Em que parte da célula ele ocorre? Aula 3 Variação e Herança 95 c) Qual a sequência de aminoácidos do polipeptídeo traduzido do RNAm? Referências DISCIPLINA de Genética: Ênfase no genoma humano e nas doenças genéticas. Disponível em: <http://www.ufpe.br/biolmol/Genetica-Medicina>. Acesso em: 22 nov. 2011. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996. 856p. ______. An introduction to genetics analysis. 7. ed. Nova Iorque: Freeman, 1999. KLUG, W. S. et al. Conceitos de genética. 9. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2010.896p. MORI, L.; PEREIRA, M. A. Q. R. Meiose e as Leis de Mendel. Disponível em: <http://www. ib.usp.br/microgene/fi les/manuais-7-PDF.pdf>. Acesso em: 10 ago. 2011. WATSON, J. DNA: o segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470p. Anotações Aula 3 Variação e Herança96 Genética de Populações 4 Aula 1 2 3 4 5 6 7 Aula 4 Variação e Herança 99 Apresentação Nas duas primeiras aulas você foi apresentado a conceitos relacionados à Genética Mendeliana e à Genética Quantitativa, incluindo suas importâncias. A visão Mendeliana compreende o controle de uma característica por um ou poucos genes; já a visão Quantitativa compreende o controle de uma característica por muitos genes. Para esta quarta aula, você será apresentado à Genética de Populações, que compreende o estudo das frequências alélicas e genotípicas nas populações e as forças capazes de alterar essas frequências ao longo das gerações. Ressaltamos, que estas três Genéticas (Mendeliana, Quantitativa e de Populações) são complementares e auxiliam pesquisadores e melhoristas de espécies animais e vegetais que têm o objetivo de compreender como as características quantitativas são controladas geneticamente. Sugerimos que você releia as Aulas 1 e 2 desta disciplina, a fi m de facilitar a compreensão dos conceitos e da discussão apresentados aqui. Faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Bom estudo! Objetivos Descrever o histórico da Genética de Populações. Defi nir conceitos básicos em Genética de Populações. Estabelecer as condições para que o equilíbrio de Hardy-Wein- berg seja válido. Defi nir o teorema do equilíbrio de Hardy-Weinberg. Descrever e comentar as propriedades de uma população em equilíbrio de Hardy-Weinberg. Detalhar os fatores que alteram as frequências alélicas e genotípicas. Descrever e discutir a lei do equilíbrio de Wright. a b c Aula 4 Variação e Herança 101 Histórico Gregor Mendel, em 1865, postulou as bases para a compreensão dos mecanismos que governam a herança genética em situações em que os genótipos dos progenitores são conhecidos e os cruzamentos são realizados de maneira totalmente controlada. Com a redescoberta das Leis de Mendel, em 1900, além da Genética Mendeliana, a Genética Quantitativa e a Genética de Populações foram impulsionadas e diversos pesquisadores pas- saram a contribuir nessas áreas. Contudo, nesse período, ainda não se sabia como prever o comportamento dos genes em populações naturais de reprodução sexuada que não sofriam nenhuma interferência humana. Alguns fatos relevantes forneceram as bases para o desenvolvimento da Genética de Po- pulações bem como a publicação, em 1908, do teorema de Hardy-Weinberg. Vamos conferi-los: � 1902: o estatístico G.U. Yule (Figura 1a) descreve que se membros de uma população F2 segregando para um único par de alelos (tal como A e a), se cruzassem ao acaso, produ- ziriam as mesmas proporções desses três tipos de indivíduos (AA, Aa e aa) nas próximas gerações. Entretanto, Yule se equivocou sobre o que aconteceria se todos os indivíduos de um mesmo genótipo fossem excluídos dessa população; � 1903: o melhorista animal norte-americano W.E. Castle (Figura 1b) desenvolve um princípio relacionado às frequências genotípicas em uma população ideal constituída por indivíduos de reprodução sexuada e que se acasalam ao acaso. Castle demonstra que, se a seleção parasse de acontecer em qualquer geração, uma nova proporção genotípica se estabele- ceria de maneira estável; � 1904: o estatístico K. Pearson (Figura 1c) deriva os resultados esperados para uma simu- lação onde p = q, em que p seria a frequência do alelo A e q a do alelo a, com p + q = 1, em uma situação sem a ação da seleção; Figura 1 – (a) G.U. Yule; (b) W.E. Castle; (c) K. Pearson Fonte: (a) <http://www.gap-system.org/~history/Posters/626b.html>; (b) <http://www.nceas.ucsb.edu/~alroy/lefa/Castle.html>; (c) <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Karl_Pearson.jpg>. Acesso em: 28 dez. 2011 1Atividade a b c Aula 4 Variação e Herança102 � 1908: após o discurso de R.C. Punnett (Figura 2a) sobre a “Herança Mendeliana no Homem”, na Royal Society of Medicine, Yule declara que, se cruzamentos fossem rea- lizados ao acaso, seria esperado encontrar três pessoas braquidáctilas para cada uma normal, já que esta é uma característica dominante. Punnett acreditava que Yule estava errado, mas não sabia como provar. Então, Punnett leva esse problema ao seu amigo e ma temático G.H. Hardy (Figura 2b). � Julho de 1908: Hardy, que já conhecia os achados de Pearson, deriva e publica um ensaio sobre as proporções Mendelianas em uma população de cruzamento ao acaso. De acordo com Hardy, a frequência com que diferentes genótipos surgiriam numa próxima geração dependia exclusivamente das frequências dos alelos presentes na geração anterior, seguin- do um modelo simples de distribuição binomial. Além disso, se nenhum fator interferisse na transmissão desses genes, tais frequências alélicas e genotípicas permaneceriam inal- teradas ao longo das gerações. Logo, as conclusões de Yule estavam incorretas. � Janeiro de 1908: estas mesmas conclusões já tinham sido apresentadas pelo médico ale- mão W. Weinberg (Figura 2c) em um trabalho publicado sobre a herança da gemelaridade. Apresente uma linha do tempo em que constem as principais contribuições para que a Genética de Populações pudesse se desenvolver como ciência. Figura 2 – (a) R.C. Punnett; (b) G.H. Hardy; (c) W. Weinberg Fonte: (a) <http://www.dnaftb.org/5/bio.html>; (b) <http://www.librosmalditos.com/fi les/ramanujan.php>; (c) <http://anthro.palomar.edu/synthetic/synth_2.htm>. Acesso em: 28 dez. 2011. Pessoa braquidáctilaAquela que apresenta dedos muito curtos. Gemelaridade Situação em que se verifi ca a gestação de mais do que um feto no útero. Dessa forma, o teorema que é a fundamentação da Genética de Populações passou a ser conhecido como “princípio do equilíbrio de Hardy-Weinberg”, ou então, como alguns atualmente preferem chamar, “equilíbrio de Castle-Hardy-Weinberg”. Aula 4 Variação e Herança 103 Mas antes de apresentarmos formalmente esse teorema, defi niremos alguns conceitos importantes para facilitar a sua compreensão e discussão posteriores. Conceitos importantes � Genética de Populações: estuda as frequências alélicas e genotípicas nas populações e as forças capazes de alterar essas frequências ao longo das gerações. � População: conjunto de indivíduos da mesma espécie, que ocupam o mesmo local, apre- sentam uma continuidade no tempo e possuem a capacidade de se cruzarem ao acaso, portanto, trocar alelos entre si. � Cruzamento ao acaso ou panmixia: aquele em que cada indivíduo de um dos sexos tem probabilidade igual de se cruzar com qualquer indivíduo do sexo oposto; cada gameta tem a mesma chance de se cruzar com qualquer outro. � Cruzamento preferencial: aquele infl uenciado pelo fenótipo dos indivíduos aptos à repro- dução. Podem ser de dois tipos: a) positivos – quando fenótipos semelhantes se atraem, não alterando as frequências alélicas, apenas as genotípicas; b) negativos – quando fenó- tipos divergentes se atraem, alterando tanto as frequências alélicas quanto as genotípicas. � Cruzamento endogâmico: aquele em que indivíduos com algum grau de parentesco se cruzam. � Consanguinidade ou endogamia: probabilidade de que dois alelos (A 1 e A 2 ) presentes neste indivíduo, de um mesmo loco, sejam idênticos por descendência, ou seja, Fi = Pr (A1 e A2) . � População Mendeliana: grupo de indivíduos da mesma espécie que se acasalam ao acaso, compartilham do mesmo conjunto gênico e apresentam propriedades numa dimensão de espaço e de tempo. � Conjunto gênico ou pool gênico ou reservatório gênico: constituído por todos os genes de uma população. � Segregação Mendeliana: binômio (a+b)n, em que a é a probabilidade de que o evento ocorra, b de que não ocorra e n é o número de alelos envolvidos. � Frequências genotípicas: proporções dos diferentes genótipos para um determinado gene na população. � Frequências gênicas ou alélicas: proporções dos diferentes alelos de um gene na po- pulação. Para uma espécie diploide (cada loco tem dois alelos, A 1 e A 2 ), a soma das frequências de A 1 e A 2 será sempre igual a unidade; independente da população ou de quaisquer suposições. Em geral, a frequência de A 1 = f (A 1 ), será simbolizada por p e, a de A 2 = f(A 2 ), por q. Portanto, p + q = 1. 2Atividade Aula 4 Variação e Herança104 Defi na Genética de Populações, população, panmixia, cruzamento preferencial, cruzamen- to endogâmico, endogamia, população Mendeliana, conjunto gênico, segregação mendeliana, frequências genotípicas e frequências gênicas ou alélicas. a b c Aula 4 Variação e Herança 105 Vamos ilustrar o cálculo das frequências genotípicas e alélicas? Suponhamos que em um determinado rebanho existam distribuídos ao acaso 2000 ani- mais da raça Shorthorn, sendo 900 de pelagem vermelha (Figura 3a), 1000 vermelho-branca (Figura 3b) (ruão) e 100 branca (Figura 3c), conforme Tabela 1. Figura 3 – (a) pelagem vermelha; (b) pelagem vermelho-branca (ruão); (c) pelagem branca Fonte: (a) <http://www.wikihow.com/Image:Nearhouse-Rob-Roy.jpg>; (b) <http://www.wikihow.com/Image:Cavans-Waterloo-Winsome.jpg>; (c) <http://www.wikihow.com/Image:Meyer-White-Cow.jpg>. Acesso em: 28 dez. 2011. Assim, podemos escrever que: Tabela 1 – Número de animais em cada classe fenotípica Fenótipo N Genótipo Vermelha n 1 = 900 B 1 B 1 Vermelho-Branca n 2 = 1000 B 1 B 2 Branca n 3 = 100 B 2 B 2 Total N = n 1 + n 2 + n 3 = 2000 O primeiro passo será o cálculo da frequência genotípica: � Freq. do genótipo B1B1 = D = n1 N = 900 2000 = 0, 45 � Freq. do genótipo B1B2 = H = n2 N = 1000 2000 = 0, 50 � Freq. do genótipo B2B2 = R = n3 N = 100 2000 = 0, 05 3Atividade Aula 4 Variação e Herança106 Portanto, D + H + R = 1,0 O segundo passo será o cálculo da frequência alélica: � Freq. do alelo B1 = p = 2n1 + n2 2N = n1 + 0, 5n2 N = D + 0, 5H � Freq. do alelo B1 = p = 2× 900 + 1000 2× 2000 = 900 + 500 2000 = 0, 70 � Freq. do alelo B2 = q = 2n3 + n2 2N = n3 + 0, 5n2 N = R + 0, 5H � Freq. do alelo B2 = q = 2× 100 + 1000 2× 2000 = 100 + 500 2000 = 0, 30 Portanto, p + q = 1,0 Suponha que a partir da avaliação médica de 650 pacientes para uma doença de que causa manchas na pele, os pesquisadores evidenciaram que um loco com dois alelos (G 1 e G 2 ) seja o responsável por ela. Do total de pacientes avaliados, 84 apresentaram genótipo G 1 G 1 (manchas pretas), 446 foram G 1 G 2 (manchas avermelhadas) e 120 foram G 2 G 2 (manchas brancas). Agora, calcule as frequências dos alelos G 1 e G 2 , bem como as frequências genotípicas. 4Atividade Aula 4 Variação e Herança 107 Condições para o equilíbrio de Hardy-Weinberg 1) Espécies diploides em que as gerações sejam discretas. 2) Reprodução sexual, com a produção de gametas através da meiose e posterior fecundação (gameta masculino + gameta feminino). 3) Ausência de migração: indivíduos entrando ou saindo da população, pois eles acrescentam ou removem genes do conjunto gênico original. 4) Ausência de mutação: surgimento de novo alelo ou mudança de um alelo já existente no patrimônio gênico da população. 5) Ausência de seleção natural: podendo manter com igual chance qualquer gene do seu conjunto, sem que nenhum tenha a tendência de ser eliminado. 6) Cruzamento ao acaso (panmixia): todos os cruzamentos podem ocorrer com igual proba- bilidade, casualmente, permitindo uma perfeita distribuição dos seus genes entre todos os seus indivíduos. Uma população assim é conhecida como população panmítica (do grego pan, total, e miscere, mistura). 7) População infi nita, a qual, de fato, não existe na natureza. Apresente, resumidamente, as sete condições para que o equilíbrio de Hardy-Weinberg seja válido. Geração discreta indivíduo nasce, cresce, reproduz e morre; não há sobreposição entre gera- ções, por exemplo, fi lhos, pais e avós. Aula 4 Variação e Herança108 Teorema do equilíbrio de Hardy-Weinberg Na ausência de seleção, mutação e migração, uma grande população de cruzamento aleatório mantém constantes as frequências gênicas e as frequências genotípicas, geração após geração. Diz-se que a população, nessas condições, está em equilíbrio. Na demonstração dessa propriedade consideram-se três passos. � Os progenitores e os gametas que produzem; � A união dos gametas e genótipos dos zigotos produzidos; � Os genótipos dos zigotos e as frequências gênicas da progênie (geração seguinte). Consideremos o exemplo a seguir para demonstrarmos o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Na geração parental (F 0 ): Essa geração produz dois tipos de gametas, A 1 e A 2 , sendo a frequência de A 1 = p = D + 0,5 H e a de A 2 = q = R + 0,5 H, conforme já visto. O cruzamento aleatório equivale à união ao acaso dos gametas para formar os zigotos da geração parental, cujos genótipos (dos zigotos) têm frequências iguais ao produto das frequências dos gametas (Quadro 1). Gametas A 1 A 2 Resumo Frequência p q Frequências genotípicas A 1 p A1A1p2 A 1 A 2 pq A 1 A 1 p2 A 1 A 2 2pq A 2 A 2 q2 A 2 q A1A2pq A 2 A 2q2 D H R Quadro 1 – Representação esquemática das frequências alélicas e genotípicas no equilíbrio de Hardy-Weinberg Na coluna do resumo, as frequências genotípicas de equilíbrio são descritas pela equação: p2 + 2pq + q2 = 1 Calculando-se as frequências gênicas da progênie a partir das frequências genotípicas, temos: A 1 = p2 + 0,5 (2pq) = p (p+q) = p e A 2 = q2 + 0,5 (2pq) = q (p+q) = q. Prova-se, assim, que as frequências gênicas da progênie são as mesmas da geração parental, isto é, p e q. Frequências gênicas Frequências genotípicas A 1 A 2 A 1 A 1 A 1 A 2 A 2 A 2 p q D H R 5Atividade Aula 4 Variação e Herança 109 Defi na o equilíbrio de Hardy-Weinberg. Considerado um loco com dois alelos (D 1 e D 2 ), quais são as frequências alélica e genotípica das três classes genotípicas após uma geração de panmixia? Você pode organizar um quadro para resumir sua resposta. Aula 4 Variação e Herança110 Propriedades de uma população em equilíbrio de Hardy-Weinberg � A população é estável com respeito às frequências gênicas e genotípicas; � As frequências genotípicas da progênie são determinadas apenas pelas frequências gênicas da geração parental; � O equilíbrio é estabelecido em apenas uma geração de cruzamento aleatório, independen- temente das frequências genotípicas da geração anterior; � Uma população em equilíbrio tem uma relação entre frequências gênicas e frequências genotípicas defi nida pela equação p2 + 2pq + q2 = 1. � Numa população constituída de indivíduos diploides, a proporção de heterozigotos (H = 2pq) nunca excede a 0,50. � A proporção ou o número de heterozigotos é duas vezes a raiz quadrada do produto das duas proporções (ou número) dos homozigotos, pois H = 2 (DR)0,5 H 2 = 4 (DR). Vamos assumir que os esquimós da Islândia têm as seguintes frequências gênicas e genotípicas dos alelos M e N, apresentadas na Tabela 2. Tabela 2 – Frequências gênicas e genotípicas observadas e esperadas na população de esquimós Frequência gênica observada Frequência genotípica observada Frequência genotípica esperada M = p = 0,57 MM = D = 0,312 MM = p2 = 0,325 N = q = 0,43 MN = H = 0,515 MN = 2pq = 0,490 NN = R = 0,173 NN = q2 = 0,185 Dessa forma, as frequências genotípicas esperadas para as condições de equilí- brio, calculadas a partir das frequências gênicas, são bastante próximas das observadas. Poderíamos lançar mão do teste do χ2 para testar, estatisticamente, se a população de esquimós atende às proporções do equilíbrio de Hardy-Weinberg. Vamos testar, considerando que esta população é composta por 500 esquimós? 6Atividade Aula 4 Variação e Herança 111 Para tanto, podemos organizar a Tabela 3, que segue abaixo. Dessa forma, o valor do χ2 calculado foi de 1,380. Através da tabela da distribuição do χ2, podemos encontrar que o valor do χ2 tabelado, considerando 1 grau de liberdade e 5% de probabilidade, é de 3,84. Portanto, χ2 calculado é menor do que o χ2 tabelado, ou seja, para o loco, cujos alelos são M e N, a população de esquimós adere às proporções do equilíbrio de Hardy-Weinberg. Quais são as propriedades de uma população em equilíbrio de Hardy-Weinberg? Tabela 3 – Frequência observada e esperada e teste do χ2 Genótipo Observada Esperada [(Fo – Fe)2]/Fe MM 0,312 × 500 = 156 0,325 × 500 = 163 0,300 MN 0,515 × 500 = 258 0,490 × 500 = 245 0,689 NN 0,173 × 500 = 86 0,185 × 500 = 92 0,391 Total 500 500 1,380 Original Original Cópia correta Cópia mutante Aula 4 Variação e Herança112 Fatores que alteram as frequências alélicas e genotípicas � Processos sistemáticos: Tendem a modifi car as frequências alélicas de maneira previsível tanto em quantidade como em direção. Ex: mutação, migração e seleção natural. � Processos dispersivos: ocorre em pequenas populações pelo efeito de amostragem, sendo previsível em quantidade, mas não em direção. Ex: deriva genética, princípio do fundador e sistemas de cruzamento. 1) Processos sistemáticos a) Mutação: fenômeno genético que origina novos alelos nas populações (Figura 4). Sua ocorrência é muito rara, na ordem de 10–4 a 10–8 mutantes por geração, isto é, um em dez mil ou cem milhões de gametas é mutante. Assim, sua importância só ocorre se ela for recorrente, ou seja, se o evento mutacional se repetir regularmente com uma dada frequência. Portanto, o efeito da mutação em uma população só pode ser observado em longo prazo. Além disso, existem condições em que, mesmo ocorrendo mutação, a população permanece em equilíbrio. Devido aos valores tão baixos, em curto prazo, as mutações não são capazes de interferir no equilíbrio de Hardy-Weinberg. Figura 4 – Representação da substituição de uma base nitrogenada originalmente visualizada pela barra cinza e em barra verde no mutante Fonte: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=586>. Acesso em: 28 dez. 2011. b) Migração: as frequências alélicas podem ser rapidamente alteradas nas populações lo- cais de uma espécie através do fl uxo gênico com outras populações adjacentes (Figura 5). Isso somente irá acontecer se as populações envolvidas apresentarem frequências alélicas diferentes entre si ou se a migração dos indivíduos for diferencial em termos dos alelos que estes carregam. Tais diferenças normalmente são encontradas em populações que se tornam parcialmente ou totalmente isoladas umas das outras por um período Aula 4 Variação e Herança 113 longo de tempo. Sendo assim, o fl uxo gênico muitas vezes acaba sendo um mecanismo de retardamento do processo evolutivo. Isso porque, se em um determinado ambiente um alelo é eliminado pela ação de outro fator evolutivo, como a seleção natural, ele pode ser reposto pelos imigrantes provenientes de regiões onde esse mesmo alelo não estaria sob tal efeito. O fl uxo gênico é uma fonte de variação similar à mutação no sentido de que novos alelos podem ser inseridos em uma população. Entretanto, em curto prazo, ele pode ser mais efi ciente em produzir mudanças nas frequências alélicas tendo em vista que uma quantidade maior de alelos podem ser nela introduzidos. Figura 5 – Representação do fl uxo gênico da população de besouros cinzas para a população de besouros verdes Fonte: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=586>. Acesso em: 28 dez. 2011. c) Seleção natural e artifi cial: se um determinado genótipo tem comparativamente uma maior efi ciência em passar os seus genes para a próxima geração, a tendência será de au- mento na quantidade de cópias de um alelo em detrimento de outros, até que os genótipos menos favorecidos sejam eliminados da população (Figura 6). A seleção se fundamenta justamente no fato de que os indivíduos diferem em viabilidade e fertilidade e, por isso, contribuem com um número desigual de descendentes para a próxima geração. Logo, a seleção pode ser defi nida como “a reprodução e sobrevivência diferenciais de genótipos”. Figura 6 – Representação de como a seleção natural, através do pássaro que se alimenta apenas de besouros verdes, age selecionando os besouros cinzas devido ao fato de apresentarem camufl agem ao habitat em que vivem Fonte: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=586>. Acesso em: 28 dez. 2011. Aula 4 Variação e Herança114 2) Processos dispersivos a) Deriva genética: fenômeno aleatório e não por critérios de adaptação através do qual certos alelos podem ter a sua frequência subitamente aumentada, enquanto os outros alelos podem simplesmente desaparecer. Pode ocorrer, por exemplo, quando de desastres ecológicos, como incêndios fl orestais, inundações, desmatamentos, etc., podem reduzir drasticamente o tamanho de uma população que os poucos sobreviventes não são amos- tras representativas da população original, do ponto de vista genético(Figura 7). Figura 7 – Representação de como a deriva genética, através do esmagamento de mais besouros verdes do que cinzas, atua aumentando a frequência alélica dos besouros cinzas e diminuindo a dos besouros verdes Fonte: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fi chaTecnicaAula.html?aula=586>. Acesso em: 28 dez. 2011. b) Princípio do fundador: é um caso extremo de deriva genética em que uma nova população é “fundada” por um ou poucos indivíduos, seja porque a população ancestral sofreu uma diminuição drástica, seja porque um pequeno número de indivíduos de uma população migrou para outra região, onde deu origem a uma nova população. Também é conhecido como efeito gargalo de garrafa (Figura 8). Nessas condições, os indivíduos que iniciaram a nova população, por serem poucos, geralmente não constituem uma amostra represen- tativa da população original. Há casos em que uma única fêmea grávida funda uma nova população. Essa fêmea obviamente não possuirá uma amostra signifi cativa dos diferentes tipos de alelos presentes na população original. Figura 8 – Representação do princípio do fundador ou efeito de gargalo de garrafa Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/especiacao/especiacao-1.php>. Acesso em: 28 dez. 2011. 7Atividade Aula 4 Variação e Herança 115 c) Sistemas de cruzamento: quando os cruzamentos são preferenciais, como acontece quando uma fêmea prefere cruzar com um determinado tipo de macho, ou um macho se acasala com um número maior de fêmeas que os seus concorrentes, entra em ação a seleção sexual. Esse evento evolutivo pode alterar de maneira profunda a distribuição dos genes nas populações de reprodução sexuada. Por outro lado, os cruzamentos endo- gâmicos, embora não alterem as frequências dos alelos ao longo das gerações, levam a um aumento na frequência de genótipos homozigotos em detrimento dos heterozigotos. Ou seja, nesse tipo de situação, a população sai do equilíbrio de Hardy-Weinberg sem, no entanto, sofrer alterações nas suas frequências alélicas. Um loco somente sofrerá altera- ções nas suas frequências alélicas se ele possuir alelos recessivos nocivos, mascarados nos indivíduos heterozigotos. Esse efeito é conhecido como depressão endogâmica, pelo fato dele levar ao surgimento de certa quantidade de indivíduos com baixa viabilidade e/ou fertilidade. Ele é bastante comum em espécies de fertilização cruzada que são forçadas a realizarem autofecundação, como acontece quando estas são fragmentadas em pequenos grupos que fi cam isolados uns dos outros, sendo também muito comum em plantas ou animais cultivados/criados pelo homem. Apresente, resumidamente, os fatores que alteram as frequências alélicas e genotípicas em uma população. Aula 4 Variação e Herança116 Lei do equilíbrio de Wright O equilíbrio de Hardy-Weinberg considera cruzamentos ao acaso. Entretanto, é muito comum na natureza e mesmo na produção animal e vegetal que os cruzamentos sejam con- sanguíneos ou endogâmicos. Nestes, a endogamia (a probabilidade de que os dois alelos presentes em um determinado loco sejam idênticos por descendência) é um fator que altera as frequências alélicas e genotípicas. Dessa forma, a endogamia provoca o surgimento de um desvio de panmixia (F > 0) que pode ser mensurado através do equilíbrio de Wright, proposto por S. Wright, em 1921. O coefi ciente de endogamia de um individuo I é dado por:FI = Σ(0,5) n 1 +n 2 +1(1 + FA), em que n 1 = número de gerações, partindo-se de um progenitor (pai) até o ancestral comum; n 2 = número de gerações, partindo-se do outro progenitor (mãe) até o ancestral comum; F A = coefi ciente de endogamia do ancestral comum. O coefi ciente de endogamia também pode ser calculado de acordo com o que apresen- tamos na Tabela 4. Tabela 4 – Comparação entre o equilíbrio de Wright e o de Hardy-Weinberg Genótipo Wright Hardy-Weinberg A 1 A 1 D = p2+Fpq D = p2 A 1 A 2 H = 2pq(1–F) H = 2pq A 2 A 2 R = q2+Fpq R = q2 Dessa forma, o coefi ciente de endogamia pode ser defi nido por F = 4DR−H 2 4DR−H2 + 2H . Note que se F = 0, temos o equilíbrio de Hardy-Weinberg, ou seja, cruzamentos ao acaso; se F > 0, temos o equilíbrio de Wright; se 0 < F< 1, então uma parte da população pratica cruzamentos panmíticos e outra parte cruzamentos endogâmicos; somente de F = 1, toda a população pratica cruzamentos endogâmicos. Apresentamos na Tabela 5 um esquema para que você possa compreender os efeitos da endogamia sobre as frequências genotípicas para uma espécie vegetal que pratica autofecun- dação, como por exemplo, tomate. Consideremos que f(A) = p = 0,60 e f(a) = q = 0,40. A heterozigosidade é calculada considerando o número de locos heterozigóticos (Aa, Bb, por exemplo) em relação ao número total de locos. Já o índice de panmixia é defi nido como sendo a relação entre a heterozigosidade observada e a esperada. 8Atividade Aula 4 Variação e Herança 117 Tabela 5 – Alterações das frequências genotípicas a cada ciclo de autofecundação Gerações Genótipos Heterozi gosidade observada Heterozi gosidade esperada Índice de panmixia Índice de endogamiaAA Aa aa 0 0,36 0,48 0,16 0,48 0,48 1,000 0,000 AA Aa aa 1 0,36+0,12 0,12 0,24 0,12 0,16+0,12 0,24 0,48 0,500 0,500 0,48 0,24 0,28 2 0,48+0,06 0,06 0,12 0,06 0,28+0,06 0,12 0,48 0,250 0,750 0,54 0,12 0,34 3 0,54+0,03 0,03 0,06 0,03 0,34+0,03 0,06 0,48 0,125 0,875 0,57 0,06 0,37 N 0,60 0,00 0,40 0,00 0,48 0,000 1,000 Note pela Tabela 5 que a cada ciclo de autofecundação, o número de heterozigotos (Aa) está sendo reduzido pela metade, enquanto que os homozigotos (AA e aa) estão dividindo equitati- vamente essa redução. Ao fi nal de N ciclos de autofecundação espera-se que as frequências de AA e aa corresponda exatamente às frequências alélicas de A e a, respectivamente. Atente-se também ao fato de que ao longo das gerações a f (A) = p = 0,60 e f(a) = q = 0,40 se mantêm constantes; apenas as frequências genotípicas se alteram. Entre- tanto, na geração N, f(A) = f(AA) e f(a) = f(aa). Salientamos que basta apenas uma geração de cruzamentos ao acaso (panmixia) para que os coefi cientes de endogamia sejam anulados e a população retorne ao equilíbrio de Hardy-Weinberg. Defi na o equilíbrio de Wright. Quais são as diferenças entre este e o equilíbrio de Hardy-Weinberg? Discuta. Resumo Aula 4 Variação e Herança118 Com o estudo da Genética de Populações, você complementou os estudos relacionados à Genética Mendeliana e Quantitativa. Além do histórico e de alguns conceitos importantes, você tomou contato com o teorema de Hardy- Weinberg que rege a Genética de Populações, bem como aprendeu a calcular as frequências alélicas e genotípicas. Entretanto, para que este Teorema seja válido, defi nimos e discutimos tanto os pressupostos quanto as consequências de uma população nessa condição. Também comentamos sobre o equilíbrio de Wright, que considera cruzamentos não aleatórios, e quais as consequências deste tanto para as frequências alélicas quanto genotípicas. Por fi m, você pôde compreender a importância da Genética de Populações que em associação com a Mendeliana e Quantitativa são a base dos programas de melhoramento genéticos de espécies vegetais e animais. Autoavaliação Apresente a importância da Genética de Populações e suas relações com a Gené- tica Mendeliana e Quantitativa. Para facilitar, sugerimos que você releia as Aulas 1 e 2 desta disciplina. Anotações Aula 4 Variação e Herança 119 Referências BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. Porto Alegre: Editora Artmed, 2001. 459p. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à análise genética. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2008. 712p. NUNES, R. P. Métodos para a pesquisa agronômica. Fortaleza: UFC / Centro de CiênciasAgrárias, 1998. 564p. SNUSTAD, D. P.; SIMMONS, M. J. Fundamentos de Genética. Rio de Janeiro: Editora Guanabara-Koogan, 2008. 903p. SOUZA, R. F. Noções de genética de populações: o Equilíbrio de Hardy-Weinberg. Disponível em: <http://www.uel.br/pessoal/rogerio/6bio026/textos/genetica_populacoes_ zootecnia.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2011. Anotações Aula 4 Variação e Herança120 Determinação Cromossômica do Sexo 5 Aula 1 2 3 4 Aula 5 Variação e Herança 123 Apresentação Nesta aula, veremos como alguns cromossomos, em espécies específi cas, determinam se um indivíduo será do sexo masculino ou feminino, e que existem diferenças na composição desses cromossomos entre grupos de organismos diferentes. Logo em seguida, vamos ver que as alterações no número desses cromossomos, em seres humanos, são responsáveis por anomalias e malformações. Para compreender os assuntos abordados nesta aula, é necessário que você leia aten- tamente os conceitos, faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Aproveite a aula e bom estudo! Objetivos Apresentar e caracterizar os sistemas simples e múltiplos de determinação cromossômica do sexo. Explicar como surgem os sistemas múltiplos. Compreender como certos problemas durante a divisão meiótica, envolvendo cromossomos sexuais, geram in- divíduos com anomalias e síndromes. Apresentar as anomalias relacionadas às alterações no número de cromossomos sexuais. XY 1Atividade Aula 5 Variação e Herança 125 O que é cromossomo sexual? Em organismos que possuem cromossomos sexuais, estes são os responsáveis por deter-minar se o indivíduo será masculino ou feminino, pois possuem genes que determinam o sexo, sendo chamado também de alossomos ou heterocromossomos. O restante dos cromossomos, chamados de autossomos ou de cromossomos somáticos, possuem a maioria dos genes de uma espécie, responsáveis por outras características do organismo. Durante a meiose, quando os cromossomos formam os bivalentes na fase de dia- cinese, observa-se que certas regiões desses cromossomos sexuais permanecem não pareadas (Figura 1). Isso acontece para que não ocorra recombinação gênica dentro de determinados segmentos cromossômicos, provavelmente aqueles onde se situam genes relacionados a diferenciação sexual. Bivalente Se refere ao pareamento entre dois cromossomos homólogos visto na fase de diacinese da meiose I, em que, além de pareados, esses cromossomos se encontram duplicados e bem contraídos. Diacinese É uma das fases da prófase I da meiose em que os cromossomos atingem seu grau máximo de condensação antes que a primeira divisão meiótica (metáfase I) ocorra. Dioico ou dioicia Quando se tem a ocor- rência de organismos masculinos e organismos femininos separadamente para uma determinada espécie. Figura 1 – Pareamento na meiose de um cromossomo Y com um X, hipotéticos, semelhante ao que acontece em várias espécies de animais. As regiões cromossômicas em branco representam o pareamento entre eles Fonte: Modifi cado de Guerra (1988). Esses cromossomos sexuais podem ser encontrados nas células de organismos ditos dioicos, mas não em todos, pois alguns organismos, como a maioria das plantas, não apre- sentam tais cromossomos e possuem os genes de determinação do sexo nos autossomos. Qual a importância dos cromossomos sexuais? Cite exemplos de espécies animais ou vegetais que possuem tais cromossomos. YX X X YX XX XX X Y Óvulo Masculino Feminino Feminino Masculino Aula 5 Variação e Herança126 Determinação cromossômica do sexo: sistemas simples Embora a determinação do sexo seja sempre devida à ação gênica, nas espécies que apresentam cromossomos sexuais diz-se que há uma determinação cromossômica do sexo. Nesses casos há, em geral, apenas um par de cromossomos sexuais que participam dessa determinação, constituindo os sistemas de cromossomos sexuais simples. Vamos conhecer agora quais são os sistemas simples de determinação cromossômica do sexo? Sistema XY Nos mamíferos, incluindo o homem, o sexo é determinado pelo sistema XY. Nesse sis- tema, o indivíduo masculino produz dois tipos de espermatozoides, em que metade possui um cromossomo sexual X e a outra metade possui o Y, além dos autossomos. Já o indivíduo feminino produz gametas contendo apenas o cromossomo X, mais os autossomos. Dessa forma, o gameta masculino é o responsável pela determinação do sexo do descendente. Se o óvulo for fertilizado por um espermatozoide que possui cromossomo Y, consequentemente, o zigoto terá um cromossomo X e um Y, isso quer dizer que o sexo do fi lho será masculino. Caso contrário, se o óvulo for fertilizado por um espermatozoide contendo o X, o zigoto terá dois cromossomos X, e o sexo dele será feminino (Figura 2). Figura 2 – Representação da constituição dos cromossomos sexuais no sistema XY Fonte: <http://www.colegioweb.com.br/biologia/determinacao-do-sexo-por-cromossomos-sexuais-.html>. Acesso em: 5 ago. 2011. Aula 5 Variação e Herança 127 Nos seres humanos, o indivíduo masculino possui 44 autossomos mais XY, e o indiví- duo feminino tem 44 autossomos mais XX (Figuras 3 e 4). Existem diferenças no tamanho dos cromossomos X e Y, e também na composição e número de genes, mas mesmo assim, esses cromossomos sexuais são homólogos e pareiam-se na meiose, porém o pareamento do cromossomo X com o Y é parcial, devido ao pequeno tamanho do cromossomo Y e também para evitar que genes que determinam o sexo sejam trocados entre ambos. Figura 3 – Cariótipo de um homem mostrando os 44 cromossomos autossomos e os dois sexuais, X e Y Fonte: <www.chromoscitogenetica.com.br>. Acesso em: 2 ago. 2011. Figura 4 – Cariótipo de uma mulher mostrando os 44 cromossomos autossomos e os dois sexuais, X e X Fonte: <www.chromoscitogenetica.com.br>. Acesso em: 2 ago. 2011. Aula 5 Variação e Herança128 Quando se analisam células mitóticas de mamíferos do sexo feminino na interfase po- demos visualizar uma estrutura arredondada chamada de corpúsculo de Barr ou cromatina sexual (Figura 5a). Esse corpúsculo nada mais é do que um dos cromossomos X em estado contraído. Isso signifi ca que ele está inativo durante a interfase, mas o outro cromossomo X encontra-se distendido e ativo, ou seja, ele está transcrevendo RNAs importantes para aquele momento do ciclo celular. Isso acontece através um fenômeno genético muito curioso, cha- mado de imprinting, ou quando nos referimos a um cromossomo nessas condições, dizemos que ele está “imprintado”. Esse fenômeno genético acontece a cada ciclo de divisão mitótica durante a interfase, para que apenas um dos cromossomos X em mamíferos fêmeas expresse seus genes contidos nos cromossomos sexuais. Se os dois cromossomos X se expressassem a cada ciclo celular, essa dose dupla de genes causaria anomalias ao indivíduo, por isso existe o mecanismo de compensação de dose. O efeito de imprinting acontece de forma aleatória, ou seja, em um ciclo mitótico o cromossomo X paterno pode estar “imprintado” e num outro ciclo ele pode não estar “im- printado”, o mesmo vale para o cromossomo X materno. Caso exista alguma anomalia em um dos cromossomos X, este será “imprintado” sempre. Nos mamíferos do sexo masculino, que pertencem ao sistema XY, não existe o imprinting do cromossomo X, pois existe apenas um desse cromossomo em cada célula, visto que o outro é o Y. O efeito de imprinting do cromossomo X em algumas espécies de mamíferos resulta em fenótipos diferentes do convencional. Um bom exemplo é o de animais que possuem genes para coloração de pelagem localizados em cromossomos autossomos e também em cromossomos sexuais, como é o caso do gato cálico da Figura 5b. A pelagem branca é determinada por um gene localizado num cromossomoautossômico. Nos cromossomos sexuais das fêmeas, um X possui um alelo dominante que expressa a cor alaranjada e no outro X, um alelo recessivo que expressa a cor preta. O gene do cromossomo autossômico apresenta epistasia dominante sobre os alelos dos cromossomos sexuais (XX). Assim, podemos ver que a pelagem branca se manifesta no gato cálico, apenas em indivíduos femininos, mas também vemos que os alelos dominante e recessivo contidos nos cromossomos sexuais também se expressam, porém em menor proporção, devido ao efeito epistático do gene para cor branca. A variação das cores alaranjada e preta vistas na gata da Figura 5b (alaranjado representado em tom de cinza) se deve ao efeito de imprinting, em que hora se expressa o cromossomo X paterno e hora o materno. Epistasia É uma forma de interação gênica em que o efeito de um gene é suprimido pela ação de outro gene, não alélico. a b Aula 5 Variação e Herança 129 Figura 5 – (a) Núcleo interfásico de um ser humano feminino corado por corante fl uorescente. A seta indica o Corpúsculo de Barr. (b) Gato Cálico do sexo feminino Fonte: (a) Chadwick e Willard, 2003. (b) <www.sxc.hu>. Acesso em: 8 ago. 2011. Figura 6 – Indivíduos feminino (XX) e masculino (XY) de drosófi la são indicados na fi gura. Os outros seis cromossomos, incluindo as duas bolinhas, representam os autossomos (2n = 8) Fonte: <http://www.oocities.org/br/supersabbath/insetos-drosofi la.html>. Acessos em: 7 ago. 2011. Outro animal com sistema XY na determinação cromossômica do sexo é a drosófi la (Drosophila melanogaster), a mosca das frutas. Sua determinação sexual se dá por um ba- lanço genético entre o número de cromossomos X e o número de conjuntos autossômicos. O cromossomo X da drosófi la tem efeito na produção de fenótipos femininos, já os autosso- mos, a determinação do sexo masculino. O cromossomo Y não tem efeito na determinação sexual (Figura 6). Drosófi las XO, ou seja, que possuem apenas o cromossomo X, apresentam fenótipo de macho estéril. Em mamíferos, o indivíduo XO também é estéril, mas é uma fêmea (Quadro 1). Indivíduos XXY em drosófi las são femininos devido à quantidade de cromossomos X, já em seres humanos, alterações no número de cromossomos sexuais levam a anomalias ou síndromes, que serão discutidas mais adiante. a b c a b Aula 5 Variação e Herança130 No Quadro 1 é apresentando um resumo sobre a determinação cromossômica do sexo em drosófi las e humanos. Cromossomos Sexuais Espécie XX XY XXY XO Drosófi la Humanos Quadro 1 – Determinação cromossômica do sexo em drosófi las e humanos Algumas espécies de plantas possuem cromossomos sexuais também do sistema XY, em que indivíduos com cromossomos XY são masculinos e XX são femininos. Alguns exem- plos de plantas com cromossomos sexuais são o cânhamo (Cannabis ruderalis, usada na produção de fi bras para a indústria têxtil), espinafre (Spinacia oleracea) e assobios (Silene latifolia) (Figura 7). Figura 7 – Detalhes das plantas de (a) cânhamo, (b) espinafre e (c) assobios Fonte: (a) <www.sxc.hu>; (b) <www.sxc.hu>; (c) <http://ecorover.blogspot.com/2008/08/butte-america-and-weeds.html>. Acessos em: 8 ago. 2011. Na planta Silene latifolia, os cromossomos sexuais são facilmente identifi cados, pois são os dois cromossomos de tamanho maior (Figura 8). Figura 8 – Cariótipo de Silene latifolia. Cromossomos sexuais XY (a) e XX (b). Barras = 5 µm Fonte: Grabowska-Joachimiak e Joachimiak (2002). X X X X XX XX X Óvulo Macho Fêmea Fêmea Macho Aula 5 Variação e Herança 131 Figura 9 – Representação da constituição de cromossomos sexuais no sistema XO Fonte: <http://www.colegioweb.com.br/biologia/determinacao-do-sexo-por-cromossomos-sexuais-.html>. Acesso em: 5 ago. 2011. O sistema de determinação cromossômica do sexo em muitos insetos e anelídeos (como as minhocas) é conhecido como XO. Os machos possuem dois lotes de cromossomos autossomos e mais um cromossomo X, apenas. As fêmeas têm os mesmos dois lotes de autossomos e um par de cromossomos sexuais X. Assim, os dois sexos são caracterizados da seguinte maneira: XX = fêmea, XO = macho (Figura 10). Sistema XO (xis zero) Nesse sistema, o macho é heterogamético, pois ele pode produzir dois tipos de esperma- tozoides: os que contêm o cromossomo X e os que não possuem X, além dos cromossomos somáticos. Já que a fêmea só é capaz de produzir um óvulo por ciclo reprodutivo, contendo o cromossomo sexual X mais os outros autossomos, ela é chamada, então, de homogamética (Fi- gura 9). Assim como no sistema XY, é o gameta masculino que determina o sexo do descendente. a b c Aula 5 Variação e Herança132 Nos insetos ocorrem espontaneamente indivíduos com alguns caracteres masculinos e femininos (Figura 11). Esses indivíduos são denominados de ginandromorfos, ou seja, têm formas (morfo) masculinas (andro) e femininas (gina). Isso acontece quando o embrião se forma a partir de dois zigotos com sexos diferentes e que se fundiram ou quando, durante o desenvolvimento embrionário, há um erro de divisão mitótica que leva à perda do cromossomo sexual. Suponhamos que um embrião de mariposa seja feminino (XX) e logo no estágio inicial de desenvolvimento ele tenha um problema durante a mitose em uma das células e perca um cromossomo X. Esse embrião passa a ter, então, células com cromossomos sexuais XX e células com apenas 1 cromossomo sexual, que se proliferarão formando um indivíduo parte feminino e parte masculino. Figura 10 – (a) Dinophilus gyrociliatus, um animal marinho que é parente da minhoca. (b) Cariótipo de um macho com apenas um cromossomo X e mais 11 pares de autossomos. (c) Cariótipo de uma fêmea com dois cromossomos X e mais 11 pares de autossomos. Barras= 3 µm Fonte: (a) Struck (2006), (b) e (c) Simonini et al. (2003). WZ Z Z WZ ZZ ZZ Z W Óvulo Fêmea Macho Macho Fêmea Aula 5 Variação e Herança 133 Figura 11 – Ginandromorfo de mariposa da espécie Lymantria mathura. Lado esquerdo (com asas menores) é masculino e lado direto é feminino (com asas maiores) Fonte: <http://bea-cws.blogspot.com/2010/05/ginandromorfo.html>. Acesso em: 8 ago. 2011. Figura 12 – Representação da constituição de cromossomos sexuais no sistema ZW Fonte: <http://www.colegioweb.com.br/biologia/determinacao-do-sexo-por-cromossomos-sexuais-.html>. Acesso em: 5 ago. 2011. Sistema ZW O tipo ZW ocorre geralmente em aves, répteis, peixes e alguns insetos. Esse processo ocorre de maneira contrária em relação aos dois processos anteriores, pois é o macho quem possui dois cromossomos sexuais idênticos, sendo caracterizado por ZZ, e a fêmea possui dois cromossomos sexuais diferentes, caracterizados por Z e W (Figura 12). a b Aula 5 Variação e Herança134 Nas aves e peixes, a determinação do sexo é feita através do sistema ZW, sendo a fê- mea heterogamética (ZW) e o macho homogamético (ZZ) (Figuras 13 e 14). Fisicamente, o cromossomo W é semelhante ao Y apresentado para o sistema XY, pequeno com poucos genes e heterocromático. Entretanto, não se sabe se o cromossomo W é necessário para o desenvolvimento feminino ou se é o número de cromossomos Z que determina o sexo. Figura 13 – (a) Ave da espécie Pionus seniloides e seu cariótipo feminino com cromossomos sexuais ZW. (b) Ave da espécie Aratinga jandaya e seu cariótipo masculino com cromossomos sexuais ZZ. Barras = 10 µm Fonte: Lucca, Shirley e Lanier (1991). (a) <http://fi ncarosablanca.com/images/gallery_birds/White-crowned%20Parrot.jpg>; (b) <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6f/Jandaya_Parakeet_%28Aratinga_janday%29_RWD2.jpg>. Acesso em: 4 ago. 2011. a b c Aula 5 Variação e Herança 135 Figura 14 – (a) Peixe da espécie Characidium lanei. (b) Cariótipo de um indivíduo masculino. (c) Cariótipo de um indivíduo feminino.Os destaques mostram quais são os cromossomos sexuais Fonte: (a) <http://natureplanet.blogspot.com/2007_06_01_archive.html>. Acesso em: 03 ago. 2011. (b) e (c) Noleto et al (2009). Z Z Z Z ZZ ZZ Z Óvulo Fêmea Macho Macho Fêmea Aula 5 Variação e Herança136 Determinação cromossômica do sexo: sistema haplodiploide Em algumas espécies de abelhas, formigas, vespas e escorpiões, a determinação do sexo não segue os padrões habitualmente conhecidos. Os machos resultam do desenvolvimento de óvulos não fecundados, o que é chamado de partenogênese. Dessa forma, todas as suas células são haploides (n), ou seja, possuem apenas um conjunto básico de cromossomos característico da espécie, e eles geram espermatozoides por mitose, e não por meiose. As fêmeas são resultantes de fecundação e são diploides (2n), pois possuem dois conjuntos básicos de cromossomos característicos da espécie (Figura 16). Esse processo não envolve cromossomos sexuais, apenas os cromossomos somáticos. Sistema ZO (Zê zero) O tipo ZO determina o sexo em algumas espécies de mariposas. A fêmea é considerada heterogamética, pois possui apenas um cromossomo sexual, sendo ele representado por Z. O macho é considerado homogamético, pois possui dois cromossomos sexuais, sendo eles representados por ZZ (Figura 15). Figura 15 – Representação da constituição de cromossomos sexuais no sistema ZO Fonte: <http://www.colegioweb.com.br/biologia/determinacao-do-sexo-por-cromossomos-sexuais-.html>. Acesso em: 5 ago. 2011. N N N N 2N 2N N a b c Aula 5 Variação e Herança 137 Figura 16 – Representação do processo de determinação do sexo em algumas espécies de abelhas, formigas, vespas e escorpiões. Balões N de tamanho maior representam indivíduos masculinos haploides (n). Balões 2N de tamanho maior representam indivíduos femininos diploides (2n). Balões N de tamanho menor representam gametas haploides (n). Fonte: <http://www.colegioweb.com.br/biologia/a-determinacao-do-sexo-por-haplodiploidismo.html>. Acesso em: 5 ago. 2011. A fi gura 17 mostra um exemplo de haplodiploidismo, em que vemos o conjunto de cro- mossomos de machos e fêmeas de uma espécie de formiga. Figura 17 – (a) Formiga do gênero Diacamma. (b) e (c) Cromossomos da espécie Diacamma indicum. (b) Cromossomos de um indivíduo masculino (n=7). (c) Cromossomos de um indivíduo feminino (2n= 14) Fonte: (a) < http://es.wikipedia.org/wiki/Diacamma>. Acesso em: 5 dez 2011. (b) e (c) Karnik et al. (2010). 2Atividade Aula 5 Variação e Herança138 Resuma os sistemas de determinação cromossômica do sexo vistos até agora. b c a Aula 5 Variação e Herança 139 Determinação cromossômica do sexo: sistemas múltiplos Algumas espécies possuem três ou mais cromossomos que participam da determinação do sexo e são chamados de sistemas múltiplos. Em algumas espécies de arraias é comum que os machos apresentem dois X e um Y, sendo que, como os dois X são estruturalmente diferentes, são denominados de X1X2. Já as fêmeas dessas espécies possuem um par de cada cromossomo X, sendo representado, portanto, como X1X1X2X2 (Figura 18). Um caso semelhante ocorre em algumas espécies de aranhas, nas quais a fêmea é também X1X1X2X2, mas o macho possui apenas X1X2 e não possui o Y. Esse sistema é conhecido como X1X2O. Outra possibilidade é que exista mais de um Y diferente e apenas um X, como ocorre em algumas espécies de peixes. Nesse caso, o macho apresenta XY1Y2 e a fêmea apenas XX (Figura 19). Um resumo dos sistemas cromossômicos de determinação do sexo é mostrado no Quadro 2. Outros sistemas múltiplos de determinação cromossômica do sexo também são encontrados nesse quadro, mas não serão abordados devido a sua complexidade. Figura 18 – (a) Arraia da espécie Potamotrygon aff. motoro. (b) Cariótipo de um indivíduo feminino (X1X1X2X2). (c) Cariótipo de um indivíduo masculino (X1X2Y). A barra da fi gura (c) equivale a 10 µm e vale apenas para os dois cariótipos Fonte: (a) <http://images45.fotosik.pl/245/dcb624eb0b5e8582.jpg>. Acesso em: 11 ago. 2011. (b) e (c) Cruz et al (2011). b c a Aula 5 Variação e Herança140 Figura 19 – (a) Peixe da espécie Harttia carvalhoi. (b) Cariótipo de um indivíduo feminino (XX). (c) Cariótipo de um indivíduo masculino (XY1Y2). A barra na fi gura (c) equivale a 5 µm e vale apenas para os dois cariótipos Fontes: (a) http://www.planetcatfi sh.com/catelog/image.php?image_id=4534. (b) e (c) Centofante, Bertollo e Moreira-Filho (2006). Sistemas Simples Fêmea Macho Exemplos Macho heterogamético XX XY Na maioria dos organismos, principalmente dípteros, mamíferos e a maioria das plantas que apresentam cromossomos sexuais XX XO Em algumas aranhas e na maioria dos insetos, especialmente em odonatas, ortópteros, hemípteros e heterópteros Fêmea heterogamética ZW ZZ Em esquistossomos e na maioria dos répteis, aves e lepdópteros ZO ZZ Em algumas espécies de mariposas e alguns outros insetos Sistemas Múltiplos Fêmea Macho Exemplos Macho heterogamético X1X1X2X2 X1X2Y Em alguns vertebrados e, em especial, nos mamíferos X1X1X2X2 X1X2O Na maioria das espécies de aranhas Fêmea heterogamética XX XY1Y2 Em morcegos da família Phyllostomidae e alguns outros vertebrados ZW1W2 ZZ Algumas espécies de serpentes Z1Z2W Z1Z1Z2Z2 Quadro 2 – Sistemas de determinação cromossômica do sexo Fonte: Guerra (1988). QuebraA X Y Translocação Aula 5 Variação e Herança 141 Origem dos sistemas múltiplos Os sistemas múltiplos se originam a partir de sistemas simples preexistentes em uma determinada espécie (Figura 20). O principal mecanismo é a translocação recíproca, envol- vendo um dos cromossomos sexuais e um autossomo. Suponhamos, por exemplo, que em uma espécie com sistema XY ocorra uma quebra no cromossomo X e, ao mesmo tempo, outra quebra em um dos autossomos. Quando um cromossomo se fragmenta, ele tende imediata- mente a se fusionar com outra extremidade cromossômica recém-rompida formando, assim, mais um cromossomo X. Translocação recíproca troca de segmentos cromossômicos entre cromossomos não homólogos. Figura 20 – Formação de um sistema múltiplo a partir de um simples. A partir da translocação entre um cromossomo X e um autossomo (A) formam-se dois cromossomos X, devido aos dois cromossomos passarem a possuir segmentos dos cromossomos X Fonte: Modifi cado de Guerra (1988). Até aqui, você estudou os vários sistemas de determinação cromossômica do sexo, com destaque para o efeito de imprinting em fêmeas e, também, como são formados os cromosso- mos dos sistemas múltiplos. Agora vamos ver em quais situações os cromossomos sexuais podem afetar os seres humanos, gerando anomalias e más formações. NORMAL NORMAL MEIOSE I Gametas Normais Gametas Aneuplóides MEIOSE II NÃO-DISJUNÇÃO NORMAL MEIOSE I MEIOSE II NÃO-DISJUNÇÃO NORMAL Gametas AneuplóidesGametas Aneuplóides ba Aula 5 Variação e Herança142 Síndromes causadas pela alteração no número de cromossomos sexuais em humanos A alteração no número de cromossomos sexuais leva ao desenvolvimento de alguns tipos de síndromes conhecidas como trissomia do X, Turner, Klinefelter e duplo Y, que serão discutidas a seguir. As alterações que levam a essas síndromes ocorrem devido a um processo conhecido como não disjunção da meiose, podendo ocorrer na meiose I, na meiose II ou em ambas. A não disjunção ocorre quando não há a separação dos cromossomos bivalentes durante a meiose I ou quando não há a separação das cromátides irmãs durante a meiose II (Figura 21), podendo ocorrer nas duas situações do mesmo ciclo de divisão meiótica. Essas alterações são chamadas de aneuploidias, pois podemos observar variações no número de cromossomos específi cos, para mais ou para menos, diferentemente das ploidias,nas quais se percebe o au- mento ou diminuição de conjuntos completos de cromossomos. Por exemplo, seres humanos com 44 cromossomos autossomos mais XXY para os cromossomos sexuais, é dito que esse indivíduo apresenta uma aneuploidia para o cromossomo X, pois possui um cromossomo X a mais. Outro exemplo, indivíduos com 44 autossomos mais XO (xis zero), é dito aneuplóide em relação aos cromossomos sexuais, pois apresenta um cromossomo sexual a menos. Figura 21 – Não disjunção cromossômica durante a meiose. Esta representação de meiose leva em consideração uma célula 2n = 2. a) Não disjunção durante a meiose II, gerando dois gametas normais, um gameta com dois cromossomos (aneuplóide) e outro gameta sem cromossomo (aneuplóide). b) Não disjunção durante a meiose I, gerando dois gametas com dois cromossomos cada (aneuplóides) e outros dois gametas sem cromossomos (aneuplóides) Fonte: <http://ecas3x.webnode.com/um%20pouco%20de%20ci%C3%AAncia%20para%20perceber%20as%20altera%C3%A7%C3%B5es%20geneticas/>. Acesso em: 19 ago. 2011. Aula 5 Variação e Herança 143 A seguir veremos alguns detalhes dessas síndromes e também conheceremos os carió- tipos característicos de pessoas que são portadoras de tais síndromes. Trissomia do X As pessoas portadoras dessa síndrome possuem três cromossomos X e são do sexo feminino, com cariótipo denominado de 47 XXX (Figura 22). Essa síndrome ocorre numa fre- quência relativamente alta, sendo um caso a cada 1000 nascimentos, aproximadamente. As mulheres portadoras dessa síndrome apresentam fenótipo normal e são férteis, mas muitas possuem um leve retardo mental. Os casos de mulheres 48 XXXX e 49 XXXXX são raros e se caracterizam por graus crescentes de retardamento mental. Dependendo da quantidade de cromossomos X que esses indivíduos possuam a mais, um ou mais corpúsculos de Barr podem ser formados. Figura 22 – Cariótipo de um indivíduo portador da Trissomia do X Fonte: <http://worms.zoology.wisc.edu/zooweb/Phelps/ZWK01047k.jpg/>. Acesso em: 11 ago. 2011. Aula 5 Variação e Herança144 Síndrome de Turner (XO) Os portadores dessa síndrome possuem um cromossomo X a menos e são do sexo feminino, com cariótipo 45 X (Figura 23). Devido à falta de um cromossomo X nesses indi- víduos, não se vê formação de corpúsculo de Barr. A síndrome de Turner atinge apenas uma entre 3000 mulheres. Algumas das características de mulheres afetadas por essa síndrome são: disgenesia gonadal, pelos pubianos reduzidos ou ausentes, desenvolvimento pequeno e amplamente espaçados das mamas ou mamas ausentes, pelve masculinizada, pele frouxa devido à escassez de tecidos subcutâneos, o que lhes dá aparência senil, unhas estreitas, tórax largo e em forma de barril, anomalias renais, cardiovasculares e ósseas. Não exibem desvios de personalidade, ou seja, sua identificação psicossocial não é afetada. Disgenesia gonodal Ovários atrofi ados e desprovidos de folículos. Figura 23 – Cariótipo de um indivíduo portador da Síndrome de Turner Fonte: <http://www.biologyjunction.com/karyotypes.htm>. Acesso em: 11 ago. 2011. Aula 5 Variação e Herança 145 Figura 24 – Cariótipo de um indivíduo portador da Síndrome de Klinefelter Fonte: <http://prof-marcosalexandre.blogspot.com/2010/06/sindrome-de-klinefelter.html>. Acesso em: 11 ago. 2011. Síndrome de Klinefelter São indivíduos do sexo masculino que apresentam essa síndrome e possuem cariótipo 47 XXY (Figura 24), com um cromossomo X a mais, sendo evidenciado um corpúsculo de Barr em suas células mitóticas. A proporção de ocorrência dessa síndrome é constatada como um entre 700 a 800 recém-nascidos do sexo masculino. É de esperar que indivíduos com a síndrome de Klinefelter tenham uma esperança média de vida normal, no entanto, existe um aumento considerável de acidentes vasculares cerebrais (seis vezes superior na comparação com a população geral), assim como na incidência do câncer (1,6%). O atraso da linguagem (51%), o atraso motor (27%) e problemas escolares (44%) complicam o desenvolvimento dessas crianças e alguns estudos descrevem comporta- mentos antissociais e psiquiátricos. No entanto, alguns possuidores da síndrome apresentam uma boa adaptação social e no trabalho. Aula 5 Variação e Herança146 Figura 25 – Cariótipo de um indivíduo portador de Duplo Y Fonte: <http://mapadocrime.com.sapo.pt/sindroma%20supermasculinidade.html>. Acesso em: 11 ago. 2011. Síndrome do Duplo Y Indivíduos com cariótipo 47 XYY (Figura 25) ocorrem com a frequência de um caso por 1000 nascimentos masculinos. Uma característica física bem evidente dos portadores dessa síndrome é a estatura elevada, pois eles geralmente têm mais de 1,80 m, ou seja, são 15 cm mais altos do que a média dos indivíduos masculinos cromossomicamente normais. O per- fi l psicológico desses indivíduos inclui imaturidade no desenvolvimento emocional e menor inteligência verbal, fatos que podem difi cultar seu relacionamento interpessoal. Embora pos- sam ter ereção e ejaculação, são estéreis, pois seus testículos são pequenos e não produzem espermatozoides devido à atrofi a dos canais seminíferos. Resumo 3Atividade Aula 5 Variação e Herança 147 Nesta aula você conheceu a maioria dos sistemas de determinação cromossômica do sexo existentes e viu também como surgem os sistemas múltiplos. Compreendeu como o efeito de imprinting atua no mecanismo de compensação de dose, evitando a super dosagem de genes que estão no cromossomo X, em fêmeas do sistema XY. Finalmente, ao estudarmos mecanismos de não disjunção meiótica, você pôde compreender como surgem determinadas síndromes relacionadas aos cromossomos sexuais que causam malformações e anomalias em seres humanos. Com base em seus conhecimentos em divisão meiótica e também em não disjunção meiótica, represente esquematicamente como são formados os gametas que caracterizam os indivíduos portadores das síndromes abordadas nesta aula. Aula 5 Variação e Herança148 Autoavaliação Apresente a importância dos cromossomos sexuais na determinação dos sexos e faça um resumo sobre todos os tipos de sistemas simples e múltiplos de determinação sexual. Referências APPELS, R.; MORRIS, R.; MAY, C. E. Chromosome biology. New York: Springer-Verlag, 1998. BEIGUELMAN, B. Citogenética humana. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1982. 328 p. CENTOFANTE, L.; BERTOLLO, L. A. C.; MOREIRA-FILHO, O. Cytogenetic characterization and description of an XX/XY 1 Y 2 sex chromosome system in catfi sh Harttia carvalhoi (Siluriformes, Loricariidae). Cytogenet Genome Res., n. 112, p. 320–324, 2006. CHADWICK, B. P.; WILLARD, H. F. Chromatin of the Barr body: histone and non-histone proteins associated with or excluded from the inactive X chromosome. Human Molecular Genetics, n. 12, p. 2167–2178, 2003. CITOGENÉTICA. Disponível em: <http://www.sabedoria.ebrasil.net/db/biologia/estudos/bio- logia/biologiag/sindrome_polix.php.htm>. Acesso em: 14 ago. 2011. 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Por fi m, estudaremos as variações estruturais nos cromossomos, dando ênfase às du- plicações, deleções, inversões e translocações e suas consequências. Em caso de dúvidas, consulte o seu professor o mais breve possível. Bom estudo! Objetivos Defi nir o conceito de anomalias genéticas. Reconhecer uma doença genética. Defi nir o conceito de alterações cromossômicas numéricas. Reconhecer as diferenças entre ploidia e aneuplodia. Listar e caracterizar as principais alterações cromossômi- cas numéricas. Defi nir o conceito de alterações cromossômicas estruturais. Listar e caracterizar as principais alterações cromossômi- cas estruturais. Aula 6 Variação e Herança 155 Anomalias genéticas Anomalia genética é toda e qualquer alteração que ocorre nos cromossomos. As causas dessas anomalias são uma mudança no número total de cromossomos, quer seja pela perda de um segmento (deleção), pela duplicação de genes ou de segmentos de um cromossomo ou, ainda, por rearranjos do material genético intra ou intercromossomos. Sabemos que o nosso material genético está sob infl uência constante de fatores que podem causar alterações, tais como radiação de ocorrência natural, conhecidas como as ra- diações solares. Além desses fatores externos, sabemos, também, que durante o processo de divisão celular (mitose) pode haver erros ou modifi cações que, de vez em quando, escapam aos processos de reparo do nosso organismo. Essas modifi cações ou anomalias são denominadas de Mutações Cromossômicas ou Alterações Cromossômicas. Essas, quando ocorrem em genes importantes, podem provocar doenças conhecidas como Doenças Genéticas (Tabela 1). Tabela 1 – Exemplos de doenças genéticas causadas por alterações cromossômicas Doença Alteração no cromossomo Síndrome de Down Trissomia do 21 Síndrome de Patau Trissomia do 13 Síndrome de Edwards Trissomia do 18 Síndrome de Cri du Chat Deleção da porção terminal do cromossomo 5 Síndrome de Klinefelter Duplicação do X Síndrome de Turner Ausência do Y Fonte: Modifi cado de Klug et al (2010). Aula 6 Variação e Herança156 As alterações cromossômicas numéricas Conforme podemos visualizar na Figura 1, diferentes espécies de organismos apresentam diferentes números de cromossomos, gerando uma imensa diversidade biológica. Figura 1 – Número de cromossomos de diferentes espécies Fonte: <http://s0.fl ogao.com.br/s70/2008/11/19/45/128251541.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2012. Além de haver diversidade biológica do número de cromossomos de indivíduos de es- pécies diferentes, podem ocorrer variações no número de cromossomos entre indivíduos de uma mesma espécie. Essas podem ser originadas por adição ou perda de um ou mais cromossomos, até a adição de um genoma inteiro. Essas alterações recebem terminologias específi cas que podem ser defi nidas como: 1) Euploidia: alterações que se referem ao conteúdo genômico total do indivíduo, ou seja, todos os seus cromossomos são duplicados (diploidia) ou triplicados (triploidia) ou qua- driplicados (tetraploidia), e assim por diante. 2) Aneuploidia: alterações que levam ao aparecimento de um ou mais cromossomos extras, ou um ou mais cromossomos ausentes ou ainda a combinação de ambas as alterações. Nesse caso, o número de cromossomos não é um múltiplo exato do número haploide ca- racterístico da espécie (se a espécie humana tem 23 pares de cromossomos, e o indivíduo tiver 23 pares mais um cromossomo, é considerado aneuploide). A Figura 2 ilustra o cariótipo de um ser humano dito normal (23 pares de cromossomos 2n = 46) e um ser humano com adição de um cromossomo (23 pares de cromossomos 2n = 46 + 1 no par de número 21). Números de cromossomos em diferentes espécies Drosófila 8 Humano 46 Centeio 14 Macaco 48 Coelho 44 Rato 44 Cobaia 16 Carneiro 54 Avoante 16 Cavalo 64 Caracol 24 Galo 78 Minhoca 32 Carpa 104 Porco 40 Borboleta 380 Trigo 42 Samambaia 1200 Espécie 2n de cromossomos Espécie 2n de cromossomos Haploide Célula, indivíduo ou espécie que possui número de cromossomos igual ao número de cromossomos do gameta (n). Cariótipo São as características do conjunto cromossômico de uma espécie. 1 2 3 4 5 11 126 7 8 9 10 17 1813 14 19 20 21 22 x y 15 16 1 2 3 4 5 11 126 7 8 9 10 17 1813 14 19 20 21 22 x y 15 16 a b Aula 6 Variação e Herança 157 Figura 2 – Cariótipo de um indivíduo normal – euploide (a) e de um indivíduo com alteração cromossômica – aneuploide (b) Fonte: (a) <http://2.bp.blogspot.com/_4ySqM6gBSFk/SRbZ_DA1DbI/AAAAAAAAAIE/tqjuyxscwkI/s1600-h/chromosome.gif>; (b) <http://genetica.ufcspa.edu.br/ CariotipoDown.gif>. Acesso em: 19 jan. 2012 A euploidia e a aneuploidia recebem ainda subdenominações, de acordo com as variações que apresentam (Tabela 2): Tabela 2 – Terminologia para as variações no número de cromossomos Termo Explicação Euploidia Múltiplos de n Diploidia 2n Poliploidia (triploidia, tetraploidia, pentaploidia, etc.) 3n, 4n, 5n Aneuploidia 2n ± x cromossomo Monossomia 2n – 1 Dissomia 2n Trissomia 2n + 1 Tetrassomia, pentassomia, etc. 2n + 2; 2n + 3 Nulissomia 2n – 2 Fonte: Modifi cado de Klug et al (2010). Conforme a tabela acima, os indivíduos euploides com mais de um genoma podem ser diploides (2n), triploides (3n), tetraploides (4n) e assim por diante. As euploidias são raras em animais, mas bastante comuns e funcionam como importantes mecanismos evolutivos nas plantas. Não se conhecem pessoas que sejam totalmente euploides, mas existem abortos 3n e 4n. Células poliploides cujo número de cromossomos alcança 16n são encontradas na medula óssea, no fígado e nos rins normais, além de ocorrerem em células de tumores sólidos e leucemia. Já os indivíduos aneuploides, frequentemente, apresentam anomaliasfenotípicas, que podem causar grandes prejuízos, chegando até a inviabilizar os indivíduos que as carregam. A poliploidia É rara em animais, mas muito comum em plantas. Aproximadamente 40% das espécies conhecidas, tais como o alface (Medicago sativa), café (Coffea arabi- ca), cana-de-açúcar (Sac- charum offi ninarum), dentre outros, são polipóides. 1 1Atividade Aula 6 Variação e Herança158 O exemplo mais conhecido de aneuploidia é a Síndrome de Down, que junto a outras aneu- ploidias serão estudadas a seguir. Mas, antes de prosseguirmos, deve fi car claro que, independente da ploidia, em geral, as células somáticas possuem o dobro do número de cromossomos presentes em seus game- tas, ou seja, 2n, uma vez que o número de cromossomos de uma célula meiótica é reduzido à metade para formar os gametas, exceto no caso dos organismos haploides, que as células somáticas possuem o mesmo número de cromossomo dos seus gametas (n)1. Vamos imaginar uma espécie B diploide (2 cópias do seu genoma, ou seja, 2x) que possui em seu conjunto monoploide 9 cromossomos (x = 9). Isso signifi ca dizer que o número de cromossomos de tipos diferentes dessa espécie é igual a 9 e eles estão em dose dupla nas suas células somáticas (se x = 9, portanto, 2x = 18). Como os gametas possuem 9 cromos- somos, esse é o número haploide (n = 9) de cromossomos dessa espécie. Assim, o número de cromossomos no gameta, número haploide (n), é igual ao número básico de cromossomos, número monoploide (x): n = x = 9 e, consequentemente, as células somáticas podem ser ditas 2n = 2x =18. 1 Para o entendimento dessa aula é essencial que você relembre a estrutura dos cromossomos visto na Aula 6 – Núcleo: central da informação do ser vivo, e os processos de divisão celular mitose e meiose vistos na Aula da 7 - O ciclo celular e a multiplicação da vida (mitose e meiose), ambas da Disciplina de Organização e Diferenciação Celular. Vamos fi xar alguns conceitos? Defi na os termos abaixo relacionados e cite um exemplo de uma espécie para cada um deles: a) Anomalias genéticas: b) Doenças genéticas: Aula 6 Variação e Herança 159 c) Euploidia: d) Aneuploidia: e) Diploidia: 2 Aula 6 Variação e Herança160 f) Poliploidia: g) Tetrassomia: Sabe-se que há várias espécies de insetos em que os machos são monoploides. Caracterize-as. 1 6 12 13 19 20 21 22 x y 14 15 16 17 18 7 8 9 10 11 2 3 4 5 Aula 6 Variação e Herança 161 Aneuploidias A seguir estudaremos as principais aneuploidias que acometem diversas espécies de organismos. Nulissomia (2n–2) A nulissomia caracteriza-se pela perda de dois cromossomos, que pode ser indicado por 2n–2. Para os seres diploides (2n), o resultado é fatal, entretanto, algumas espécies de vegetais, como o trigo, podem tolerá-la. Nesse caso, os demais cromossomos restantes compensam o par de cromossomos homólogos ausentes. Monossomia (2n–1) A monossomia é caracterizada pela perda de um cromossomo, sendo deletério nos orga- nismos diploides pelo fato do cromossomo ausente desbalancear o conjunto cromossômico, além do fato de que ter um cromossomo a menos permite que qualquer alelo recessivo dele- tério no outro homólogo fi que em hemizigose, e, assim, se expresse diretamente no fenótipo. Entretanto, em seres humanos há uma monossomia viável, o cariótipo 45, X (44 cromos- somos autossomos + 1X) (Figura 3). Figura 3 – Cariótipo de um indivíduo 45, X Fonte: <http://citogene.com.br/img/img-monossomia-do-x-b.gif>. Acesso em: 19 jan. 2012. Baixa estatura Tórax largo Mamilos muito separados Metacarpo curto Unhas pequenas Manchas marrons Sem menstruação Ovários subdesenvolvidos Defromidades no cotovelo Pouco desenvolvimento dos seios Constrição da aorta Muitas dobras na pele Aula 6 Variação e Herança162 O cariótipo 45, X é também conhecido como X0 e é originado de ovócitos ou de esper- matozoides com a falta de um cromossomo sexual ou sua perda durante a mitose, que ocorre após a fertilização. Assim, algumas células são 45, X e outras 46, XX e, por esse motivo, são denominados de mosaicos somáticos. Os indivíduos (mulheres) que apresentam um único cromossomo X são portadores da Síndrome de Turner. Essa síndrome se manifesta em mulheres e, pelo fato dos ovários serem rudimentares, elas são estéreis. Apresentam baixa estatura se comparada ao padrão para a sua idade, defi - ciência auditiva, alterações cardiovasculares, pescoço alado, ausência de maturação sexual, inchaço nas mãos e nos pés. Além disso, apresentam pelos pubianos reduzidos ou ausentes; desenvolvimento pequeno e amplamente espaçados das mamas ou mamas ausentes; pelve androide, isto é, masculinizada; pele frouxa devido à escassez de tecidos subcutâneos, o que lhe dá aparência senil; unhas estreitas; tórax largo em forma de barril; anomalias renais, car- diovasculares e ósseas No recém-nascido, há, frequentemente, edemas nas mãos e no dorso dos pés, que leva a suspeitar de anomalia, conforme ilustrado na Figura 4. Vale ressaltar que embora sua inteligência não seja afetada pela síndrome algumas de suas funções cognitivas específi cas são defi cientes. Figura 4 – Ilustração das principais características das mulheres portadoras da Síndrome de Turner Fonte: <http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2009/11/sindrome-turner-caracteristicas.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2012. Síndrome de Turner O nome da Síndrome é uma homenagem a Henry H. Turner, primeiro a descrever a síndrome em 1938. 1 2 3 4 5 11 126 7 8 9 10 17 1813 14 19 20 21 22 x y 15 16 21 21 Aula 6 Variação e Herança 163 Trissomia (2n + 1) Essa alteração cromossômica também é considerada um desbalanço cromossômico que, diferente da síndrome de Turner acima citada, apresenta um cromossomo a mais em um dos pares existentes. Dentre as trissomias viáveis, a mais conhecida é a Síndrome de Down, caracterizada pela presença de um cromossomo a mais no par de cromossomos 21 e, por esse motivo, também é conhecida como Trissomia do 21 (Figura 5). Figura 5 – Cariótipo de um indivíduo portador da Síndrome de Down. Em detalhe o cromossomo a mais no par de número 21 Fonte: <http://1.bp.blogspot.com/_XGTg9MbReX8/ShvriGPnpDI/AAAAAAAAAao/7nOjrqnHf_Q/s1600-h/DOWN+I.jpg>. <http://genetica.ufcspa.edu.br/CariotipoDown.gif>. Acesso em: 19 jan. 2012. A síndrome recebeu esse nome em homenagem a John Langdon Down, médico britânico que a descreveu em 1862. Entretanto, a sua causa genética foi descoberta somente em 1958, pelo professor Jérôme Lejeune, que verifi cou uma cópia extra do cromossoma 21. Sua causa é devido a não disjunção do cromossomo 21 em um dos pais portadores de cromossomos normais. Após a fecundação, o indivíduo gerado terá 47 cromossomos, incluindo 44 autos- somos, 2 cromossomos sexuais e o cromossomo 21 extra. Seu cariótipo é denominado de 47, XX, +21 (para mulheres) ou 47, XY, + 21 (para homens). O indivíduo portador da síndrome de Down apresenta baixa estatura, face larga e achatada, palato pequeno e arcado, anomalias dentárias, diminuição do tônus muscular, dentre outras ilustradas na fi gura abaixo (Figura 6). Falta de crescimento Mãos curtas e largas Palato pequeno e arcado Língua grande e sulcada Anomalias dentárias Doença cardíaca congênita Aumento do cólon Dedo grande espaçado Retardo mental Ocipúcio achatado Orelhas anormais Sulco palmar Padrões especiais das cristas dérmicas Ausência unilateral ou bilateral de uma costela Hérnia umbilical Pelve anormal Face larga e achatada Pregas epicânticas Fenda palpebral inclinada Ponte nasal curta Tônos muscular diminuído Bloqueio intestinal Muitas “alças” nas pontas dos dedos Aula 6 Variação e Herança164 Figura 6 – Ilustração das principais característicasdos portadores da Síndrome de Down Fonte: <http://www.wgate.com.br/conteudo/medicinaesaude/fi sioterapia/neuro/sindrome_down_deborah/images/untitled2image.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2012. Na maioria dos casos (95%), o cromossomo extra é derivado da não disjunção na meiose I de origem materna. Essa frequência torna-se ainda maior com o avançar da idade da mãe, pois as mulheres mais velhas são mais propensas a produzirem ovócitos aneuploides em relação às mais jovens. Além da trissomia do cromossomo 21, há ainda a trissomia do cromossomo 13 e do 18, consideradas raras, na qual somente uma pequena porcentagem dos indivíduos acometidos consegue sobreviver. A trissomia do cromossomo 13, também conhecida como Síndrome de Patau, foi des- coberta em 1960, por Klaus Patau, ao observar um caso de malformações múltiplas em um neonato. Tem como causa a não disjunção dos cromossomos durante a anáfase 1 da mitose, gerando gametas com 24 cromátides (Figura 7). 1 6 7 8 9 10 11 12 13 14 19 20 47, xx, +13 21 22 x 15 16 17 18 2 3 4 5 Cabeça pequena e ausência de sobrancelhas Fenda palatina Mal formação das orelhas Mãos cerradas e polidactilia Testículos anormais Aula 6 Variação e Herança 165 Figura 7 – Cariótipo de uma mulher com a síndrome de Patau Fonte: <http://www.ghente.org/ciencia/genetica/trissomia13.htm>. Acesso em: 19 jan. 2012. A síndrome ocorre em 1 a cada 6000 nascimentos e 45% dos indivíduos acometidos morrem após o primeiro mês de vida e somente 5% sobrevivem mais de 3 anos. Assim como na Síndrome de Down, a idade materna infl uencia negativamente na não disjunção dos cro- mossomos, sendo que em 40% dos casos identifi cados, a mãe tinha idade superior a 35 anos. Indivíduos com a síndrome apresentam graves malformações no sistema nervoso, retardo mental, alterações cardíacas congênitas, e alterações genitais, tanto no sexo feminino quanto no masculino. Apresentam, também, fenda labial e palato fendido, punhos cerrados e plantas do pé arqueadas, polidactilia (presença de 5 dedos), dentre outras ilustradas na Figura 8. Figura 8 – Ilustração das principais características dos portadores da Síndrome de Patau Fonte: <http://2.bp.blogspot.com/_Try3o_LRwwc/S4BZe9GAy3I/AAAAAAAAASc/3T87LuLByeE/s400/trisomy13.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2012. Fraco crescimento de barba Calvície frontal ausente Tendência para crescer menos pêlos Desenvolvimento dos seios Pelos púbicos femininos Testículos reduzidos Ombros estreitos Braços e pernas compridas Ancas largas Aula 6 Variação e Herança166 Já a trissomia do cromossomo 18 é também conhecida como Síndrome de Edwards, e recebeu esse nome por ser descrita pela primeira vez por Edward e colaboradores, em 1960. Atinge 1 em cada 6000 a 8000 mil nascimentos, apresentando um alto índice de mortalidade pós-natal, tendo estes recém-nascidos uma sobrevida média inferior a uma semana; global- mente, menos de 5% destas crianças atingem o primeiro ano de vida. Assim como nas demais trissomias, está relacionada com o aumento da idade materna. São raros os casos em que o cromossoma extra tem origem paterna (erros mitóticos pós- -fertilização). Indivíduos com essa síndrome apresentam atraso de crescimento, microcefalia, orelhas dismórfi cas, alterações radiais dos membros, dedos caracteristicamente fl ectidos, proeminência dos calcanhares, além de malformações associadas, como as cardíacas, cere- brais, osteoarticulares e digestivas. Outra trissomia a ser considerada é a do cariótipo 47, XXY que acometem indivíduos do sexo masculino, que apresentam algumas características femininas e, em geral, são estéreis. Essa síndrome é conhecida como Síndrome de Klinefelter e foi descoberta por Herry. F. Kli- nefelter e colaboradores, em 1942. A síndrome é causada por uma variação cromossômica envolvendo o cromossomo se- xual. Esse cromossomo sexual extra (X) causa uma mudança característica nos indivíduos do sexo masculino, sendo descrita como 47 XXY. Existem outras variações menos comuns como: 48 XXYY; 48 XXXY; 49 XXXXY; além de mosaico 46 XY/47 XXY. Metade dos casos resulta de erros na meiose I paterna, 1/3 dos casos em erros na meiose I materna e os demais em erros na meiose II ou de um erro mitótico pós-zigótico levando a mosaico. Os indivíduos acometidos pela síndrome apresentam testículos pequenos, aumento das mamas (ginecomastia), alta estatura e pouco peso, membros longos, poucos pelos no corpo, dentre outras características ilustradas na Figura 9. Figura 9 – Características da síndrome de Klinefelter Fonte: <http://www.culturamix.com/wp-content/uploads/2009/09/sindrome-3.jpg>. Acesso em: 19 jan. 2012. 1 2 3 2Atividade Aula 6 Variação e Herança 167 Já o cariótipo 47, XYY também são característicos de indivíduo do sexo masculino que, por exceção da maior estatura, não apresentam uma síndrome consistente de anomalias. Esses homens são férteis e seus gametas contêm ou X ou Y, mas não YY ou XY. Faça uma pesquisa sobre a triploidia que pode ser encontrada na espécie humana. Caracterize a Síndrome de Turner, a Síndrome de Down e a Síndrome de Klinefelter. Pesquise sobre outros tipos de síndromes que possam vir a existir em humanos em decorrência de alterações numéricas nos cromossomos. A B C D E F G A B E F G A B C D E A B E F G A B C D E Deleção intersticial Deleção terminal Aula 6 Variação e Herança168 As variações estruturais nos cromossomos Do mesmo modo que ocorrem variações quanto ao número de cromossomos, podem ocorrer variações quanto à sua estrutura. Essas variações estruturais podem ser de diferentes tipos, como as deleções, que consistem na perda de um segmento cromossômico; duplicações, que consistem na presença de duas ou mais cópias de uma região do cromossomo; inversões, que mudam a orientação de um segmento dentro do cromossomo; e das translocações, que ocorrem como trocas ou fusões entre cromossomos diferentes. A seguir, estudaremos em detalhes cada uma delas. Deleção O processo espontâneo de deleção é caracterizado por duas quebras no cromossomo, uma em cada ponta do segmento, ocasionado a liberação do segmento intermediário. Caso as extremidades produzidas venham a se unir, e uma delas possua o centrômero, será originado um cromossomo completo, porém de tamanho reduzido, e esse será dito carregador de uma deleção. Como o fragmento deletado é acêntrico (não possui centrômero), consequentemente, é imóvel e será perdido. Um agente efi ciente para causar deleções é a radiação ionizante, que é altamente ener- gética e causa quebras cromossomiais. A forma como a quebra se religa ao cromossomo determina o tipo de rearranjo produzido: se ocorrerem duas quebras, é produzida uma deleção intersticial; caso ocorra uma quebra, a deleção é dita terminal (Figura 10). Figura 10 – Deleção intersticial e deleção terminal Fonte: Lilian Giotto Zaros. Os efeitos da deleção estão relacionados ao tamanho do fragmento que foi excluído. Uma pequena deleção dentre de um gene (deleção intragênica) já é sufi ciente para inativá-lo. Quando dois ou mais genes são deletados, a deleção recebe o nome de multigênica. Se essa combinação afetar os dois cromossomos (homozigota), a combinação quase sempre será letal, mas, em alguns casos, as combinações com um homólogo normal são viáveis. Nesses casos a deleção pode, algumas vezes, ser identifi cada através de uma análise citogenética. A Região deletada Aula 6 Variação e Herança 169 análise dos cromossomos meióticos de um indivíduo com uma deleção heterozigota mostra a formação de uma volta (deletion loop) no cromossomo normal devido à ausência de região homóloga. Uma deleção pode ser ligada a uma região específi ca do cromossomo determinando qual cromossomo possuiu essa volta e em que posição do cromossomoa volta está. Figura 11 – Loop (volta) formado entre um cromossomo normal e um cromossomo deletado Fonte: Modifi cado de Veloso (2005). As mutações cromossômicas podem ser uma causa de câncer, e isso demonstra o seu caráter deletério. Não são todas as células de um tumor que apresentam essas deleções e o mais usual é encontrar vários tipos de deleções dentro de um único tumor. São mais fre- quentemente encontradas deleções em neuroblastomas, melanomas, carcinomas de pulmão e tumores testiculares. Duplicação As duplicações ocorrem quando um segmento cromossômico aparece mais de duas vezes em uma célula diploide normal. O segmento pode estar ligado a um cromossomo ou como um fragmento separado. Por intermédio da segregação desses cromossomos nos gametas, as duplicações podem ser transmitidas às gerações subsequentes. Em um organismo diploide, o conjunto cromossômico que contém a duplicação, ge- ralmente, está presente junto a um conjunto cromossômico padrão. Esse organismo recebe o nome de heterozigoto para a duplicação e em suas células haverá três cópias da região cromossômica em questão. Duplicações em sequências são raras em humanos. A maioria das duplicações consiste em um braço ou um pedaço de braço extra, geralmente, associado a um cromossomo não homólogo. Diferentemente das deleções, as duplicações não revelam genes letais recessivos, sendo as anormalidades ligadas às duplicações associadas a uma quebra no balanço de expressão gênica devido à cópia extra da região. Em geral, duplicações são raras e difíceis de detectar, no entanto, são um mecanismo muito útil para a evolução. As duplicações podem ser em tandem (Figura 12a), ou seja, duplicações sequenciais, ou reversas (Figura 12b). Centrômero Região mais condensada do cromossomo que se encon- tra, normalmente, no seu meio. É o local de contato entre as cromátides irmãs durante a divisão celular. A B C D E D E A B C D E D E a A B C E D D E A B C D E D E b Aula 6 Variação e Herança170 Figura 12 – Exemplo de duplicações cromossômicas. a: Em tandem e b: reversas Fonte: Lilian Giotto Zaros. Em alguns casos, as duplicações de algumas regiões genéticas podem produzir fenótipos próprios e agir como mutações gênicas. Para entendermos melhor, vamos tomar como exem- plo uma mutação que ocorre no cromossomo X da Drosophila, que recebe o nome de mutação dominante Bar. Essa mutação resulta na redução do número de facetas oculares, gerando um olho em forma de fenda, diferente do olho normal que é oval. Esse fenômeno é causado por uma duplicação cromossômica em tandem da região cromossômica 16A. A explicação é que, provavelmente, tenha-se originado de uma permutação assimétrica próxima à essa região durante a meiose, formando dois tipos de gametas: um com a deleção da região 16A e outro com a duplicação dessa região. Inversão Ocorre quando um segmento cromossômico se separa, sofre uma rotação de 180o e se religa novamente ao restante do cromossomo. Esse evento gera uma mutação cromossomial que é denominada inversão. Esses rearranjos podem ocorrer pela ação de agentes externos como os raios X, que quebram os cromossomos em pedaços e, naturalmente, podem ser produzidas através de elementos de transposição denominados transposons. Durante a sua transposição esses elementos podem quebrar os cromossomos em pedaços que, ao se reu- nirem, podem produzir as inversões. Diferentemente de deleções e duplicações, as inversões não causam uma mudança no balanço de material gênico expresso, sendo normalmente viáveis e não causam anormalidades fenotípicas. Em alguns casos uma das rupturas do cromossomo é em um gene com função essencial, e o ponto de quebra age como uma mutação letal. Nessa situação a inversão não pode ser encontrada em homozigose. As inversões podem ser paracêntricas ou pericêntricas. As paracêntricas são aquelas que não abrangem a região do centrômero, e as paracêntricas incluem o centrômero (Figura 13). A B C D E F G A B C F E D G C B A D E F G Inversão paracêntrica Cromossomo normal Inversão pericêntrica Aula 6 Variação e Herança 171 Figura 13 – Inversões paracêntricas e pericêntricas Fonte: Lilian Giotto Zaros. A maior importância das inversões, no entanto, são os crossing-over que podem acon- tecer dentro das diferentes voltas de inversão e que podem ser produzidas pelos diferentes padrões de inversão. Os casos mais comuns são: 1) Deleção recorrente de crossing-over entre um cromossomo normal e um com uma in- versão paracêntrica. Além de cromossomos com pequenas deleções são originados cro- mossomos inviáveis. 2) Duplicação de grandes regiões (braço longo) do cromossomo devido à permutação entre um cromossomo normal e um com inversão pericêntrica perto de um braço curto dispensável. Translocação Ocorre quando um segmento do cromossomo é destacado e religado em um cromossomo diferente. As radiações X, os elementos transponíveis e o rompimento mecânico são fatores que levam ao aparecimento das translocações. As translocações podem ser recíprocas, quando trechos de dois cromossomos não ho- mólogos são trocados sem a perda de material genético; as transposições, ocorrendo quando a transferência é unilaterial, ou quando um segmento de um cromossomo passa para outro não homólogo; e por fi m a translocação Robertsoniana, quando há transferência de braços completos de cromossomos não homólogos (Figura 14). A M N O M N O P Q R P Q R B A B C D E F G H C D E F G H A B A B Elemento de transposição A B C D E A B C D E F Cópia do elemento de transposição Perda da função do gene F, pois este foi interrompido Transposon Fusão cêntrica Cromossomos acrocêntricos não homólogos normais Cromossomos translocados (T. Robertsoniana) a b c Aula 6 Variação e Herança172 Figura 14 – Exemplos de translocações: a – recíproca b – Transposição e c – Translocação Robertsoniana Fonte: <http://3.bp.blogspot.com/_JxMOGC05j3c/TS4AWugQfcI/AAAAAAAAAhw/up6sLaoGAvQ/s400/Imagem5.png>. Acesso em: 19 jan. 2012. Várias consequências advêm das translocações, podendo ser visíveis no portador ou na prole. Alguns casos de câncer parecem estar ligados a translocações em células somá- ticas, como é o caso do câncer na papila ovariana e tumor na parótida. O padrão de meiose contendo cromossomos translocados pode resultar em outras mutações tais como deleções ou duplicações. As translocações são muito importantes no processo de especiação por resultarem em uma barreira genética para a reprodução entre duas populações da mesma espécie, especial- mente no caso da translocação Robertsoniana. Isso pode ser demonstrado pelo exemplo da Síndrome de Down em humanos que possuem uma translocação entre os cromossomos 21 e 14. Um indivíduo heterozigoto para essa mutação tem seu sucesso reprodutivo reduzido quando seu parceiro não é portador. Isso é causado pelos genótipos letais e com Síndrome de Down obtidos, frequentemente, na prole (Figura 15). 3Atividade 1 Sindrome de Down Pareamento meiótico Progenitor normal Quebra ( )14 14 21 21 Progenitor de translocação Robertsoniana Gametas dos pais normais Gametas portadores de translocação Portador Normal Letal Aula 6 Variação e Herança 173 Figura 15 – Possíveis gametas formados em humanos que possuem uma translocação entre os cromossomos 21 e 14 Fonte: Modifi cado de Klug et al (2010). Caracterize as principais alterações cromossômicas estruturais. 2 Resumo Aula 6 Variação e Herança174 Pesquise sobre outros tipos de alterações cromossômicas estruturais que possam vir a existir em humanos. Nesta aula você compreendeu o conceito de anomalias genéticas, bem como o de doença genética. Pôdedefi nir o conceito de alterações cromossômicas e classifi cá-las em numéricas e estruturais. Nesse sentido, foram reconhecidas as diferenças entre ploidia e aneuploidias e seus principais exemplos. Em seguida, foram estudados os principais tipos de alterações cromossômicas numéricas, dentre elas a Síndrome de Turner, a Síndrome de Down, a Síndrone de Klinefelter, a Síndrome de Patau e a Síndrome de Edwards, considerando suas causas e características. Por fi m, foram estudadas as alterações cromossômicas estruturais, tais como a deleção, duplicação, inversão e translocação, bem como suas consequências fenotípicas. 1 2 3 4 5 6 7 8 Aula 6 Variação e Herança 175 Autoavaliação Complete corretamente a frase abaixo utilizando as palavras em destaque: Inversão cromossômica Aneuploides Inversão pericêntrica Klinefelter Síndrome de Turner Inversão paracêntrica Mutação cromossômica Agente mutagênico 21 Cariótipo ________________________ são aqueles indivíduos que têm um cromossomo extra, os que têm um cromossomo ausente ou os que possuem uma combinação dessas anomalias. Às características do conjunto cromossômico de uma espécie dá-se o nome de ___________________________. O cariótipo 45, X, também conhecido como XO, é característico da _____________________________. A Síndrome de Down caracteriza-se da pela adição de um cromossomo no par de número__________________________. A Síndrome de _____________________________ apresenta o cariótipo 47, XXY. _____________________________ é o nome dado a qualquer alteração perma- nente na constituição cromossômica de um organismo. Um rearranjo intracromossômico que resulta na rotação de 180 de um segmento cromossômico é chamado de _____________________________. Uma substância química ou um fator físico capaz de alterar um segmento cromos- sômico recebe o nome de ________________________________. 9 Anotações Aula 6 Variação e Herança176 Quando o centrômero encontra-se incluído em um segmento cromossômico in- vertido dá-se o nome de _______________________________; e quando esse não se encontra, chamamos de_______________________. Referências GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à Genética. 6. ed.. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1996. 856 p. GRIFFITHS, A. J. F. et al. An introduction to genetics analysis. 7. ed. Nova Iorque, USA: W. H. Freeman, 1999. GUSMÃO, F. A. F.; TAVARES, Eraldo J. M.; MOREIRA, L. M. de Azevedo. Idade materna e síndrome de Down no Nordeste do Brasil. Cad. Saúde Pública [online], v. 19, n. 4, p. 973- 978, 2003. KLUG, W. S. et. al. Conceitos de Genética. 9. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2010. 896 p. MORI, L.; PEREIRA, M. A. Q. R. Meiose e as Leis de Mendel. Disponível em: <http://www. ib.usp.br/microgene/fi les/manuais-7-PDF.pdf>. Acesso em: 19 jan. 2011. WATSON, J. DNA: O segredo da vida. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. 470 p. Anotações Aula 6 Variação e Herança 177 Anotações Aula 6 Variação e Herança178 Herança Genética Relacionada ao Sexo 7 Aula 1 2 3 4 5 Aula 7 Variação e Herança 181 Apresentação Na Aula 5 – Determinação Cromossômica do Sexo, discutimos quais são os sistemas que determinam o sexo em espécies vegetais e animais. Já para esta Aula, nossa proposta, inicialmente, é revisar e ampliar alguns conceitos importantes já vistos naquela aula, incluindo maiores detalhes. A seguir, devido ao fato de os cromossomos sexuais serem parcialmente homólogos, apresentaremos os tipos de herança genética relacionada ao sexo. Assim, os genes localizados nesses cromossomos se expressam diferencialmente em machos e fêmeas, exibindo quatro tipos de herança: ligada, restrita, infl uenciada e limitada pelo sexo. Aqui, detalharemos e dare- mos exemplos de cada tipo, empregando a espécie humana e também animais como modelos. É importante que você releia a Aula 5 desta disciplina, pois os sistemas de determinação do sexo lá apresentados e discutidos serão importantes para tornar mais fácil a compreensão de outros conceitos aqui abordados. Faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais rápido possível. Bom estudo! Objetivos Reconhecer conceitos importantes relacionados aos cro- mossomos sexuais. Descrever a Hipótese de Lyon. Defi nir e interpretar um heredograma. Descrever os tipos de herança genética relacionada ao sexo. Diferenciar os tipos de herança para algumas característi- cas em humanos e animais. X Y a Z W b Aula 7 Variação e Herança 183 Os cromossomos sexuais A genética relacionada ao sexo que o indivíduo exibe trata das heranças que são determi-nadas por genes localizados nos cromossomos sexuais ou por genes autossômicos, cujas expressões são infl uenciadas pelos hormônios sexuais ou condições anatômicas, tais como a presença de útero e testículos. Portanto, podemos defi nir a herança autossômica como aquela relacionada à transmissão dos alelos localizados nos autossomos, e a herança relacionada ao sexo como aquela que envolve alelos localizados nos cromossomos sexuais. Assim, como visto na Aula 5 – Determinação Cromossômica do Sexo, os mamíferos possuem os cromossomos sexuais X e Y (Figura 1a), em que as fêmeas são XX (homoga- méticas) e os machos XY (heterogaméticos); já nas aves, esses cromossomos são o Z e W (Figura 1b), em que as fêmeas são ZW (heterogaméticas) e os machos ZZ (homogaméticos). Portanto, para esses dois sistemas, os indivíduos heterogaméticos determinam o sexo de seus descendentes, isto é, os machos, no caso dos mamíferos; e as fêmeas, no caso das aves. Lembramos que existem outros sistemas sexuais, mas que não serão abordados nesta aula. Figura 1 – (a) Cromossomos sexuais X e Y e (b) Cromossomos sexuais Z e W Fontes: (a) Adaptado de <http://www.contexo.info/DNA_Basics/chromosomes.htm>. Acesso em: 10 jan. 2012; (b) Lucca et al (1991). Diferentemente dos autossomos - em que, durante a meiose, ocorre pareamento completo dos cromossomos na formação dos gametas (Figura 2a) - para os cromossomos sexuais, verifi camos algumas regiões que são homólogas e outras que são diferenciais (Figura 2b). Podemos observar na Figura 2b que os cromossomos X e Y apresentam duas regiões ho- mólogas curtas, uma em cada extremidade dos cromossomos que atuam como se fossem autossomos. Estas regiões são denominadas de regiões pseudo-autossômicas 1 e 2 e sofrem crossing-over durante a meiose na formação dos gametas masculinos e femininos. Região diferencial do X(genes ligados ao X) X Y Região diferencial do Y (genes ligados ao Y) Gene de masculinização SRY Centrômero Região pseudo- autossômica 1 Região pseudo- autossômica 2 Materno Paterno Quiasma Centrômeros Cromátides-irmãs a b Aula 7 Variação e Herança184 Figura 2 – (a) Pareamento entre um par de autossomos e (b) Pareamento entre cromossomos sexuais X e Y Fontes: (a) <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/citologia/meiose-2.php>. Acesso em: 12 jan. 2012; (b) Griffi ths et al (2011). Já as regiões diferenciais, que contêm a maioria dos genes, não apresentam homologia com o outro cromossomo sexual. Dessa forma, nos homens, os genes, nessa região, são denominados de hemizigotos (“metade zigotos”). A região diferencial do cromossomo X contém várias centenas de genes que não infl uenciam funções sexuais. Já no cromossomo Y, existem apenas algumas dúzias de genes, dos quais alguns têm homologia com partes do cromossomo X e outros não. Esse último tipo infl uencia em funções sexuais masculinas. Podemos exemplifi car isto através do gene SRY, que determina a própria masculinidade, e outros genes que são específi cos para a produção de espermatozoides. Portanto, de maneira geral, é esperado que os padrões de herança relacionados ao sexo do indivíduo sejam diferentes daqueles dosautossomos. Como exemplo, citamos os genes que estão presentes apenas no cromossomo X de mamíferos que, consequentemente, estarão representados duas vezes nas fêmeas e uma vez nos machos. Lembramos que tanto nos mamíferos (XY) quanto nas aves (ZW) ocorre um meca- nismo que permite minimizar os efeitos de as fêmeas apresentarem dois cromossomos XX (mamíferos) e os machos dois cromossomos ZZ (aves). Tal mecanismo é denominado de imprinting e foi detalhado na Aula 5. Entretanto, com o objetivo de apresentar maiores detalhes sobre o assunto, a seguir, apresentamos a hipótese de Lyon, que contempla esse mecanismo. 1Atividade Aula 7 Variação e Herança 185 Apresente as diferenças entre autossomos e cromossomos sexuais. Quais as consequências dessas diferenças para o organismo? 46, X a 47, XX 48, XXX 49, XXXX b Aula 7 Variação e Herança186 Hipótese de Lyon Resumidamente, o mecanismo de imprinting consiste na expressão de apenas um dos alelos, podendo ser o de origem paternal ou maternal. Esse mecanismo foi proposto em 1961, por Mary Lyon, sendo denominado de hipótese de Lyon, a qual é apresentada a seguir baseando-se no sistema XY: 1) Nas células somáticas de fêmeas dos mamíferos apenas um cromossomo X está ativo, ou seja, seus genes se expressam; o segundo cromossomo X permanece condensado e inativo, formando o corpúsculo de Barr ou cromatina sexual. Assim, o número desses corpúsculos pode ser determinado como o número de cromossomos X por célula menos um (Figura 3). Figura 3 – (a) Visualização de um corpúsculo de Barr em fêmeas normais (XX) e (b) Visualização de dois ou mais corpúsculos de Barr em fêmeas que apresentam algum distúrbio. Corpúsculos de Barr são representados pelos pontos claros Fonte: Thompson e Thompson (2008). 2) A inativação de um dos cromossomos X ocorre no início da vida embrionária (13º ao 16º dia de vida embrionária), sendo que a célula inativa apenas um de todos os cromossomos X que a célula possuir; 3) Em qualquer célula somática feminina, o cromossomo X inativo pode ser aquele de origem paterna ou materna, ocorrendo de forma aleatória (Figura 4). XP XM XP XP XP M M M M P P P PPP XM XM XMXM XP XM XP Zigoto Blastocisto Inativição precoce do X na embriogênese Inativição aleatória e irreversível Padrão em mosaico do cromossomo X no adulto M M Aula 7 Variação e Herança 187 Figura 4 – Representação da aleatoriedade das células femininas que apresentam imprinting paterno (P) ou imprinting materno (M) do cromossomo X. Fonte: Millor Fernandes do Rosário. Portanto, a relação entre o sexo que o indivíduo exibe e a manifestação de uma caracterís- tica específi ca é determinada, entre outros fatores, pelo fato de os cromossomos sexuais serem apenas parcialmente homólogos. Baseando-se nessa evidência, existem três possibilidades: 1) região do cromossomo X não homóloga a Y 2) região do cromossomo Y não homóloga a X 3) região de homologia entre os cromossomos X e Y Então, podemos classifi car as heranças relacionadas ao sexo da seguinte forma: � Herança ligada ao sexo: aquela determinada por genes localizados exclusivamente no cromossomo X; � Herança restrita ao sexo: aquela determinada por genes localizados exclusivamente no cromossomo Y; � Herança infl uenciada pelo sexo: aquela determinada por genes localizados nos autosso- mos, cujo fenótipo é evidenciado em ambos os sexos, em função da constituição hormonal do organismo; � Herança limitada pelo sexo: aquela determinada por genes localizados nos autossomos, cujo fenótipo é determinado pela presença ou ausência de um dos hormônios sexuais, ou seja, ou machos ou fêmeas exibem a característica. 2Atividade Aula 7 Variação e Herança188 A seguir, daremos detalhes sobre cada tipo dessas heranças, incluindo exemplos de alguns casos de características mais conhecidas. Enfatizaremos fenótipos evidenciados na espécie humana e também em alguns animais, a fi m de facilitar a compreensão dos conceitos e ideias já apresentados. Mas antes, defi niremos conceitos relacionados à interpretação de heredogramas, incluin- do importâncias e símbolos empregados em sua confecção. Apresente as três bases que dão suporte à hipótese de Lyon. Homem Mulher Sexo não- especificado Reprodução Pais e filhos: 1 menino; 1 menina (em ordem de nascimento) Dizigóticos (gêmeos não- idênticos) Monozigóticos (gêmeos idênticos) Número de filhos do sexo indicado Indivíduos afetados Heterozigotos para autossômico recessivo Portadora de recessivo ligado ao sexo Morte Aborto ou natimorto (sexo não-especificado) Propósito Método de identificar pessoas em um heredograma: aqui o propósito é a criança 2 na geração II, ou II-2 Casamento consanguíneo 2 3 I 1 1 2 2 3 II Aula 7 Variação e Herança 189 Interpretando um heredograma A análise de heredogramas consiste em um levantamento de registros de reproduções. Este levantamento é baseado em registros médicos na expectativa de que reproduções infor- mativas tenham ocorrido para que se possa deduzir uma herança monogênica, que é aquela controlada por apenas um gene, como visto na Aula 1 – Genética Mendeliana – desta disciplina. Salientamos que a herança monogênica pode controlar o padrão de segregação de genes localizados tanto nos autossomos quanto nos cromossomos sexuais. Entretanto, nesta Aula, nos restringiremos apenas ao segundo caso. Dessa forma, podemos defi nir como reprodu- ção informativa aquela em que a partir de um cruzamento inicial e ao longo das gerações é possível inferir as chances de os fi lhos e as fi lhas serem afetados por distúrbios relacionados aos cromossomos sexuais. A partir da análise de heredogramas é possível se benefi ciar do chamado aconselhamento genético. Casais que pretendem ter fi lhos podem consultar um geneticista, que realizará alguns exames, dentre eles, a análise de perfi l genético. De posse dos resultados de tais exames é possível prever o nascimento de fi lhos e fi lhas com maiores chances de não desenvolverem ou que não sejam portadores de alelos que conduzam a distúrbios de saúde. Basicamente, os heredogramas resumem cruzamentos e descendentes de uma forma gráfi ca. Para tanto são empregados símbolos, os quais são resumidos na Figura 5. Figura 5 – Símbolos empregados na análise de heredogramas Fonte: Griffi ths et al (2011). 3Atividade Aula 7 Variação e Herança190 O que é um heredograma e qual a sua importância? I 1 2 1 1 2 3 4 2 3 II III X XA A X YA X Ya X XA a X YA X Ya X YA X XA a X XA A Aula 7 Variação e Herança 191 Herança ligada ao sexo A herança ligada ao sexo é determinada por genes exclusivamente localizados no cro- mossomo X, o qual apresenta 160 milhões de pares de bases, com cerca de 700 genes. Os genes que conduzem a esse tipo de herança estão localizados na porção do cromos- somo X não homóloga ao cromossomo Y. Portanto, para os genes do cromossomo X, as mulheres possuem dois alelos, pois elas são XX; já os homens que são XY, possuem apenas um alelo. Existem alguns casos particulares da herança ligada ao sexo em função do modo de ação gênica. Eles são: 1) herança recessiva ligada ao cromossomo X e 2) herança dominante ligada ao cromossomo X. Vamos conferir cada um deles, incluindo exemplos? Herança Recessiva Ligada ao Cromossomo X Pelo fato de as fêmeas possuírem duas cópias do cromossomo X e os machos apenas uma cópia, alguns distúrbios, tais como distrofi a muscular de Duchenne, síndrome de femi- nilização testicular, hemofi lia e daltonismo, se manifestam em maior frequência nos machos do que nas fêmeas. Dessa forma, os machos não transmitem aos seus descendentes machos o alelo desfavorável, mas apenas as fêmeas portadoras desse aleloé que o transmitem. A seguir, damos as possíveis combinações de cruzamentos e as consequentes proporções de descendentes afetados ou não: 1) Fêmea portadora com macho normal: metade de seus fi lhos e fi lhas terão o alelo da característica; 2) Macho afetado e fêmea normal: todos os fi lhos normais e fi lhas portadoras heterozigotas; 3) Macho afetado com fêmea portadora: metade das fi lhas portadoras heterozigotas e outra metade homozigota afetada. Na Figura 6 é representado o heredograma que ilustra esse tipo de herança. Figura 6 – Heredograma da herança recessiva ligada ao cromossomo X. Note que III-3 e III-4 não podem ser distintos fenotipicamente Fonte: Griffi ths et al (2011). Aula 7 Variação e Herança192 Dentre os distúrbios mais conhecidos, podemos destacar a distrofi a muscular de Du- chenne, que conduz o indivíduo à morte. Os primeiros sintomas aparecem por volta dos 6 anos de idade, progredindo para o confi namento a uma cadeira de rodas aos 12 anos e morte prematura aos 20 anos. Já a síndrome de feminilização testicular ocorre em uma frequência de aproximada de 1 em 65 mil nascimentos masculinos. Neste caso, o indivíduo afetado é cromossomicamente homem (44 autossomos mais um cromossomo X e um Y), mas desenvolve-se como mulher. Apresenta genitália externa masculina, uma vagina em fundo de saco e não possui útero; já os testículos podem estar presentes ou nos grandes lábios ou no abdome. Este distúrbio não é revertido por meio de tratamento com hormônio masculino e, dessa forma, pode ser deno- minado também de síndrome de insensibilidade androgênica. A seguir, ilustramos, detalhadamente, outros distúrbios: hemofi lia e daltonismo. Hemofi lia Esse distúrbio caracteriza-se pela defi ciência na coagulação do sangue devido à falta de determinadas proteínas que participam do processo de coagulação sanguínea. Essas proteínas são denominadas de fatores de coagulação e a ausência de uma delas torna a coagulação muito lenta e, consequentemente, o indivíduo tende a apresentar hemorragias. Existem dois tipos de hemofi lia ligada ao sexo: 1) hemofi lia A: caracterizada pela falta de globulina anti-hemofílica (Fator VIII), ocorrendo em 80% dos casos de hemofi lia, sendo conhecida nas famílias reais da Europa; 2) hemofi lia B (ou doença de Christmas): caracterizada por uma alteração no componente tromboplastínico do plasma (PTC ou Fator IX), com efeitos mais drásticos do que a hemofi lia A, ocorrendo também em cães. A frequência de ocorrência de hemofi lia na espécie humana é de cerca de 1 homem hemofílico para cada 10.000 nascimentos masculinos, enquanto que nas mulheres apenas 1 é afetada em 100 milhões de nascimentos femininos. Abaixo, apresentamos a representação dos fenótipos e respectivos genótipos para esse distúrbio: Fenótipos Genótipos Mulher normal XHXH Mulher portadora XHXh Mulher hemofílica XhXh Homem normal XHY Homem hemofílico XhY Quadro 1 – Possibilidades de fenótipos e respectivos genótipos para a característica hemofi lia Para facilitar a compreensão do assunto, damos o exemplo do cruzamento entre uma mulher portadora do alelo recessivo (XHXh) com um homem hemofílico (XhY) na Figura 7. Note que nesse caso tanto os fi lhos quanto as fi lhas poderão ser normais ou hemofílicos. Pai hemofílico Mãe portadora XX h X Y h Filha portadora Filha hemofílica Filho hemofílico Filho normal X Y h h X Y h XYXX h Aula 7 Variação e Herança 193 Figura 7 – Representação do cruzamento entre uma mulher (normal portadora) e um homem (hemofílico) portadores do alelo recessivo para hemofi lia e seus possíveis descendentes Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/hemofi lia/hemofi lia-5.php>. Acesso em: 12 jan. 2012. Daltonismo O daltonismo se caracteriza pela diminuição do número de células denominadas de cones retinais, que são sensíveis à luz, especialmente à cor verde. Assim, as pessoas que possuem esse distúrbio não conseguem distinguir a cor vermelha da verde, enxergando ambas em tons de cinza. Nesse caso, as mulheres podem ser homozigotas normais, heterozigotas ou homozigotas recessivas (raramente) para o alelo recessivo, pois elas possuem dois cromossomos X, o que confere uma maior probabilidade de receberem o alelo normal de ao menos um dos pais. As mulheres heterozigotas variam no grau em que a visão de cores é afetada, pois depende da proporção de cones retinais que expressam o alelo normal. Já os homens recebem um alelo dominante (normal) ou um alelo recessivo (visão defeituosa para as cores vermelha e verde). Os testes para detectar o daltonismo são baseados em quadros formados por pontilhados. Nesse teste, uma pessoa normal lê 74 e uma daltônica, 21. Abaixo, apresentamos a representação dos fenótipos e respectivos genótipos para esse distúrbio: Fenótipos Genótipos Mulher normal XDXD Mulher portadora XDXd Mulher daltônica XdXd Homem normal XDY Homem daltônico XdY Quadro 2 – Possibilidades de fenótipos e respectivos genótipos para a característica daltonismo 4Atividade (Portadora) (Portadora)(Normal) (Normal) (Normal) X XD D X Xd D X XdD X YD X YD X Yd (Daltônico) Aula 7 Variação e Herança194 Figura 8 – Heredograma representando o cruzamento entre uma mulher portadora do alelo recessivo para daltonismo e um homem normal e seus possíveis descendentes Fonte: Millor Fernandes do Rosário. Resuma o modo de ação da herança recessiva ligada ao cromossomo X, incluindo exemplos de características controladas por esse tipo de herança. Ilustramos esse distúrbio através do cruzamento entre uma mulher portadora de um alelo do daltonismo (XDXd) com um homem normal (XDY) na Figura 8. Note que neste caso apenas metade dos fi lhos machos são daltônicos. X X aA X Xaa X X aA X X aA X X aa X Ya X Ya X YA X Ya X Ya X YA I II III Aula 7 Variação e Herança 195 Herança dominante ligada ao cromossomo X Ocorre em menor frequência do que as recessivas ligadas ao cromossomo X, mas por outro lado é mais frequente em fêmeas, não se observando a transmissão de pai para fi lho. O indivíduo que possua apenas um alelo já manifestará a característica. Dessa forma, do cru- zamento entre uma mulher normal e um homem afetado, 100% de suas fi lhas serão afetadas e 100% de seus fi lhos serão normais, pois o gene apresenta ação dominante e situa-se no cromossomo X. A seguir, resumimos as características desse tipo de herança: 1) Machos afetados transmitem a condição para todas as suas fi lhas, mas a nenhum de seus fi lhos; 2) Fêmeas heterozigotas afetadas cruzadas com machos normais passam a condição para metade de seus fi lhos e fi lhas. A Figura 9 ilustra o heredograma para um distúrbio dominante ligado ao cromossomo X. Figura 9 – Heredograma da herança dominante ligada ao cromossomo X. Note que neste caso mulheres heterozigóticas transmitirão a condição para metade de seus fi lhos e fi lhas Fonte: Griffi ths et al (2011). Como exemplos, podemos citar a hipofosfatemia, que é um tipo de raquitismo resistente à vitamina D, a incontinência pigmentar tipo I, a síndrome de Rett, dentre outros. No Quadro abaixo, ilustramos as possibilidades de fenótipos exibidos pelos indivíduos que possuem diferentes genótipos para a hipofosfatemia. A letra R representa raquitismo. Penas de cobertura Fêmea Penas primárias Macho a b Aula 7 Variação e Herança196 Fenótipos Genótipos Mulher normal XrXr Mulher afetada XRXR Mulher afetada XRXr Homem normal XrY Homem afetado XRY Quadro 3 – Possibilidades de fenótipos e respectivos genótipos para a característica hipofosfatemia Nas aves, em que a fêmea é ZW e o macho ZZ, podemos citar como exemplo desse tipo de herança o gene Br (do inglês barred, barrado), que se caracteriza pelo fenótipo plumagemcarijó (barras brancas e pretas) em galinhas da raça Plymouth Rock Barrada (Figura 10a). Dessa forma, fêmeas podem apresentar barras estreitas (ZBrW) ou serem desprovidas delas (ZbrW), enquanto que machos podem exibir barras largas (ZBrZBr), estreitas (ZBrZbr) ou au- sência de barras (ZbrZbr). Isso ocorre porque o gene responsável por esse fenótipo localiza-se exclusivamente no cromossomo Z. Outro exemplo interessante em aves é o gene K, que confere empenamento rápido ou lento dependendo do sexo da ave. Assim, ele é empregado na sexagem de aves logo após o nascimento. Por exemplo, os pintinhos obtidos a partir do cruzamento entre uma fêmea ZKW com um macho ZkZk exibirão dois fenótipos: ZKZk, ou seja, machos com empenamento lento e ZkW, ou seja, fêmeas com empenamento rápido (Figura 10b). Figura 10 – (a) Galinhas Plymouth Rock Barrada e (b) Fenótipo exibido por fêmea de empenamento rápido e macho de empenamento lento Fonte: (a) <http://www.cpt.com.br/artigos/criacao-de-galinha-caipira-resulta-em-produtos-mais-saudaveis>; (b) <http://animalsciences.missouri.edu/reprod/Notes/poultry/index.htm>. Acesso em: 14 jan. 2012. 5Atividade Aula 7 Variação e Herança 197 Resuma o modo de ação da herança dominante ligada ao cromossomo X, incluindo exemplos de características controladas por esse tipo de herança. Aula 7 Variação e Herança198 Herança restrita ao sexo Determinada por genes exclusivamente localizados em regiões do cromossomo Y não homólogas ao cromossomo X. Essa herança também é chamada de herança holândrica (do grego holos, “total” e andros, “homem”). Em humanos, o cromossomo Y apresenta cerca de 58 milhões de pares de bases e con- tém 86 genes, que codifi cam apenas 23 proteínas. Assim, como existem genes exclusivos no cromossomo X, existem outros genes que ocorrem somente no cromossomo Y. Portanto, esse tipo de herança só se manifesta nos homens, pois seus genes se localizam na região do cromossomo Y não homóloga ao cromossomo X. Consequentemente, a transmissão da característica ocorre apenas de pai para fi lho. Alguns exemplos que são propostos como sendo controlados por esse tipo de herança são as membranas interdigitais nos pés e a hipertricose auricular. Esta última é caracteriza- da pela presença de pelos longos e abundantes na orelha (Figura 11). Em ambos os casos todos os fi lhos homens de um pai afetado serão afetados e nenhuma das fi lhas apresentará a característica. Figura 11 – Fenótipo da hipertricose auricular Fonte: <http://www.infoescola.com/genetica-humana/heranca-restrita-ao-sexo/>. Acesso em: 14 jan. 2012. 6Atividade Aula 7 Variação e Herança 199 Resuma o modo de ação da herança restrita ligada ao sexo, incluindo exemplos de ca- racterísticas controladas por esse tipo de herança. Aula 7 Variação e Herança200 Herança infl uenciada pelo sexo Essa herança pode ocorrer em ambos os sexos, mas com maior frequência exibida por um dos sexos, já que o padrão de dominância do gene autossômico responsável pelo distúrbio é afetado pela proporção dos hormônios sexuais. Podemos citar como exemplo a calvície em humanos (Figura 12). O gene B (do inglês bald, calvo) comporta-se como dominante em homens e recessivo em mulheres e se expressa em heterozigose apenas na presença do hormônio masculino. Assim, a calvície ocorre mais frequentemente em homens do que em mulheres, já que não está ligada ao cromossomo X, mas sim se trata de uma característica autossômica dominante em homens e autossômica recessiva em mulheres. Mulheres heterozigotas transmitem as características para a prole, mas não manifestam a calvície. Figura 12 – Fenótipo da calvície exibido pelo homem Fonte: <http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/por-dentro-das-celulas/de-bem-com-o-espelho/image>. Acesso em: 15 jan. 2012. Defi nimos as possibilidades de fenótipos exibidos pelos indivíduos que possuem os genótipos para a calvície, conforme segue abaixo: Genótipos Fenótipos ♀ ♂ BB calvas calvos Bb normais calvos bb normais normais Quadro 4 – Possibilidades de genótipos e respectivos fenótipos para a característica calvície em função do sexo do indivíduo Aula 7 Variação e Herança 201 Em animais, podemos citar como exemplo a pelagem de bovinos da raça Ayrshire. Ela é determinada pelos alelos M1 e M2. Machos e fêmeas com genótipo M1M1 apresentam pelagem acaju e branca e com genótipo M2M2, vermelha e branca. Em heterozigose, os ma- chos apresentam coloração do pelo acaju e branca, enquanto nas fêmeas é vermelha e branca. Outro exemplo em animais reside na característica chifres em ovinos da raça Dorset, que é determinada pelos alelos H e h. Assim, animais com genótipo HH apresentam chifres e aqueles com genótipo hh são mochos. Os carneiros heterozigotos possuem chifres e as ovelhas são mochas. Herança limitada pelo sexo Esse tipo de herança ocorre em apenas um dos sexos devido à ação dos hormônios sexuais que infl uenciam a expressão de genes autossômicos e a diferenças anatômicas como, por exemplo, presença de útero e testículos. Alguns exemplos são os genes responsáveis pela produção de leite e pela gemelaridade dizigótica (capacidade de produzir dois óvulos). É óbvio que essas características limitam-se às fêmeas, mas são transmitidas para ambos os sexos. Outro exemplo interessante trata-se das diferenças na plumagem exibidas pelos galos e galinhas. Na raça Leghorn, os machos têm penas longas, pontudas, encurvadas e franjadas na cauda e no pescoço (plumagem de galo), mas as penas das fêmeas são mais curtas, arre- dondadas, mais retas e sem franja (plumagem de galinha) (Figura 13). Figura 13 – Padrão da plumagem exibido pela galinha e galo Fonte: Burns e Bottino (1991). Assim, podemos resumir os fenótipos e genótipos que são apresentados a seguir: 7Atividade Aula 7 Variação e Herança202 Genótipos Padrão de plumagem ♀ ♂ HH galinha galinha Hh galinha galinha hh galinha galo Quadro 5 – Possibilidades de genótipos e respectivos fenótipos para a característica plumagem em função do sexo da ave Diferencie herança infl uenciada pelo sexo da herança limitada pelo sexo. Apresente o modo de ação de cada um delas, incluindo exemplos de características controladas por elas. I II III Aula 7 Variação e Herança 203 Herança mitocondrial Esse é um tipo especial de herança que não se enquadra nas classifi cações apresentadas e discutidas nesta Aula, mas que está relacionada ao sexo. Por isso, achamos conveniente apresentá-la pelo fato de ela exibir herança exclusivamente de origem materna e, portanto, pode ser denominada também de herança citoplasmática ou materna. A Figura 14 ilustra o heredograma de um distúrbio que é controlado por esse tipo de herança. Figura 14 – Heredograma representando a herança mitocondrial Fonte: Griffi ths et al (2011). Como a maioria dos distúrbios é causada por genes localizados no DNA contido no núcleo da célula, como, por exemplo, todos aqueles apresentados nesta Aula, pouca atenção tem sido dada a esse tipo de herança. Mas existem certos distúrbios que são causados pela herança mitocondrial. Lembramos que cada célula de seu corpo possui várias centenas de mitocôndrias em seu citoplasma, todas de origem materna. Estas mitocôndrias participam do processo de fosforilação oxidativa que gera o ATP, o qual é a energia para o metabolismo celular. Apesar da origem exclusivamente materna, já foi evidenciado que o DNA mitocondrial é altamente mutável e responsável por vários distúrbios tanto em sexo masculino como feminino. A Figura 15 apresenta o mapa do DNA mitocondrial humano contendo os locos de mutações que conduzem a esses distúrbios. 8Atividade Doenças: MERRF LHON NARP MELAS MMC PEO KSS MILS Epilepsia mioclônica e fibras vermelhas anfractuadas Neuropatia óptica hereditária Fraqueza muscular neurogênica,ataxia e retinite pigmentosa Encefalomiopatia mitocondrial, acidose lática e sintomas tipo ataque Miopatia e cardiomiopatia herdadas maternamente Oftalmoplegia externa progressiva Síndrome de Kearns-Sayre Síndrome de Leigh herdada maternamente Delegação típica em KSS/PEO F V L ND1 ND6 ND5 ND4L/4 ND3 I Q M ND2 16S 12S W A N C Y S D G R H S L E P T Citb K COX I COX II ATPase 8/6 COX III Surdez induzida por aminoglicosídeo MELAS MILS MELAS PEO Miopatia Cardiomiopatia Diabetes e sudez MELAS LHON PEO Cardiomiopatia Coréia MILs PEO Encefalopatia Miopatia MERRF Surdez Ataxia; mioclono Surdez Cardiopatia MERRF Mioglobinúria MELAS MELAS Miopatia Deficiência respiratória Miopatia Miopatia LHON/ Distonia Encefalomiopatia Cardiomiopatia LHON/ Distonia LHON Miopatia Anemia mtDNA humano 16.569 pb Surdez NARP MILS FBSN Aula 7 Variação e Herança204 Figura 15 – Representação do DNA mitocondrial humano ilustrando a localização de genes que causam algumas doenças Fonte: Griffi ths et al (2011). Faça uma busca na internet pelos sintomas típicos dos seguintes distúrbios que apre- sentam herança mitocondrial em humanos: a) MERRF: Aula 7 Variação e Herança 205 b) LHON: c) NARP: d) MELAS: e) MILS: Resumo 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Aula 7 Variação e Herança206 N esta aula, você pôde revisar e solidifi car alguns conceitos relacionados aos cromossomos sexuais e também compreendeu a importância da compensação de alelos dos genes localizados no cromossomo X de fêmeas (XX) das espécies de mamíferos, por meio da hipótese de Lyon. Você compreendeu que o fato de os cromossomos sexuais serem parcialmente homólogos nos possibilita classifi car as heranças relacionadas ao sexo em quatro tipos: ligadas, restritas, infl uenciadas e limitadas pelo sexo. Para cada tipo, detalhamos os mecanismos genéticos, incluindo a análise de heredogramas. Também demos exemplos de algumas características mais estudadas em humanos e em animais. Ainda incluímos a herança mitocondrial, já que ela é de origem exclusivamente materna, mencionando alguns distúrbios em humanos. O tema desta Aula é de grande utilidade aos casais que pretendem ter fi lhos, devido ao aconselhamento genético, em que, através da análise de heredogramas, é possível prever o nascimento de fi lhos com certos distúrbios como aqueles discutidos aqui. Autoavaliação É muito comum a preocupação da família e dos amigos quando indivíduos aparentados pretendem se casar, já que existe alguma probabilidade de os filhos nascerem com algum distúrbio de saúde que esteja relacionado ao sexo do futuro bebê. Por precaução, atualmente, casais nessa situação têm procurado o auxílio de um gene- ticista para que o aconselhamento genético seja realizado. Dessa forma, o heredograma abaixo, retirado de Griffi ths et al. (2011), foi obtido atra- vés da análise de perfi l genético durante o aconselhamento genético de alguns primos que pretendem se casar. Note que os indivíduos representados em negrito são afetados para uma doença rara. Aula 7 Variação e Herança 207 Baseado nesse heredograma, responda: a) Qual o modo mais provável de herança dessa doença? b) Quais seriam os resultados dos casamentos entre os primos 1 x 9, 5 x 10, 2 x 3 e 7 x 8. Referências BIOMANIA. Sexo e herança. Disponível em: <http://www.biomania.com.br/bio/conteudo. asp?cod=1222>. Acesso em: 5 jan. 2012. BORGES-OSÓRIO, M. R.; ROBINSON, W. M. Genética humana. Porto Alegre: Editora Art- med, 2001. 459p. BURNS, G. W.; BOTTINO, P. J. Genética. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 1991. 381p. GRIFFITHS, A. J. F. et al. Introdução à genética. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan, 2011. 712p. LUCCA, E. J.; SHIRLEY, L. R.; LANIER, C. Karyotype studies in twenty-two species of parrots (Psittaciformes; Aves). Revista Brasileira de Genética, v. 14, n. 1, p.73-98, 1991. NUSSBAUM, R. L.; McINNES, R. R.; WILLARD, H. F. Thompson & Thompson Genetics in Medicine. Philadelphia: W.B. Saunders, 2007. 600p. Anotações Aula 7 Variação e Herança208 Evolução I 8 Aula 1 2 3 4 Aula 8 Variação e Herança 211 Apresentação Evolução não signifi ca progresso, mas sim mudança, que pode conferir vantagens ou desvantagens para uma determinada espécie. O sucesso ou fracasso evolutivo está relacionado ao ambiente, já que esse se encontra em constante alteração. Por isso, de- monstraremos nesta aula quais foram as mudanças ocorridas desde a formação do Universo, incluindo as diversas mudanças ambientais ocorridas em nosso planeta, desde a sua formação, que propiciaram o surgimento da vida. Já as teorias evolucionistas, como as do famoso biólogo inglês Charles Darwin, serão abordadas na Aula 9. Sugerimos que você faça anotações e, em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina o mais breve possível, a fi m de permitir uma melhor compreensão do tema que abordaremos nesta aula. Bom estudo! Objetivos Descrever a formação do universo. Conhecer quais eram as condições ambientais que pro- piciaram a formação dos primeiros seres vivos na Terra. Identifi car a história evolutiva da Terra destacando os prin- cipais eventos biológicos e ambientais por meio de uma linha do tempo. Defi nir as formas de comprovar a evolução das espécies. Aula 8 Variação e Herança 213 A formação do universo – Big Bang Antes de conhecermos detalhes sobre a evolução dos organismos, entenderemos como se deu o surgimento do Universo e também da Terra, e quais foram as mudanças geológicas e atmosféricas que favoreceram o surgimento da vida em nosso planeta. Dessa forma, as evidências científi cas permitem sugerir que, há cerca de 10 a 20 bilhões de anos, uma massa compacta de matéria explodiu, espalhando fragmentos pelo Universo que, num segundo momento, se fundiram para formar, por exemplo, planetas, cometas e satélites. Esse evento deu origem à Teoria do Big Bang, que considera que tais fragmentos se deslocam continuamente e, por isso, o Universo estaria em contínua expansão até o presente. Com o resfriamento desses fragmentos, os átomos de diversos elementos químicos, especialmente hidrogênio e hélio, puderam surgir. Já o Sol teria se formado há cerca de 5 a 10 bilhões de anos, pela compressão do material que o formava devido a forças de atração gravitacional. Dentro desse cenário, foi possível a produção de energia pelo Sol, o que libera- va grande quantidade de calor, possibilitando que outros elementos, derivados do hélio e do hidrogênio, se formassem. E da fusão de elementos liberados pelo Sol com grande quantidade de poeira e gases, teriam se originado os planetas, entre eles a Terra, há 4,6 bilhões de anos. Inicialmente, o aspecto da Terra era de uma bola incandescente, pois era formada por rocha derretida que, milhares de anos após, se solidifi cou e formou a superfi cíe terrestre. Há cerca de 4 bilhões de anos, devido a muitas erupções vulcânicas, a composição da atmosfera terrestre era tóxica, já que continha, por exemplo, gases sulforosos. Nessa época também ocorreu um grande período de chuvas, que durou milhões de anos, e as partes da superfi cie terrestre, que fi caram emersas, formaram os continentes. Aula 8 Variação e Herança214 As condições para a origem da vida Devido à liberação de gases, como o dióxido de carbono, vapor de água, dióxido de enxo- fre e nitrogênio do interior da Terra por meio das emissões dos vulcões e por outros processos, deu início à formação da atmosfera primitiva. Esses gases foram mantidos ao redor da Terra devido à força gravitacional, constituindo, assim, a atmosfera. Todos os tipos de moléculas orgânicas, como por exemplo, as proteínas, que são essen- ciais à vida, provavelmente,se formaram a partir de pequenas moléculas orgânicas, tais como os aminoácidos, as quais se originaram do metano, amônia, hidrogênio e água existentes na atmosfera primitiva. Para que ligações químicas pudessem se estabelecer, houve a ação de des- cargas elétricas oriundas de violentas tempestades e o bombardeamento por raios ultravioletas oriundos do Sol. Como consequência, moléculas maiores e mais complexas se originavam. Essas moléculas que se formavam na atmosfera e na crosta terrestre eram, então, carre- adas pelas águas das chuvas para lagos e mares em formação. O acúmulo dessas substâncias, durante milhões de anos, transformou os mares primitivos num verdadeiro “caldo primordial”. Isso quer dizer que nos mares havia uma grande quantidade de nutrientes disponível para que os primeiros seres vivos pudessem surgir. As reações químicas que se realizavam no interior desse caldo não eram coordenadas e sincronizadas, ao contrário do que conhecemos hoje como vida: conjunto coordenado e sincronizado de reações que se sucedem em sequências rigorosamente ordenadas no tempo e no espaço. Portanto, os seres vivos surgiram a partir de sistemas químicos que, primeira- mente, se isolaram do meio ambiente por meio da compartimentalização devida à formação de membranas, e, posteriormente, conseguiram controlar suas reações químicas. Vamos conferir o porquê da necessidade dessa compartimentalização? Em meio às condições ambientais que a Terra primitiva exibia, ocorreu o surgimento de uma primeira molécula mais estável que apresentava capacidade de fazer cópias de si mesma antes de ser degradada. Consequentemente, essas moléculas, precursoras do que hoje conhe- cemos como DNA e RNA, passaram a existir em grandes quantidades nos mares primitivos. Nasciam, então, os primórdios da herança genética. Como nenhum processo é perfeito, sugiram erros nas cópias dessas moléculas, que se acumularam e fi zeram surgir cópias cada vez menos idênticas, mas, por outro lado, mais variáveis. Essas cópias mutantes se acumularam no “caldo primordial”, permitindo que mo- léculas de diferentes composições químicas se combinassem. As moléculas mutantes, que adquiriam maior estabilidade química, replicavam-se mais rapidamente e se encontravam em maior número. Ou seja, estavam evoluindo por meio de uma seleção molecular. Uma limitação surgiu quando os recursos para formar mais moléculas replicadoras co- meçaram a fi car escassos no “caldo primordial”. Essa foi a primeira situação em que a luta pela sobrevivência foi evidenciada. Com o tempo, algumas populações de moléculas passaram a romper as ligações químicas de outras moléculas diferentes, a fi m de utilizarem seus elemen- Aula 8 Variação e Herança 215 tos químicos para seu processo de replicação. O ambiente tornou-se mais competitivo, pois além da atmosfera que as degradavam ainda tinham de proteger-se da ação danosa de outras moléculas. Assim, as moléculas que exibiam a camada de proteína, cuja função era a mesma de um envoltório protetor em torno de si, sobreviviam ao meio externo. E agora, vamos conferir como se deu essa compartimentalização? A presença de macromoléculas, tais como proteínas, que constituíam o “caldo primordial” exibia uma propriedade denominada de coacervação, que signifi ca que quando dissolvidas em água, os grupos amina (classe de compostos químicos orgânicos nitrogenados) e carboxila (grupamento orgânico COOH presente em ácidos carboxílicos) se ionizam e atraem molécu- las polarizadas como a água. Dessa forma, tais proteínas se isolavam do meio, constituindo agregados. Esse fato demonstra que sistemas isolados podiam se formar sob determinadas condições físico-químicas e, assim, a formação de sistemas isolados nos mares primitivos deve ter sido um fenômeno comum. Esses coacervados, precursores dos seres vivos (há 4-3,8 bilhões de anos), apresentavam uma membrana, cuja função era de protegê-los da ação de outras moléculas. E, no interior deles, pequenas moléculas reagiam entre si e formavam macromoléculas que permaneciam no seu interior, tornando-o cada vez mais complexado. Como esses eventos ocorriam ao acaso, possibilitou uma grande variabilidade na composição química desses coacervados. Houve, então, uma seleção: os coacervados, que apresentavam maior estabilidade química em sua composição, permaneciam por mais tempo no meio e os mais frágeis desapareciam rapida- mente, o que conduzia a um aumento ainda maior do grau de complexidade e de organização deles. Dessa forma, sugiram os organismos unicelulares (há 3,8-3,7 bilhões de anos). E como surgiram os Eucariotos? Ao longo de vários milhões de anos, os seres procariotos habitaram ambientes aquáticos e foram se diversifi cando, sobretudo no que se refere ao seu metabolismo. Alguns desses seres unicelulares desenvolveram um processo metabólico em que a luz do Sol e o CO2 presente na atmosfera primitiva se combinavam e resultava na liberação de oxigênio. Esse processo é a fotossíntese. O surgimento do oxigênio na atmosfera teve um impacto brutal na vida dos únicos habitantes da Terra (os Procariotos). Esse gás, muito reativo, estabelece ligações com diversas moléculas, degradando-as ou modifi cando-as drasticamente. Ao mesmo tempo em que o oxigênio se acumulava na atmosfera terrestre e se tornava tóxico a diversos grupos de Procariotos, alguns grupos ainda sobreviviam às condições de anaerobiose (condição em que há falta de oxigênio) e outros grupos se adaptavam às novas condições de aerobiose (condição em que há presença de oxigênio). Dentre os aeróbios, um grupo, que à semelhança das atuais mitocôndrias (organela presente nas células eucarióticas responsável pela produção de energia no interior da célula), era capaz de aproveitar esse gás para oxidar os compostos orgânicos, obtendo energia para sua manutenção. Esse processo denomina-se respiração. Ionização Processo químico median- te ao qual se produzem íons, espécies químicas eletricamente carregadas, pela perda ou ganho de elétrons a partir de átomos ou moléculas neutras. Aula 8 Variação e Herança216 Apesar dessas capacidades, fotossíntese e respiração, a simplicidade dos Procariotos limitava os processos metabólicos que podiam ser realizados simultaneamente. Alguns gru- pos de Procariotos, que mesmo de forma rudimentar já realizavam reações bioquímicas de respiração e/ou fotossíntese, podem ter evoluído diretamente aos Eucariotos, o que se co- nhece como a Hipótese Autogênica. Por outro lado, tais Procariotos podem ter se associado a outros que não desempenhavam tais reações bioquímicas, o que se denominou Hipótese Endossimbiótica. Segundo a Hipótese Autogênica, os seres eucarióticos são o resultado de uma evolução gradual a partir dos Procariotos. Numa fase inicial, as células desenvolveram sistemas endomembranares resultantes de invaginações da membrana plasmática, que são caracterizadas pelas dobras da membrana celular para o interior da célula, as quais armaze- navam o material genético (DNA), possibilitando a formação do núcleo. Organelas similares ao retículo endoplasmático foram originadas a partir de outras membranas. Posteriormente, segmentos do material genético nuclear evoluíram isoladamente no interior de estruturas membranares e possibilitaram o desenvolvimento de organelas como as mitocôndrias e os cloroplastos (organela que realiza fotossíntese). A Hipótese Autogênica propõe que o material genético nuclear e das organelas, como mitocôndrias e cloroplastos, tenha uma sequência similar. Entretanto, isso não é evidenciado. O material genético nuclear não é similar ao das organelas, que, de maneira geral, apresenta maior semelhança com o de bactérias. Portanto, essas constatações deram suporte para o desenvolvimento da Hipótese En- dossimbiótica. Vamos conferi-la? Lynn Margulis, da Universidade de Massachusetts, propôs essa hipótese,na qual ela de- fendia que os seres eucarióticos fossem resultado da evolução conjunta de vários organismos procarióticos, os quais teriam estabelecido associações simbióticas entre si, ou seja, associa- ções entre dois ou mais seres de espécies diferentes, que lhes permite viver com vantagens recíprocas e os caracteriza como um só organismo. Como algumas células viviam no interior de outras, numa relação de simbiose, ou seja, com benefícios mútuos para as duas células, foi possível defi nir o termo endossimbiose. Embora essa hipótese assuma que as organelas e o núcleo tenham sido resultado de invaginações da membrana plasmática, as mitocôndrias e os cloroplastos seriam, até cerca de 2,1 bilhões de anos, organismos autônomos, à semelhança de bactérias. Dessa forma, foi possível que algumas células de maiores dimensões tivessem cap- turado células menores, como as ancestrais das mitocôndrias e dos cloroplastos, sobrevivido no interior da célula procariótica de maiores dimensões e estabelecido relações simbióticas. A íntima cooperação entre essas células conduziu ao estabelecimento de uma relação simbiótica estável e permanente. A evolução conjunta desses organismos teria levado ao surgimento das células eucarióticas constituídas por várias organelas, algumas das quais foram organismos independentes. Assim, as primeiras relações endossimbióticas teriam sido estabelecidas com os ancestrais das mitocôndrias, pois eles teriam desenvolvido a capacida- de de produzir energia, de forma efi ciente, utilizando, para tanto, o oxigênio no processo de metabolismo de moléculas orgânicas. Outra relação endossimbiótica teria sido desenvolvida por um grupo de procariotos, semelhantes às atuais cianobactérias (grupo heterogêneo de microrganismos com organização procariota fotossintética que contém clorofi la), na qual a ca- pacidade de produzir compostos orgânicos utilizando a energia luminosa teria sido evidenciada. Mas salientamos que nem todas as células eucarióticas possuíam cloroplastos. Esse fato pode ser explicado, segundo a Hipótese Endossimbiótica, pelo estabelecimento de relações 1Atividade Aula 8 Variação e Herança 217 simbióticas de forma sequencial. Assim, as primeiras relações desse tipo teriam sido esta- belecidas com os ancestrais das mitocôndrias e, só posteriormente, algumas dessas células teriam estabelecido tais relações com os ancestrais dos cloroplastos. Para fi xar os conceitos, propomos a seguir uma atividade. Apresente, resumidamente, a forma como as moléculas se organizaram no caldo primitivo até a formação dos organismos eucarióticos, partindo do evento de formação do universo, o Big Bang. Aula 8 Variação e Herança218 Agora, vamos conhecer a história evolutiva da Terra, por meio de uma linha do tempo, que começa com o surgimento do nosso planeta até chegar aos dias atuais. Linha do tempo: história evolutiva da terra Nessa linha do tempo, apresentaremos as Eras Geológicas da história evolutiva da Terra, incluindo os principais eventos biológicos e ambientais que ocorreram desde a formação de nosso planeta. A fi m de facilitar a compreensão do Quadro 1, onde se encontra essa linha do tempo, conceituaremos antes alguns termos apresentados nele. A Terra tem cerca de 4,6 bilhões de anos. Todo esse intervalo de tempo é chamado de tempo geológico. Para fi ns de estudo e de entendimento da evolução da Terra e dos seres vivos, os cientistas dividiram o tempo geológico em intervalos menores, chamados de unidades cronoestratigráfi cas, conhecidos como: eras, períodos, épocas e idades. Uma era geológica é caracterizada pela forma como continentes e oceanos se distribuíam e como os seres vivos nela se encontravam. O período é uma divisão da era, sendo a unidade fundamental na escala do tempo geológico. Já a época é um intervalo menor dentro de um período. E a idade, por fi m, é a menor divisão do tempo geológico. Ela tem duração máxima de 6 milhões de anos, podendo ter menos de 1 milhão. Somente as épocas mais recentes são divididas em idades. A seguir, apresentamos o Quadro 1, que resume a história evolutiva da Terra. É importante lembrar que os limites que marcam início e fi m de períodos geológicos são aproximados e há algumas divergências entre os autores sobre essas cifras. Aula 8 Variação e Herança 219 ERA PERÍODO ÉPOCA IDADE CARACTERÍSTICAS Cenozoico Quaternário ou Neógeno Holoceno 10 mil Surge o Homo sapiens, tornando-se a forma de vida dominante sobre a Terra. Estabilização do clima. Pleistoceno 1,75 milhões Glaciações mais recentes. Domínio dos mamíferos de grande porte. Primeiros hominídeos. Terciário ou Paleogeno Plioceno 5,3 milhões Avanço das geleiras. A vegetação é dominada pelos campos e savanas. Aparecimento de mamíferos ruminantes. Mioceno 23,5 milhões Formação de grandes campos. Mudanças climáticas levam à formação da calota polar Antártica. Oligoceno 34 milhões Aparecimento de elefantes e cavalos e de vários tipos de gramíneas. Eoceno 53 milhões Surgimento da maior parte das ordens de mamíferos. Paleoceno 65 milhões Domínio dos mamíferos de porte pequeno a médio. Mesozoico Cretáceo 135 milhões Primeiras plantas com fl ores, grupos modernos de insetos, aves e mamíferos. Jurássico 205 milhões Pterossauros e primeiras aves. Dinossauros dominam a Terra. Triássico 250 milhões Primeira aparição dos dinossauros. Paleozoico Permiano 295 milhões Primeiro grande evento de extinção em massa. Formação do supercontinente Pangeia. Carbonífero 355 milhões Formação de grandes fl orestas. Devoniano 410 milhões Primeiros peixes. Siluriano 435 milhões Estabilização do clima. Derretimento do gelo glacial e elevação dos níveis dos oceanos. Evolução dos peixes. Ordoviciano 500 milhões Surgimentos dos invertebrados marinhos e plantas. Cambriano 540 milhões Aparecimento dos principais grupos animais. Proterozoico 2,5 bilhões Predomínio de bactérias. Primeiras evidências de atmosfera rica em oxigênio. Ao fi nal do Proterozoico surgem formas multicelulares e dos primeiros animais. Arqueano 3,6 bilhões Aparecimento de vida na Terra. Fósseis mais antigos com 3,5 bilhões de anos (bactérias micro-fósseis). Hadeano 4,6 bilhões Formação do Sistema Solar. Não é um período geológico. Não existem rochas sólidas na Terra. Quadro 1 – Linha do tempo da história evolutiva da Terra Fonte: Adaptado de <http://educacao.uol.com.br/geografi a/eras-geologicas-tabela-mostra-transformacoes-na-terra.jhtm>. Acesso em: 13 jan. 2012. Eurásia África América do Sul América do Norte Au str áliaAntártica Índia Aula 8 Variação e Herança220 Vamos conhecer agora mais detalhes de alguns dos Períodos mais marcantes apresen- tados no Quadro 1. P eríodo Cambriano Corresponde a 540-500 milhões de anos atrás. O maior destaque desse Período se deveu à chamada Explosão Cambriana, quando ocorreu a maior diversifi cação das espécies. No mar surgem animais com carapaças duras, alguns com pernas e outros apêndices, além de animais de corpo mole. Nesse Período apareceu a maioria dos principais grupos de ani- mais, entre eles os anelídeos, equinodermos (estrelas do mar, pepinos dor mar), artrópodes, moluscos e esponjas. Período Carbonífero Corresponde a 355-295 milhões de anos atrás. Nele surgiram as grandes fl orestas e, consequente, formação de grandes jazidas de carvão. No fi nal desse Período, os répteis ad- quiriram a capacidade de se reproduzir em terra fi rme, não dependendo mais exclusivamente de ambientes aquáticos para a sua sobrevivência. Período Permiano Corre sponde a 295-250 milhões de anos atrás. O principal evento geológico desse Período foi a união das placas tectônicas, formando o supercontinente Pangeia (Figura 1). Figura 1 – O supercontinente Pangeia Fonte: Modifi cada de <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/Image/conteudos/imagens/geografi a/2pangeia.jpg>. Acesso em: 13 jan. 2012. Aula 8 Variação e Herança 221 O fi nal desse Período foi marcado por uma extinção quase que em massa de proporções nunca antes ocorridas, quando 95% da vida na Terra desapareceu. Esse evento foi chamado de Extinção Permiana e, provavelmente, tenha ocorrido devido a erupções vulcânicas, que liberaram grandes quantidades de dióxido de carbono na atmosfera, o que aumentou em 5 graus a temperatura média da Terra. Período Jurássico Corresponde a 205-135 milhões de anos atrás. Os principais eventos desse Período foram: 1) O início da divisão da Pangeia. 2) O domínio terrestre dos grandes dinossauros. 3) O surgimento das primeiras aves, a partir de pequenos dinossauros. 4) O surgimento das plantas com fl ores. Período Quaternário ou Neógeno A partir de 10 mil anos atrás até o presente. O fato mais marcante desse Período foi o surgimento da espécie Homo sapiens. Em relação à evolução humana, atualmente, existem duas hipóteses predominantes sobre a origem do Homo sapiens. A primeira, conhecida como “modelo para fora da África”, postula que os ancestrais dessa espécie surgiram primeiro na África e, saindo dela, entre 100 a 200 mil anos atrás, substituíram outras espécies do gênero Homo já existentes. Assim, essa hipótese postula que todos os povos atuais são exclusivamente afrodescendentes. Já a segunda, conhe- cida como “modelo multirregional”, propõe que a espécie humana evoluiu simultaneamente, em diferentes partes do mundo, a partir de linhagens originais de Homo erectus. A suposta ideia de que a espécie humana tenha evoluído diretamente dos macacos não é real, mas tanto humanos quanto macacos apresentam um ancestral comum. Desde sua origem, os primatas (mamíferos que compõe a ordem Primates, em que estão incluídos os micos, macacos, gorilas, chimpanzés, orangotangos, lêmures, babuínos, seres humanos e outros hominídeos) dividiram-se em diversos grupos, dos quais um possibilitou o surgimento dos Antropoides (primatas que não apresentam cauda, como por exemplo, orangotango, chim- panzé, gorila e o homem), que se diferenciaram em algumas espécies, sendo que uma delas deu origem ao gênero Homo, da qual descende o Homo sapiens. Desde a origem da diversifi - cação, há cerca de 6 milhões de anos, tanto a linhagem humana, quanto as demais linhagens de Antropoides continuam a se diferenciar como entidades evolutivamente diferentes, sendo representadas pelas espécies atuais. Assim, a espécie humana atual não é descendente das espécies atuais de Antropoides. Estudos recentes apontam uma maior proximidade evolutiva entre o homem e o chimpanzé e em segundo lugar com os gorilas. O orangotango e o gibão são parentes mais distantes. Apesar de o chimpanzé e de o gorila serem nossos parentes atuais mais próximos, estamos isolados deles há mais de 6 milhões de anos. 2Atividade Aula 8 Variação e Herança222 Apresente, por meio de tópicos, os principais acontecimentos geológicos, climáticos e biológicos ocorridos desde a formação da Terra. Américas Europa Áfr ica Rússia Índia Antártida Austrália Aula 8 Variação e Herança 223 A terra do futuro Como vimos, o nosso planeta está em constante mudança desde a sua formação. Mas, e no futuro distante, você acha que o planeta permanecerá da mesma forma que conhecemos hoje? Ou continuará em constante transformação? É o que vamos ver agora. Como podemos notar pela Figura 2, existe uma projeção de como os continentes se encon- trarão daqui a 250 milhões de anos. Os continentes prosseguem se afastando, até certo ponto, depois começarão a se reaproximar até todas as placas tectônicas se encontrarem, formando o que os cientistas chamam de “A Última Pangeia”. O clima do planeta mudará juntamente com as mudanças geológicas e os organismos evoluirão conjuntamente a essas alterações. Figura 2 – A Última Pangeia Fonte: Adaptado de <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:PangeaUltimaRoughEstimation.jpg>. Acesso em: 1 fev. 2011. Será que a espécie humana existirá até lá? Se existir, você acha que seremos fisi- camente iguais ao que somos hoje? À luz da ciência atual, não existem respostas para tais questionamentos. Mas para que você possa ter uma ideia do que a comunidade científi ca tem discutido a respeito do futuro da Evolução e refl etir sobre o assunto, apresentamos a seguir uma matéria publicada no portal G1 de notícias, que poderá ser acessada através de: <http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,MUL998730-5603,00-CIENTISTAS+ESPECULAM+S OBRE+O+FUTURO+DA+EVOLUCAO+NO+NOSSO+PLANETA.html>. 224 Aula 1 Variação e Herança Cientistas especulam sobre o futuro da evolução no nosso planeta O homem evolui também em direção, agora, a uma vida melhor. A evolução é cultural, acontece dentro das nossas cabeças. É também tecnológica. Nossos conhecimentos estão cada vez mais avançados. E pensar que um dia tivemos um metro de altura. O homem e a mulher pré-históricos, nossos primeiros ancestrais, viveram há três milhões e meio de anos na África. O curador do Museu de História Natural de Nova York, Ian Tattersall, explica que a história da família humana é recheada de novas expe- riências, de adaptações dos seres ao meio ambiente, mudanças que fi zeram de nós o que somos. Darwin passou a vida buscando a origem das espécies. Uma das conclusões dele foi que a evolução é um processo dinâmico, que não para. O que isso quer dizer? Ainda estamos sujeitos a transformações? O geneticista Steve Jones defende a ideia de que, geneticamente, somos iguais aos homens de 150 mil anos atrás. A única grande diferença está no nosso cérebro. A evolução está acontecendo na nossa mente. Se os primeiros habitantes da Terra tiveram de evoluir para buscar o ali- mento, se abrigar das diferenças climáticas, enfi m, viver, hoje evoluir é mais que prioridade para nós. O homem de agora se aliou à ciência e à tecnologia para enxergar o amanhã e prever os males do futuro. Já não há como pensarmos na continuidade da vida sem a evolução cultural, sem a evolução biológica, sem todo desenvolvimento tecnológico que nos rodeia. Claro que prever o futuro com exatidão ainda não nos é possível. Mas o mecanismo darwiniano continua regendo a evolução científi ca. O pesquisador lembra do progresso de descobertas como as bactérias, que podem ser usadas para despoluir o meio ambiente, ou o desenvolvimento das células-tronco. “Nós permitimos que as pessoas que têm problemas genéticos e defi ci- ências imunológicas cresçam e vivam normalmente em sociedade”, explica o geneticista Sérgio Danilo Pena. São as células-tronco que vão permitir a medicina regenerativa. Elas abrirão também as portas para que os cientistas possam impedir o desenvolvimento de doenças que teremos no futuro. A análise cada vez mais completa da sequência do DNA é outra evolução que nos espera. Chegaremos ao consultório do médico e receberemos dele uma receita com remédios compatíveis com o nosso genoma. Progresso, evolução, tecnologia de última geração, vários podem ser os sinônimos da teoria da evolução da espécie. O darwinismo está presente em todos os ramos de nossas vidas. 3Atividade Aula 8 Variação e Herança 225 Com base nas suas próprias ideias e opiniões, redija um texto descrevendo a Terra daqui a 1 milhão de anos. Inclua nessa sua descrição como você imagina detalhes da geologia, clima e biodiversidade. Aula 8 Variação e Herança226 As evidências da evolução Após conhecermos a evolução dos organismos ao longo da história da Terra, va- mos estudar, brevemente, as evidências que os cientistas empregam para investigar a evolução biológica. Dentre as mais utilizadas destacam-se: � Os fósseis. � A semelhança anatômica e embriológica. � A existência de estruturas vestigiais. � As evidências bioquímicas relacionadas a determinadasmoléculas comuns a muitos seres vivos. Vamos ver alguns detalhes de cada uma delas? O que são fósseis? Um fóssil (do latim fossilis, tirado da terra) é qualquer vestígio de um ser vivo que habitou o nosso planeta em tempos remotos, como uma parte do corpo, uma pegada e uma impressão corporal. O estudo dos fósseis permite deduzir o tamanho e a forma dos organismos que os deixaram, possibilitando a reconstrução de uma imagem, possivelmente semelhante, dos animais quando eram vivos. Processo de fossilização Um fóssil se forma quando os restos mortais de um organismo fi cam a salvo tanto da ação dos agentes decompositores como das intempéries naturais (vento, sol direto, chuvas etc.). As condições mais favoráveis à fossilização ocorrem quando o corpo de um animal ou uma planta é sepultado no fundo de um lago e rapidamente coberto por sedimentos. Como saber a idade de um fóssil? A idade de um fóssil pode ser estimada por meio da medição de determinados elementos radioativos presentes nele ou na rocha onde ele se encontra. Se um fóssil ainda apresenta substâncias orgânicas em sua constituição, sua idade pode ser calculada com razoável precisão pelo método do carbono-14. O carbono-14 (14C) é um isótopo radioativo do carbono (12C). Homem Rã Morcego Golfinho Cavalo Aula 8 Variação e Herança 227 Os cientistas determinaram que a meia vida do carbono-14 é de 5.740 anos. Isso signifi ca dizer que, nesse período, metade do carbono-14 de uma amostra se desintegra. No momento da morte de um organismo que foi fossilizado há certa quantidade de 14C em seu corpo, que os cientistas estimam ser a mesma que a encontrada nos seres de hoje. Passados 5.740 anos, restará no fóssil apenas metade da quantidade de 14C presente no momento de sua morte. Outros isótopos radioativos com meia vida maior podem ser usado nessas análises, a fi m de datar fósseis mais velhos. Anatomia comparada A asa de um morcego, a nadadeira anterior de um golfi nho, as patas de um cavalo e de uma rã e o braço de um homem, ainda que muito diferentes, possuem estrutura óssea e muscular similares (Figura 3). A semelhança pode ser explicada admitindo-se que esses seres possuíam em certo ponto da evolução ancestrais em comum, dos quais herdaram uma estrutura corporal básica. O parentesco evolutivo entre as aves e os mamíferos, por exemplo, também permite explicar as semelhanças entre os órgãos internos desses animais. O coração e o sistema circulatório e nervoso, entre outros, são constituídos pelas mesmas partes básicas. Figura 3 – Comparação da estrutura óssea entre espécies diferentes de animais. Tonalidades de cores iguais representam os mesmos tipos de ossos entre os diferentes organismos Fonte: <http://curlygirl.no.sapo.pt/evolucao.htm>. Acesso em: 22 nov. 2011. Peixe Salamandra Tartaruga Galinha Coelho Homem Aula 8 Variação e Herança228 Semelhanças embrionárias As semelhanças entre os embriões de determinados grupos de animais são ainda maio- res do que as semelhanças encontradas nas formas adultas. Por exemplo, é difícil distinguir embriões jovens de peixes, sapos, tartarugas, ave s e seres humanos, todos pertencentes ao grupo dos vertebrados (Figura 4). Essa seme- lhança pode ser explicada se levarmos em conta que durante o processo embrionário é esbo- çada a estrutura corporal básica do corpo, que todos eles herdaram de um ancestral comum. Figura 4 – Comparação de embriões de diferentes espécies. Na vertical de cima para baixo, visualizamos três estádios do desenvolvimento embrionário de cada espécie Fonte: <http://www.educacaopublica.rj.gov.br/ofi cinas/ed_ciencias/peixes/porque/metodo/mac2.html>. Acesso em: 22 nov. 2011. Órgãos vestigiais Revelam relações de parentesco entre os seres que possuem tais estruturas, pois se deduz a presença de um ancestral comum. A presença dessas estruturas vestigiais revela a ação de uma evolução no sentido regressivo, privilegiando indivíduos com estruturas cada vez meno- res, como os ossos vestigiais que são encontrados na parte posterior do corpo das baleias, revelando que no passado, que esses animais possuíam patas traseiras para sua locomoção em ambientes com baixo nível de água (Figura 5). Outros exemplos de órgãos vestigiais são os dentes em algumas espécies de baleias, dedos laterais nos cavalos, apêndice humano, ossos que foram patas em cobras etc. Resumo Aula 8 Variação e Herança 229 Figura 5 – Ossos vestigiais na parte posterior da baleia. Possivelmente, resquícios de patas traseiras Fonte: <http://curlygirl.no.sapo.pt/evolucao.htm>. Acesso em: 22 nov. 2011. Evidências moleculares A comparação entre moléculas de DNA, RNA e proteínas de diferentes espécies tem reve- lado qual o grau de semelhança entre elas, sendo possível estabelecer as relações evolutivas. Finalmente, apresentamos e discutimos nesta aula as diversas formas de surgimento e evolução dos seres vivos em função das mudanças ambientais ocorridas em nosso planeta desde a sua formação. Dessa forma, podemos dar embasamento às vertentes fi losófi cas e científi cas das teorias evolucionistas que serão abordadas na próxima aula. Nesta aula, conhecemos a teoria mais aceita pelos cientistas para a formação do universo, a Teoria do Big Bang. A partir da formação da Terra, as transformações geológicas e atmosféricas tiveram início, conduzindo à organização dos átomos e das moléculas existentes no chamado “caldo primordial”. Com o passar do tempo, as condições se tornaram propícias para que os primeiros organismos pudessem se desenvolver, se especializar e se complexar até atingir as formas de vida que conhecemos atualmente. A história evolutiva da Terra foi apresentada numa linha do tempo, destacando-se os Períodos mais importantes. Pudemos evidenciar que a vida está em constante mudança e as evidências fósseis, morfológicas, embriológicas, moleculares, entre outras, comprovam a evolução das espécies. E que o futuro da evolução, apesar de incerto, será conduzido por ideias e pensamentos que já estamos vivenciando. Aula 8 Variação e Herança230 Autoavaliação Conte, de maneira geral, a história da evolução da Terra (geológica, climática e bioló- gica). Apresente, também, quais são as projeções futuras para o posicionamento dos con- tinentes. E, de forma sucinta, responda quais são as principais evidências estudadas pelos cientistas na investigação das relações evolutivas. Aula 8 Variação e Herança 231 Referências COMPANHIA DE PESQUISA DE RECURSOS – CPRM. Breve história da Terra. Disponível em: <Mineraishttp://www.cprm.gov.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start. htm?infoid=1094&sid=129#ini>. Acesso em: 10 dez. 2011. DAWKINS, R. O gene egoísta. Oxford: Oxford University Press, 1989. 352 p. DOTT, R. H.; PROTHERO, D. R. Evolution of the Earth. New York: McGraw-Hill, 1994. 569 p. EARTH: the science behind the headlines. Redefi ning Quaternary. Disponível em: <http:// www.earthmagazine.org/earth/article/22a-7d9-6-4>. Acesso em: 19 dez. 2011. EVOLUÇÃO humana: blog. Dos Procariontes aos Eucarionte. Disponível em: <http://evo- luhumana.blogspot.com/2009/07/dos-procariontes-aos-eucarionte.html>. Acesso em: 28 nov. 2011. FAIRCHILD, T.; TEIXEIRA, W.; TAIOLI, F. Decifrando a Terra. São Paulo: Editora Ofi cina de Textos, 2000. 558 p. GRAVIDADE repulsiva: blog. O gene de Dawkins. Por Lua Samsara. Disponível em: <http:// gravidaderepulsiva.blogspot.com/2010/02/o-gene-de-dawkins.html>. Acesso em: 22 dez. 2011. INTERNATIONAL COMISSION ON STRATIGRAPHY. Disponível em: <http://www.stratigra- phy.org/view.php?id=23>. Acesso em: 10 dez. 2011. CARVALHO, I. S. et al (Org.). Paleontologia: Cenários de Vida. Rio de Janeiro: Interciência, 2011. v 4. NIELD, E. W.; TUCKER, V. T. Paleontology: an introduction. Oxford: Pergamon Press, 1985. 180 p. SENE, F. M. Cada caso, um caso… puro acaso: os processosde evolução biológica dos seres vivos. Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Genética, 2009. 252 p. STEPHEN, D. J. The Biological Universe. Cambridge: Cambridge University, 1999. 340 p. STRINGER, C. B. The Cambridge Encyclopedia of Human Evolution. Cambridge: Cam- bridge University Press, 1994. 242 p . UNIVERSIDADE Federal de Brasília. Glossário Geológico Ilustrado. Por Instituto de Geoci- ências da UnB. <http://vsites.unb.br/ig/glossario/index.html>. Acesso em: 02 dez 2011. Anotações Aula 8 Variação e Herança232 Evolução II 9 Aula 1 2 3 4 Aula 9 Variação e Herança 235 Apresentação Na aula anterior, estudamos a evolução dos organismos de acordo com as mudanças climáticas e geológicas que nosso planeta sofreu através de milhares de anos, desde a organização das primeiras moléculas, no caldo primitivo, até as espécies que conhece- mos hoje. Nesta aula, estudaremos as contribuições fi losófi cas e científi cas que deram suporte ao desenvolvimento e solidifi cação das teorias evolucionistas. Estas contribuições envolveram desde a teoria da geração espontânea até as comprovações científi cas que a derrubaram em prol da seleção natural propagada por Charles Darwin. Para facilitar a compreensão dos tópicos que serão abordados nesta Aula, sugerimos que você releia a Aula 8 e faça as anotações que julgar pertinentes. Em caso de dúvidas, acesse o fórum da disciplina. Bom estudo! Objetivos Reconhecer as primeiras ideias sobre o surgimento da vida. Defi nir a hipótese de Oparin e Haldane e o experimento de Miller e Urey. Identifi car as contribuições para o pensamento evolutivo através das ideias de Lamarck e Darwin. Descrever a teoria da seleção natural e a teoria sintética da evolução. Aula 9 Variação e Herança 237 Primeiras ideias sobre o surgimento da vida Um pensamento bastante antigo, dos tempos de Aristóteles (384 a 322 a.C), é o de que seres vivos podiam surgir por geração espontânea. Mesmo já conhecendo o papel da reprodução na época, os intelectuais admitiam que certos organismos vivos pudessem surgir, espontaneamente, da matéria bruta. Observações do cotidiano demonstravam, por exemplo, que larvas de moscas apareciam no meio do lixo; e em poças de lama podiam existir pequenos animais. A conclusão a que chegavam era a de que o lixo e a lama haviam gerado espontaneamente tais organismos. No entanto, nem toda matéria bruta poderia gerar vida. Por exemplo, a partir de um peda- ço de ferro ou de pedra não poderia surgir vida, mas de um pedaço de carne, de uma poça de lama ou de água seria possível obter vida. Essa diferença entre diversos materiais brutos podia ser explicada alegando-se a necessidade de um “princípio ativo”, que não estaria presente em qualquer matéria bruta, mas cuja presença seria necessária para haver geração espontânea. Assim, em 1668, Francesco Redi (1626-1697) investigou a suposta origem de vermes em corpos em decomposição. Ele observou que moscas eram atraídas pelos corpos em decom- posição e neles colocam seus ovos. Desses ovos surgiam as larvas, que se transformavam em moscas adultas. Como as larvas são vermiformes, os “vermes” que ocorriam nos cadáveres em decomposição nada mais seriam que larvas de moscas. Redi concluiu, então, que essas larvas não surgiam espontaneamente a partir da decomposição de cadáveres, mas eram resultantes da eclosão dos ovos postos por moscas atraídas pelo corpo em decomposição. Para testar sua hipótese, Redi realizou o seguinte experimento: colocou pedaços de carne crua dentro de frascos, deixando alguns cobertos com gaze e outros completamente descobertos. De acordo com a teoria da geração espontânea, deveriam surgir vermes ou mesmo moscas a partir da decomposição da própria carne. Isso, entretanto, não aconteceu. Nos frascos mantidos abertos, ele observou ovos, larvas e moscas sobre a carne, mas nos frascos cobertos nenhuma dessas formas foi encontrada. Esse experimento confi rmou a hi- pótese de Redi e comprovou que não havia geração espontânea de vermes a partir de corpos em decomposição. No entanto, a ideia sobre a geração espontânea perdurou até meados de 1745, quando, o cientista inglês John T. Needham (1713-1781) realizou vários experimentos em que submetia à fervura frascos contendo substâncias nutritivas, como por exemplo, carboidratos e proteínas. Após a fervura, fechava os frascos com rolhas e deixava-os em repouso por alguns dias. Ao examinar essas soluções ao microscópio, Needham observava a presença de microrganismos, concluindo que estes teriam surgido por geração espontânea. Para ele, a solução nutritiva continha uma “força vital” responsável pelo surgimento de vida. Posteriormente, em 1770, o pesquisador italiano Lazzaro Spallanzani (1729-1799), empregando as mesmas substâncias nutritivas de Needham, colocadas em balões de vidro hermeticamente fechados, obteve resultados diferentes. Spallanzani realizou modifi cações no experimento de Needham, em que tais balões foram colocados em caldeirões com água e submetidos à fervura. Após o resfriamento por alguns dias, ele abria os frascos e observava o O líquido permanece estérilFervura Fervura Quebra do gargalo Crescimento microbiano Aula 9 Variação e Herança238 líquido ao microscópio. Nenhum organismo estava presente. Spallanzani explicou que Needham não havia fervido sua solução nutritiva por tempo suficientemente longo para matar todos os microrganismos existentes nela e, assim, esterilizá-la. Needham respondeu a essas críticas dizendo que, ao ferver os balões por muito tempo, Spallanzani havia destruído a “força vital” e tornado o ar desfavorável ao aparecimento da vida. Apesar disso, Spallanzani não conseguiu provar que o aquecimento de material orgânico em recipientes fechados não alterava a qualidade do ar. Diante disto, Needham saiu favorecido, reforçando a teoria da geração espontânea. Somente por volta de 1860, com os experimentos realizados por Louis Pasteur (1822- 1895), foi comprovado defi nitivamente que os microrganismos originam-se de outros preexis- tentes. Esse cientista evidenciou a ausência de microrganismos em frascos do tipo “pescoço de cisne” mantidos intactos, pois os micróbios fi cavam retidos no “fi ltro” formado pelas gotículas de água surgidas no pescoço do balão durante o resfriamento. Por outro lado, ele observou a presença de microrganismos nos frascos cujo “pescoço” havia sido quebrado, já que esse “filtro” deixava de existir e os micróbios presentes no ar podiam entrar em contato com o líquido nutritivo, encontrando condições favoráveis para seu desenvolvimento e, con- sequentemente, proliferavam-se. (Figura 1). A partir do experimento de Pasteur, a comunidade científi ca deixou de aceitar a teoria da geração espontânea e, então, começou a busca por explicações sobre como a vida teria surgido na Terra. Algumas dessas explicações científi cas são apresentadas a seguir. Figura 1 – Experimento de Louis Pasteur para provar que a teoria da Geração Espontânea não apresentava fundamentos Fonte: <http://www.brasilescola.com/biologia/louis-pasteur.htm>. Acesso em: 27 dez. 2011. Para a bomba de vácuo CH NH H O H 4 3 2 2 Eletrodos Descarga de centelha Saída de água condensador Entrada de água condensador Água contendo compostos orgânicos ArmadilhaÁgua fervendo Gases Aula 9 Variação e Herança 239 A hipótese de Oparin e Haldane e o experimento de Miller e Urey Lembra-se das condições para origem da vida e da organização das moléculas no caldo primitivo abordadas na Aula 8? Pois bem, os cientistas que propuseram isso foram o russo Aleksander I. Oparin (1894-1980) e o inglês John Burdon S. Haldane (1892-1964), na década de 1920. Trabalhando independentemente, eles propuseram que os primeiros seres vivos sur- giram a partir de moléculas orgânicas queteriam se formado na atmosfera primitiva e depois nos oceanos, a partir de substâncias inorgânicas. Já em 1950, dois pesquisadores da Universidade de Chicago, Stanley Miller e Harold Urey, desenvolveram um aparelho que simulava as condições ambientais supostas por Oparin e Haldane para a Terra primitiva. Eles construíram um aparelho em sistema fechado (Figura 2), no qual uma mistura de gases (metano, hidrogênio, amônia) e vapor de água circulava durante 7 dias. Este vapor era constantemente gerado através do aquecimento à temperatura de ebulição da água, que circulava pelo sistema favorecendo a mistura com os outros gases. A mistura gasosa era, então, submetida a descargas elétricas constantes, simulando os “raios” das tempestades que se acreditava terem existido na época do surgimento da vida na Terra. A seguir, essa mistura, ainda em estado gasoso, era resfriada, condensando-se e tornando-se novamente em um líquido, que, ao fi m dos 7 dias de experimento, era analisado pelo método da cromatografi a, por Miller e Urey. Eles evidenciavam a presença de muitas moléculas orgânicas e, entre elas, alguns aminoácidos. Cromatografi a separação de substâncias de uma mistura. Figura 2 – Representação do experimento de Miller e Urey provando que, segundo as condições da Terra primitiva, existia possibilidade da combinação dos átomos para formação de outras moléculas, como os aminoácidos Fonte: <http://www.sobiologia.com.br/conteudos/Evolucao/evolucao5.php>. Acesso em: 27 dez. 2011. 1Atividade Aula 9 Variação e Herança240 Faça um resumo das primeiras ideias sobre o surgimento da vida, bem como da hipótese de Oparin e Haldane e o experimento de Miller e Urey sobre a origem da vida e da organização das moléculas no caldo primitivo a partir de moléculas orgânicas. a b Aula 9 Variação e Herança 241 Agora que conhecemos o experimento que comprovou a formação de moléculas orgâ- nicas em meio às condições experimentais que representavam o caldo primordial, se tornam plausíveis as explicações abordadas na Aula anterior, sobre como as primeiras moléculas se formaram e se organizaram, complexando-se cada vez mais, até originarem os procariotos, que evoluíram aos eucariotos. Vamos, a seguir, discutir as ideias e os pensamentos filosóficos e científicos sobre a evolução. Contribuições para o pensamento evolucionista O pensamento evolutivo, ou seja, a concepção de que as espécies mudam ao longo do tempo, tem raízes na Antiguidade há cerca de 4000 a.C., passando pelas descobertas cientí- fi cas de gregos, romanos, chineses e muçulmanos. Diversos cientistas deram suporte para o desenvolvimento do pensamento evolucionista, como por exemplo, os mais conhecidos, Lamarck e Charles Darwin (Figura 3). Figura 3 – (a) Lamarck e (b) Charles Darwin Fonte: (a) <http://www.cella.com.br/blog/?p=7190>;(b) <http://personalmemoir.wordpress.com/2009/12/16/jean-baptiste-de- monet-chevalier-de-lamarck-pioneer-biologist/>. Acessos em: 8 jan. 2012. Entretanto, nos restringiremos a apresentar e discutir as ideias mais infl uentes e que são mais conhecidas até hoje, que permitiram a solidifi cação do pensamento evolutivo. A seguir, apresentamos tais ideias. As girafas tinham pescoço curto Elas tinham que buscar alimento no alto O uso frequente fez o pescoço crescer aos poucos Até chegar as girafas de hoje Aula 9 Variação e Herança242 As ideias de Lamarck Jean-Baptiste de Lamarck, naturalista francês, foi o primeiro a propor uma teoria para a evolução das espécies, a qual foi publicada em 1809, no livro A Filosofi a Zoológica. Nela, as formas de vida mais simples surgiram a partir da matéria inanimada, através da geração espontânea, e evoluíram a um estágio de maior complexidade. Lamarck ainda sustentou que a evolução dos organismos foi infl uenciada pelo meio ambiente: se o ambiente sofre modifi - cações, os organismos procuram adaptar-se a ele. Nesse processo de adaptação, o uso ou desuso de diferentes partes do corpo conduziria a modifi cações dos mesmos, que seriam transmitidas às próximas gerações. Assim, ao longo do tempo, os organismos se modifi cariam, podendo dar origem a novas espécies. Segundo Lamarck, o princípio evolutivo se basearia em duas leis fundamentais: 1) Lei do uso ou desuso: no processo de adaptação ao meio, o uso de determinadas partes do corpo do organismo faz com que elas se desenvolvam, e o desuso faz com que se atrofi em. 2) Lei da transmissão dos caracteres adquiridos: alterações no corpo do organismo, pro- vocadas pelo uso ou desuso, são transmitidas aos descendentes. Um exemplo amplamente difundido, que integra essas duas leis, é o crescimento do pescoço da girafa. Devido ao esforço da girafa para comer as folhas das árvores mais altas, o pescoço delas acabava crescendo e essas características passavam de geração a geração (Figura 4). Figura 4 – Lei do uso e desuso e lei da transmissão dos caracteres adquiridos Fonte: <http://bioblogdaloi.blogspot.com/2010/02/o-curioso-caso-do-pescoco-da-girafa.html>. Acesso em: 8 jan. 2012. Outro exemplo se refere às aves aquáticas, que teriam adquirido pernas altas devido ao esforço que faziam para esticá-las e, assim, evitar molhar as penas durante a locomoção na água. A cada geração, esse esforço produziria aves com pernas mais compridas que se mantinham no ambiente. Aula 9 Variação e Herança 243 O pioneirismo de Lamarck Apesar de ter proposto a teoria dos caracteres adquiridos e aceitar a geração espon- tânea como possíveis causas para a evolução das espécies, que foram, anos mais tarde, superadas, Lamarck não estava totalmente equivocado em outras ideias que defendia: a lei do uso e desuso e as ideias sobre evolução, na qual as espécies se modifi cavam ao longo do tempo, possuindo relações de ancestralidade comum entre certas espécies. Como todo inovador, Lamarck não tinha apoio da sociedade de sua época, não pela rejei- ção de suas ideias em si, mas principalmente porque ele era a favor da evolução, contrariando os dogmas cristãos e a ideia de que as espécies não se modifi cavam, as quais eram amplamente estabelecidas na mentalidade da cultura ocidental no início do século XIX. Nessa época, a maioria dos naturalistas ainda não concordavam com as ideias sobre evolução. Para Lamarck, a evolução era um fenômeno estritamente vertical, procedendo numa única direção: a do tempo. Em seu livro, A Filosofi a Zoológica, ele defendia o paradigma do evolucionismo vertical, em que cada espécie teria seu ancestral originado a partir de um evento de geração espontânea e, a partir daí, esse ancestral teria evoluído até as formas que se conheciam na época por meio da teoria dos caracteres adquiridos. O processo de adaptação É conveniente, neste momento, explicarmos o real sentido da palavra adaptação em relação à evolução. No contexto de Lamarck, os organismos se adaptavam às mudanças do ambiente, ou seja, eles se modifi cavam para obter sucesso em um meio alterado. De fato, a palavra adaptação signifi ca que algo foi modifi cado para funcionar melhor em outra situação, como por exemplo, o novo padrão brasileiro de tomadas elétricas, estabelecido pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Agora todo novo eletrodoméstico ad- quirido já vem com o padrão de três pinos e, portanto, ou a tomada da sua residência já deverá estar modifi cada ou, então, você deverá se adaptar, empregando um adaptador ou Benjamin para ligar o equipamento. Mas, na natureza, as situações não são tão simples assim, já que nenhum organismo se modifi ca em função das mudanças do meio. Quando dizemos que uma espécie está adaptada a uma determinada condição ambiental, queremos dizer que ela possui características que conferem vantagens para sobreviver naquele ambiente. Mas, se as condições do meio mudarem, aquela espécie não se modifi cará para se manterno meio ambiente. No entanto, se aquela espécie possuir outra característica que lhe confi ra vantagem para aquela nova situação, ela sobreviverá. Um bom exemplo para explicar o fato de uma espécie estar adaptada a certo ambiente vem da Inglaterra durante o período da industrialização, no século XVIII. Lá existia uma espécie de mariposa que possuía indivíduos de cor clara e outros de cor escura. As mariposas claras predominavam, pois as escuras eram facilmente reconhecidas e capturadas pelos predadores daquele ambiente. Quando o período de industrialização iniciou-se, o ambiente passou a fi car poluído e a fuligem expelida pelas máquinas movidas a carvão começou a se depositar sobre as árvores. A partir desse momento, as mariposas escuras começaram a se camufl ar em meio à vegetação escurecida pela sujeira e, assim, sua população passou a crescer. Já as mariposas claras, foram predadas mais facilmente por se destacarem devido a sua coloração, diminuindo Aula 9 Variação e Herança244 drasticamente o número de indivíduos. Vemos, claramente, neste caso, que as mariposas não modifi caram a sua coloração para se adaptar ao ambiente. O que aconteceu é que a caracterís- tica da cor diferente entre indivíduos da mesma espécie foi um fator determinante de acordo com as mudanças do meio. Mas, se os organismos não se modifi cam para obter sucesso de acordo com as alterações do ambiente, como surgem as variações de caracteres morfológicos ou fi siológicos que levam as espécies a evoluírem? Em determinados casos, certas mudanças que ocorrem com os organismos (como mu- tações no DNA, entre outras) geram variações que podem conferir vantagens ou desvanta- gens evolutivas, dependendo das condições do ambiente, que podem ser alteradas pelo clima ou pela geologia e até mesmo pela ação humana. Deve fi car claro que a geração de novos caracteres ocorre de maneira isolada e a qualquer momento, ou seja, uma mutação no DNA poderá ocorrer isoladamente em um indivíduo e a qualquer tempo, podendo ser passada para a próxima geração. Se a característica surgida devido à mutação for vantajosa num determi- nado ambiente, aquela espécie se perpetuará. Os fatores e condições que geram variabilidade de caracteres serão abordados no fi nal desta Aula e maiores detalhes poderão ser obtidos na Aula 4 – Genética de Populações. Como vimos, Lamarck publicou trabalhos sobre teorias que contribuíram grandemente para o aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre evolução, mas ainda havia muito a progredir. Vamos apresentar, a seguir, quais foram os caminhos que levaram ao amadurecimento das ideias evolucionistas que culminaram na elaboração da teoria da seleção natural, proposta por Charles Darwin. Mas antes, vamos conhecer um pouco da história desse renomado naturalista. Charles Darwin Naturalista inglês, nascido em 12 de fevereiro de 1809. Desde seus primeiros anos es- colares, ele já se interessava pelo estudo da vida, culminando com seu ingresso no curso de Medicina, em 1825, na Universidade de Edimburgo, devido à forte infl uência de seu pai. Entre- tanto, devido a sua aversão à brutalidade das cirurgias da época, que não utilizavam anestesias, pois elas ainda não existiam, ele não concluiu o curso. Enquanto ainda estava em Edimburgo, ele teve a oportunidade de se envolver com sociedades estudantis para naturalistas, em que se liam comunicações sobre história natural. Durante essa época, ele foi orientado por Robert Edmund Grant, um pioneiro no desenvolvimento das teorias de Jean-Baptiste Lamarck e do avô de Darwin, Erasmus Darwin, sobre a evolução de características adquiridas. Em 1827, seu pai, decepcionado com sua falta de interesse pela Medicina, matriculou-o em um curso de Bacharelado em Artes, na Universidade de Cambridge, para que ele se tor- nasse um clérigo. Entretanto, Darwin preferia cavalgar e atirar a fi car estudando. Ele também passava muito do seu tempo coletando besouros com o seu primo William Darwin Fox. Este o apresentou ao reverendo John Stevens Henslow, professor de botânica e especialista em besouros que, mais tarde, viria a se tornar o seu tutor. Henslow havia recomendado que Darwin fosse o acompanhante de Robert FitzRoy, capitão do navio inglês HMS Beagle, em uma expedição de dois anos que deveria mapear a costa da América do Sul. Como Darwin já tinha aprendido taxidermia, quando estava em Edimburgo, com John Edmonstone, que lhe contava muitas histórias interessantes sobre as fl orestas tropi- N LO S Grã-Grã- BretanhaBretanha PlymouthPlymouth (10-2-1831)(10-2-1831) Falmouth (20-2-1835) Salvador Rio de Janeiro Cidade do Cabo Honart Sydney Montevidéu Bahia Blanca Val paraíso Grã- Bretanha Cabo Cabo VerdeVerde Cabo Verde Açores Ilhas Galápagos PatagôniaPatagônia Ilhas Malvinas Taiti AscensãoAscensão Maurício Ilhas Cocos Nova Zelandia Ascensão Patagônia Rota do Beagle Plymouth (10-2-1831) Aula 9 Variação e Herança 245 cais na América do Sul, isso o incentivou a aceitar o maior desafi o de sua vida: a oportunidade de desenvolver a sua carreira como naturalista. Esta se tornaria uma expedição de quase cinco anos que teria profundo impacto em muitas áreas da Ciência sobretudo para a evolução. A viagem de Darwin A viagem do navio Beagle acabou durando quatro anos e nove meses e não se restringiu à costa da América do Sul, como pode ser visualizado na Figura 5. Como em dois terços da viagem, Darwin esteve em terra fi rme, ele teve a oportunidade de estudar uma rica variedade de características geológicas, fósseis, organismos vivos e conheceu muitas pessoas, entre nativos e colonos. Darwin coletou metodicamente um enorme número de espécimes, muitos dos quais novos para a ciência. Isso estabeleceu a sua reputação como um naturalista e fez dele um dos precursores do campo da Ecologia. Suas anotações detalhadas mostravam seu dom para a teorização e formaram a base para seus trabalhos posteriores, bem como forneceram visões sociais, políticas e antropológicas sobre as regiões que ele visitou. Figura 5 – Rota da viagem de Darwin Adaptado de: <http://darwinhp.vilabol.uol.com.br/darwin.html>. Acesso em: 8 jan. 2012. Durante a viagem, Darwin leu o livro Princípios de Geologia, de Charles Lyell, que des- crevia características geológicas como o resultado de processos graduais ocorrendo ao longo de grandes períodos de tempo. Assim, ele passou a observar os relevos dos locais por onde a expedição passava e buscava enquadrá-los nas descrições feitas por Lyell. Aula 9 Variação e Herança246 Ainda na América do Sul, ele descobriu fósseis de animais extintos em camadas que não mostravam quaisquer sinais de catástrofe ou mudanças climáticas. Naquele tempo, ele pensava que aqueles eram espécimes similares aos encontrados na África, mas, após a sua volta, ele observou que os fósseis encontrados eram mais similares a animais não extintos que viviam na mesma região (preguiças e tatus). Na Argentina, duas espécies de ema viviam em territórios separados, mas compartilhavam áreas comuns. Nas ilhas Galápagos, Darwin descobriu que as tartarugas diferiam de uma ilha para outra e também conheceu várias espécies de aves conhecidas como tentilhões, que apresentavam diferenças no formato do bico devido ao tipo de alimento que consumiam. O rato-canguru e o ornitorrinco, encontrados na Austrália, eram animais que causavam estranheza em Darwin. Todas essas observações o deixaram muito intrigado e, na edição de A Viagem do Beagle, ele já dava indicações de que via a fauna encontrada nas Ilhas Galápagos como evidência para a evolução: “é possível imaginar que algumas espécies de aves neste arquipélago derivam de um número pequeno de espécies de aves e que se modifi caram para diferentes fi nalidades”. Enquanto Darwin ainda estava em viagem, seu tutor Henslow forneciaa vários naturalis- tas os espécimes fósseis e cópias impressas das descrições geológicas feitas por ele. Dessa forma, quando o navio Beagle retornou em 2 de outubro de 1836, Darwin era uma celebridade no meio científi co. Ele foi, então, para Cambridge e convenceu Henslow a fazer descrições botânicas das plantas que ele havia coletado. Depois se dirigiu a Londres, onde procurou os melhores naturalistas para descrever as suas outras coleções de forma a poder publicá-las posteriormente. Charles Lyell encontrou Darwin e o apresentou ao jovem e promissor anatomista Richard Owen. Depois de trabalhar na coleção de ossos fossilizados de Darwin no Colégio Real de Surgeons, Inglaterra, Owen surpreendeu a todos ao revelar que alguns dos ossos eram de tatus e preguiças gigantes extintas. Com a ajuda de Lyell, Darwin apresentou seu primeiro artigo na Sociedade Geológica de Londres, em 4 de janeiro de 1837, afi rmando que a massa terrestre da América do Sul estava se erguendo lentamente, conforme observações geológicas feitas durante a viagem. No mes- mo dia, ele apresentou seus espécimes de mamíferos e aves à Sociedade Zoológica e lá, o ornitólogo John Gould revelou que o que Darwin pensava ser diferentes espécies de aves, na verdade, eram diferentes espécies da família dos tentilhões das Ilhas Galápagos. Em 17 de fevereiro de 1837, Lyell aproveitou o seu discurso presidencial na Sociedade de Geologia para apresentar as descobertas de Owen em relação aos fósseis de Darwin, enfatizan- do as implicações de que espécies extintas encontradas em uma região fossem relacionadas a outras que viviam atualmente na mesma região. A partir da viagem no navio Beagle, Darwin conseguiu reunir evidências geológicas e biológicas que deram suporte as suas ideias sobre evolução, as quais culminaram na teoria da seleção natural. Adicionalmente as tais evidências, Darwin também considerou as ideias do economista britânico Thomas Malthus para propor a teoria da seleção natural. Malthus propagava em seu livro Um Ensaio Sobre a Teoria da População que a população humana aumentava mais rapidamente que a produção de alimentos, o que levaria à uma competição pelo alimento até o ponto em que haveria uma limitação para o crescimento da população humana. Nesse caso, o alimento poderia ser um fator de seleção entre quem sobreviveria ou morreria. 2Atividade Aula 9 Variação e Herança 247 Paralelamente aos trabalhos de Darwin, Alfred Russel Wallace, em fevereiro de 1858, durante uma jornada de pesquisa nas ilhas Molucas, Indonésia, escreveu um ensaio no qual praticamente defi nia as bases da teoria da evolução e enviou-o a Charles Darwin, com quem mantinha correspondência, pedindo ao colega uma avaliação do mérito de sua teoria, bem como o encaminhamento do manuscrito ao geólogo Charles Lyell. Darwin, ao se dar conta de que o manuscrito de Wallace apresentava uma teoria pratica- mente idêntica a sua - aquela em que vinha trabalhando, com grande sigilo, ao longo de vinte anos - escreveu ao amigo Charles Lyell: “Toda a minha originalidade será esmagada”. Para evitar que isso acontecesse, Lyell e o botânico Joseph Hooker, também amigo de Darwin e infl uente no meio científi co, propuseram que os trabalhos fossem apresentados simultanea- mente à Linnean Society of London, o mais importante centro de estudos de história natural da Grã-Bretanha. Esse fato, que revolucionou a Ciência ocorreu em 1º de julho de 1858. Descreva, de maneira resumida, quais foram as contribuições para o pensamento evo- lutivo através das ideias de Lamarck e Darwin. Redija comentários sobre a viagem de Darwin a bordo do navio Beagle. Aula 9 Variação e Herança248 A Teoria da seleção natural Seleção natural é um processo da evolução proposto por Charles Darwin para explicar a adaptação e especialização dos seres vivos. O conceito básico de seleção natural é que carac- terísticas favoráveis, que são hereditárias, tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem, e que características desfavoráveis, que também são hereditárias, tornam-se menos comuns. Assim, a seleção natural age no fenótipo, ou nas características observáveis de um organismo, de tal forma que indivíduos com fenótipos favoráveis têm maiores chances de sobreviver e se reproduzir do que aqueles com fenótipos menos favoráveis. Se esses fenótipos apresentam uma base genética, então, o genótipo associado com o fenótipo favorável terá sua frequência aumentada na geração seguinte. Com o passar do tempo, esse processo pode resultar em adaptações, que especializarão organismos em nichos ecológicos particulares e pode resultar no surgimento de novas espécies. A seleção natural não distingue entre seleção ecológica e seleção sexual, na medida em que ela se refere às características, por exemplo, destreza de movimento, nas quais ambas podem atuar simultaneamente. Se uma variação específi ca torna o descendente que a manifesta mais apto à sobrevivência e à reprodução bem sucedida, esse descendente e sua prole terão mais chances de sobreviver do que os descendentes sem essa variação. As características originais, bem como as variações que são inadequadas dentro do ponto de vista da adaptação, deverão desaparecer conforme os descendentes que as possuem sejam substituídos pelos parentes mais bem sucedidos. Aula 9 Variação e Herança 249 Assim, certas caraterísticas são preservadas devido à vantagem seletiva que conferem aos seus portadores, permitindo que um indivíduo deixe mais descendentes que os indivíduos sem essas características. Eventualmente, através de várias interações desses processos, os organismos podem acabar desenvolvendo características adaptativas mais e mais complexas. A seleção natural dentro de uma população, para uma certa característica, como por exemplo, altura, pode ser classifi cada em três tipos: 1) Seleção direcional: que é um desvio do valor médio de uma característica ao longo do tempo. Por exemplo, certos organismos que vão lentamente fi cando mais altos de geração para geração. 2) Seleção divergente: que é a seleção a favor de valores extremos das características e resulta, frequentemente, em dois valores diferentes que se tornam mais comuns, com seleção contra valores médios. Isso ocorre quando indivíduos altos ou baixos têm certa vantagem, mas não os que têm altura média. 3) Seleção estabilizadora: em que há seleção contra valores extremos das características em ambos os lados, o que causa uma diminuição da variância à volta do valor médio. Isso acarreta, usando o mesmo exemplo, que os organismos tornem-se todos da mesma altura. Um caso especial de seleção natural é a seleção sexual, que é a seleção sobre qual- quer característica que aumente o sucesso reprodutor, incrementando a capacidade de atração de um organismo a potenciais parceiros. As características que evoluíram através de seleção sexual são particularmente proeminentes em machos de algumas espécies animais, apesar de algumas características como plumagem coloridas e cantos poderem atrair predadores, diminuindo por isso a sobrevivência desses machos. Esta desvantagem é compensada pelo maior sucesso reprodutivo em machos que apresentam estas carac- terísticas selecionadas sexualmente. Um exemplo prático da seleção natural A resistência de bactérias a antibióticos tem aumentado nos últimos anos, havendo sem- pre a necessidade de se desenvolverem novos antibióticos. Supomos, inicialmente, a existência de indivíduos adaptados a determinada condição ambiental. Se introduzirmos nesse ambiente certa quantidade de antibiótico, haverá grande mortalidade de bactérias, mas algumas, que já apresentavam mutações que lhes conferem resistência a essa substância sobreviverão. Estas, por sua vez, ao se reproduzirem originarão indivíduos com características distribuídas em torno deoutro tipo médio. Se esses indivíduos forem submetidos a doses mais altas desse mesmo antibiótico, no- vamente haverá alta mortalidade e sobreviverão apenas os que já tiverem condições genéticas para resistirem a doses mais altas do remédio. Repetindo-se o procedimento, será possível obter populações cada vez com mais indivíduos resistentes ao antibiótico em questão, podendo ocorrer um deslocamento da média das características no sentindo da maior resistência a deter- minada substância. Esse é um típico exemplo de seleção direcional, como visto anteriormente. 3Atividade Aula 9 Variação e Herança250 Considere uma característica de interesse. A seguir, baseada nesta característica, defi na: a) Seleção direcional: b) Seleção divergente: c) Seleção estabilizadora: Aula 9 Variação e Herança 251 A teoria sintética da evolução De 1900 até cerca de 1920, os adeptos da Genética Mendeliana acreditavam que apenas as mutações eram responsáveis pela evolução e que a seleção natural não tinha importância nesse processo. Depois disso, vários cientistas começaram a conciliar as ideias sobre seleção natural com os fatos da Genética, o que culminou com a formulação da teoria sintética da evolução, às vezes chamada também de Neodarwinismo. Conforme Darwin já havia proposto, essa teoria considera a população como a unidade evolutiva. Uma população pode ser defi nida como um agrupamento de indivíduos da mesma espécie, que ocorre em uma mesma área geográfi ca, em um mesmo intervalo de tempo. Cada população apresenta determinado conjunto gênico, que pode ser alterado de acordo com fatores evolutivos. O conjunto gênico de uma população é o conjunto de todos os genes presentes nessa população. Assim, quanto maior for o conjunto gênico da população, maior será a variabilidade genética. As bases genéticas dos principais fatores evolutivos, que atuam sobre o conjunto gênico da população, podem ser encontradas na Aula 4 – Genética de Populações. Aqui, esses fatores foram resumidos em duas categorias: � Fatores que tendem a aumentar a variabilidade genética da população – mutação. � Fatores que atuam sobre a variabilidade genética já estabelecida – migração, deriva genética e seleção natural. Sabe-se que uma população está evoluindo quando se verifi cam alterações na frequência de seus genes. Atualmente, considera-se a evolução como o conceito central e unifi cador da Biologia, e uma frase marcante que enfatiza essa ideia foi escrita pelo cientista Dobzhansky (ge- neticista e biólogo evolutivo ucraniano): “Nada se faz em biologia a não ser à luz da evolução”. Além dos fatores apresentados acima, podemos incluir mais um fator que orienta as populações para maior adaptação: o isolamento reprodutivo. Esse fator impede ou difi culta a troca de alelos entre duas populações e é essencial para a formação de espécies novas bem como a manutenção da identidade de cada uma. Podemos classifi cá-lo sob o aspecto de dois mecanismos: 1) Mecanismos pré-zigóticos: são aqueles que impedem a fecundação e a formação do zigoto. Este pode ainda ser dividido em: a) Habitat: as populações vivem na mesma região, mas ocupam ambientes diferentes. b) Sazonal ou temporal: as populações ocorrem na mesma região, mas apresentam matu- ridade sexual em épocas diferentes. 4Atividade Aula 9 Variação e Herança252 c) Etológico: mais evidente em populações de animais, que são isoladas por comportamentos diferentes e incompatíveis antes do acasalamento. d) Mecânico: a fecundação cruzada é impedida ou restringida por diferenças dos órgãos reprodutivos. e) Incompatibilidade gamética: os gametas de uma espécie não sobrevivem em órgãos reprodutivos de outra espécie. 2) Mecanismos pós-zigóticos: a fecundação ocorre e os zigotos híbridos são formados, mas estes são inviáveis ou dão origem a híbridos que apresentam distúrbios ou estéreis. Resuma os fatores que orientam as populações para maior adaptação. Resumo Aula 9 Variação e Herança 253 Diversas contribuições filosóficas e científicas deram suporte ao desenvolvimento e solidifi cação das teorias evolucionistas, com ideias surgidas a partir da Antiguidade. Nesta Aula, você compreendeu a importância que as primeiras ideias sobre o surgimento da vida, através da geração espontânea, até as teorias mais aceitas atualmente tiveram para a Ciência como um todo. Demonstramos o surgimento dos primórdios da vida através da hipótese de Oparin e Haldane e do experimento de Miller e Urey, a partir de macromoléculas no caldo primordial. Em seguida, identifi camos as contribuições científi cas para o pensamento evolutivo através das ideias de Lamarck e Darwin. Vimos que Lamarck contribuiu com grandes ideias evolutivas, mas é sempre lembrado por algumas teorias que hoje sabemos não apresentar fundamentos científi cos. Já Darwin, o mais famoso cientista evolucionista, desenvolveu a teoria da seleção natural após muitos anos de pesquisa e uma viagem ao redor mundo a bordo do navio Beagle. Finalmente, a teoria sintética da evolução, que considera a população como a unidade evolutiva, foi apresentada e discutida. Autoavaliação Descreva as principais teorias relacionadas ao pensamento evolutivo aceitas nos dias de hoje: a teoria da seleção natural e a teoria sintética da evolução. Aula 9 Variação e Herança254 Referências BAGUÑÀ, J.; GARCIA-FERNÀNDEZ, J. Evo-Devo: the long and winding road. International Journal of Development Biology, n. 47, p. 705–713, 2003. GILBERT, S. F. The morphogenesis of evolutionary developmental biology. International Journal of Development Biology, n. 47, p. 467–477, 2003. GOULD, S. J. The structure of evolutionary theory. [s.l.]: Belknap Press of Harvard Univer- sity Press, 2002. HAGEN, J. B. Naturalists, Molecular Biologists, and the Challenges of Molecular Evolution. 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WIKIPÉDIA. História do pensamento evolutivo. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/ wiki/Hist%C3%B3ria_do_pensamento_evolutivo>. Acesso em: 25 dez. 2011. ______. Síntese evolutiva moderna. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ S%C3%ADntese_evolutiva_moderna>. Acesso em: 1 jan. 2012. ______. Seleção natural. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Sele%C3%A7%C3%A3o_natural>. Acesso em: 8 jan. 2012. Anotações Aula 9 Variação e Herança 255 Anotações Aula 9 Variação e Herança256 Biologia de Sistemas 10 Aula 1 2 3 4 5 Aula 10 Variação e Herança 259 Apresentação Nossa última aula abordará o tema Biologia de Sistemas, uma ciência recente que tem como objetivo estudar um organismo como um todo, visto como uma rede integrada e inte- rativa de genes, proteínas e reações bioquímicas que dão origem à vida. Nesse contexto, conheceremos um pouco da história dessa recente ciência, sua importân- cia nas pesquisas atuais e suas aplicações. Veremos comoos diversos componentes celulares interagem entre si, passando pela proteômica, metabolômica, bioinformática e modelagem de fenômenos biológicos em prol da integração do conhecimento. Vamos embarcar nessa viagem? Objetivos Defi nir o conceito de Biologia de Sistemas. Conhecer os principais momentos da história da Biologia de Sistemas. Reconhecer a importância, aplicações e implicações da Biologia de Sistemas. Conhecer os princípios e aplicações da proteômica e metabolômica. Definir o conceito de bioinformática e modelagem de fenômenos biológicos. EcossistemaEcossistemaEcossistema Biologia de sistemas Co m pl ex id ad e OrganismoFisiologiaRede metabólicaInteraçãoFunção Sequência Estrutura Aula 10 Variação e Herança 261 Conhecendo a biologia de sistemas Estudos realizados nas últimas décadas em áreas como zoologia, botânica, ecologia, entre outras, têm investigado o comportamento de seres vivos e de populações em perspectiva macroscópica, sem considerar a fundo os mecanismos moleculares. Já em áreas como a da Genética e da Biologia Molecular, têm-se trabalhado com componentes celulares individu- ais. No entanto, na última década, surgiu a necessidade de se entender as relações dinâmicas entre as moléculas biológicas que tornam a vida possível. Dessa forma, tornou-se evidente a necessidade de se investigar, de forma sistemática, o modo como processos celulares, incluin- do sinalização, transcrição, tradução, homeostase de metabólitos e outras moléculas, ciclo e divisão celulares se integram para permitir a vida sob o enfoque celular, tecidual, de órgãos, de organismo e de ecossistema (Figura 1). Além desta investigação sistemática, a proposta da Biologia de Sistemas é integrar as diversas formas de investigação. Figura 1 – Pirâmide evidenciando os vários níveis do conhecimento dos sistemas biológicos Adaptado de: Research Functional Genomics and Systems Biology Group (2008). Disponível em: <http://www.e-escola.pt/topico.asp?id=562>. Acesso em: 16 fev. 2012. Através da Figura 1, podemos evidenciar que o nível de conhecimento já adquirido sobre a vida é maior quando se trata de tópicos da base da pirâmide e diminui à medida que se avança para o topo, o qual corresponde ao máximo de complexidade sobre a vida. Portanto, consta- tamos uma disparidade entre nível de complexidade dos organismos e nível de conhecimento já gerado. E é justamente para minimizar esta disparidade que surge a Biologia de Sistemas. Nessa área, muitos dos estudos atuais são desenvolvidos através de metodologias ex- perimentais, que surgem após a divulgação do sequenciamento do genoma de uma espécie. Entre estas abordagens encontram-se: Transdução de sinal Refere-se a qualquer processo através do qual uma célula converte um tipo de sinal ou estímulo em outro. Genoma Transcriptoma Proteoma Metaboloma Genes RNAm Proteínas Metabólitos Aula 10 Variação e Herança262 � A análise da expressão gênica com base no RNA mensageiro (análise do transcriptoma); � A análise de proteínas (análise do proteoma, por exemplo, por eletroforese bi-dimensional); � A análise dos metabólitos numa célula (análise do metaboloma). A Figura 2 ilustra a transferência e interação das informações contidas nos genes en- contrados no DNA. Figura 2 – Base molecular da transferência da informação contida nos genes Adaptado de: Villas-Bôas e Gombert (2006). A partir das informações geradas através de modelos experimentais é possível avaliar os chamados fl uxos de massa, de energia e de informação que ocorrem ao longo de vias específi cas, a saber: � Fluxo de massa e energia através de vias metabólicas; � Fluxo de informação, envolvendo o DNA, através de vias de regulação da expressão gênica; � Fluxo de informação, não envolvendo o DNA, através de vias de transdução de sinal. Esses modelos experimentais têm gerado enormes quantidades de informação, cuja exploração só é possível através da construção de bases de dados, do desenvolvimento e uso de ferramentas computacionais adequadas. Mas, mais do que armazenar e interpretar dados, a Biologia de Sistemas pretende modelar o conjunto de informações biológicas. A Bioinformá- tica e a Modelagem Matemática permitem compreender melhor a natureza e a dinâmica dos processos e fazer previsões fundamentadas do seu desenvolvimento e do efeito de fatores externos no comportamento do sistema. Esses tópicos serão abordados mais adiante. Assim, a Biologia de Sistemas é uma área multidisciplinar e recorre a profi ssionais e investigadores de áreas muito diversas, conforme ilustrado na Figura 3. O estabelecimento de procedimentos científi cos e de comunicação, que permitam aos recursos humanos envolvidos nessas áreas uma maior acessibilidade e compreensão da multidisciplinaridade envolvida, é um dos maiores desafi os da Biologia de Sistemas. Biologia de Sistemas Biologia Fisiologia Genética Física Química Matemática Estatística Informática Computação Aula 10 Variação e Herança 263 Figura 3 – Áreas da ciência que contribuem para a Biologia de Sistemas Adaptado de: <http://www.e-escola.pt/topico.asp?id=562>. Acesso em: 16 fev. 2012. Aplicações e perspectivas da Biologia de Sistemas A capacidade de compreensão e previsão do funcionamento dos sistemas vivos abor- dada pela Biologia de Sistemas possibilita a manipulação precisa de estirpes com o objetivo de torná-las mais efi cientes nas suas aplicações biotecnológicas. Espera-se, ainda, que novas moléculas ou sistemas biológicos que não existam na natureza possam ser obtidos. Na área da saúde, as ferramentas associadas à Biologia de Sistemas têm vasta aplicação. A primeira delas é na descoberta de novos alvos terapêuticos e de novos fármacos. E a segunda, nos processos de diagnóstico, de acompanhamento do estado clínico e do monitoramento dos efeitos terapêuticos, e eventualmente tóxicos, induzidos pela administração de fármacos. Outras abordagens incluem a possibilidade de prever as consequências de processos complexos, como o desenvolvimento de doenças genéticas ou os possíveis resultados de diversas formas de quimioterapia. Um dos grandes desafi os da medicina do século XXI é suprir as necessidades de cuida- dos de saúde individualizados, denominada de medicina personalizada, a qual será detalhada no tópico metabolômica. Cada pessoa tem características únicas que resultam em diferentes formas de desenvolverem doenças, diferentes reações à administração de fármacos e terapias e diferentes suscetibilidades aos efeitos secundários ou tóxicos dessas terapias. Estirpe Termo também conhecido como cepa; termo da biologia e da genética que se refere a um grupo de descendentes com um ancestral comum que compartilham semelhan- ças morfológicas ou fi sio- lógicas, por exemplo, uma estirpe de uma bactéria, ou seja, uma amostra de descendentes provenientes da mesma bactéria. 1Atividade Aula 10 Variação e Herança264 Defi na Biologia de Sistemas e apresente 3 aplicações dessa área da ciência. Genômica Estudo dos genes que constituem um organismo. Genômica Estrutural Eestudo da estrutura dos genes que constituem um organismo, que difere da Genômica Funcional pelo fato desta estudar a função dos genes que constituem um organismo. Aula 10 Variação e Herança 265 Integrando o conhecimento Para que estudos na área de Biologia de Sistemas sejam realizados, faz-se necessário obter dados da genômica, transcriptômica, proteômica e metabolômica, a fi m de se formular hipóteses e integrar dados, produzindo redes que permitam a visualização de um organismo como um todo. Veremos, a seguir, algumas dessas ciências. Proteômica Em 1995, o termo proteômica foi defi nido como sendo uma caracterização em larga escala do conjunto de proteínas expressasem uma célula ou um tecido. Ela se constitui de uma das abordagens da genômica, principalmente da genômica estrutural. Ao conjunto de proteínas expressas em uma célula ou tecido a partir do genoma, dá-se o nome de proteoma. O Quadro 1 ilustra as características dos componentes do dogma central da Biologia Molecular, no qual podemos identifi car as diferentes denominações para o estudo em larga escala do DNA, do RNA e das proteínas. Tipo de molécula O que o conjunto de moléculas gera Característica peculiar DNA Genoma Conteúdo igual para todos os tipos celulares de um organismo. RNAm Transcriptoma Perfi l diferenciado de acordo com o tipo celular de um organismo Proteína Proteoma Perfi l diferenciado de acordo com o tipo celular de um organismo Quadro 1 – Dogma central da Biologia Molecular e as características de genoma, transcriptoma e proteoma. Fonte: Sider e Zaros (2008). O proteoma de um organismo refl ete o conjunto de proteínas expressas por ele em uma determinada situação e, ao contrário do genoma, pode se modifi car dependendo dos estímulos que recebe e das condições ambientais aos quais está sujeito. Desse modo, o Aula 10 Variação e Herança266 proteoma refl ete diretamente a expressão das moléculas que infl uenciam a bioquímica e o comportamento da célula. Nesse sentido, o estudo do proteoma (proteômica) compreende conhecimentos e técnicas capazes não só de identifi car um conjunto de proteínas produzidas por um tecido, como revelar as interações e interdependências dos processos biológicos. A cada gene corresponde a um ou mais RNAs mensageiros (RNAm). Por sua vez, a cada RNAm corresponde a uma única proteína. A cada proteína é atribuída uma conformação espacial e, portanto, uma função na célula (detalhes vide Aula 03 – Genética Molecular). Os dados gerados através das análises proteômicas permitem alcançar diferentes obje- tivos, tais como: 1) Identifi car as proteínas envolvidas em rotas metabólicas de diferentes processos celulares; 2) Identifi car novas proteínas que possam ser usadas como produtos farmacológicos no estabelecimento e progressão de determinadas doenças; 3) Identifi car moléculas bioativas como componentes de novos fármacos; 4) Caracterizar a resposta da célula em relação a alterações ambientais, princípios ativos ou doenças. Atualmente, estão disponíveis tecnologias que permitem detectar centenas ou mi- lhares de proteínas em géis bidimensionais. A essa metodologia chamamos de eletro- forese bidimensional. A eletroforese consiste em separar, sob infl uência de um campo elétrico, moléculas que possuem cargas. A velocidade de migração dessas moléculas nesse campo depende da forma, tamanho e carga elétrica da molécula. Na eletroforese bidimensional, as proteínas são submetidas a duas etapas de separação: 1) Na primeira dimensão, as proteínas são separadas por suas capacidades de protonação, através de seus pontos isoelétricos (IEF), em um gradiente de pH que as distinguem em função da sua carga. Nessa etapa, as proteínas migram para o gel até atingirem uma posição estacionária, onde possuem carga líquida zero, sendo esse o ponto isoelétrico da proteína (Figura 4); 2) Na segunda dimensão, as proteínas previamente separadas pelo ponto isoelétrico são submetidas a uma eletroforese desnaturante em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE), sendo agora separadas por suas massas moleculares relativas (Figura 4). Protonação Reação química que ocorre quando um próton (H+) liga-se a um átomo, uma molécula ou um íon. O produto dessa reação é chamado conjugado ácido do reagente inicial. pI a Mr (-) (+) (-) (+) Amostra 1 Dimensão IEF/IPG a2 Dimensão SDS-PAGE 220 pH4 pH10 120 70 50 20 Aula 10 Variação e Herança 267 Figura 4 – Representação gráfi ca de um gel bidimensional Adaptado de: Sider e Zaros (2008). Como os parâmetros utilizados nas duas dimensões são diferentes (ponto isoelétrico e massa molecular), pode-se obter um alto nível de resolução, o que permite a visualização de centenas de diferentes proteínas ao mesmo tempo. As proteínas são coradas diretamente no gel utilizando nitrato de prata ou corantes específi cos como o azul de Comassie, gerando centenas de pontos contendo múltiplas cópias de uma proteína (Figura 5). Figura 5 – Eletroforese bidimensional de proteínas intracelulares do fungo Cryptococcus neoformans. Cada ponto é chamado de spot Fonte: <http://www.uniprote-ms.ufrgs.br/Content/02PrincipiosDeAnalise/img/eletroforese2D.png>. Acesso em: 23 fev. 2012. 2Atividade Aula 10 Variação e Herança268 Entretanto, é na espectrometria de massa que a proteômica tem encontrado uma de suas principais aliadas. A técnica é utilizada para identifi car e sequenciar as proteínas e se baseia no movimento de íons em campos elétricos e magnéticos para classifi cá-los em função da sua relação massa-carga, em que a proteína é excitada e fracionada em fragmentos menores, caracterizando o espectro de massas. As duas técnicas disponíveis, a dessorção ionizante assistida por uma matriz (MALDI) e a ionização por eletrodispersão (ESI), são amplamente utilizadas na identifi cação e sequenciamento de polipeptídeos. Ambas as técnicas citadas acima podem ser combinadas com a medida em tempo de vôo em alto vácuo (TOF), um tipo mais simples de análise de partículas carregadas. Além da identifi cação e sequenciamento de polipeptídeos, a espectrometria de massas também é muito utilizada no estudo das modifi cações pós-traducionais, identifi cação de estruturas de outras biomoléculas (carboidratos, ácidos nucleicos, esteroides), determinação do mecanismo de utilização de drogas pelo organismo, análises de confi rmação e quantifi cação de abuso de drogas, análise de poluentes ambientais e determinação da idade e origem de espécies de interesse em geoquímica e arqueologia. Outras ferramentas, como a cromatografi a líquida de alta efi ciência (HPLC), também podem auxiliar no estudo de frações proteicas. O que é proteômica? Cite algumas das suas aplicações. Degradação do glicogênio UDP-Glc Glc-1-P Glc-6-P Frt-6-P Frt-1-6-BP OAA malato Pyr Acetil-CoA Acetoacetil-CoA 3-HMG-CoA Acetoacetato Acil-CoA ¯-cetoacil-CoA 3-L-hidroxiacil-CoA enoil-CoA acil-CoA ácido gordo malonil-ACP acetil-ACP cetoacil-ACP 3-D-hidroxiacil-ACP enoil-ACP acil-ACP palmitato citrato isocitrato ®-cetoglutarato succinil-CoA succinato fumarato malato OAA PGADHAP 1,3-BPG 3-PG 2-PG PEP Pyr Gluconolactona-6-P Frutose-6-P PGA Eristrose-4-P Frutose-6-P PGA Gluconato-6-P Ribulose-5-P Ribose-5-P Sedoeptulose-7-P Glc Pi Pi UTP glicogénio (´) glicogénio (´+1) glutamato HCO 3 3 - NH ®-cetoglutarato carbamoil-fosfato ornitina ureia ®-cetoácido aminoácido arginina argininosuccinato citrulina arpartato glicogénio (´) Pi Degradação de aminoácidos e ciclo da uréia Ciclo de Krebs Metabolismo de ácidos graxos Síntese de corpos cetônicos Glicólise Vias das pentoses-fosfato Xilulose-5-P Aula 10 Variação e Herança 269 Metabolômica A metabolômica é um termo usado para se referir ao conjunto de metabólitos que são produzidos e/ou modifi cados por um organismo, sendo conhecido também como metabo- loma (Figura 6). Ainda pela Figura 6, podemos evidenciar o grau de complexidade envolvida na interação entre diferentes vias metabólicas. Essa ideia vai ao encontro do que tratamos na Figura 1, no início desta aula. A metabolômica, portanto, é uma área de estudos que surgiu recentemente, devido ao fato de que as alterações nos níveis de RNAm nem sempre resultam em alterações nos níveis de proteínas. Estas proteínas, uma vez sintetizadas, podem estar ou não enzimaticamente ativas.Figura 6 – Panorama geral da interação de algumas vias metabólicas (importantes para o ser humano) estudadas sob o enfoque da metabolômica Adaptado de: Modifi cado de <http://www2.ufp.pt/~pedros/bq/integracao.htm>. Acesso em: 18 fev. 2012. Como curiosidade, algumas das vias apresentadas na Figura 6 representam: glicólise, oxidação da glicose a fi m de obter energia; ciclo da ureia, eliminação de NH4 + em formas menos tóxicas; oxidação de ácidos graxos, transformação de ácidos graxos em acetil-CoA, para posterior utilização pelo ciclo de Krebs; vias das pentoses-fosfatos, síntese de pentoses e obtenção de poder redutor para rações anabólicas. Para saber mais sobre essas vias meta- bólicas, consulte bibliografi as da área de Bioquímica. Os metabólitos, como substratos, produtos ou cofatores nas reações químicas, desem- penham um papel muito importante na conexão das diferentes vias metabólicas que operam dentro de uma célula viva. Desse modo, a alteração do nível de um único metabólito numa célula resulta na alteração do nível de diversos metabólitos que estão direta e/ou indiretamente Aula 10 Variação e Herança270 conectados ao primeiro, demonstrando, assim, que o metaboloma de uma célula ou tecido tem a capacidade de responder rapidamente a qualquer alteração ambiental e/ou genética, sendo, inclusive, capaz de caracterizar mutações ditas silenciosas, que são aquelas modifi cações genéticas que não resultam em nenhuma alteração da morfologia, rendimento, velocidade de crescimento ou de qualquer outro parâmetro observável em relação ao fenótipo das linhagens parentais sob uma determinada condição fi siológica. Para a metabolômica, cada metabólito depende do estádio fi siológico de desenvolvimento, e/ou patológico de uma célula, tecido ou organismo. No entanto, uma importante diferença é que, diferentemente dos RNAm e das proteínas, é difícil, ou praticamente impossível, estabe- lecer uma ligação direta entre genes e metabólitos. A natureza interconectada do metabolismo celular, no qual um mesmo metabólito pode participar de diversas vias metabólicas, difi culta extremamente a interpretação dos dados metabolômicos. Além disso, acredita-se que os organismos complexos ou pluricelulares, tais como vegetais e animais, produzam muito mais metabólitos do que genes localizados no DNA, pois múltiplos RNAm podem ser formados a partir de um único gene, múltiplas proteínas a partir de um único RNAm e muitos metabólitos a partir de uma única enzima, porque muitas enzimas tem afi nidade por mais de um substrato, apesar de sua alta seletividade. No entanto, para organismos unicelulares têm-se detectado muito menos metabólitos do que genes. Como exemplo, a levedura Saccharomyces cerevisiae possui cerca de 6 mil genes e pouco mais de 700 metabólitos. A análise dos metabólitos é um grande desafi o para os cientistas, pois o metaboloma é com- posto por uma grande variedade de compostos químicos de baixa massa molar (< 1000 Da), os quais possuem propriedades químicas diversas. Para você entender a complexidade dessas análises, e a título de curiosidade, são mencionadas aqui algumas das formas químicas encontradas nos estudos dos metabolomas, como espécies iônicas a carboidratos hidrofílicos, álcoois e cetonas voláteis, aminoácidos e ácidos orgânicos, lipídeos hidrofóbicos e produtos naturais complexos. Além disso, algumas dessas moléculas são encontradas em baixíssimas concentrações, variando de picomoles a micromoles, o que é um fator limitante para as análises. Aplicações da metabolômica A metabolômica tem sido aplicada com sucesso em estudos de toxicologia, de resposta ao estresse ambiental, de controle de qualidade de alimentos (pela identifi cação de seus compos- tos, garantindo sua procedência e a qualidade) e na identifi cação de potenciais biomarcadores para diagnosticar doenças. A função gênica também pode ser determinada por essa ciência, porém, a metabolômica tem se destacado principalmente na caracterização fenotípica de mutações silenciosas. Outra aplicação se refere ao melhoramento de linhagens por engenharia metabólica, em que um organismo de interesse é estudado sob diferentes aspectos e de forma detalhada, a fi m de conhecer seu metabolismo. Numa etapa posterior, é possível identifi car os melhores alvos para modifi cações genéticas, alterando o fenótipo do organismo para produção de uma característica de interesse. Essas análises podem ser utilizadas em conjunto com outras técnicas, tais como prote- ômica e transcriptômica. A união de informação sobre metabólitos que tiveram a sua concen- Da Dalton, unidade de peso molecular de proteínas. 3Atividade Metaboloma Conjunto de metabólitos {Oliver et al.1988} Análises alvo Análise de um pequeno grupo específico de metabólitos Para o estudo do efeito primário de uma alteração genética Para o estudo da alteração de uma via metabólica por intersecção de vias metabólicas Para o estudar efeitos pleiotrópicos de uma alteração genética Para rápida caracterização fenotípica Perfil metabólico Análise de um grupo pré-selecionado de metabólitos Metabolômica Análise quantitativa e qualitativa de todos os metabólitos sintetizados por um organismo Fingerprinting metabólico Rápida classificação de amostras contendo metabólicos sem a identificação dos compostos Aula 10 Variação e Herança 271 tração alterada em determinadas condições fi siológicas, mais a informação disponível sobre a expressão de genes e proteínas nessas mesmas condições, é fundamental para a compreensão de uma determinada resposta biológica. No entanto, o maior desafi o na área da metabolômica é a otimização de tecnologias analíticas que possibilitem a avaliação da variabilidade de ca- racterísticas existentes, seja de natureza físico-química ou de concentração de metabólitos. Algumas abordagens analíticas foram propostas por Fiehn (2002) e são resumidas na Figura 7. Figura 7 – Classifi cação das abordagens analíticas para a área metabolômica Fonte: Fiehn (2002 apud VILLAS-BÔAS; GOMBERT, 2006). O que é metabolômica? Dê alguns exemplos de metabólitos que são encontrados nas células. Cite algumas das aplicações da metabolômica. Aula 10 Variação e Herança272 E o que a bioinformática tem a ver com a biologia de sistemas? O termo Bioinformática foi proposto por Hwa Lim, do Instituto de Pesquisas de Super- computadores, da Flórida, EUA, no fi nal dos anos de 1980, a fi m de resumir todas as formas de estudos computacionais e análises de problemas biológicos que a comunidade científi ca estava enfrentando como resultado de diversos projetos de sequenciamento de genomas. Um marco decisivo para o desenvolvimento da Bioinformática foi o lançamento do Projeto Genoma Humano, que ocorreu na mesma época (detalhes vide a Aula 7 – Genoma Humano, ministrada na disciplina Biotecnologia). Projetos como esse proporcionaram a obtenção de sequências de nucleotídeos de genomas inteiros, tendo como consequência um novo desafi o: como obter informações das sequências, que inicialmente eram uma verdadeira “sopa de letrinhas A, T, C e G”. E é justamente para permitir uma melhor compreensão e transformar essa “sopa” em resultados de interesse para a comunidade cientifi ca que surge a Bioinformática. Esta é uma área da ciência que integra e interage com duas áreas da ciência: a Biologia, que é o estudo da vida, e a Informática, em que informações previamente registradas são reunidas, armazenadas, manipuladas, classifi cadas e recuperadas. Portanto, a Bioinformática permite que o grande volume de informação biológica, prove- niente de sequências de DNA, RNA e proteínas, seja trabalhado. Para que essa estratégia seja de fato implementada na prática, diversas ferramentas computacionais têm sido desenvolvidas e disponibilizadas na Internet através de bancos de dados.Assim, o fl uxo de informações biológicas, por meio da constituição de bancos de dados acessíveis na Internet, proporciona três vantagens para os cientistas: 1) Democratização da informação, pois qualquer pessoa que possua um computador conec- tado à Internet e um navegador pode acessar essas informações; 2) Redundância de informações, pois pesquisadores podem contribuir com a mesma infor- mação para o banco de dados, possibilitando um amplo e efi ciente controle de qualidade para as sequências armazenadas; EST Expressed Sequence Tag ou etiqueta de sequências expressas oriunda de se- quências curtas de cDNA. Aula 10 Variação e Herança 273 3) Genômica comparativa, que se baseia na descoberta e compreensão de vias metabólicas de outros organismos através da comparação de genes homólogos. Essa abordagem se fundamenta na relação existente entre todos os seres vivos baseando-se na Evolução. Após essa breve apresentação, nossa proposta, agora, é apresentar alguns dos bancos de dados e ferramentas computacionais que têm sido usados para estudar sequências de nucleotídeos do DNA e de aminoácidos em proteínas. Nosso cenário inicial se baseia no fato de que você obteve a sequência de um fragmento de restrição de DNA (detalhes vide as Aulas 3 e 4 – Tecnologia do DNA Recombinante I e II, ministradas na disciplina Biotecnologia) isolado de seu animal preferido, por exemplo, cão ou gato. Ao abrir o arquivo que contém essa sequência, a primeira pergunta que você provavel- mente faça é: como iniciar a análise desse fragmento de DNA? Uma primeira ideia que você pode ter é: será que alguém em algum lugar já sequenciou esse fragmento ou outros fragmen- tos que apresentam algum grau de similaridade? Para responder a essa pergunta, você precisa de um programa computacional que realize pesquisas em bancos de dados que contenham um grande número de sequências de DNA depositadas, a fi m de encontrar sequências similares. Dessa forma, a crescente demanda da comunidade cientifi ca por programas de computa- ção destinados a pesquisar sequências em bancos de dados foram inicialmente desenvolvidos nos anos de 1980, e atualmente existem programas destinados a quase todo o tipo de busca que se queira fazer em função do conjunto de informação biológica que se tenha em mãos, como por exemplo, DNA, RNA, proteína, função gênica, marcadores moleculares. Uma das funções da Bioinformática reside na chamada anotação de genomas, a qual discutiremos a seguir. Anotação de genomas É uma das funções essenciais da Bioinformática, pois envolve a atribuição de funções e identifi cação de padrões de genes na sequência linear do DNA/cDNA obtida a partir do sequen- ciamento. De maneira mais ampla, permite descobrir, analisar, mapear, pesquisar as funções e características dos genes no genoma dos organismos. Para tanto, alguns parâmetros são utilizados a fi m de identifi car genes em um genoma, tais como regiões promotoras, sequências que possam gerar uma proteína funcional, simila- ridades com genes conhecidos. Quando a sequência é oriunda do DNA, buscam-se localizar as chamadas ORFs (Open Read Frames – fases de leitura abertas); já quando é oriunda do cDNA/ ESTs, essa localização se baseia na identifi cação do trecho sequenciado. Alguns programas que têm sido utilizados na localização de genes que podem ser citados são: GRAIL (Gene Recognition and Analysis Internet Link), GeneMark, GeneScan, GeneFinder, dentre outros. Essa busca por genes permite identifi car os chamados genes PARÁLOGOS, que são aqueles genes homólogos dentro de uma espécie; ou os genes ORTÓLOGOS, que são aqueles genes homólogos presentes em espécies diferentes. 4Atividade Aula 10 Variação e Herança274 Defi na Bioinformática e mencione três vantagens dos bancos de dados constituídos por informações biológicas estarem disponíveis na Internet. O que é e para que serve a anotação de genomas? Biologia Computacional Difere da Bioinformática, pois não emprega sequ- ências de DNA, RNA ou proteína em suas análises. Ela já existia antes da Bioinformática. Aula 10 Variação e Herança 275 Veremos a seguir algumas ferramentas computacionais que têm sido amplamente em- pregadas pela Bioinformática. O NCBI O National Center for Biotechnology Information ou Centro Nacional para Informação Biotecnológica (NCBI – http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) é parte da National Library of Medicine (NLM – Biblioteca Nacional de Medicina) no National Institute of Health (NIH – Instituto Nacional de Saúde) e foi iniciado em 1988 com os seguintes propósitos: � Estabelecimento de banco de dados públicos; � Pesquisa em Bioinformática e Biologia Computacional e processos ligados a doenças; � Desenvolvimento de programas computacionais; � Análise de dados de genomas e informática médica. Dessa forma, o NCBI integra e disponibiliza, gratuitamente, diversos bancos de dados e recursos de Biologia Computacional, o que permite a disseminação da informação biológica. A Figura 8 mostra a página inicial do NCBI. Figura 8 – Página inicial do NCBI Fonte: <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/>. Acesso em: 24 fev. 2012. Se qu en ci as (m ilh õe s) Pares de base Sequências 1982 1986 1990 1994 1998 2002 2006 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Pa re s de b as e de D NA (b ilh õe s) Aula 10 Variação e Herança276 Outros bancos de dados também foram estabelecidos na Europa (European Molecular Biology Laboratory e European Bioinformatics Institute – EMBL-EBI – Laboratório Europeu de Biologia Molecular e Instituto Europeu de Bioinformática – http://www.ebi.ac.uk/embl/), em 1980, e no Japão (DNA DataBank of Japan – DDBJ – Banco de Dados de DNA do Japão – www. ddbj.nig.ac.jp), em 1984. Juntos, NCBI, EMBL/EBI e DDBJ compartilham de informações diariamente e permitem a qualquer pesquisador analisar todos os três bancos de dados simultaneamente e culmina- ram na formação do International Nucleotide Sequence Database Collaboration (Colaboração Internacional para o Banco de Dados de Sequências de Nucleotídeos). O GenBank Foi idealizado em 1979 por Walter Goad, um físico que trabalhava no Los Alamos National Laboratory (LANL – Laboratório Nacional de Los Alamos), Novo México, EUA, o qual teve a ideia de organizar um banco de dados que conteria todas as sequências de DNA disponíveis. De 1982 até 1992, Goad e seus colaboradores incorporaram sequências ao banco de dados, hoje conhecido como GenBank (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/), mas o mantiveram vinculado ao LANL. A Figura 9 ilustra o crescente depósito de sequências biológicas no Gen- Bank de 1982 a 2008. Figura 9 – Incremento de sequências biológicas depositadas no GenBank entre 1992 e 2008 Fonte: Adaptado de <http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genbank/genbankstats-2008/>. Acesso em: 27 fev. 2012. Aula 10 Variação e Herança 277 O Entrez Outra valiosa ferramenta é o ENTREZ (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Entrez/), que foi, ini- cialmente, distribuído em CD-ROM, em 1992, e depois como versão da rede em 1993. Até que foi fi nalmente disponibilizado gratuitamente na internet em 1994 (http://www.ncbi.nlm.nih. gov/entrez). Essa ferramenta não engloba apenas bancos de dados de sequências biológicas, mas também inclui um banco de dados bibliográfi co chamado PUBMED (http://www.ncbi. nlm.nih.gov/pmc/), que cobre a maior parte dos periódicos das áreas médicas, de animais, plantas e microrganismos. O BLAST (Basic Local Alignment Search Tool – ferramenta de busca através do alinhamento básico local) Você se lembra do exemplo proposto no início desta aula, em que você tinha obtido um fragmento de restrição e não sabia por onde começar suas buscas? A sua busca pode ser realizada por meio de: 1)TEXTO, usando palavras-chave no ENTREZ, o que a torna bem mais ampla; 2) SEQUÊNCIA DE NUCLEOTÍDEOS ou AMINOÁCIDOS usando o BLAST (http://blast.ncbi. nlm.nih.gov/Blast.cgi), o que a torna mais especifi ca Quatro componentes são essenciais para que as buscas, utilizando o BLAST, sejam con- duzidas. São eles: 1) Seleção da sequência de interesse (colando, digitando ou baixando um arquivo). Formato padrão denominado de FASTA; 2) Seleção do programa BLAST (BlastN, BlastX, BlastP, tBlastN, tBlastX); 3) Seleção do banco de dados para a busca (não redundante ou outros); 4) Seleção de parâmetros opcionais (matriz de substituição, fi ltro, restrição de busca). Aula 10 Variação e Herança278 No Quadro 2, encontram-se os programas disponíveis no BLAST, dependendo da sequ- ência de origem e as possíveis comparações que poderão ser realizadas. Programa Sequência Base Comparação Blastn DNA DNA DNA Blastp Proteína Proteína Proteína Blastx DNA Proteína Proteína tBlastn Proteína DNA Proteína tBlastx DNA DNA Proteína Quadro 2 – Programas disponíveis no BLAST em função da sequência de origem. No Quadro 3, encontram-se as respectivas fi nalidades de cada programa disponível no BLAST. Programa Finalidade Blastn Busca sequência de DNA idênticas Blastp Busca proteínas idênticas Blastx Analisa DNA novo para achar genes tBlastn Busca genes em DNA não analisado tBlastx Descobre estrutura de genes Quadro 3 – Funções dos programas disponíveis no BLAST A comparação de sequências no BLAST permite inferir função, origem e fi logenia a partir do alinhamento da sequência de interesse com as sequências já depositadas de forma global ou local. Para tanto, inicialmente, o BLAST realiza o ALINHAMENTO das sequências, que se baseia em colocar em linha duas sequências para o obter máximo nível de identidade, a fi m de se ter acesso ao grau de similaridade e a possibilidade de homologia. O BLAST utiliza algoritmos que permitem empregar o chamado ALINHAMENTO EM PA- RES. Esse tipo de alinhamento apresenta algumas características, como por exemplo, 1) usado para decidir se duas proteínas (ou genes) são relacionados estruturalmente ou funcionalmente, 2) usado para identifi car domínios ou motivos que são compartilhados entre proteínas, 3) é a base da busca por BLAST e 4) usado na análise de genomas É importante salientarmos que o BLAST avalia a SIMILARIDADE E IDENTIDADE entre duas sequências, mas não avalia a HOMOLOGIA. Entretanto, é muito comum ouvirmos que o BLAST identifi ca homologia entre duas sequências, o que não é correto. Por isso, a seguir defi niremos esses termos: A IDENTIDADE entre duas sequências reside na ocorrência do exato, ou seja, o mesmo nucleotídeo ou aminoácido encontra-se na mesma posição nas sequências alinhadas; a SIMI- Algoritmo Sequência fi nita de instru- ções bem defi nidas e não ambíguas, das quais cada uma pode ser executada mecanicamente num período de tempo fi nito e com uma quantidade de esforço fi nita. Redundância Diz respeito à repetição não necessária dos dados contidos em um banco de dados. Aula 10 Variação e Herança 279 LARIDADE entre duas sequências considera combinações próximas e avaliadas por medidas de diferença ou igualdade; e HOMOLOGIA entre duas sequências signifi ca que elas dividem a mesma ancestralidade com signifi cado evolutivo. Mas você pode se perguntar neste momento: Por que eu devo saber o quanto duas sequências são similares? A resposta, inicialmente, pode até ser difícil, mas ela é bem mais simples: porque a natureza resolveu ou criou o mesmo problema várias vezes com signifi cativa similaridade entre as soluções! Vamos conhecer outras bases de dados em Bioinformática que vêm sendo utilizadas pela comunidade científi ca? Swiss-Prot – TrEMBL O Swiss-Prot (http://web.expasy.org/docs/swiss-prot_guideline.html), que teve início em 1986, é uma base de dados não redundante de proteínas que tem como objetivo: 1) pro- ver um alto nível de anotação (descrição da função de proteínas, seus domínios estruturais, modifi cações pós-traducionais, variantes etc.), 2) um nível mínimo de redundância, 3) alta integração com outras bases de dados. Já o TrEMBL (http://www.ebi.ac.uk/uniprot/) é um suplemento de anotação por com- putador do Swiss-Prot que contém todas as sequências de nucleotídeos do EMBL ainda não integradas no Swiss-Prot. PDB O Protein Data Bank (Banco de Dados de Proteina) armazena estruturas 3D de proteínas (Fi- gura 10) e macromoléculas. Pode ser acessado através de <http://www.rcsb.org/pdb/index.html>. Figura 10 – Estrutura 3D da mioglobina, proteína globular de 153 aminoácidos Fonte: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/proteinas/proteinas-9.php>. Acesso em: 25 fev. 2012. 5Atividade Aula 10 Variação e Herança280 Outros exemplos de bases de dados que podemos citar são resumidas a seguir. Essa lista não é defi nitiva, já que existem outras bases e, como a área da ciência está em pleno de- senvolvimento, outras ferramentas computacionais têm sido desenvolvidas e implementadas constantemente. Escolha dois bancos de dados de informações biológicas e apresente um resumo de cada um deles. Não se esqueça de incluir no seu resumo defi nições e utilidades pertinentes bem como acessá-los. Aula 10 Variação e Herança 281 � Bancos de dados abrangentes 1) Nucleotídeos: GenBank, EMBL, DDBJ. 2) Proteínas: UniProt (Swiss-Prot + TrEMBL), PIR-International: Protein Information Resource. 3) Estrutura de proteínas: PDB: Protein Data Bank, MMDB: Molecular Modeling Database. 4) Mapas e Genoma: Entrez Genomes. 5) Genes relacionados a doenças humanas: OMIM: Online Mendelian Inheritance in Man. 6) UniGene: agrupa todas as sequências parciais do transcriptoma de um organismo em aglomerados ou clusters. � Bancos de dados especializados 1) Organismo específi co: Human Genome Sequencing, GDB: Genome Database (Human Mapping Information), MGD: Mouse Genome Database, SGD: Saccharomyces Genome Database. 2) Funcional: TRANSFAC: Transcription Factors, Vector Database. 3) Tecnologia de Sequenciamento: EST: Expressed Sequence Tags, GSS: Genome Survey Sequences, STS: Sequence Tagged Sites, HTG: High Throughput Sequences. Agora que conhecemos um pouco mais sobre alguns bancos de dados que integram as diferentes formas de informação biológica, apresentamos a seguir alguns programas com- putacionais que podem ser utilizados para se estudar sequências de DNA, RNA e proteína. 6Atividade Aula 10 Variação e Herança282 O gene da leptina está associado ao controle da obesidade em humanos e camundongos. Nossa proposta é que você acesse o site do NCBI (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/) e insira no campo de busca (All Databases) a palavra eptina e clique em Search. Você encontrará diversas bases contidas no NCBI que contêm informações sobre esse gene. Clique em cada base e observe seu conteúdo que está totalmente em inglês. Apresente um resumo de pelo menos 5 bases de dados, de livre escolha, incluindo nome e função da base de dados e quantidade de informação referente ao gene da leptina contida em cada uma delas. Shotgun Técnica que consiste em fragmentar a molécula de DNA e inseri-las em vetores de clonagem para posterior sequenciamento. Cladograma ou fi lograma Diagramas empregados na visualização das relações ancestrais entre organis- mos para representar a árvore evolutiva da vida. Aula 10 Variação e Herança 283 Programas computacionais Dependendo do objetivo das pesquisas relacionadas ao sequenciamento de genomas, diferentes abordagens podem ser dadas às sequências. A seguir, apresentaremos algumas destas abordagens bem como possíveis programas computacionais a serem utilizados em cada uma delas. 1) Montagem e consenso: Phred, Phrap e Consed. a) Phred: interpreta arquivos de sequenciamentode DNA, verifi ca os nucleotídeos e designa valores de qualidade para cada base. b) Phrap: possibilita a montagem de sequências de DNA obtidas através do processo de shotgun. c) Consed: permite a visualização, edição e acabamento da montagem de sequências criadas com o Phrap. 2) Alinhamento: ClustalW e Staden. a) Staden package: é um pacote que apresenta algumas ferramentas a fi m de montar, detectar mutações, analisar sequências, manipular e ler arquivos de sequenciamento. b) ClustalW: realiza o alinhamento múltiplo de DNA ou proteínas, permitindo que as identi- dades, similaridades e diferenças entre as sequências sejam estimadas. Permite também que a relação evolutiva seja visualizada através de cladogramas ou fi logramas. 3) Edição: BioEdit e Sequencher. 4) Propósitos gerais: EMBOSS (European Molecular Biology Open Software Suite – Programa Computacional de Livre Acesso Europeu em Biologia Molecular) Foi proposto com base na necessidade de biólogos moleculares por programas compu- tacionais específi cos para o seu campo de estudos e da necessidade de uma plataforma de propósitos gerais para o desenvolvimento acadêmico de programas computacionais de análise de sequenciamento. É composto por mais de cem aplicativos. Ele emprega qualquer formato de sequências e novos formatos são facilmente adicionados. Além do suporte às bases públicas, é possível utilizar o EMBOSS com bases privadas. Por fi m, vimos como os estudos de genomas são importantes para produzir um elevado volume de informações biológicas de uma espécie. Tais informações podem ser usadas como pontos de partida para a produção de novos conhecimentos científi cos através de diferentes Aula 10 Variação e Herança284 modelos experimentais, sejam in vitro, in vivo ou in silico. Estas três abordagens atendem aos propósitos da Biologia de Sistemas, que além de armazenar e interpretar dados, pretende modelar os dados. E é justamente sobre a modelagem de fenômenos biológicos que tratare- mos a seguir. Modelagem de fenômenos biológicos A modelagem matemática e simulação computacional permitem compreender melhor a natureza e a dinâmica dos processos e fazer previsões fundamentadas do seu desenvolvimento e do efeito de fatores externos no comportamento do sistema. Mas você pode estar se perguntando neste momento: quanto de Matemática tem a Biologia? E a resposta é bem direta: muito e cada vez mais, pois a todo o momento novas formas de utilização de ferramentas da matemática são propostas a fi m de se compreender fenômenos biológicos. Uma grande difi culdade da Biologia de Sistemas é como lidar com diferentes informações biológicas que ao fi nal se integram e se complementam a fi m de que cada organismo seja único na face terrestre. Adiciona-se a esse cenário a imprevisibilidade dos fenômenos biológicos e o desconhecimento de muitas variáveis envolvidas, o que faz com que a Biologia não deixe de ser uma ciência exata que pode se basear na Matemática e na Estatística. Dessa forma, quando pretendemos empregar a Matemática aplicada, é importante con- siderar o modelo matemático como um objeto de vida própria bem definido e sujeito às trans- formações. Um bom modelo matemático é aquele que dá origem a outros modelos. Portanto, de forma mais ampla e resumida a Biologia de Sistemas baseia-se na integra- ção de experimentação, processamento de dados e modelagem matemática. Esta última tem origem na necessidade de descrever e explicar processos complexos, cuja análise excede a capacidade do experimentador. A modelagem permite ainda, através de simulação computa- cional, fazer previsões do funcionamento do sistema em condições não testadas e estudar, de forma sistemática, a natureza e a dinâmica do sistema. Para tanto, é empregada a chamada análise de redes, que podem ser de: � Regulação da expressão gênica; � Interação proteica; � Sinalização; � Vias metabólicas. Mas como podemos descrever matematicamente as redes? Vamos usar um exemplo para facilitar a compreensão: redes de regulação da expressão gênica são muitas vezes descritas por lógica Booleana, em que se atribui à expressão gênica 7Atividade Aula 10 Variação e Herança 285 e à atividade de fatores de transcrição apenas dois estados: gene ativo (on – ligado) ou gene inativo (off – desligado). Já as de vias metabólicas, por outro lado, têm sido descritas por modelos quantitativos, em que se usam diversas formas de descrever as reações bioquímicas, considerando desde reações estequiométricas até complexas cinéticas enzimáticas com efeitos inibidores ou re- pressores na dependência de produtos ou substratos. O que você entende por modelagem de fenômenos biológicos? Mencione dois exemplos desse tipo de modelagem. Você deverá utilizar a internet para realizar suas buscas. TOLLIP FADD LSP1 NFkb(complex)NFkb(complex) MUC6 MUC1 MUC2 CATCAT CD82 Focal adnesion knaseFocal adnesion knase Integrin alpha3 beta1 FGF4 CD151 RAG2RASGRP1 Mmp CTTN FGF19(includes EG:9965) Raf TNNT3 RAG1 FGF3 Mucin Fgf ADM Mek TropomvosinERKERKERK RasRasRas RacRacRac IntegrinIntegrinIntegrin Collagen type ICollagen type ICollagen type I Focal adnesion knase THBS ITHBS ITHBS I CAT NFkb(complex) CaspaseCaspaseCaspase HRAS Aula 10 Variação e Herança286 O modelo Entende-se por modelo uma representação abstrata de objetos ou processos que explique as suas características. O desenho de uma reação enzimática com substrato, produto, enzima e reação representado por caixas e setas já é um modelo simplifi cado. Um modelo mais deta- lhado pode ser descrito como um sistema de equações diferenciais, o que permite descrever a dinâmica do sistema de forma quantitativa. A Figura 11 ilustra a representação de uma rota de interação entre produtos dos genes da galinha doméstica relacionados ao sistema imune, desenvolvimento e manutenção celular. Quanto mais interno estiver um gene, maior sua importância para a rota. Nota-se também a complexidade dessa rota com os mais diversos tipos de interação. Figura 11 – Rota de interação entre produtos dos genes da galinha doméstica. Linhas cheias e tracejadas representam interação direta e indireta, respectivamente Fonte: Silva (2010). Embora um modelo seja sempre uma simplifi cação da realidade, permite elucidar as propriedades de uma rede, ajuda a avaliar os pressupostos assumidos e identifi car, apropria- damente, os princípios básicos que regem a manutenção da vida. Atualmente, os modelos funcionam ainda como repositório de conhecimento sistematizado e, muitas vezes, ao serem formulados, revelam os pontos em que é necessário investir mais tempo e mais conhecimento, a fi m de uma melhor compreensão. 8Atividade Iteração Na linguagem de progra- mação, é o processo de repetição de uma ou mais ações visando a mínima diferença entre o modelo proposto e os dados gerados. Interação Ação que ocorre entre duas ou mais variáveis quando a ação de uma delas provoca uma reação da outra ou das restantes. Aula 10 Variação e Herança 287 Diante desses fatos, existem dois percursos possíveis para trabalhar em Biologia de Sistemas: 1) Top-down (orientado pelos dados): visa construir e estudar redes com base em resultados em grande escala, incluindo dados de transcriptômica, proteômica e metabolômica. 2) Bottom-up (orientado pelo(s) modelo(s)): partindo-se de um modelo já estabelecido, os dados são analisados, o que pode permitir o aprimoramento do modelo inicialmente empregado. Em ambos os casos, o trabalho envolve equipes multidisciplinares de experimentadores e teóricos que integram dados experimentais e modelos computacionais. Também em qualquer dos casos o processo é ITERATIVO: os modelos construídos permitem fazer previsões que, por sua vez, podem ser confirmadas ou desmentidas experimentalmente. Resultados inesperados são utilizados para aprimorar o modelo, que de novo gera previsões experimentais. As itera- ções prosseguem até que o modelo e os dados gerados sejam concordantes. Não confunda ITERAÇÃO com INTERAÇÃO. Defi na modelo. Baseando-se na Figura 11 apresentada nesta aula, você deverá representar 5 genes, escolhendo o formato que julgar pertinente para e apresenta-los; a seguir, você deverá indicar 2 ações diretas, 3 ações indiretas e 1 ação de autocontrole. A representação das ações é de livre escolha. Com base no modelo proposto, apresente os dois percursos possíveis para trabalhar em Biologia de Sistemas. Aula 10 Variação e Herança288 Ferramentas computacionais Existem diversas ferramentas computacionais disponíveis que permitem a construção de modelos matemáticos de fenômenos biológicos destinados a iniciantes nessa área. Detalhes dessas ferramentas poderão ser acessados através do Systems Biology, disponível em <http:// systems-biology.org/software/simulation/> (Figura 12). Figura 12 – Página inicial do Systems Biology, que contém algumas ferramentas para modelagem de fenômenos biológicos Fonte: <http://systems-biology.org/software/simulation/>. Acesso em: 27 fev. 2012. De maneira geral, os programas mais simples são ferramentas gráfi cas. Para processos mais complexos utilizam-se ferramentas de programação e computação mais versáteis, que são necessariamente mais dependentes dos conhecimentos de matemática e programação, como por exemplo, o MathLab <http://sourceforge.net/projects/mathlab/>. Uma ferramenta mais simples de ser utilizada é a PathwayLab (http://innetics.com/) e por isso daremos maiores detalhes dela. Através de programa, o usuário tem apenas de desenhar a estrutura da sua via metabólica, utilizando objetos preconcebidos. Esses objetos podem descrever: � Entidades, que incluem metabólitos, proteínas e ácidos nucleicos; � Complexos, que são composições de diversas entidades, como por exemplo, um complexo proteico; Resumo Aula 10 Variação e Herança 289 � Transformações, por exemplo, reações bioquímicas, processos de transporte, modifi cações conformacionais; � Controles, que descrevem efeitos de ativação, inibição ou facilitação; � Localizações, normalmente defi nindo compartimentos celulares. Cada um desses objetos tem um signifi cado matemático predefi nido. Com base nas defi - nições, essa ferramenta computacional transforma a representação esquemática num sistema de equações, criando assim um modelo matemático do sistema em estudo. Com base nas equações, o programa computacional permite simular o funcionamento do sistema e analisar características do sistema por MCA (Metabolic Control Analysis), que permite avaliar o efeito de perturbações ao sistema, como por exemplo, das resultantes da eliminação de um gene ou do aumento de concentração de um metabólito. Finalmente, mais do que compreender cada sistema, a ambição da Biologia de Sistemas é descobrir as leis, presumivelmente conservadas, que regulam as relações entre biomoléculas e, assim, compreender e ser capaz de prever o funcionamento de qualquer sistema, célula, tecido ou organismo. Nesta aula, pudemos integrar diversos conceitos adquiridos ao longo da disciplina Herança e Variação à luz da Biologia de Sistemas. Você compreendeu conceitos relacionados a essa área da ciência bem como conheceu um breve histórico dela. Além disso, apresentamos a importância, aplicações e perspectivas relacionadas à Biologia de Sistemas, já que se trata de uma área recente da ciência que visa à integração das informações biológicas oriundas do DNA, RNA e proteínas. Você conheceu algumas áreas que compõe a Biologia de Sistemas, tais como a Proteômica, Metabolômica, Bioinformática e, por fi m, como podemos modelar um fenômeno biológico. Nosso propósito, aqui, foi apresentar a você conceitos e informações básicas sobre o assunto, pois, certamente, quando a Biologia de Sistemas estiver bem estabelecida no meio acadêmico e científi co, ela propiciará diversas aplicações e benefícios à sociedade como um todo. Aula 10 Variação e Herança290 Autoavaliação Você foi convidado para ministrar uma palestra no 1º Congresso Brasileiro de Biologia de Sistemas. A organização desse evento solicitou que você redigisse um texto de 20 linhas que resumisse essa área da ciência. Não se esqueça de contemplar defi nições, aplicações e áreas da ciência relacionadas e a contribuição de cada uma delas para integração das informações biológicas obtidas a partir do DNA, RNA e proteínas. Aula 10 Variação e Herança 291 Referências SILVA, A. M. S.; COELHO, G. C.; REIS, E. M. Proteômica: uma abordagem funcional do estu- do do genoma. Saúde & Ambiente em Revista, v. 2, n. 2, p. 1-10, 2007. BIOLOGIA DE SISTEMAS. Modelação matemática de fenómenos biológicos. Disponível em: <http://www.e-escola.pt/topico.asp?id=562&ordem=3>. Acesso em: 29 fev. 2012. DUNN, W. B.; BAILEY, N. J.; JOHNSON, H. E. Measuring the metabolome: current analytical technologies. Analyst, n. 130, p. 606-625, 2005. FAMILI, I.; FORSTER, J.; NIELSEN, J.; PALSSON, B.O. Saccharomyces cerevisiae pheno- types can be predicted by using constraint based analysis of a genome scale reconstructed metabolic network. In: NATIONAL ACADEMY OF SCIENCE U.S.A. Proceeding... 2003. v 100. p. 13134-13139. FARAH, S. B. 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