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PROST, Antoine. Doze Lições Sobre História, cap.6

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entanto, a noção implica uma tomaila ilo posição em lavoi da lon^a duiaçao 
( B Iu V u D e L , 1982, p. 71-83). O aspecto submetido a uma mudança lenta é, 
por isso mesmo, enaltecido com o principal determinante, enquanto aque 
le que m uda rapidam ente é rem etido às regiões secundárias, até mesmo 
subsidiárias, da história. A opinião preconcebida a respeito do tem po é 
tam bém um expediente interpretativo global que deve ser explicitado.
N a construção da história, vê-se a im portância decisiva do trabalho 
sobre o tem po. Além de um a colocação em ordem , de um a classificação 
cronológica e de uma estruturação em períodos, trata-se de um a hierar-
quização dos fenôm enos em função do ritm o da m udança de cada um 
deles. O tem po da história não é um a reta, nem um a linha quebrada feita 
por um a sucessão de períodos, nem mesm o um plano: as linhas entrecru- 
zadas por ele com põem um relevo. Ele tem espessura e profundidade.
Além de se fazer a partir do tem po, a história é um a reflexão sobre 
ele e sua fecundidade própria. O tem po cria e toda a criação exige tem po. 
N o tem po curto da política, sabe-se que um a decisão adiada durante três 
semanas pode ser abandonada, que a não-decisão tom a, às vezes, os pro-
blemas insolúveis e que, pelo contrário, outras vezes, basta deixar passar o 
tem po para que o problema se dissolva po r si m esm o, de acordo com a 
frase atribuída ao ex-presidente do Conselho de M inistros francês, H enri 
Queuille: “Q ualquer problem a acaba sendo resolvido po r falta de deci-
são.” N o tem po mais longo da econom ia ou da demografia, o historiador 
avalia a inércia do tem po e a impossibilidade, po r exem plo, de encontrar 
rapidam ente um rem édio (no pressuposto de que se trate de um a doen-
ça...) para o envelhecim ento da população.
Assim, a história convida a em preender um a m editação retrospecti-
va sobre a fecundidade própria do tem po, sobre o que ele faz e desfaz. O 
tem po, principal ator da história.
i ap ( t m o vi
Os conceitos
“É impossível dizer que alguma coisa é, sem dizer o que ela é. A 
reflexão sobre os fatos implica a evocação de conceitos; ora, não é indife-
ren te saber quais sejam eles” (S C H L e G e L , apud K o S e L L e C K , 1990, p. 307). 
N este aspecto, a história assemelha-se às outras disciplinas; mas, será que 
ela dispõe de conceitos específicos?
Segundo parece, a resposta é, à prim eira vista, afirmativa porque o 
reconhecim ento do enunciado histórico não se lim ita à referência ao passa-
do, nem à m enção de datas. U m enunciado tal com o — Nas vésperas da 
Revolução, a sociedade francesa passava por uma crise econômica do Antigo Regime - 
é evidentem ente histórico: com efeito, ele serve-se de term os e expres-
sões - po r exem plo, Revolução ou crise econômica do Antigo Regime — que não 
pertencem a qualquer outro vocabulário e m erecem o qualificativo de 
conceitos. Q ual seria sua particularidade?
Conceitos empíricos
Do/s tipos de co n ceito s
N a frase que nos serve de exem plo, é possível identificar uma desig-
nação cronológica po r referência a um acontecim ento-período designa-
do por um a expressão - nas vésperas da Revolução — e dois conceitos que, 
po r sua vez, são com plexos: sociedade francesa e crise econômica do Antigo 
Regime. O ten n o Revolução é peculiar à época. Basta lem brar a célebre 
apóstrofe: M as, então, é m esm o um a revolta? — N ão, Sire, é um a
revolução” 1... P o r sua vez, a expressão Antigo Regime en trou na linguagem
1 A núncio da Tom ada da Bastilha, em 14 de ju lho de 1789, transm itido ao rei Luis X IV po r seu 
conselheiro, o duque de La R ochefoucauld-L iancourt. (N .T .).
115
din.intc o secundo luinestie de I /H*), paia designai o >pt> pi< ( i,amcuir, se 
identificava com o passado. Esse term o e essa express.io utilizados, aqui, o 
primeiro com o elemento de datação, e a segunda com o traço distintivo — são, 
evidentemente, dois conceitos, embora não tenham sido forjados pelo histo-
riador: eles fàzem parte da própria herança da história... Os outros dois con-
ceitos - sociedade francesa e crise econôm ica — são também uma herança porque o 
historiador não teve de criá-los por necessidade de demonstração; no entan-
to, distinguem-se pela data de sua aparição já que o prim eiro rem onta ao 
século X IX , enquanto o segundo surge na primeira metade do século X X , 
tendo sido proposto por Labrousse. Portanto, só nos resta concordar com R . 
Koselleck ao estabelecer a distinção de dois níveis entre os conceitos.
16. - R einhart Koselleck: Dois níveis entre conceitos
Toda a historiografia se movim enta em dois níveis: ela analisa 
fatos já mencionados anteriorm ente ou, então, reconstrói fatos, 
ainda não manifestados na linguagem, com a ajuda de determina-
dos métodos e indícios que, de algum modo, os haviam “prepa-
rado”. N o primeiro caso, os conceitos herdados da tradição ser-
vem de elementos heurísticos para apreender a realidade do passado; 
no segundo, a história apóia-se em categorias acabadas e definidas 
ex post que não estão contidas nas fontes. E assim, por exemplo, 
que se recorre a dados da teoria econômica para analisar o capitalis-
mo nascente com categorias que, na época, eram desconhecidas; 
ou, então, são desenvolvidos teoremas políticos a serem aplicados a 
situações constitucionais do passado, sem que por isso o pesquisa-
dor se sinta obrigado a escrever uma história sob o modo optativo. 
(KOSeLLeCK, 1990, p. 115)
Todas as designações da época — muitas vezes, hemiéticas para o profa-
no — dependem do primeiro nível: falar de tença [tenure], domínio [manse], 
feLido \fief\, tributo [ban], alódio [alleu], coletor \femner général], oficial [officier] é 
designar, com seu próprio nom e, detenninadas realidades que, atualmente, 
não têm equivalente. Verifica-se um a hesitação em considerar esses termos 
como conceitos porque eles possuem um indiscutível conteúdo concreto. 
Mas, para citar outro exemplo, o tenno burguês - visto, indubitavelmente, 
com o um conceito — apresenta, também, um conteúdo concreto, à seme-
lhança de qualquer designação de realidade social ou de instituição.
Entre esses termos, a diferença é da ordem de um a m aior ou m enor 
generalidade: o conceito de oficial é m enos geral que o de burguês já que 
este te n n o engloba os oficiais do rei e os das cidades, assim com o um 
grande n úm e ro de personagens. N o entan to , am bos apresentam certa
íf l -Hi ' BRf H •
1 1 6
genetalnl.iilt. nii p >■ <pi< consum i .i passagem da p.ilavra para o con 
ceito: para Imítui um i onceito, a palavra tem necessidade de incluir, por 
si só, urna pluialidade de significações e de experiências.
Em geral, é possível encontrar conceitos a d e q u a d o s na linguagem 
da época, para designar as realidades do passado. N o e n t a n t o , o c o i T e tam -
bém que o historiador venha a recorrer a conceitos estrangeiros à época 
por lhe parecerem mais bem adaptados. E conhecida a discussão em tor-
no da sociedade do A ntigo R egim e: sociedade de estamentos ou de classes? 
C onvém pensá-la de acordo com conceitos utilizados pela própria socie-
dade, os quais já não correspondiam exatam ente às realidades do século 
X V III, ou segundo conceitos elaborados no século seguinte, durante a 
R evolução Francesa ou, ainda, mais tarde?
Ao pensar o passado com conceitos contem porâneos, corre-se o 
risco de anacronism o; o perigo é particularm ente grave no dom ínio da 
história das idéias ou das m entalidades. E m sua obra Rabelais (1942), L. 
Febvre m ostrou perfeitam ente com o a aplicação, ao século X V I, dos con-
ceitos de ateísmo e, até m esmo, de descrença, constituía um relevante ana-
cronism o. N o entanto, a tentação é inevitável: de fato, o historiador for-
mula, inicialm ente, suas questões com os conceitos de sua própria época 
já que ele os define a partir da sociedade em que vive. O trabalho de 
distanciam ento - com o vimos, contrapeso necessário para o enrai/am en 
to contem porâneo e pessoal das questões do historiador começa preci 
sam ente po r um a verificação da validade histórica dos conceitos, graças 
aos quais as questões são pensadas. C om preende-se que, envolv ido no 
(falso?) debate “instmção ou educação” , o pedagogo da década de 80 co-
mece por aplicar essa grade conceituai ao estudo das reformas de J. Ferry;2 
no entanto, se não se aperceber rapidam ente do desvio assim criado, ele 
corre o risco do anacronism o e do contra-senso. Teríam os vontade de 
dizer que ele saiu da história, se essa afimiação não implicasse reconhecer 
que estaria dentro dela...
E m com pensação, o historiador não pode escolher entre os concei-
tos da época e os conceitos ex post para a abordagem de algumas realida-
des: referim o-nos à periodização e às evoluções nas diferentes áreas da
v i d a s o c i a l .
E extrem am en te raro que os contem porâneos de um a época te -
nham tido consciência da originalidade do período em que eles viviam
lules 11• 11n (IHU IH‘>3), estadista; com o m inistro da Instrução Pública (1879-1883) instituiu a 
itlnii’ tHMi. il "I, i i t imid.idr <■ i laicidade do ensino fundamental na França. (N .T .).
Mariana MG
ao ponto de atribuii lhe um nom e naquele mesmo m om ento Paia Kil.it 
da Belle Êpoque, foi necessário ter passado pela Ciuerra de 1911 e tei vivido 
em u m tem po de inflação. A expressão bem côm oda — primeira metade do 
século X X —, para designar o período 1900-1940, surgiu apenas na década 
de 70. Os gregos da época clássica ignoravam que ela viria a m erecer tal 
qualificativo e o m esm o se pode dizer a respeito dos gregos da época 
helenística. Som ente os grandes m ovim entos populares, ou as guerras, é 
que suscitam entre os contem porâneos o sentim ento de constitu ir um 
período particular, exigindo um nom e: em 1789, a “R evolução” recebeu 
im ediatam ente tal denom inação e os franceses de 1940 tiveram a nítida 
consciência de viver um a “debandada” .3
D o m esm o m odo, em geral, os processos históricos, ou seja, as evo-
luções mais ou m enos profundas da econom ia, da sociedade e, até mes-
m o, da política, são raram ente percebidos no próprio m om ento e, ainda 
mais raram ente, conceitualizados. U m a das características da sociedade 
atual é a imediata presença a si m esma que lhe perm ite, graças à sociologia 
científica ou jornalística, form ar um prognóstico sobre o que está em vias 
de se passar e que, às vezes, ainda não term inou, co rrendo o risco de 
contribuir, assim, para fazer advir o que ela anuncia. A revolução silenciosa — 
que abala a classe dos cam poneses, in troduz as m áquinas e agrupa as 
produções agrícolas, in teg rando-as aos m ercados internacionais, além 
de fazer desaparecer o cam ponês de ou tro ra que vivia em regim e de 
auto-subsistência —, foi descrita p o r um secretário geral do Centre natio- 
nal des jeunes agriculteurs quando, afinal, tal revolução ainda era incip ien-
te. O conceito de nova classe operária data de 1964 e, trinta anos mais 
tarde, ele ainda perm ite a descrição de um a evolução em marcha.
A distinção de dois níveis entre conceitos, fundam ental para a histó-
ria dos mesmos, não acarreta necessariam ente um a diferença de ordem 
lógica. N os dois casos, de fato, o conceito resulta do m esm o tipo de ope-
ração intelectual: a generalização ou o resumo.
Da descriçã o resum ida ao tipo id ea l
Os verdadeiros conceitos perm item a dedução; eles procedem pela 
definição de um a propriedade pertinente, da qual resulta um a série de 
conseqüências. Definir o hom em com o animal racional é associar dois con-
ceitos: animal e razão. D o primeiro, deduz-se que o hom em é mortal, etc.;
3 N o original: “débâcle”. (N .T .).
118
do e de 
aos Ví da IIH
( )s c o m n u v , i|,i historia não dependem deste tipo ideal, mas são 
construídos poi uma série de generalizações sucessivas e definidos pela 
enum eração de certo núm ero de traços pertinentes que têm a ver com a 
generalidade empírica, e não com a necessidade lógica.
Vejamos o exem plo do conceito enunciado pela expressão: crise eco-
nômica do Antigo Regime.4 Ele com preende três níveis de precisão, enfati-
zados pela comparação paradigmática. E m prim eiro lugar, trata-se de um a 
“crise” : o term o designa um fenôm eno relativam ente violento e súbito, 
um a m udança súbita, u m m om e n to decisivo, mas sem pre penoso ou 
doloroso. Esse sentido geral está presente na linguagem familiar, po r exem -
plo, quando o integrante de um a equipe que, hesitante diante de um 
grande núm ero de tarefas, atravessa um m om en to de afobação, diz: é a 
crise... Esse é, tam bém , seu sentido no vocabulário da área médica, acom -
panhado por determinantes, tais com o crise de apendicite ou de cólicas re-
nais; a oposição às doenças crônicas fortalece o caráter de brevidade e 
intensidade implicado no term o.
Em um segundo nível, a crise econômica distingue-se das outras crises — 
social, política, demográfica, etc. —, à semelhança da máquina de lavar roupa se 
distingue da máquina de lavar louça, antes que a criação da expressão lava- 
louça tenha restituído à máquina de lavar o sentido exclusivo de máquina de 
lavar roupa. D e fàto, a expressão crise econômica é utilizada com m aior fre-
qüência na linguagem das ciências sociais e, por extensão, tem sido apli-
cada fora da esfera econôm ica; assim, todo o m undo com preende que a 
frase — é a crise —, p ronunciada em um a discussão sobre o desem prego, 
refere-se à crise econômica. D o mesmo m odo, os historiadores com preen-
deriam o assunto em questão se alguém se limitasse a dizer crise do Antigo 
Regime. Entretanto, o determ inante econômico, im plícito ou explícito, é, 
aqui, essencial para a definição; de fato, ele implica um recorte da realida-
de em dom ínios — econôm ico, social, político, cultural — que está longe 
de ser neutro. Trata-se de um m odo de pensar a história.
A precisão - do Antigo Regime - resume as características que essa crise 
de 1788 deve norm alm ente apresentar: sua origem é agrícola e não indus-
trial; sua causa é um a safra ruim; implica um a alta dos preços, portanto, um
4 Esse conceito foi forjado por Labrousse (1944) e, na mesma época, p orjean M euvret em artigos célebres: 
“Les m ouvem ents des prix de 1661 à 1715 et leurs répercussions” (1944) ; e “Les crises de subsistances et 
la dém ographie de 1’Ancien R égim e” (1946, n 4). Ver uma discussão em Pierre Vilar, 1982, p. 191-216.
119
e n c a r e c im e n t o cU» p;u> ii.is c id a d e s, 110 m o m e n t o i 'x . i io r m q u e , p o i lalt.i
de trigo para vender, as zonas rurais carecem de dinheiro, o que leclia o 
mercado rural para os produtos industriais. A crise atinge, assim, a cidade 
e a indústria, além de ser acom panhada po r um a taxa elevada da m ortali-
dade e por um a dim inuição diferida da natalidade. Essa crise do Antigo 
R eg im e opõe-se à crise do tipo industrial, cuja origem é um a superpro-
dução que implica uma queda dos preços dos produtos, um a redução dos 
salários, o desem prego, etc.
Através desse exemplo, vê-se perfeitamente com o procede o concei-
to histórico: ele atinge certa forma de generalidade por ser o resumo de 
várias observações que registraram similitudes e identificaram fenôm enos 
recorrentes. Tendo estudado a história dos conceitos, R . Koselleck (1990, 
p. 109) afirma com toda a razão:
Sob um conceito, a multiplicidade da experiência histórica, assim 
como uma soma de relações teóricas e práticas, são subsumidas em 
um único conjunto que, como tal, é dado e objeto de experiência 
somente por meio desse conceito.5
A crise econômica do Antigo Regime resume perfeitam ente um conjunto 
de relações teóricas e práticas entre as safras, a produção industrial, a de- 
mografia, etc.; ora, a verdade é que esse conjunto só existe com o tal pelo 
uso do conceito.
Seria possível escolher outros exemplos, com o o conceito de cidade 
antiga ou de sociedade feudal, de regime senhorial, ou de revolução industrial, 
etc. A cidade antiga agrupa um conjunto de traços pertinentes, constatados 
em piricam ente, com alguns matizes, na Antigüidade greco-latina, e que 
m antêm entre si relações estáveis. Até m esm o a designação de realidades, 
tais com o oficial na época m oderna, com bina um a descrição com um feixe 
de relações: os oficiais do rei em relação aos das cidades, as modalidades 
de aquisição e transmissão de seus ofícios, seus m odos de rem uneração. 
Impossível pensar a história sem recorrer a conceitos desse tipo; são ferra-
mentas intelectuais indispensáveis.
N o prim eiro nível, o conceito é um a facilidade de linguagem que 
permite um a economia de descrição e análise. A expressão crise econômica do 
Antigo regime dá um a idéia aproxim ada do que se passou, mas não indi-
ca, po r exem plo, se essa crise foi longa ou curta, violenta ou não. Por
5 Essa citação é, ao mesmo tem po, um a definição do verbo substtmir. reunificar, em u m conceito, os dados 
da experiência concreta.
120
ou ilo lado, * im |"---i-.l € I«-1 ) 11 / (i porque cada < t ise e dileienle il.is outras; 
•ilém div.i>. ouiit • l iiiii• | >>>i i M inplo, uma guerra podem complicar o
esquema l in -uma, <■ conceito designado por Kant com o empírico é uma 
descrição resumida, um m odo parcimonioso de falar e não um “verdadei-
ro” conceito. A abstração perm anece incom pleta e não pode libertar-se 
completamente da referência a um contexto localizado e datado. Daí, um 
status de “seminome próprio” , ou de “nomes comuns imperfeitos” , atribuí-
do aos conceitos genéricos da história, assim com o da sociologia, que per-
m anecem submetidos ao controle enum erativo dos contextos singulares 
que eles subsumem ( P A S S e R o N , 1991, p. 60 ss). Assim, é impossível defini- 
los por um a fórmula: convém descrevê-los, desenrolar a meada de realida-
des concretas e de relações das quais eles são o resumo, com o acabamos de 
fazer relativamente à crise econômica do Antigo Regime, explicá-los é sempre 
explicitá-los, desenvolvê-los, desdobrá-los. Trata-se de conceitos nos quais 
“se concentra um a multiplicidade de significações” , afirma R . Koselleck 
que cita Nietzsche: “Todos os conceitos nos quais se resume o desenrolar 
de um processo semiótico escapam às definições. E definível apenas o que 
não tem história” (1990, p. 109).
A impossibilidade de definir os conceitos históricos implica seu ca-
ráter necessariamente polissêmico e sua plasticidade:
Após ter sido “forjado” , um conceito contém, do ponto de vista 
exclusivamente lingüístico, a possibilidade de ser utilizado de manei-
ra generalizante, além de constituir um elemento de tipologia ou de 
abrir perspectivas de comparação. Aquele que fala de determinado 
partido político, Estado ou exército, posiciona-se linguisticamente 
ao longo de um eixo que pressupõe os partidos, os Estados ou os 
exércitos. ( K o s e l le c k , 1990, p. 115)
P o r serem ferramentas de comparação, e para que possam suscitar, 
assim, um a “ inteligibilidade com parativa” ( P A S S e R o N , 1991), os conceitos 
representam algo mais que uma descrição resumida. O processo de cons-
trução de conceitos que acabamos de descrever não esclarece plenam ente 
esse aspecto. D e fato, ele baseia-se mais na sim ilitude que na diferença: 
ora, se o conceito é construído pelo agrupam ento dos traços com uns ao 
m esm o fenôm eno, a diferença reside na ausência de determ inados traços 
ou a presença de traços suplementares no fenôm eno estudado e seu sen-
tido não é relevante. N a realidade, os conceitos históricos têm um alcance 
maior: eles incorporam um a argum entação e referem-se a um a teoria. São 
o que M ax W eber designa com o tipos ideais.
121
Voltemos .10 exemplo da tn se do Antigo Regime. ( )bsei v.inios i|tie 
esse conceito implica um vínculo de causalidade entre fenômenos climáti 
cos, produções agrícolas, preços e com portam entos demográficos. N ão se 
trata apenas de um a coleção de traços concretos justapostos, mas também e, 
em prim eiro lugar, de um vínculo entre esses traços e de um a atividade 
m ental m uito mais complexa, aliás, que um a simples determ inação pelo 
clima. Além disso, é um a opinião preconcebida, em matéria de recorte da 
realidade em diferentes dom ínios, que se baseia não apenas em constata-
ções empíricas, mas tam bém em argumentos e em um a teoria; eis o que 
M ax W eber descreve sob a expressão de tipo ideal. E, aliás, os exemplos de 
tipos ideais fornecidos por ele são todos bem conhecidos dos historiadores:
17. — Max W eber: O ripo ideal é um quadro de pensamento
[...] em vez de passar pelo estabelecimento de uma média a partir dos 
princípios econômicos que, efetivamente, existiram na totalidade das 
cidades analisadas, o conceito de “economia urbana” forma-se, jus-
tamente, pela construção de um tipo ideal. Para obtê-lo, acentua-se, 
unilateralmente, um 011 vários pontos de vista e procede-se ao enca- 
deamento de uma infinidade de fenômenos dados isoladamente, 
difusos e discretos, encontrados em maior ou menor número, qual-
quer que seja o lugar, classificados por ordem segundo os preceden-
tes pontos de vista, escolhidos unilateralmente, para formar um qua-
dro de pensamento homogêneo. Será impossível encontrar, em algum 
lugar, empiricamente, um quadro semelhante em sua pureza concei-
tuai: trata-se de uma utopia. O trabalho histórico consistirá em deter-
minar, em cada caso particular, o quanto a realidade está mais próxi-
ma ou mais afastada desse quadro ideal, em que medida convirá, por 
exemplo, atribuir, no sentido conceituai, a qualidade de “economia 
urbana” às condições econômicas de determinada cidade. [...]
[Em seguida, Max W eber analisa o conceito de civilização capitalis-
ta], ou seja, de uma civilização dominada unicamente pelos juros do 
investimento de capitais privados. Ele consistiria em acentuar alguns 
traços dados, de maneira difusa, na vida civilizada moderna, material 
e espiritual, para reuni-los em um quadro ideal não contraditório, a 
serviço de nossa investigação. Esse quadro constituiria, então, o de-
senho de uma “idéia” da civilização capitalista, sem que sejamos leva-
dos a nos questionar, aqui, se é possível e como se pode elaborá-lo. 
E possível [...] esboçar várias e, até mesmo, certamente, um grande 
número de utopias desse gênero: não há qualquer hipótese de que 
uma delas se deixe observar na realidade empírica sob a forma de 
uma ordem realmente em vigor em uma sociedade; por outro lado, 
cada uma pode pretender representar a “ idéia” da civilização capita-
lista e ter, inclusive, a pretensão - na medida em que selecionou
122
. 1 i m u - í i t . i i i i t ‘ ui l l i l.u lr, ilftrmun.ul.ts ( .ii.it u m í m h as significativas.
( 111 )<nti> til-ttulade, 1I1 IIOSS.I civili/açao de reuni-las em um
i j i i n l t i i uleal homogêneo.
|...| o historiador, desde que tenta elevar-se acima da simples consta-
tação das relações concretas para determinar asignificação concreta 
de um acontecimento singular, [...] trabalha e deve trabalhar com 
conceitos que, em geral, só se deixam definir de maneira rigorosa e 
unívoca sob a forma de tipos ideais.
... O tipo ideal é um quadro de pensamento e não a realidade histó-
rica, nem, sobretudo, a realidade “autêntica”; tampouco serve de 
esquema mediante o qual fosse possível ordenar a realidade a título 
de exemplar. Sua única significação consiste em ser um conceito 
limite puramente ideal, pelo qual se avalia a realidade para clarificar o 
conteúdo empírico de alguns de seus elementos importantes e com 
o qual ela é comparada. Esses conceitos são imagens em que constru-
ímos relações, utilizando a categoria de possibilidade objetiva que 
nossa imaginação, formada e orientada de acordo com a realidade, 
julga adequada. ( W e b e r , 1965 p. 180-185)
Os conceitos são, assim, abstrações utilizadas pelos historiadores para 
compará-las com a realidade; nem sem pre tal p rocedim ento é explicita-
do. D e fato, eles orientam a reflexão a partir da diferença entre os m ode-
los conceituais e as realizações concretas. Eis po r que os conceitos in tro- 
duzem um a dimensão comparativa, mais ou m enos explícita, em toda a 
história, pela aplicação do m esm o m odelo tipo ideal aos diferentes casos 
estudados. A abstração do tipo ideal transform a a diversidade em pírica 
em diferenças e similitudes, dotadas de sentido; ela faz sobressair, ao mes-
m o tem po, o específico e o geral.
O s c o n ce ito s formam red e
P or serem abstratos e fazerem referência a um a teoria, os conceitos 
form am rede: eis o que ficou dem onstrado com o exem plo da crise do 
Antigo R egim e. P o r sua vez, o exem plo do fascismo, que tem a ver com 
um dom ínio com pletam ente diferente, é um a dem onstração, talvez, ain-
da mais esclarecedora.
O conceito de fascismo, com o um tipo ideal, sobressai nitidam ente 
de seu uso pelos historiadores , 7 que lhe atribuem um determ inante — e
7 Ver a esse respeito, P. O R Y (1987 ) a parte 4.2: “La solution fasciste” e, em particular, o estudo de 
Philippe B urrin na mesma obra. Ver também, entre um grande núm ero de outros títulos, o artigo de 
K o bert Paxton, “Les fascismes, essai d ’histoire com parée” (1995, p. 3-13); além do preâm bulo de 
Berstein e Milza (1992).
123
falam de fascismo hitlcrista ou italiano, o 11110 implica .1 im Vistem 1.1 do 
fascismo, propriam ente dito (caso contrário, bastaria citar a palavra fascismo 
para saber precisam ente o país e a época em questão) — ou, então , o 
utilizam para elaborar perguntas, p o r exem plo: “ O governo de Vichy 
teria sido fascista?” N este caso, em vez de um a resposta sim plesm ente 
afirmativa ou negativa, a questão faz apelo a um “inventário das diferen-
ças” , para retom ar a expressão de P. Veyne, ou mais exatamente, a um a 
série de comparações entre o tipo ideal do fascismo e a realidade histórica 
concreta do regime de Vichy.
Nesse confronto entre a realidade histórica e o tipo ideal, o histori-
ador encontra necessariamente outros conceitos, opostos ou concordan- 
tes: em prim eiro lugar, fascismo opõe-se a democracia, liberdades públicas ou 
direitos humanos; e, nessa oposição, aproxima-se de ditadura que, na práti-
ca, implica a arbitrariedade policial, a ausência das liberdades fundam en-
tais da imprensa ou de reunião e a submissão do poder judicial ao execu-
tivo. Entretan to, o fascismo é mais que um a ditadura, na m edida em que 
se caracteriza po r um a forma de mobilização coletiva e de leadership, além 
de um a vontade totalitária de controle da sociedade; ele supõe um líder 
carismático, formas paroxísticas de adesão entre seus partidários e, ao mes-
m o tem po, instituições que tutelam com pletam ente a vida civil pelo cor-
porativismo, m ovim ento único de juventude, sindicato e partido únicos. 
Tais características perm item estabelecer a diferença entre os regimes hi- 
tlerista e mussoliniano, por um lado, e, po r outro, as ditaduras sul-am eri- 
canas. Mas não do regime soviético: para em preender essa operação, con-
vém fazer in tervir elem entos de ordem ideológica, opo r a ideologia da 
classe à ideologia da nação e encontrar o conceito de totalitarismo. N o 
term o da argum entação, além da identificação dos traços pelos quais o 
governo de Vichy se aproxim a e se distingue do fascismo, será possível 
verificar as mudanças ocorridas nesse regime entre 1940 e 1944, época em 
que se encontrava nas mãos da Milice.H
C om o se vê, o conceito de fascismo só adquire sentido em um a 
rede conceituai que com preende conceitos tais com o democracia, liberdades, 
direitos humanos, totalitarismo, ditadura, classe, nação, racismo, etc. Eis o que os 
lingüistas designam po r cam po semântico: um conjunto de tem ios inter- 
relacionados sob um a foim a estável, seja de oposição, de associação ou de 
substituição. Os conceitos que estão em oposição pertinente apresentam
8 Formação paramilitar criada pelo governo de Vichy, em janeiro de 1943, a M ilice française [Milícia 
Francesa] colaborou com os ocupantes nazistas na repressão da Resistência que lutava pela libertação da
França. (N .T.)
124
II ' ' | . „ .i. i. . I " ' ! I poi u.l VC*/, OS COIlCtMfOS .IV.<)( I.I
dos posM fm ti i, fili nih tf iii,r. II,lo lia totalidade. Sc dois conceitos 
pudessem M I dt“.< IMoS e aiamente com os mesmos traços, eles constitui-
riam, então, uma i lasse* de equivalência e estariam em condições de se-
rem substituídos, um pelo outro , em todos os seus usos.
O s historiadores franceses nem sem pre u tilizam os conceitos de 
m aneira rigorosa porque sua tradição historiográfica não os induz a tal 
prática. N este aspecto, a tradição germânica, mais filosófica, é diferente; 
aliás, na Alem anha, pode-se verificar que, habitualm ente, o prim eiro ca-
pítulo dos livros de história é dedicado a justificar os conceitos adotados 
pelo au tor .9 Preocupados em evitar repetições e aplicar as regras escolares 
da redação, os historiadores franceses utilizam , às vezes, vários term os 
para designar a m esma realidade: indiferentem ente, eles escrevem Estado 
e governo, às vezes, até m esm o, poder, no entanto, tais palavras correspon-
dem a conceitos diferentes; ora falam de classe social, ora de grupos sociais 
ou, ainda, de meios. Essas concessões são lam entáveis, mas continuam 
sendo utilizadas com freqüência sem acarretar conseqüências prejudiciais, 
desde que não alterem a estrutura e a coerência da rede conceituai.
U m a parte do sentido dos conceitos históricos advém -lhes, de fato, 
dos determ inantes que lhes são atribuídos. Aliás, é rara sua utilização, 
pelo historiador, sob um a forma absoluta: assim, o tem i o revolução é reser-
vado ao evento de 1789. Todas as outras aplicações dessa palavra, para 
serem com preendidas, exigem um a qualificação po r adjetivos ou com -
plementos: datas (1830, 1848) ou epítetos — revolução industrial e, inclusi-
ve, primeira ou segunda revolução industrial, revolução das estradas de ferro, 
revolução tecnológica, revolução camponesa, agrícola, chinesa, soviética, política e so-
cial, etc. O sentido preciso do conceito é assumido pelo determ inante que 
lhe é atribuído; além disso, o jog o com parativo esboçado mais acima é, 
identicam ente, busca do determ inante pertinente.
Seria impossível, po rtan to , defender que os conceitos im põem à 
história um a ordem lógica rigorosa. Em vez de conceitos já constituídos, 
seria preferível falar de conceitualização, com o procedim ento e com o 
busca, da história m ediante a qual se opera um a organização, relativa e 
sem pre parcial, da realidade histórica, porque o realnunca se deixa redu-
zir ao racional; ele com porta sempre um a parte de contingência e as par-
ticularidades concretas transtornam necessariamente a ordem irrepreensí-
vel dos conceitos. As realidades históricas nunca se conform am plenam ente
9 A título de exem plo, ver a obra de Peter Schõttler (1985) e o livro de Jiirgen Kocka (1984).
125
aos conceitos com a ajuda dos quais elas são pensadas; a vid.i transborda, 
incessantem ente, a lógica e, na lista de traços pertinentes racionalm ente 
organizados que constituem um conceito, verifica-se sem pre a ausência 
de alguns, enquanto outros se apresentam em um a configuração im pre-
vista. O resultado não é desprezível: a conceitualização consegue ordenar, 
de alguma forma, a realidade, apesar de ser um a ordem imperfeita, in-
com pleta e desigual.
N este estágio da reflexão, é possível reconhecer que a história pos-
sui certa especificidade na manipulação e no uso dos conceitos. Mas, essa 
utilização particular atribuir-lhes-á um a natureza própria à disciplina? O u 
serão semelhantes a fatos históricos inexistentes?
A conceitualização da história 
Os co n ce ito s p e d id o s de em p réstim o
A história não cessa de pedir de empréstimo os conceitos das disci-
plinas afins: ela passa o tem po chocando ovos alheios. P o r ser ilimitada-
m ente aberta, descartamos apresentar a lista desses conceitos.
D a forma mais natural do m undo, a história política utiliza os con-
ceitos do direito constitucional e da ciência política e, até m esm o, da 
política propriam ente dita: regime parlamentar ou presidencial, partido de qua-
dros ou de massa, etc. A análise sucinta do fascismo, apresentada mais aci-
ma, baseou-se inteiram ente em conceitos pedidos de em préstim o a esse 
dom ínio, tais com o o de líder carismático. Po r sua vez, a história econôm ica 
serve-se do arsenal dos economistas e demógrafos: basta que estes imagi-
nem u m novo conceito — a exem plo de R ostow , que forjou o de take o jf 
(decolagem) - e, em breve, os historiadores vão assenhorear-se dele para 
saberem se, no século XVIII, teria havido um take o f f na Catalunha ou 
quando teria ocorrido essa situação na França. Eles tentam determ inar o 
cash flow de empresas do início do século X X , apesar das dificuldades 
inerentes a uma contabilidade que não fazia aparecer essa variável. Aliás, a 
história social tem adotado o m esm o procedim ento: po r exem plo, reto-
ma o conceito de controle social para aplicá-lo ao século X IX e, inclusive, à 
Antigüidade grega ou romana. P o r últim o, a nova história constituiu-se a 
partir de empréstimos conceituais à etnologia.
Lim itando-nos a esta prim eira análise, fica a impressão de que a his-
tória não tem conceitos próprios, mas, de preferência, ela apropria-se do 
material o riundo das outras ciências sociais; na verdade, ela serve-se de 
um núm ero enorm e de conceitos importados.
126
1 . Hiiili.pl: , . tiijii. lililits tol 11(11 .1111 possíveis p< Io uso p io
pi lam ente lih io iitu <t< • ileti iniiiiautc. Ao tiansitaiein de su.i disciplina »l< 
origem paia .i luao iia . o s conceitos soirem um a llcNibili/açao decisiva 
perdem seu rigor, cessam de ser utilizados sob sua fonna absoluta para 
receberem im ediatam ente um a especificação. O em préstim o acarreta, logo, 
uma prim eira distorção que será adotada por outros.
C om preende-se m elho r, nestas condições, a relação am bígua da 
história com as outras ciências sociais: o em préstim o de conceitos e seu 
uso bem determ inado, contextualizado, perm item que a história retom e 
por sua conta todas as questões das outras disciplinas, subm etendo-as ao 
questionam ento diacrônico que é sua única especificidade, sua única di-
mensão própria. Daí, o papel de junção das ciências sociais desem penha-
do pela história em determ inadas configurações sociais e científicas do 
m undo erudito. Daí, também, às vezes, sua pretensão obsessiva de assu-
m ir certa hegem onia no universo dessas disciplinas: a troca de conceitos 
faz-se em m ão única, a história prom ove sua im portação sem exportá-los 
e pode posicionar-se no terreno das outras ciências sem perder sua iden-
tidade, ao passo que a recíproca não é verdadeira.
As en tid a d e s so cie ta is
N o entanto, existem conceitos que, sem serem próprios da história, 
ocupam um a posição, a um só tem po, relevante e privilegiada dentro da 
disciplina: re ferim o-nos àqueles que designam entidades coletivas. O 
enunciado citado com o exem plo no início deste capítulo con tém um 
desses conceitos: nas vésperas da R evo lução , a sociedade francesa passava 
por um a crise econôm ica do Antigo R egim e.
A sociedade, a França, a burguesia, a classe operária, os intelectuais, a opinião 
pública, o país, o povo: outros tantos conceitos com a particularidade de 
subsum ir um conjunto de indivíduos concretos e de figurar no discurso 
do historiador com o singulares plurais, atores coletivos. Eles são utiliza-
dos com o sujeitos de verbos de ação ou de volição, às vezes, até mesmo, 
sob a form a pronom inal: a burguesia pretende que, pensa que, sente-se em 
segurança ou ameaçada, etc., enquanto a classe operária está descon ten te , 
revolta-se. A opinião pública mostra inquietação, está dividida, reage, a m e-
nos que esteja resignada...
Mas terem os o direito de atribuir os traços da psicologia individual a 
entidades coletivas? Tal transferência será legítima? Voltaremos a este as-
sunto. O s sociólogos liberais, partidários da reconstituição das condutas 
coletivas a partir dos com portam entos racionais dos atores individuais,
Sibiioreco Alphmsw de Cmimaraens
127 ICH S/U FJP
Manann MG
denunciam este tratam ento de grupos à maneira de pev.n.r. » m no mu 
realismo ingênuo; é possível objetar-lhes que os atores individuais têm 
um a consciência mais ou m enos confusa de constituir u m grupo. Assim, o 
historiador sente-se autorizado a dizer que, em 1914, a França assumiu 
determ inada atitude para com a A lem anha em decorrência do que os 
mobilizados afirmavam na época: “Nós estamos em guerra, a Alemanha 
nos declarou guerra.” D o m esm o m odo, se ele faz m enção aos operários é 
porque, em greve, estes são os prim eiros a afirmar: “Nós exigimos a satis-
fação de nossas reivindicações.” O n ós dos atores serve de fundam ento 
implícito à entidade coletiva utilizada pelo historiador. Para legitimar essa 
transferência da psicologia individual para as entidades coletivas, P. R i- 
coeur propõe a noção de “pertencim ento participativo” : os grupos em 
questão são constituídos por indivíduos que os integram e que têm uma 
consciência mais ou m enos confusa desse pertencim ento. Essa referência, 
oblíqua e implícita, perm ite tratar o grupo com o um ator coletivo.
Portanto, não se trata de um a simples analogia, nem de um a fusão 
dos indivíduos no grupo ou de um a redução do individual ao coletivo. 
Assim, a objeção que venha a surgir ao historiador, ou seja, que o senti-
m ento de pertencim ento é, às vezes, confuso, não é válida. O fato de que, 
no dia 2 de agosto de 1914, ao toque dos sinos que convocava para a 
mobilização, os camponeses tenham voltado precipitadam ente para casa a 
fim de pegarem em baldes p o r te rem in terpretado esse toque com o o 
sinal de um incêndio é, aqui, irrelevante: tal atitude não im pede de afir-
m ar que a França entrou resolutam ente na guerra já que esta é assumida 
pelos mobilizados ao dizerem nós. A referência da entidade coletiva aos 
indivíduos de que é com posta baseia-se na reversibilidade do nós dos 
atores ao singular coletivo do historiador: ela perm ite considerar a entida-
de nacionalou social com o se fosse um a pessoa.
D e resto, neste aspecto, a linguagem da história assemelha-se à lin-
guagem cotidiana. Os conceitos que perm item pensar a história que se 
escreve são exatam ente aqueles com os quais se refere à história que se 
fàz. O que nos reenvia ao risco de anacronismo; será possível evitá-lo?
H isto ric iza r os co n ceito s da história
O historiador tem o direito de utilizar todos os conceitos disponíveis 
na linguagem, mas não de usá-los de form a ingênua. Sua m áxim a consiste 
em recusar-se a tratar os conceitos com o coisas. A advertência de Pierre 
B ourdieu não é supérflua:
128
IH Pierre B o u r d ie u : S e r v ir -se d o s c o n c e it o s c o m p in gas h istó rica s
[...J Paradoxalmente, os historiadores não o são suficientemente quando 
se trata de pensar os instrumentos com os quais eles pensam a histó-
ria. Os conceitos da história (ou da sociologia) deverão ser utilizados 
apenas com pinças históricas... [...]não basta fazer uma genealogia
histórica dos termos considerados isoladamente: para historicizar ver-
dadeiramente os conceitos, é necessário fazer uma genealogia socio- 
histórica não só dos diferentes campos semânticos (constituídos do 
ponto de vista histórico) nos quais, em cada instante, cada termo foi 
levado em consideração, mas também dos campos sociais em que 
eles são produzidos e, igualmente, em que circulam e são utilizados. 
(BO u R d ie u , 1995, p. 116)
A afirmação de que convém “historicizar” os conceitos da história e 
reposicioná-los em um a perspectiva, por sua vez, histórica, com porta vá-
rios sentidos. O prim eiro visa a diferença entre a realidade e o conceito
sob o qual ela é subsumida; o conceito não é a coisa, mas o nom e pelo
qual ela é manifestada, ou seja, sua representação. Avaliar a diferença even-
tual, ou seja, verificar se os traços com preendidos no conceito se encon-
tram na coisa, e reciprocam ente, é já um preceito do m étodo crítico, 
daquilo que Seignobos designava com o a crítica da interpretação.
Em segundo lugar, trata-se de um dos elem entos da construção do 
tem po da história. A significação das palavras no passado exige ser tradu-
zida em um a linguagem compreensível nos dias de hoje e, inversamente, 
a significação dos conceitos atuais deve ser redefinida se pretenderm os 
traduzir o passado po r seu in term édio. Portan to, o historiador leva em 
consideração a profundidade diacrônica — a história - dos conceitos. A 
perm anência de um a palavra não é a de suas significações e a m udança de 
suas significações não coincide com a alteração das realidades que ela de-
signa. “A perm anência inalterada das palavras não constitui, por si só, um 
indício suficiente da estabilidade das realidades designadas po r elas” (Ko -
s e l l e c k , 1990, p. 106). N o entanto, inversam ente, as m udanças de ter-
minologia não constituem um indício de mudança material porque, muitas 
vezes, há necessidade de tem po antes que essa mudança implique, para os 
contemporâneos, o sentimento de que novos tennos sejam necessários.
A historização dos conceitos da história perm ite, ao circunscrever a 
relação en tre conceito e realidade, pensar situações dadas, sim ultanea-
m ente, de m aneira sincrônica e diacrônica, segundo o eixo das questões 
e, ao m esm o tem po, dos períodos, com o estrutura e com o evolução.
129
A semântica dos conceitos parle* menos nobre il.i Inip.iiistu i poi sim 
a mais tributária das realidades nomeadas c, portanto, .1 menos lòm ul é, 
pelo contrário, fundam ental para o historiador. Ao implicar, na circuns 
criçao de cada conceito, a consideração dos conceitos opostos ou associa-
dos, e, paradigm aticam ente, conceitos alternativos possíveis, ela perm ite 
avaliar, com a espessura da realidade social, a totalidade das diversas tem - 
poralidades. A m esm a realidade pode, em geral, ser pensada e dita po r 
interm édio de vários conceitos com diferentes horizontes e trajetórias tem -
porais. H istorizar os conceitos é identificar a tem poralidade de que eles 
fazem parte; trata-se de um m odo de apreender a contem poraneidade do 
não -co n tem po râneo .
Por últim o, a historização dos conceitos perm ite que o historiador 
apreenda o valor po lêm ico de alguns desses conceitos. A partir de P. 
Bourdieu e de sua escola, os sociólogos estão m uito atentos ao valor per- 
form ático dos enunciados: dizer, em certo sentido, é fazer. As designa-
ções dos grupos sociais resultam de lutas pelas quais alguns atores procu-
raram im por u m recorte do social.
Assim, a ciência que pretenda propor os critérios mais bem funda-
mentados na realidade deve precaver-se para não esquecer que ela se 
limita a registrar um estado da luta entre classificações, ou seja, um 
estado da relação das forças materiais ou simbólicas entre aqueles que 
estão estreitamente associados a determinado modo de classificação 
e que, a exemplo da ciência, invocam, muitas vezes, a autoridade 
científica para fundar, na realidade e na razão, o recorte arbitrário que 
pretendem impor. ( B o u r d i e u , 1982, p. 139)10
Os conceitos da história resultam, assim, de lutas raramente aparentes 
pelas quais os atores tentam fazer prevalecer as representações do social que 
lhes são próprias: definição e delim itação dos grupos sociais, hierarquias 
de prestígio e de direitos, etc. Po r exem plo, L. Boltanski mostra com o a 
aparição do term o quadro, tão característico da m aneira francesa de dividir 
a sociedade, efetua-se no contexto do Front populaire, 1 1 em concorrência 
com o conceito de classes m édias e por oposição, ao m esm o tem po, ao pa-
tronato e à classe operária (1982). N a utilização sistemática pelo chance-
Este exemplo refere-se aos recortes regionalistas. O texto prossegue: “O discurso regionalista é um 
discurso perform ático que visa im por, como legítim a, um a nova definição das fronteiras, além de fazer 
conhecer e reconhecer a região , assim, delim itada...” .
11 Período (maio de 1936 a abril de 1938) durante o qual a França foi governada por uma coalizão de 
esquerda. (N .T.).
130
In d,i I 'i 11‘: m I i n t It td m t (j,. i ii i 111ii H i i li i século XIX, de termos descrit i 
vos t.us coinii liiihthinlcs ou Idtifumliáríos, ou ainda de novos termos ju r í-
dicos, poi exem plo, cidadãos - , R . Koselleck (1990, p. 99-118) descorti-
na um a vontade de m udar a decrépita constituição dos estamentos, ou 
seja, Stànde. O s conceitos adquirem sentido po r sua inserção em um a 
configuração herdada do passado, por seu valor perform ático anunciador 
de um futuro e por seu alcance polêm ico no tem po presente.
C om o se vê, os conceitos não são coisas; em certos aspectos, são 
armas. D e qualquer m odo, são instrum entos com os quais os contem po-
râneos, assim com o os historiadores, p rocuram consolidar a organização 
da realidade, além de levar o passado a exprim ir sua especificidade e suas 
significações. N e m exteriores, nem grudados ao real, com o se fossem 
sinais perfeitam ente adequados às coisas, eles m antêm - com as realida-
des a que atribuem um nom e - uma distância e um a tensão mediante as 
quais se faz a história. Eles refletem a realidade e, ao m esm o tem po, dão- 
lhe forma ao nom eá-la. Essa relação cruzada de dependência e de confor-
m idade constitui o interesse e a necessidade da história dos conceitos. Ao 
fazer-se a partir do tem po e, sim ultaneamente, ser feita por ele, a história 
exerce, tam bém , sua ação sobre os conceitos e é influenciada por eles.
131

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