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arquitetura e design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino regina celia barbosa da silva 2009 2 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo REGINA CELIA BARBOSA DA SILVA Arquitetura e Design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação da Professora Doutora Kátia Azevedo Teixeira. São Paulo 2009 3 Silva, Regina Celia Barbosa da Arquitetura e design : os conteúdos que acercam seus programas de ensino / Regina Celia Barbosa da Silva. - São Paulo, 2009. 193 f. : il. ; 30 cm Orientador: Kátia Azevedo Teixeira Dissertação (mestrado) – Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, 2009. 1. Arquitetura - Projetos 2. Design - Criação 3. Arquitetura - estudo e ensino I. Silva, Regina Célia Barbosa da II. Universidade São Judas Tadeu, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Arquitetura e Urbanismo. III. Título CDD – 720.7 Ficha catalográfica: Elizangela L. de Almeida Ribeiro - CRB 8/6878 4 UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu Arquitetura e Urbanismo REGINA CELIA BARBOSA DA SILVA Arquitetura e Design: os conteúdos que acercam seus programas de ensino Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu, em Arquitetura e Urbanismo da Universidade São Judas Tadeu, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Aprovada em dezembro de 2009. Orientara: Professora Doutora Kátia Azevedo Teixeira 5 À minha mãe, pelo seu caráter, pela sua coragem, pelo amor incondicional e pela vida. 6 À Joaquim Fernando Prado Ribeiro, meu marido, pela conf iança, pelo exemplo, por dividir comigo os seus saberes e pelo amor a mim dedicado. Ao Professor Arnaldo de Souza Cardoso pela oportunidade que me concedeu de chegar até aqui. À Professora Doutora Kát ia Azevedo Teixeira, pela orientação precisa e pelas exper iências docentes compart i lhadas. À Professora Doutora Marta Vieira Bogéa pela atenção que a mim dedicou. 7 “Aqueles que usam os textos para entender o mundo, aqueles que o “concebem”, dão significado a um mundo com uma estrutura linear”. Vilém Flusser 8 RESUMO No ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, áreas cujas práticas têm o projeto - programa, pressupostos e criação como finalidade; é possível admitir a hipótese de que, ainda hoje, haja aproximações, em maior ou menor grau, entre os conteúdos das disciplinas que constituem as grades curriculares destes cursos em questão, mesmo considerando que as produções do aluno de Arquitetura e Urbanismo e as do aluno de Design respeitem no geral, condicionantes e escalas distintas. Assim, pode-se pensar que arquitetos urbanistas e designers apreendem determinados conceitos e desenvolvem habilidades comuns, principalmente nos primeiros anos de suas formações, dado que é esse o período onde se conformam os fundamentos que devem orientar os processos conformadores de suas produções. Situação que, de certo modo, dá condição ao aluno de Arquitetura e Urbanismo e ao aluno de Design de compartilhar as experiências promovidas pelas disciplinas cujos conteúdos tenham afinidade. Para corroborar a hipótese acima apresentada, buscou-se elencar conceitos pertinentes à conformação dos fundamentos orientadores das produções das áreas em questão bem como dos processos de criação integrantes dos conteúdos dos programas de ensino daqueles cursos para, em seguida, proceder-se a investigação da possibilidade de haver entre eles acercamento ou aproximação. O estudo dos programas de ensino elaborados e adotados pela Escola da Bauhaus e pela Escola de Ulm, entre 1919 e 1968, escolas consideradas as mais significativas no que se refere ao ensino de arquitetura e design do século xx, foi o ponto de partida para a identificação e seleção dos principais conceitos e práticas para a formação de arquitetos urbanistas e designers. 9 A verificação da permanência de conteúdos comuns nos cursos atuais foi realizada através da análise de programas de ensino em vigor, em específico dos dois primeiros anos da formação, em três Instituições de Ensino Superior, sediadas na cidade de São Paulo, que mantém cursos de formação nas duas áreas em questão: a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP, a Universidade Presbiteriana Mackenzie - FAU-UPM e a Universidade São Judas Tadeu - USJT. O resultado da análise indica a presença de conteúdos possíveis de acercamento, quanto aos propósitos a que eles se destinam. Além desta constatação, o resultado, confere plausibilidade à ideia de que se possa intercambiar no ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, com vantagens didáticas, experiências provindas das discussões a respeito de conceitos que formam os fundamentos das ações que orientam e ordenam os processos de suas produções. Palavras-chave: Arquitetura e Design, Criação, Programa de ensino, Projeto. 10 ABSTRACT In the teaching of Architecture and Town Planning and Design - two areas where practices aim at a program - project, presuppositions and creation - , it is possible to hold the hypothesis that even nowadays there are encounters - in greater or lesser degree - between the contents of subjects in the curricula of such courses, even if we take into consideration that the production by students of Architecture and Town Planning and those of Design should generally respect different conditionings and scales. Thus, one might figure that architects town planners and designers acquire certain concepts and develop common skills, especially in the early years of their formation, since this is the time in which they acquire the foundations that will lead the conforming processes of their productions. This is a situation that somehow allows the architecture and town planning and design students to share experiences promoted by subjects whose contents have some affinity. In order to confirm the hypotheses above, we tried to list certain concepts concerning the leading foundations of production in these two areas, as well as the creation processes in the contents of their teaching programs in order to investigate the possibility of commonness between them The study of teaching programs proposed and adopted by the Bauhaus School and the Ulm School, between 1919 and 1968 - both schoolsregarded as the most important ones in the teaching of Architecture and Town Planning and Design in the 20th century - was the starting point for the identification and selection of the main concepts and practices in the formation of architects town planners and designers. 11 Then we proceeded to check the remaining of common contents in present courses through the analysis of teaching programs adopted, specifically in the first two years of under- graduation, by three Universities in the city of São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP; Universidade Prebisteriana Mackenzie - FAU-UPM; and Universidade São Judas Tadeu - USJT. The result of such analysis indicates the presence of contents that might present some closeness in terms of goals. Besides this, the result confirms the idea that there can be a permutation in the teaching of Architecture and Town Planning and Design - with several pedagogical advantages - of experiences acquired from discussions about the concepts providing the foundations of actions leading and ordering the processes of their productions. Keywords: Architecture and Design, Creation, Teaching program, Project. 12 LISTA DE ILUSTRAÇÕES capa. Centro Stata do Instituto de Tecnologia de Massachussets - M.I.T. - Frank Gehry Disponível em <http://serurbano.files.wordpress.com/2009/01/340.jpg> Acesso em 16 de outubro de 2009 Luminária Super Bossa - Fernando Prado Disponível em <http://abcdesign.com.br/wp-content/uploads/ 2009/06/bossinha.jpg> Acesso em 14 de outubro de 2009 figura 1. Os mestres da Bauhaus. 33 Disponível em <http://tipografos.net/bauhaus/missao-bauhaus.html> Acesso em 18 de março de 2009 figura 2. Esquema do programa da Bauhaus. 35 WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.88. figura 3. Estudo com materiais do curso preparatório de 37 Johannes Itten, 1921. Este trabalho de Oskar Schepp se baseia no contraste entre vários materiais considerados não nobres como o papel cartão, a tela, o feltro, o arame e tachas, com que caprichosamente a figura se compõe. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 27. figura 4. Composição com cubos, exercício para a observação 37 das relações estático-dinâmicas. Johanes Itten, 1921. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 151. figura 5. Rudolf Lutz, 1921. Nu artístico buscando a interpretação rítmica 38 da classe de Johannes Itten. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 51 figura 6. Ludwig Hirschfeld-Mack, 1922. Exercícios da classe de 39 Wassiliy Kandinsky. Uso de superfícies coloridas para demonstrar os diversos efeitos espaciais das cores: um objeto escuro em um fundo claro parece menor que o objeto claro do mesmo tamanho em um fundo escuro. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. tália: Taschen, 2002. p. 67. figura 7. Monika Bella Broner, 1931. Experimento de cor sobre 39 formas secundárias da classe de Wassily Kandinsky. Através deste exercício os estudantes da Bauhaus tentavam encontrar cores correspondentes às formas intermediárias, de onde surgiu uma espécie de círculo de formas e cores. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 146. 13 figura 8. Esquema gráfico de um salto da bailarina Palucca. 40 Wassily Kandinsky, 1926. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. figura 9. Desenho analítico, produzido em uma aula de 40 Kandinsky, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. figura 10. Casa Gropius - Walter Gropius, 1938. 43 Disponível em <http://www.galinsky.com/buildings/gropiushouse/ gropius3.jpghttp://tipografos.net/imagens/bauh5.gif> Acesso em 17 de maio de 2009 figura 11. Açucareiro - Walter Gropius, 1969. 43 Disponível em <http://www.writedesignonline.com/ history-culture/walter-gropius-sugar-bowl.jpg> Acesso em 18 de maio de 2009 figura 12. Monumento aos Caídos de Março em Weimar. Cimento. 43 Walter Gropius,1921. Esta é a única escultura de Gropius, foi destruida no período hitleriano, e reconstruída após 1945. Fonte: WINGLER, Hans M. La Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. p. 246. figura 13. A primeira exposição, 1923 - o cartaz marcava a estréia de 44 uma nova identidade da Bauhaus, com uma tipografia e um grafismo moderno, inspirados no construtivismo russo. Fonte: KENNEDY, Andrew. Bauhaus. Prólogo Michael Robinson. Madrid: Edimat Libros, 2006. p. 137. figura 14. Estudo de equilíbrio montado com base no peso 45 específico de diferentes tipos de madeira, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. figura 15. Estudo de equilíbrio utilizando a espiral para sustentar a 45 construção, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. figuras 16/17. Estudos de materiais, feitos no curso preliminar 47 ministrado por Josef Albers, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 246/247. figura 18. Gustav Hassenplflug, 1928. Trabalho em papel realizado 47 no curso preparatório de Josef Albers. Mediante cortes e arcos, o papel se sustenta por si mesmo. Nenhum pedaço da folha de papel é descartado, formas positivas e negativas fazem parte da solução formal válida, concebida também como „ilusão de penetração‟. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 143. 14 figura 19. Edifício sede da Bauhaus em Dessau, projetado por 49 Walter Gropius. Disponível em <http://tipografos.net/imagens/bauh5.gif> Acesso em 18 de maio de 2009 figura 20. Bauhaus - Dessau. 49 Disponível em <http://verenavogler.wordpress.com/ 2008/07/07/design-conference-bauhaus-dessau-062008/> Acesso em 18 de maio de 2009 figura 21. Casa pré-fabricada. Marcel Breuer, 1942. 50 Disponível em <http://referencelibrary.blogspot.com/ 2007/08/marcel-breuer-prefab.html> Acesso em 12 de agosto de 2009 figura 22. Cadeira “Wassily”. Marcel Breuer, 1925. 50 Disponível em <http://research.uvu.edu/abbott/blog/ uploaded_images/300pxBauhaus_Chair_Breuer-757844.png> Acesso em 18 de março de 2009 figura 23. Casa Farnsworth - Mies van der Rohe, 1950. 53 Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File: Mies_van_der_Roh_photo_Farnsworth_House_PlanoUSA_7.jpg> Acesso em 15 de maio de 2009 figura 24. Cadeira Barcelona - Mies van der Rohe, 1929. 53 Disponível em <http://www.fernandorigotti.com/wp-content/ uploads/2007/06/mies_van_der_rohe_barcelona.jpg> Acesso em 15 de maio de 2009 figura 25. Escola de Ulm - sessão de plenário, 1968. 58 Foto: Gloria Naubur-Gassmann Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 figura 26. Edifício da Escola Superior da Forma, de Ulm, 1955. 59 Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y Práctica del diseño industrial. Barcelona:Gustavo Gili, 1999. p. 38. figura 27. Otl Aicher junto a alguns estudantes, 1958. 61 Disponível em <http://www.hfg/archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 figura 28. Aparato compacto de radio e toca discos “Phonosuper SK 4”, 63 Braun, 1956. Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 52. figura 29. Televisor “HF 1” Braun, 1958. 63 Fonte: BÜRDEK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. p. 52. 15 figura 30. Estrutura didática de ensino da Escola de Ulm. 64 Planejamento da Cidade, Informação, Arquitetura, Design de Produto, Design Visual, Sociologia, Economia, Política, Psicologia e Filosofia. Disponível em <http://www.hfgarchiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/timeline.html> Acesso em 19 de maio de 2009 figura 31. Estudo de semelhança de campos mediante 64 brilho e/ou intensidade da cor, 1960-61. Docente: Tomás Maldonado Aluno: Gudrun Haegele Foto: Arquivo HfG Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/graphic_works_photos.html> Acesso em 17 de maio de 2009 figura 32. Estrutura de cúpula capaz de ser empilhada, 1962-63. 65 Docente: Rudolf Doernach Foto: Heinz Dobrinski Alunos: Heinz Dobrinski, Horst Shu e Max Thanner Disponível em <http://www.hfgarchiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/photos_photos_2.html> Acesso em 18 de março de 2009 figura 33. Objeto reticulado, 1962-63. 65 Docente: Tomás Maldonado Aluno: Hans-Jürgen Lannoch Foto: Arquivo HfG Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/english/ the_collections/hfg_collection/graphic_works_photos.html> Acesso em 17 de maio de 2009 figura 34. Workshop do Departamento de Design de Produto em 66 conjunto com o Departamento de Comunicação Visual, 1963. Disponível em <http://www.hfg-archiv.ulm.de/ english/the_hfg_ulm/history.html> Acesso em 18 de março de 2009 figura 35. Composição tridimensional de elementos isométricos, 1966. 69 Docente: Max Bill Aluno: Traudel Hölzmann Fonte: BÜRDECK, Bernhard E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. Barcelona: Gustavo Gili. p. 170. 16 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 17 2 MÉTODO DE PESQUISA 25 3 ARQUITETURA E DESIGN NA ERA DA MÁQUINA: 30 A FORMAÇÃO ESPECIALISTA 3.1 a Escola da Bauhaus 33 3.2 a Hochschule für Gestaltung – Ulm 58 4 LÉXICO DA CRIAÇÃO 74 4.1 percepção 76 4.2 forma 92 4.3 função 100 4.4 significado 107 4.5 criatividade 114 5 A FORMAÇÃO DO ARQUITETO URBANISTA E 123 DO DESIGNER: PROPOSTAS DAS INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE ENSINO SUPERIOR 6 NOÇÃO DE PROJETO 137 6.1 programa de ensino 143 6.2 programa de ensino de projeto em 145 arquitetura e urbanismo 6.3 programa de ensino de projeto em design 148 7 ACERCAMENTO DE CONTEÚDOS 151 DOS PROGRAMAS DE ENSINO EM ARQUITETURA E URBANISMO E EM DESIGN 8 CONSIDERAÇÕES 158 9 BIBLIOGRAFIA 163 10 ANEXOS 174 17 1 INTRODUÇÃO Os primeiros objetos desenhados1 com a intenção de ser produzidos industrialmente, com base em um planejamento que permitia serem reproduzidos em série, datam do início do século XIX. Ainda não se conseguia, contudo, conceber um objeto destinado a ser produzido com a utilização de uma máquina tendo alguma qualidade estética,2 característica até então presente nos objetos provenientes do artesanato. A mudança do modo produtivo artesanal para o industrial apontou para a necessidade de que os produtos a serem elaborados com a intervenção da indústria tivessem um novo desenho e que, portanto, se viesse a buscar uma linguagem própria que bem se adequasse aos também novos sistemas de produção, com suas especificidades distintas do que até aqui se conhecia. Os artesãos, que até então eram os responsáveis pela produção de objetos, precisaram aprender o novo processo produtivo, bem como buscar soluções para o manuseio e a aplicação de materiais ainda não utilizados. Depois do explosivo crescimento fabril que a partir da Inglaterra foi chamado de Revolução Industrial, fabricantes da Alemanha, França e Itália, países em que, numa segunda onda, as indústrias se disseminaram rapidamente, para renovar os desenhos e torná-los viáveis para a produção industrial, passaram a investir em pesquisas. Passaram também a incentivar os profissionais artesãos a adquirir os 1 Nesta pesquisa usaremos a palavra “desenho” em sua restrita acepção de desígnio ou intenção, excluindo-se, assim qualquer menção à acepção de registro gráfico, reservado para o incomum uso da palavra “debuxo”. 2 “O termo “estética” foi criado por Baumgarten (século XVIII) para designar o estudo da sensação, “a ciência do belo”, referindo-se à empiria do gosto subjetivo, àquilo que agrada aos sentidos, mas elaborando uma ontologia do belo”. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. p. 94-5. 18 conhecimentos necessários e peculiares para viabilizar os serviços nas indústrias e pôr no mercado novos produtos, feitos com base em desenhos elaborados especificamente para a produção em máquinas, utilizando-se de novos materiais e obtendo resultados com qualidade, em que se reconheciam já o atendimento a requisitos estéticos. Ao mesmo tempo em que se acelerava o processo de desenvolvimento da indústria, iniciavam-se os primeiros debates sobre essa nova era - o mundo industrial. Os resultados desse crescimento podiam ser observados já nas primeiras décadas do século XX, quando o setor industrial apresentava-se bem avançado e um número bastante significativo de produtos era fabricado em série, embora estes ainda fossem marcados pela rigidez que este processo impunha. Para melhorar e adequar esses desenhos de modo que atendessem às exigências técnicas e às necessidades do consumidor, as indústrias precisavam incluir em seus quadros profissionais que tivessem competências específicas para implantar métodos de projeto peculiares à nova realidade que se apresentava. Estas circunstâncias favoreceram o surgimento das primeiras escolas que ofereciam a chamada formação especialista em Arquitetura e em Design, ou, como era chamado à época, Desenho Industrial. Em 1919, o arquiteto Walter Gropius3 fundou na Alemanha, que buscava sua reconstrução após a Primeira Guerra 3 Walter Gropius nasceu em 18 de maio de 1883 em Berlim, e faleceu em 05 de julho de 1969. Arquiteto considerado um dos principais nomes da arquitetura do século XX, tendo fundado a Bauhaus, escola que foi um marco no design, arquitetura e arte moderna, e dirigido o curso de Arquitetura da Universidade 19 Mundial e a recuperação de seu parque industrial, a Escola da Bauhaus, que se tornou uma das principais responsáveis pela formação e orientação dos novos profissionais que passaram a atuar com arquitetura e design nas condições da produção fabril que se alastravam pela Europa e América do Norte. Nessa instituição, o currículo adotado inicialmente era generalista e, com as modificações que nele foram sendo introduzidas, deu grande contribuição no sentido de formar profissionais aptos a desenvolverprojetos para a indústria que se configurassem pelo modo de produção e por seus desenhos diferenciados. A indústria foi evoluindo e gerando um crescimento acelerado das grandes cidades. A evolução e a renovação constante desse processo, ainda no início do século XX, exigiram cada vez mais investimentos em pesquisas e na formação de profissionais com conhecimentos particulares. Passado o trauma de mais uma Guerra Mundial, na esteira de tantas outras escolas fundadas depois da Bauhaus no entre-guerras, surge em 1952 a Hochschule für Gestaltung [Escola Superior da Forma], na cidade de Ulm, também na Alemanha. Também conhecida como a Escola de Ulm, ela foi responsável pela experiência mais significativa do movimento do design no período posterior à Segunda Guerra Mundial, e sucedeu a Bauhaus em seus programas e métodos de ensino. A ideia dos fundadores e colaboradores da Escola de Ulm era formar profissionais com uma sólida base artística e técnica para que atuassem na concepção de uma grande variedade de objetos produzidos em escala industrial. Harvard. Gropius iniciou sua carreira na Alemanha, seu país natal, mas com a ascensão do nazismo na década de 1930, emigrou para os Estados Unidos da América e lá desenvolveu a maior parte de sua obra. 20 A influência da Escola da Bauhaus e da Escola de Ulm na evolução do ensino e no modo de pensar em arquitetura e em design é inquestionável. A Alemanha foi, sem dúvida, a primeira a colher os benefícios promovidos por essa nova pedagogia de projeto, contudo, estes se espalharam por países como França, Itália, Cuba, Estados Unidos, Brasil, entre tantos outros, quando parte dos mestres que compunham o corpo docente dessas escolas, após o encerramento de suas atividades, buscou novas possibilidades de trabalho em outros países. Deste modo, pulverizaram-se e, consequentemente, ampliaram-se, em outras escolas e em grandes indústrias, os métodos e os processos de produção nelas desenvolvidos. Por outro lado, os avanços tecnológicos que atingiram os processos produtivos e o surgimento de novos materiais e de novas linguagens provocaram inúmeras e frequentes mudanças no que se refere às necessidades e aos desejos da sociedade, que, com as transformações de seus costumes e hábitos, desafiaram e continuam desafiando os profissionais ligados à produção e à criação de formas e de imagens a redefinirem as antigas práticas e referências. Nesse contexto é bem difundida a preocupação dos pesquisadores do design e de áreas correlatas em repensar e reconstruir orientações metodológicas e práticas didáticas. Entre esses profissionais, são vários os exemplos, nas últimas décadas, de novos programas, propostos ou implantados, que contemplem os processos de aprendizagem e as transformações que envolvem a sociedade contemporânea. Paralelamente a essas modificações, também se alterou a percepção do profissional de Design, cujo trabalho consiste, 21 segundo Adélia Borges4, “em imaginar, criar e encontrar meios de construir novos objetos e imagens que sirvam ao ser humano”5 [grifo nosso]. E essa percepção modificou-se principalmente em relação à maneira de conceber o projeto e aos procedimentos que precisam ser adotados durante o processo de criação. Considerando que toda produção, seja da Arquitetura e Urbanismo ou do Design, resguardadas suas diferenças intrínsecas, transformará, ou interferirá nas relações entre o indivíduo e seu entorno, a investigação e a reflexão sobre estas relações também deve ser incluída nos procedimentos de elaboração, ordenação e concepção do projeto. Ainda que hoje a Arquitetura e Urbanismo e o Design tenham suas práticas separadas em categorias profissionais distintas, estas são áreas que compartilham a mesma origem, o que se pode constatar pela conformação inicial dos programas das escolas da Bauhaus e de Ulm. E, além disso, a Arquitetura e o Design têm como objetivo final o projeto, fazendo que suas atenções em determinadas instâncias estejam voltadas para aspectos semelhantes. Levando-se em conta essas aproximações, pode-se pensar que no ensino de Arquitetura e Urbanismo e de Design, no que se refere à experiência oriunda das discussões acerca de conceitos que fundamentam a ação de projetar, esta experiência possa ser compartilhada pelos estudantes, no 4 Adélia Borges nasceu em Minas Gerais, na cidade da Cássia, em 1951. É jornalista e curadora especializada em design, é autora do livro Designer não é personal trainer. Escreveu e dirigiu a revista Design & Interiores, foi editora de design do jornal Gazeta Mercantil. Dirigiu o Museu da Casa Brasileira e foi curadora das mostras “Uma História do Sentar”, no Museu Oscar Niemeyer, e “Kumuro - Bancos Indígenas da Amazônia”, no Carreau du Temple, em Paris. 5 BORGES, Adélia. Designer não é personal trainer: e outros escritos. 2 ed. São Paulo: Rosari, 2003. p. 16. 22 sentido de consolidar as ideias, os valores e os princípios que devem ordenar suas produções. Para a verificação da plausibilidade dessas considerações, procedeu-se a uma análise comparativa entre os programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e Design, buscando verificar até que ponto estes conteúdos se acercam. Acredita-se que somente com base nos conceitos, nas reflexões apresentadas e no resultado destas investigações haverá condições de convalidar a ideia de que essas proposições podem resultar em benefícios didáticos. Assim, as mencionadas investigações configuram-se na presente pesquisa, que está disposta da seguinte maneira: capítulo 3 Nesse capítulo é apresentada a noção de formação especialista, relatando-se a origem e os objetivos desta formação em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Toma- se como referência o pensamento de vários historiadores, teóricos e profissionais das áreas envolvidas, entre os quais se destacam Bernhard E. Bürdek, Gillo Dorfles, Giulio Carlo Argan, Gui Bonsiepe e Rainer Wick. Pela importância que representam para o ensino de Arquitetura e Urbanismo e Design, as duas principais escolas - a Bauhaus e a de Ulm -, criadas uma no início e a outra na metade do século XX, são estudadas com o objetivo de identificar e explicitar suas contribuições relativamente aos conceitos que orientaram seus ensinos e aos desdobramentos destes conceitos em termos de programas e metodologias específicas para a aprendizagem. 23 capítulo 4 Nele se apresenta o léxico da criação ou o quadro teórico- conceitual. Esse capítulo identifica bem como apresenta as acepções dos conceitos de percepção, de forma, de função, de significado e de criatividade, identificados pelos mestres da Bauhaus e de Ulm como essenciais ao processo criativo [WICK, 1989; BÜRDEK, 1999]. Esse léxico tem por base as ideias estabelecidas pelos seguintes autores: Amos Rapoport, Edda Augusta Quirino Simões, Edward T. Hall, Elvan Silva, Fayga Ostrower, Jean Baudrillard, Klaus Bruno Tiedmann, Lúcia Santaella, Maurice Merleau-Ponty, R. H. Day, Rudolph Arnheim, Stephen Ullmann e Wucius Wong. capítulo 5 Pelo enfoque da pesquisa na investigação dos conteúdos presentes nos programas de ensino, destinou-se um capítulo à apresentação das recentes proposições feitas por Instituições Brasileiras de Ensino Superior e por pesquisadores e profissionaisdedicados ao estudo de currículos e programas. Foi incluído também nesse capítulo o exame das competências e habilidades que os cursos de graduação atualmente se propõem a desenvolver. capítulo 6 Este capítulo destina-se à discussão do conceito de projeto. Conceito que envolve a ideia, as intenções e as ações que envolvem o processo de projeto em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Nele se delineia o perfil dos programas de ensino de projeto com base em pesquisas realizadas com o levantamento de bibliografias específicas e a leitura de artigos, capítulos, teses e livros selecionados no campo de estudo. Entre as publicações consultadas incluem-se as de 24 autoria dos seguintes teóricos e pesquisadores: Alfonso Corona Martínez, Bruno Munari, Carlos Eduardo Comas, Gui Bonsiepe, Helio Piñón, Karl Gerstner e Leonardo Benevolo. capítulo 7 Para a verificação dos acercamentos, promoveu-se a comparação das ementas e dos conteúdos dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo com aqueles dos programas de ensino em Design. Com base na análise dos resultados obtidos, são apresentadas as circunstâncias que comprovam as aproximações. capítulo 8 Aqui se pretende mostrar o a possibilidade de intercambiar- se as experiências provindas das discussões a respeito dos conceitos que fundamentam a ação ordenadora e criativa do projeto promovidas pelas disciplinas do programa de ensino em Arquitetura e Urbanismo, com os resultados de discussões dos mesmos conceitos nas disciplinas do programa de ensino em Design. E assim, por estes deslocamentos e pelas novas relações criadas, melhorar a compreensão do aluno de Arquitetura e Urbanismo e do aluno de Design acerca das implicações e compromissos de suas produções - resguardadas as diferenças intrínsecas a cada uma delas. 25 2 MÉTODO DE PESQUISA “Método [lat. tardio methodus, do gr. methodos, de meta: por, através de; de hodos: caminho]. Conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras, que visam a atingir um objetivo determinado.” 6 O método pelo qual se pretende ordenar os procedimentos a serem adotados durante o desenvolvimento desta pesquisa é chamado qualitativo: tanto procura investigar, descrever, compreender e analisar as características que determinam a natureza do objeto de estudo, como investigar algumas variáveis, selecionadas, que permitem a gradativa aproximação do problema, com o intuito de conhecê-lo de modo aprofundado. A investigação desenvolve-se através de dois caminhos principais: um de caráter conceitual e o outro de caráter documental. No primeiro procurou-se abarcar o tema, bem como suas mais significativas extensões, de modo que se desse visibilidade a conceitos comuns e essenciais aos processos de criação e de projeto e, por conseguinte, intrínsecos à Arquitetura e Urbanismo e ao Design; para tanto, apresentaram-se discussões e avaliações acadêmicas correntes. Ao passo que no segundo buscou-se, por meio da investigação e da pesquisa bibliográfica e documental, reunir informações acerca dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e em Design, e principalmente sobre seus conteúdos. 2.1 Fundamentos A ideia de formação especialista é apresentada com base no processo de ensino e formação de arquitetos e designers, 6 JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006, p. 187. 26 tais como oferecidos pela Escola da Bauhaus e pela Escola de Ulm, as duas grandes matrizes do século XX envolvidas na formulação de novas diretrizes e implantação de programas e métodos de ensino em Arquitetura e Urbanismo em Design. Propõe-se a investigação dos conceitos de percepção, forma, função e significado e criatividade, essenciais ao processo de projeto, portanto, pertinentes à pesquisa em Arquitetura e em Design. A exposição dos resultados obtidos sobre cada um dos conceitos foi organizada com base na apresentação de discussões sustentadas pelas opiniões de autores, críticos e teóricos de reconhecida importância nas áreas aqui estudadas. Acrescenta-se também uma apresentação concisa das proposições contemporâneas provenientes das Instituições Brasileiras de Ensino Superior, no que se refere à formação especialista oferecida em Arquitetura e Urbanismo e em Design. Procurou-se mostrar a composição do ideário de autores cujas publicações acadêmicas são consideradas relevantes no que diz respeito às discussões acerca do conceito de projeto e da ação de projetar, em arquitetura e em design. 2.2 Recortes estabelecidos 2.2.1 Instituições Fonte importante de estudo e de análise para o desenvolvimento da pesquisa, a seleção dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e em Design está baseada na consulta aos documentos oficiais disponibilizados pelas Instituições de Ensino Superior que estejam em conformidade com os critérios que seguem: 27 a] As Instituições de Ensino Superior alvo de interesse deste estudo devem estar sediadas na cidade de São Paulo e oferecer ambos os cursos de graduação - em Arquitetura e Urbanismo e também em Design -, já regulamentados pelos órgãos governamentais de ensino, estando, por conseguinte, aptas para o funcionamento. b] Consideraram-se ainda, como critério de seleção, cursos existentes há pelo menos dez anos, portanto, mais consolidados e com várias turmas formadas, preferencialmente àqueles criados há pouco tempo. c] Optou-se por Instituições de Ensino Superior pertencentes a mantenedoras de naturezas distintas - pública, confessional e privada -, no intuito de permitir ganhos à investigação, pela comparação de programas de ensino dos três tipos de organização. As Instituições que atendem aos critérios estabelecidos e que foram, portanto, as escolhidas: - pública: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo [FAU-USP], única na cidade de São Paulo que contempla esse segmento; - confessional: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie [FAU-UPM], também a única nessa categoria na cidade de São Paulo; - privada: Universidade São Judas Tadeu [USJT], em razão de a pesquisadora nela exercer atividades docentes. O material completo dos programas de ensino em vigor, correspondente aos dois anos iniciais dos cursos selecionados, foi obtido: 28 - através da internet, aqueles que estão disponibilizados: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU-USP e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie - FAU- UPM. - diretamente com o coordenador do curso: Universidade São Judas Tadeu - USJT. Algumas observações são necessárias. Embora o curso de graduação em Design da FAU-USP tenha iniciado no ano de 2004 - perfazendo em 2009 cinco anos de existência -, considerou-se o fato de que esse curso era anteriormente integrado [desde 1962] à graduação geral Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. É necessário ainda mencionar que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie [FAU-UPM] -, cujo curso de Design foi fundado no ano de 1970, promoveu em 1993 uma mudança na configuração da formação originalmente oferecida e passou a contemplar duas habilitações: uma em Projeto de Produtoe outra em Programação Visual. Mantida essa configuração, as citadas comparações e análises abarcam os programas propostos por cada uma das habilitações. Ressalta-se não existe um número mínimo, ou ideal, de objetos pesquisados [nesse caso, programas de ensino] para que o resultado da análise tenha validade, justamente porque não faz parte da lógica da pesquisa qualitativa, aqui adotada, a procura de “leis gerais”, condição pertinente ao paradigma das ciências exatas [TRIVIÑOS]. Nesse sentido, portanto, os programas das três instituições selecionadas são suficientes, na medida em que permitem esclarecer o essencial em relação à questão formulada. 29 2.2.2 Séries selecionadas dos cursos Optou-se pelo estudo dos programas relativos às duas séries iniciais dos mencionados cursos, justamente porque nesse período - que, em termos da área de Educação,7 corresponde ao ciclo inicial - concentram-se disciplinas cujas discussões incluem os conceitos de percepção, forma, função e significado, fundamentais para o desenvolvimento conceitual do estudante e para a ampliação de repertórios que sustentem as principais questões da criação em Arquitetura e em Design. Mediante o cotejo dos programas de ensino em Arquitetura e Urbanismo e os programas de ensino em Design, investiga- se se as ementas e conteúdos contemplam conceitos que se acerquem. Com base no resultado desse procedimento - guardadas as devidas especificidades de cada área -, verifica-se a possibilidade de desenvolver conceitos e práticas didáticas correlatos a ambos os cursos. 7 SACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ, A.I. Pérez. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre, 1998. 30 3 ARQUITETURA E DESIGN NA ERA DA MÁQUINA: A FORMAÇÃO ESPECIALISTA A chamada cultura industrial iniciou-se com a Revolução Industrial na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra. Primeiro, com a mecanização das indústrias têxteis, em seguida, no âmbito de manufaturados como cerâmica, porcelana, metais e vidro. O processo de industrialização começou a disseminar-se por toda a Europa ainda no final do mesmo século. França, Alemanha e Itália receberam grande impulso em suas indústrias com o desenvolvimento das ferrovias e das locomotivas a vapor. Nesse período de grandes modificações, a maior delas foi aquela ocorrida na maneira de “pensar” a produção que até então era artesanal - no sentido de o trabalho ser executado por técnicas manuais. Os artesãos, e os trabalhadores comuns que se incorporaram ao operariado crescente, precisavam aprender novos processos produtivos adequados à máquina, bem como precisavam encontrar soluções para o uso de novos materiais em novos equipamentos. Os primeiros profissionais a enfrentar o desafio de trabalhar com materiais como o ferro foram os engenheiros. O resultado disso, contudo, eram produções com um teor estético bem pobre [DORFLES, 2002]. Esses requisitos de alguma qualidade formal nos novos produtos eram somente sugeridos, pela implantação de ornamentos, próprios do modo artesanal de produção. A exploração de materiais mais adequados - ferro, o bronze e vidro - com o objetivo de favorecer uma produção industrializada mas com qualidade estética efetivamente pôde ocorrer com a eclosão do movimento chamado Art Nouveau. Artistas como Émile Gallé, Hector Guimard, Henry van del Velde, Victor Horta, Mackmurdo, Antoni Gaudi, entre 31 outros, propuseram um estilo novo voltado para a originalidade da forma. Nessa nova explosão de criatividade, a flora e a natureza inspiravam o diferenciado uso da linha curva e das formas orgânicas, possibilitando o surgimento de um estilo que pudesse simbolizar os avanços tecnológicos. O Art Nouveau tentou reverter o modo de pensar que até então predominava, propondo a unificação de todas as artes com o propósito de mudar a estética vigente, firmemente ancorada na simples reprodução dos estilos do passado. Assim, promoveu uma forma de arte industrializada, mas tendo um estilo original, que associou à técnica o trabalho artesanal. Para que se conseguisse melhorar os resultados das produções industriais, um grupo de artistas e críticos de arte, formado por Hermann Muthesius, Peter Behrens, Theodor Fischer, Josef Hoffmann, Wilhelm Kreis, Max Laeuger, Adelbert Niemeyer, Joseph Maria Olbrich, Bruno Paul, Richard Riemerschmid, Jakob Julius Scharvogel, Paul Schultze-Naumburg e Fritz Schumacher, associado a alguns produtores, funda na Alemanha em 1907 a federação Deutscher Werkbund. Para os integrantes da Deutscher Werkbund, por meio da indústria seria possível obter um mundo melhor. O artista e o artesão passariam a buscar, juntos, melhor condição de vida e melhor qualidade de produtos industriais [De MORAES, 2008]. O fato é que a indústria ressentia-se da falta de profissionais com habilidades específicas para solucionar os problemas relacionados à busca de desenhos adequados tanto ao tipo de produção, quanto ao conhecimento dos materiais, à implantação de novos métodos de produção e, naturalmente, aos aspectos finais daquilo que se pretendia produzir. 32 Com o objetivo de atender às propostas, demandas e condições que se apresentavam, a Inglaterra adota posturas de incentivo, no país, visando a aproximação dos artesãos com as belas-artes, iniciativa que logo alcançou o restante da Europa. Essas medidas visam reequilibrar a competição internacional: estas regiões encontravam-se, àquela época, em situação pouco avançada comparativamente à América, no sentido de encontrar soluções práticas que atendessem aos propósitos da indústria. Essas iniciativas tinham o intuito de transformar artesãos em profissionais das artes, com competências técnicas adequadas aos serviços nas indústrias e, em decorrência, pôr no mercado produtos que reunissem o uso dos novos materiais com desenhos elaborados especificamente para a produção industrial, conformando-se, deste modo, objetos com o mencionado caráter estético. Essas circunstâncias favoreceram o surgimento das primeiras escolas que ofereciam a chamada formação especialista em Arquitetura e em Design. Dentre elas destacaram-se a Escola da Bauhaus [1919], e a Escola de Ulm [1952], ambas fundamentais pela estrutura de ensino que criaram, reunindo sistematização de conceitos, desenvolvimento de métodos didáticos e aplicação constante da teoria à prática. As circunstâncias que ensejaram o surgimento dessas escolas acabaram por garantir a elas, durante os primeiros anos de funcionamento, um bom número de alunos e o incentivo de algumas indústrias, que viam, nos estudos e experiências realizados pelos estudantes, a oportunidade de manutenção e crescimento de suas produções. 33 3.1 A ESCOLA DA BAUHAUS a fundação Os antecedentes históricos da Escola Oficial da Bauhaus remontam à Deutscher Werkbund [federação de artistas e críticos fundada na Alemanha em 1907] e, consequentemente, ao movimento inglês Arts and Crafts e ao Art Nouveau, uma vez que parte de seus integrantes era dissidente desses movimentos. A Bauhaus foi fundada por Walter Gropius em 1919, na Alemanha, com base na fusão da Escola Superior de Artes Plásticas, criada pelo alemão Hermann Muthesius,com a Kunstgewerberschule [Escola de Artes e Ofícios], estabelecida em 1906, na cidade de Weimar, pelo Grão- Duque de Sachsen-Weimar e dirigida pelo designer e teórico belga Henry van de Velde. O progresso dos métodos de produção alcançado no século XIX fez que se rompesse a unidade antes existente entre o projeto e a execução artesanal do produto que a ele estivesse submetido. Walter Gropius acreditava que se deveria criar procedimentos distintos para preparar os novos figura 1. Os mestres da Bauhaus. Fonte: http://tipografos.net/bauhaus/missao-bauhaus.html 34 projetistas, e propunha-se a pôr em prática em sua escola aquilo que defendia como programa e metodologia de ensino adequados aos novos tempos. Para auxiliá-lo na criação e implantação desses novos programa e métodos, Gropius convidou para serem seus estreitos colaboradores, entre outros, os artistas Johannes Itten, Paul Klee, Lyonel Feininger, Wassily Kandinsky, Oskar Schlemmer, Georg Muche e László Moholy-Nagy. Entendia que se poderia criar entre arte e indústria produtiva o necessário vínculo anteriormente existente entre arte e artesanato, desenvolvendo ainda a unidade entre a criação e a técnica artesanal [BÜRDEK, 1999]. Ademais, também contou com a colaboração dos arquitetos Ludwig Mies van der Rohe, Adolf Meyer, Max Bill e Marcel Breuer. os ideais Walter Gropius propunha a integração do artesanato ao ensino, mas como parte de uma metodologia didática que viabilizava um sistema de ensino não acadêmico. O trabalho manual, visto como disciplina, tornava-se um “aprender fazendo”, isto é, em princípio, empírico ou simplesmente prático, sem nenhuma teoria a orientar. De acordo com Rainer Wick, Gropius acreditava que “o artesanato constitui uma categoria pedagógica fundamental, representava a forma básica do trabalho prático e do aprendizado profissional”.8 Embora este método tenha sido modificado por alguns professores em outros momentos da trajetória da escola, ele acabou por transformar-se no método adotado pela Bauhaus, e, ainda, por transformar-se em uma norma, para o aprendizado em arquitetura. 7 WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. Tradução: João Azenha Jr. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 84. 35 programa da escola o curso preliminar O programa da escola dividia-se em três sequências de matérias [figura 2]. A primeira delas era o curso preliminar intitulado Vorkus, introduzido e dirigido por Johannes Itten.9 Este previa um curso preparatório com duração de seis meses, que promovia o contato - por meio de atividades controladas - com questões envolvendo proporções, escalas, ritmos, luzes, sombras, cores e formas, por serem considerados conteúdos fundamentais para o processo criativo. Este era o período em que o estudante desenvolveria as bases para suas produções, e a capacitação técnica e a formação artística se complementariam. Não se exigiam do estudante que ingressava na Escola da Bauhaus noções teóricas anteriores. Como parte da metodologia aplicada pela escola, os conhecimentos seriam assim extraídos da análise e das discussões a respeito dos experimentos de criação concebidos pelo aluno. Nesse processo, a compreensão e os dados resultantes iriam, gradativamente, configurando-se em teoria. Ao mesmo tempo, a linguagem visual que o curso desenvolvia por meio da observação e da representação também era provedora da base teórica e prática necessária à produção artística. 9 Johannes Itten nasceu em Suderen-Linden, na Suíça, em 11 de novembro de 1888, e faleceu em 27 de maio de 1967 em Zurique. Foi professor de escola primária e teve formação de pintor com Adolf Hoelzel, cujas didáticas de arte e teoria de composição influenciaram seu trabalho. Lecionou arte em uma cidade próxima a Berna, transferindo-se depois para Viena para dirigir uma escola de arte. Nesta época foi apresentado a Gropius, que o convidou para dar uma palestra sobre os "Ensinamentos dos Mestres Antigos" na sessão inaugural da Bauhaus em 21 de março de 1919, no Teatro Nacional de Weimar. Em outubro do mesmo ano, ocupou a cadeira de professor da Bauhaus até março de 1923, quando pediu demissão. Itten foi a figura mais importante durante esta primeira fase da Bauhaus, tendo influência nas oficinas, na organização e na estruturação de cursos de design. figura 2. Esquema do programa de ensino da Bauhaus. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p.88. 36 No curso preliminar, o conhecimento de materiais era adquirido em oficinas específicas, tais como as destinadas a cerâmica, metais, encadernação, tipografia e escultura em madeira. Nos primeiros tempos da Bauhaus, as oficinas mantinham à sua frente dois diretores, um artista e um artesão, ou, nos termos empregados na escola, um “mestre da forma” e um “mestre do artesanato”. Esta estratégia manteve-se durante os primeiros anos devido à ausência de profissionais que reunissem em si as duas competências. De acordo com Itten, o curso preliminar - ou o que ele chamava de ensino globalizante, ou, ainda, de uma educação integral - foi concebido no sentido de que fosse uma preparação em que o corpo e o espírito eram sugestionados, estimulados. As aulas ministradas por Itten iniciavam com exercícios de ginástica [movimento e respiração], para que o estudante pudesse relaxar, seguidos de exercícios rítmicos das formas, em que se traçavam no papel desenhos, com acompanhamento de uma marcação de compasso. Para Itten, os estudantes deveriam exercitar forças motoras e, ao mesmo tempo, experimentar o ritmo como princípio básico da existência e da organização plástica. Tais aulas eram pautadas sob três pontos centrais: os estudos acerca da natureza e das matérias-primas, a análise dos trabalhos de antigos mestres e as aulas de nu artístico. Aqueles relacionados à natureza e às matérias-primas tinham o intuito de educar a sensibilidade do estudante para a apreensão das diferenças existentes entre os elementos físicos. O aluno desenvolvia esboços escultóricos, com tamanhos variados, compostos por diversos materiais, e em seguida desenhava estes esboços, explorando os contrastes dos materiais e o movimento que estes sugeriam [WICK, 1989]. 37 O mestre lançava mão de exercícios de coordenação motora e estudos bidimensionais, estendendo-os a composições tridimensionais. Utilizando a teoria geral dos contrastes, levava os alunos a trabalhar com uma infinidade deles - as oposições existentes entre grande e pequeno, comprido e curto, largo e estreito, grosso e delgado, áspero e liso, claro e escuro, leve e pesado. Conforme Itten, esses estudos preparariam os estudantes para o trabalho nos ateliês, quando então os contrastes deveriam ser representados em desenhos ou esculturas, resultantes tanto da compreensão dos pares opostos, como da aplicação dos ensinamentos acerca da forma [figura 3]. Somavam-se a esses exercícios aqueles em que se desenvolvia o estudo da natureza, com o objetivo de fixar as impressões sensoriais, as atividades com as formas plásticas e suas representações. Incentivavam-se ainda os exercícios de criação geométrica, com a intenção de propor a invenção de formas [figura 4] que, segundo Itten, serviriam de parâmetros ao processo de criação. “[...] toda prática pedagógica de Itten estava orientada nosentido de uma educação para a arte, a se processar através da vivência subjetiva e do conhecimento objetivo” [WICK, 1989, p. 153]. O conceito de forma era introduzido através do reconhecimento de figuras consideradas elementares, como o círculo, o quadrado e o triângulo. Deste reconhecimento partia-se para a apreensão do caráter atribuído a cada uma delas. O círculo era considerado fluido e central, o quadrado, sereno e o triângulo, diagonal. Já o aprendizado das cores sempre foi aliado à compreensão das formas elementares e visto pelos estudantes com enfoque mais abrangente nos anos de estudo que sucediam ao curso preliminar. Quando da análise de obras de antigos mestres, o aluno deveria, durante a observação, concentrar-se bem no ritmo da pintura ou em sua construção, aprofundar-se nos valores figura 4. Composição com cubos. Exercício para a observação das relações estático-dinâmicas. Johannes Itten, 1921. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 151. figura 3. Estudo com materiais do curso preparatório de Johannes Itten, 1921. Este trabalho de Oskar Schepp se baseia no contraste entre vários materiais considerados não nobres como o papel cartão, a tela, o feltro, o arame e tachas, com que caprichosamente a figura se compõe. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 27 38 de claro-escuro ou, ainda, nas cores. Com base no observado, o estudante desenharia a essência da obra, por meio do registro do movimento, das linhas principais e das curvas. Nas aulas de nu artístico - diferentemente das escolas conservadoras de artes e ofícios, em que se adquiriam habilidades por meio da cópia -, o aluno efetuava representações rítmicas do nu, conseguidas mediante a observação e apreensão do movimento [figura 5]. Raras vezes eram feitas representações fiéis à realidade. Para Itten interessava que o estudante alcançasse essas representações por meio da compreensão das leis da cor, da forma, da composição e da configuração, de maneira que encontrasse seu próprio ritmo e desenvolvesse uma personalidade harmônica. O curso preliminar intentava cultivar as capacidades e as aptidões inerentes à expressão individual, e não à imposição de conhecimentos. Gui Bonsiepe [1983, p. 87], em texto escrito para a revista Summa em 1978, atribui ao curso preliminar a função de “compensar a falta de preparação manual para os alunos que optavam pela carreira projetual”. E conclui que: “[...] esses exercícios de cor, de composição, de textura, não podem ser vistos como uma ante-sala para a pintura e a escultura. A finalidade é outra: treinar a sensibilidade na exploração das leis geradoras da forma” [1983, p. 88]. Kandinsky10 também trouxe sua contribuição para o curso preliminar, e esta foi maior no que se refere aos conteúdos ministrados, do que propriamente em relação aos métodos 10 Wassily Kandinsky nasceu em Moscou em 16 de dezembro de 1866, e faleceu em 13 de dezembro de 1944; foi um artista russo, professor da Bauhaus e introdutor da abstração no campo das artes visuais. Apesar da origem russa, adquiriu a nacionalidade francesa. figura 5. Rudolf Lutz, 1921. Nu artístico buscando a interpretação rítmica - da classe de Johannes Itten. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 51 39 educativos. O curso por ele organizado dividia-se em duas partes: na primeira, tratava-se de uma introdução aos elementos formais abstratos11 e aos planos básicos [suporte material das imagens]; a segunda, por sua vez, abordava um programa de desenho analítico.12 Segundo Kandinsky, o objetivo desse método por ele proposto e praticado era desenvolver a competência de pensar, simultaneamente, em duas direções. Reconhecido por Gropius na condição de mestre da forma, Kandinsky era responsável pela oficina de pintura mural, local em que os estudantes poderiam investigar as relações que pudessem ser estabelecidas entre a percepção da forma e sua cor; pois, conforme um dos princípios da criação configurados no ensino da Bauhaus, a cor poderia alterar a percepção de uma forma [figura 6]. Verificava-se ainda que, se a cor fosse harmonizada com a forma, esta teria seus efeitos intensificados, ao passo que, se a cor não estivesse em harmonia com ela, esta se modificaria. Desse modo, é possível compreender, na proposta de Kandinsky, a presença dos princípios sugeridos pela teoria da Gestalt, teoria cujo tema central é a percepção, e, para os gestaltistas, a percepção da forma também está ligada ao estímulo promovido pela cor [figura 7]. Com o foco no desenvolvimento da capacidade de criação, o ensino na oficina de pintura mural era orientado pela teoria, e complementado por exercícios práticos rigidamente formulados, restringindo as possibilidades de soluções, mas, mesmo assim, garantindo a possibilidade de conseguir-se resultados distintos. 11 Onde se trabalhava a teoria das cores (cor isolada), a teoria das formas (forma isolada), a teoria das cores e das formas (relação cor-forma). 12 Consistia na descoberta das forças ou tensões regulares, que se podem descobrir nos objetos existentes, e da construção regular destas – educação para observação e reprodução das relações. figura 6. Ludwig Hirschfeld-Mack, 1922. Exercícios da classe de Wassiliy Kandinsky. Uso de superfícies coloridas para demonstrar os diversos efeitos espaciais das cores: um objeto escuro em um fundo claro parece menor que o objeto claro do mesmo tamanho em um fundo escuro. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 67 figura 7. Monika Bella Broner, 1931. Experimento de cor sobre formas secundárias da classe de Wassily Kandinsky. Através deste exercício os estudantes da Bauhaus tentavam encontrar cores correspondentes às formas intermediárias, de onde surgiu uma espécie de círculo de formas e cores. Fonte: DROSTE, Magdalena. Bauhaus 1919-1933. Itália: Taschen, 2002. p. 146 40 Para explorar melhor os processos de criação, Kandinsky iniciava seu curso pela teoria das cores, com o intuito “de conscientizar os estudantes de que a cor não é um dado absoluto [...], mas que sua natureza é relativa, e elas são altamente dependentes do contexto” [WICK, 1989, p. 284]. Conforme anteriormente observado, ele prosseguia as aulas com estudos da teoria das formas [Gestalt], da teoria das cores e das formas e encerrando o conteúdo com os planos básicos. O programa de desenho analítico [figuras 8 e 9] era constituído de três etapas ou, como os chamou Kandinsky, três estágios. O primeiro deles envolvia a representação formal sucinta, ou seja, a configuração de um esquema gráfico de um objeto complexo. O segundo abordava a explicação das tensões descobertas, de modo que ficasse indicada uma rede construtiva por meio de linhas; e o terceiro, por sua vez, consistia na simplificação de todo o complexo anteriormente visualizado, para que fossem alcançadas efetivamente suas partes constituintes. Kandinsky, assim como Gropius, defendia a ideia de que a uma escola superior de criação, como a Bauhaus, era imprescindível o conhecimento genérico acerca dos fundamentos sobre os quais se assentavam os processos da criação. a aprendizagem na oficina O segundo curso,realizado em oficinas de aprendizagem, consistia no estudo da forma, fundamentado nas questões envolvendo a natureza, a cor, o espaço, as composições, as estruturas e suas representações, os diversos materiais e ferramentas. Ao final dos três anos de sua duração, o aluno bem sucedido obtinha o diploma oficial de artesão. figura 8. Esquema gráfico de um salto da bailarina Palucca. Wassily Kandinsky, 1926. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. figura 9. Desenho analítico, produzido em uma aula de Kandinsky, 1928. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 303. 41 o estudo da construção O terceiro dos cursos era o de aperfeiçoamento, e tinha duração variável. Baseava-se no trabalho da teoria aplicada em atividades desenvolvidas em construções [no campo de provas da Bauhaus], e na produção em arquitetura. Em seu final, concedia-se ao aluno o diploma de mestre, o que estaria de acordo com a formulação de objetivos estabelecida por Gropius no manifesto de fundação da escola, no qual ele afirmava ser a construção o objetivo de toda atividade artística [WICK, 1989]. as proposições de Gropius Walter Gropius defendia um programa que unisse o ensino do artesanato ao ensino das artes industriais, capaz de formar jovens com um novo perfil, ou seja, que conhecessem e, por conseguinte, dominassem as técnicas de produção então modernas. Acerca desta ideia, Gillo Dorfles escreve: “efectivamente, Gropius [...] acreditava que, conjugando o ensino artesanal com o artístico e industrial, se podia criar o artista completo, capaz de dominar todos os sectores da produção” [2002, p. 26]. Diante da proposição de Gropius, que se definia pelo enfrentamento da experiência de conjugar o conhecimento do artesanato e o dos recursos da indústria, e pela compreensão das especificidades de produção de cada um deles, a Bauhaus assume, por meio de seus professores, uma postura diversa para seu trabalho. Nesse sentido, propõe um método pedagógico que privilegia, valoriza e promove o trabalho em grupo, na crença de que este possa levar o resultado a um grau de eficiência muito maior do que o trabalho feito individualmente. Gropius entende e argumenta em favor de que o indivíduo que participa de todas as etapas de produção certamente se tornará um trabalhador responsável e, mais que tudo, consciente. 42 É oportuno mencionar que todas as experiências propostas pelo programa da Bauhaus foram concretizadas devido à integração e à intensa contribuição de Gropius e de seus colaboradores e, ainda, pela participação, na pesquisa conjunta, de artistas, mestres de oficinas e alunos, levando a efeito as intenções de Gropius para com a Bauhaus desde sua fundação, no sentido de que a escola fosse democrática, e que todo o corpo docente adotasse a colaboração como um princípio gerador de coesão. O que se pôde confirmar com a presença de alunos recém-formados compondo o corpo docente da escola, quando esta já estava em sua segunda fase. Para Walter Gropius, a Escola da Bauhaus tinha, entre seus propósitos, educar os homens para que estes compreendessem o mundo em que viviam e, ademais, para que pudessem estabelecer relações entre conceitos e formas que simbolizassem esse mundo. Para tal, Gropius defendia a ideia de que as áreas de estudo deveriam ser abrangentes e avizinhar-se às demais áreas do conhecimento, com o único intuito de promover experiências interdisciplinares distintas. Gillo Dorfles13 questiona as condições disponíveis para alcançar esses objetivos, valorizando, contudo, a intenção e os resultados atingidos por Gropius: “Sabemos hoje que semelhante ideal „humanista‟ é quase impensável, sabemos que são necessárias outras bases – de caráter científico, linguístico, psicológico, filosófico – para permitir uma visão clara do problema; todavia, não podemos ignorar a eficácia do ensino de Gropius [...]”. 14 13 Gillo Dorfles nasceu em Trieste, na Itália, em 1910. Não obstante sua formação em Medicina é crítico de arte, pintor, filósofo e autor de numerosos ensaios sobre estética. Em 1948, funda o Movimento Arte Concreta, com Monnet, Soldati e Munari. Em 1954 passou a ser membro da seção italiana do grupo ESPACE, com Munari, Monnini, Reggiani e Veronesi. 14 DORFLES, Gillo. Introdução ao desenho Industrial. Lisboa: Edições 70, 2002, p. 26. 43 Gropius acreditava que as atividades de projeto deveriam definir-se mediante métodos de investigação. Que a combinação do trabalho conjunto com as experiências e os conhecimentos teóricos conformaria os fundamentos de projeto do produto, fosse ele uma mesa, um recipiente ou uma casa [figuras 10,11 e 12]. a consolidação e a mudança de objetivos No período compreendido entre 1922 e 1927 a contratação de Kandinsky, de Lázló Moholy-Nagy e de alguns jovens mestres fez que houvesse um fortalecimento das relações internas ao grupo e, portanto, se extinguissem as divisões partidárias comuns nos primeiros anos da escola. Os objetivos e a continuidade dos trabalhos foram assegurados, o que caracterizou esse período como uma fase de consolidação. A chegada do novo corpo de mestres exigiu a reordenação da estrutura organizadora da escola. A dupla formação dos jovens mestres [artística e técnica] levou a produção em série à condição de principal preocupação da escola, que foi aos poucos passando da elaboração de protótipos à produção para a indústria, e transformando-se assim num centro de produtivo, no qual o propósito principal era a criação de objetos altamente funcionais, com atributos estéticos e destinados a todas as figura 12. Monumento aos Caídos de Março em Weimar. Cimento. Walter Gropius,1921. Esta é a única escultura de Gropius, foi destruída no período hitleriano, e reconstruída após 1945. Fonte: WINGLER, Hans M. La Bauhaus. Weimar, Dessau, Berlin: 1919-1933. Barcelona: Gustavo Gili, 1980. p. 246 figura 10. Casa Gropius. Walter Gropius, 1938. Fonte: http://www.galinsky.com/buildings/gropiushouse/gropius3.jpg figura 11. Açucareiro. Walter Gropius, 1969. Fonte: http://www.writedesignonline.com/ history-culture/walter-gropius-sugar- bowl.jpg 44 categorias sociais, ou seja, que tivessem em todos os aspectos um custo reduzido. Para atender aos novos objetivos, a Bauhaus passava a estudar e a investigar com bastante rigor as questões diretamente ligadas à funcionalidade, bem como a possibilidade de aproximação deste conceito aos gêneros artísticos e artesanais. No ano de 1923, Gropius modifica a orientação do programa original, que valorizava principalmente os ofícios, passando a priorizar a produção direcionada para a indústria. Essa reorientação, em desacordo com o pensamento de alguns colaboradores, provoca a saída de parte deles, incluindo Johannes Itten. Ainda no ano de 1923, a escola inaugura sua primeira exposição [figura 13], na qual pôde mostrar ao público os resultados provenientes das atividades desenvolvidas por seus estudantes. Junto à exposição, acontecem conferências, concertos musicais, projeções cinematográficas e espetáculos de balé e teatro, entre muitos outros eventos. Em 1924 a situação econômica na Alemanha começa a melhorar, e a escola também pode avançar em suas atividades,expondo o pensamento e os métodos de ensino adotados, mediante a vasta atividade da Bauhaus no campo editorial, com a publicação de uma série de livros intitulada Bauhausbücher, coeditada por Gropius e Moholy-Nagy. Esse trabalho, uma ideia promocional de Moholy-Nagy, apresenta e divulga, tanto no mercado interno quanto no externo, títulos que explicitavam seus processos pedagógicos e os princípios que norteavam o movimento moderno em geral. No período que abrangeu os anos de 1925 a 1930, 14 livros foram publicados pela escola. figura 13. A primeira exposição, 1923 - o cartaz marcava a estréia de uma nova identidade da Bauhaus, com uma tipografia e um grafismo moderno, inspirados no construtivismo russo. Fonte: KENNEDY, Andrew. Madrid: Edimat Libros, 2008. p. 137 45 Moholy-Nagy, sem dúvida, trouxe várias contribuições para a Escola da Bauhaus, sendo um importante pedagogo da arte, que argumentava em favor da suposição de que a educação estética conduziria o homem a uma melhor compreensão de seu papel e de sua posição dentro do mundo moderno. Moholy-Nagy, assim como Itten, defendia a educação integral, acreditava que o primeiro ano de curso na Bauhaus servia para educar e amadurecer os sentidos, os sentimentos e o pensamento dos jovens, afastando-os, desta maneira, dos conhecimentos obtidos nas enciclopédias. No que diz respeito ao estudo das formas, Moholy-Nagy, afirmava que, antes de exercitar a observação pormenorizada da forma, é preciso adestrar o sentido tátil e óptico para a forma em questão. No início do curso preliminar, previa-se a elaboração de vários exercícios dirigidos a desenvolver o senso do tato e da visão, com base na utilização de materiais previamente selecionados, entre eles, os exercícios de construção tridimensional e de equilíbrio [figuras 14 e 15]. Em conformidade com o exposto, Rainer Wick15 afinal, esclarece que “o verdadeiro esforço pedagógico consistia em transferir para o domínio da percepção óptica esses valores sensitivos estabelecidos de maneira táctil em diferentes e exaustivos exercícios”. As montagens usadas nestes exercícios deveriam ser levadas para o desenho ou para a pintura, de modo que a representação se aproximasse ao máximo da realidade antes experimentada. Assim, o exercício aguçava a percepção sensorial e ao mesmo tempo treinava técnicas de representação. Moholy-Nagy propôs, para os exercícios cuja finalidade fosse a da construção tridimensional ou experimentação do espaço, uma investigação acerca de problemas relacionados à disposição e à aproximação de corpos no espaço mediante o 15 WICK, Rainer. op. cit., p. 203. figura 15. Estudo de equilíbrio utilizando a espiral para sustentar a construção, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. figura 14. Estudo de equilíbrio montado com base no peso específico de diferentes tipos de madeira, feito no curso preliminar de Moholy-Nagy, 1924. Fonte: WICK, Rainer. Pedagogia da Bauhaus. São Paulo: Martins Fontes, 1989. p. 213. 46 uso de planos e outras superfícies, incentivando a busca de soluções para problemas construtivos e, especificamente, favorecendo a prática da criação. Estreitando esses experimentos, Moholy-Nagy apresentou o que ele denominava os “cinco estágios da evolução da escultura” e também apresentou exercícios a respeito do equilíbrio compositivo. Tais exercícios tinham como objetivo possibilitar aos estudantes o conhecimento de elementos da estética visual, como massa, proporção e tensão - bem como pretendiam auxiliá-los a compreender algumas das características físicas do comportamento de diferentes materiais, como o peso e a resistência. A formação distinta do corpo docente da Bauhaus possibilitou a promoção de atividades com os mais diversos direcionamentos por meio de métodos distintos, já que os princípios e as experiências desses artistas docentes também eram distintas. Este dado foi importante na promoção de mudanças no trabalho de projetar, e para “estimular a imaginação”. Bürdek16 relata uma prática compartilhada por Josef Albers,17 pintor alemão [1888-1976], e Johannes Itten, pintor e escritor suíço [1888-1967]: “Desde el punto de vista metodológico tanto Albers como Itten adoptaron un método inductivo en la enseñanza de la creación, es decir, dejaron a los estudiantes buscar, probar y experimentar. De esta forma se fomentaba indirectamente la capacidad cognoscitiva” 18 [BÜRDEK, 1999, p. 28]. 16 BÜRDEK, Bernhard, E. Diseño. Historia, teoría y práctica del diseño industrial. 2 ed. Barcelona: Gustavo Gili, 1999. 17 Josef Albers nasceu em Bottrop, na Alemanha, em 19 de março de 1888. Estudou arte em Berlim, Essen e Munique e morreu em 26 de março de 1976, em New Haven, Estados Unidos. Foi autor de teorias de projeto, pintor abstracionista, designer, tipógrafo e docente na Bauhaus, em que sua mais importante contribuição se deu no curso preliminar. 18 Do ponto de vista metodológico, tanto Albers como Itten adotaram um método indutivo no ensino da criação, isto é, deixaram os estudantes procurar, provar e experimentar. Desta forma se estimulava indiretamente a capacidade cognitiva. Tradução livre da autora. 47 Josef Albers dizia ter por base uma metodologia educativa, e não de fabricação. O contato com o material é, sem dúvida, um dos principais aspectos de seu trabalho artístico na Bauhaus. Albers privilegiava a educação que objetivava a economia de material, reforçando uma atitude racional. Em sua opinião, o não desperdício implicava disciplina e estava ligado ao dispêndio exato do trabalho, que, por sua vez, conduzia à ênfase na beleza. Albers promovia exercícios aos quais definia como atividades de adestramento do pensamento construtivo e da atuação econômica, em que os estudantes deveriam respeitar e utilizar o material por ele indicado de modo sensato, levando em conta as características deste. Os trabalhos, em sua maioria, eram baseados nos princípios do pregueado e da dobradura, e cada elemento da construção deveria atuar, a um só tempo, como ajudante e ajudado [figuras 16 e 17]. Para Albers, a limitação e as restrições externas impostas por ele proporcionavam uma série de possíveis soluções, mas somente, para as “pessoas criativas” [figura 18]. Dessa maneira, o corpo teórico se formava com o auxílio dos conhecimentos que eram extraídos da análise e da discussão dos experimentos criados. Gropius acreditava que os resultados obtidos por meio dessas novas proposições consolidavam, cada vez mais, os métodos de ensino promovidos pela Bauhaus, como também consolidavam mudanças no que diz respeito à concepção de projeto, à concepção da arquitetura e à concepção do design. O projeto passava a ser concebido como uma série contínua e ordenada de ações, e as experiências deste tornavam-se com o tempo um corpo contínuo de vivências que poderiam colaborar entre si, dar suporte e solidificar seus resultados. figura 18. Gustav Hassenplflug, 1928. Trabalho em papel realizado no curso preparatório de Josef Albers. Mediante cortes e arcos, o papel se sustenta por si mesmo. Nenhum pedaço da folha de papel é descartado, formas positivas e negativas fazem parte da solução formal válida, concebida também como „ilusão
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