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ANGÚSTIA E DOR NA MELANCOLIA

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1 
ANGÚSTIA E DOR NA MELANCOLIA 
Bruna Alvares Lunardelli 
Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto 
 
ANGÚSTIA E DOR NA MELANCOLIA 
 
Bruna Alvares Lunardelli
1
 
Gustavo Adolfo Ramos Mello Neto
2
 
 
 
Resumo 
Trata-se de um estudo psicanalítico teórico, que tem por objetivo discutir, na teoria 
freudiana, a angústia e a dor presentes na melancolia. O trabalho do luto, presente na 
melancolia é patológico e incompleto, além de doloroso. A dor, como afeto 
desprazeroso decorrente de um excesso de excitação, é reação ante a perda do objeto, 
em que o psiquismo se empenha no trabalho de desmanchar os laços de ligação com 
esse objeto perdido, que foi transportado para dentro do ego, empobrecendo-o, em uma 
“hemorragia” psíquica. Tem-se a dor psíquica, que dispara a reação de angústia frente 
ao perigo da perda de objeto. No entanto, tal perigo caracteriza-se mais pelo perigo de 
morte do ego – por conta da identificação do ego com o objeto perdido –, do que apenas 
do objeto, como nos neuróticos. Trata-se da angústia de morte, no conflito entre ego e 
superego, aparecendo como angústia moral nos melancólicos. 
Palavras-chave: Melancolia. Luto. Dor. Angústia. Psicanálise. 
 
 
Abstract 
It is a psychoanalytic and theoretical study, which aims to discuss, in Freudian theory, 
the angst and pain present in the melancholy. The work of mourning, presente in 
melancholy is pathologic and incomplete, and also painful. Pain, unpleasant affect as a 
result of excess excitation, is reaction to the loss of the object, in which the psyche is 
engaged in the work of cutting up the bonds of connection with the lost object, which 
 
1
 Mestranda do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá, na linha 
de pesquisa “Psicanálise e Civilização”; Especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica, pela 
Universidade Estadual de Londrina. 
2
 Professor doutor da graduação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, da Universidade 
Estadual de Maringá. 
 
 2 
was transported into the ego, impoverishing it, in a "bleeding" psychic. It is a psychic 
pain, which triggers the reaction of angst against the danger of loss of object. However, 
this danger is characterized more by the risk of ego’s death – because of the ego's 
identification with the lost object – than just of object’s death, as in neurotics. It is the 
fear of death, in a conflict between ego and superego, appearing as the melancholy 
moral angst. 
Keywords: Melancholy. Mourning. Pain. Angst. Psychoanalysis. 
 
1. Introdução 
“Donde vem esse sol negro? De que galáxia insensata seus raios invisíveis e 
pesados me imobilizam no chão, na cama, no mutismo, na renúncia?”. Julia Kristeva 
(1989, p.11) nos coloca, com suas indagações, frente ao sofrimento e a devastação que a 
melancolia traz consigo. Em seu livro, a respeito da depressão e melancolia, a autora 
caracteriza esses quadros como um sol negro, luz sem representação, instância sem 
presença, em que o abismo de tristeza e dor incomunicável que absorve o melancólico, 
o faz perder o gosto pelas palavras, pelos atos e pela própria vida. Qualquer golpe, 
derrota ou dificuldade funciona como gatilho de disparo melancólico para uma vida 
impossível de ser vivida, carregada de aflições, desespero e temores, às vezes incolor e 
vazia também. Tal acontecimento é, geralmente, desproporcional à catástrofe interna 
que ele dispara. 
Tanto na fase melancólica, de inibição e assimbolia, de acordo com Kristeva 
(1989), quanto na maníaca, de exaltação, que caracterizam essa patologia, o que está em 
jogo nesses pacientes é a dificuldade de elaboração das perdas, com as quais nos 
deparamos durante toda nossa vida, inúmeras vezes. Portanto, tais pessoas sofrem e 
fazem sofrer em todas as esferas de relacionamento, tanto social, familiar e amoroso, 
quanto profissional. 
Ao acompanhar pacientes melancólicos e maníacos e seus familiares, na minha 
experiência clínica e de atuação em saúde mental, deparei-me com intenso sofrimento e 
desespero, tanto por parte dos pacientes, familiares, quanto da equipe técnica que os 
atendia, sofrimento e desespero meu inclusive. Tais situações são aflitivas, extenuantes, 
mobilizam emoções intensas e levam todos os envolvidos ao limite de suas forças. 
Desde Aristóteles, a melancolia é vista como estado enigmático, de intensa 
tristeza e medo, como um quadro obscuro de doença da alma, desenvolvido a partir de 
distúrbio somático, que afeta os indivíduos excepcionais, de caráter e conduta excelente, 
 3 
com um tipo específico de temperamento ou índole natural. Na Idade Média, em meio a 
tantas questões religiosas, a melancolia passou a ser considerada uma atitude pervertida 
e pecaminosa, sinônimo de abatimento e tristeza por indolência, preguiça, desleixo 
(Berlinck, 2008). 
Foi com Freud, segundo Berlinck (2008), que a melancolia passou a ocupar o 
lugar de acontecimento inteiramente psíquico, como perda irreparável, escondida nas 
profundezas do inconsciente. Foi a partir dos estudos freudianos que a compreensão da 
melancolia e da mania começou a ser elucidada. 
Esse trabalho visa abordar a melancolia do ponto de vista freudiano, com o 
objetivo de iniciar uma discussão a respeito da angústia e da dor presente nesses 
quadros. Quando um paciente melancólico relata dor, de que dor se trata? E a angústia? 
Trata-se de angústia como a que está presente nas neuroses? Como se mostra a angústia 
em um paciente calado, triste, vazio, apático, que por vezes fica falante, eufórico, 
agitado, cheio de energia? Para isso, iniciaremos pelas definições. 
 
2. A melancolia 
Para Freud (1917/1996), a melancolia consiste em um desânimo, com perda de 
interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, diminuição ou inibição de 
toda e qualquer atividade e uma diminuição da autoestima a ponto de encontrar 
expressão em autorrecriminações. Em concomitância, estão presentes os sintomas de 
anorexia, insônia, e um marcante sentimento de culpa, bem como a possibilidade de 
suicídio. A melancolia possui outra fase, com a qual pode geralmente se alternar, com 
traços opostos aos seus, a mania. Esta fase é caracterizada por sentimentos de alegria, 
triunfo ou exultação, de autossatisfação, maior disposição para qualquer tipo de ação 
devido à maior quantidade de energia, desinibição, humor jocoso, busca voraz por 
novas catexias objetais que se traduz em maior sociabilidade, perda de autocrítica, de 
sentimentos de consideração pelos outros e de autocensuras. 
Laplanche (1980/1993) nos lembra de que Freud toma a melancolia em um 
sentido muito preciso, psicopatológico, de psicose. Além disso, considera a alternância 
com a mania o aspecto mais notável da melancolia, e que permite, segundo Laplanche, 
confirmar hipóteses referentes justamente à melancolia. 
Em relação aos processos psíquicos descritos por Freud (1917/1996), em Luto e 
Melancolia e envolvidos na melancolia, encontra-se, em um primeiro momento, uma 
perda objetal que engendra no ego trabalho psíquico semelhante ao do luto. 
 4 
Por meio da conhecida analogia que faz do luto com a melancolia, de acordo 
com Laplanche (1980/1993), Freud – ao esclarecer um estado patológico através de um 
estado normal que guarda relação com o primeiro – dá destaque à noção de objeto, à 
questão de sua escolha e ao problema de sua perda, que será o ponto de partidapara o 
estudo da melancolia. O luto remete a considerações a respeito da solidez do vínculo 
com o objeto e ao que acontece quando esse vínculo é posto à prova, indicando que o 
processo, ou trabalho do luto, como designa Freud, é vagaroso, não se constituindo em 
um desprendimento imediato do objeto perdido. 
O quadro da melancolia é em grande parte idêntico ao do luto, diferenciando por 
ser mais acentuado e por apresentar um aspecto a mais: a característica da autoacusação, 
“um delírio moral, um delírio centrado na questão da culpabilidade” (Laplanche, 
1980/1993, p. 298). 
Uma perda objetal irá despertar um estado melancólico, e não de luto, se o 
indivíduo apresentar as três precondições da melancolia apontadas por Freud 
(1917/1996): (1) perda do objeto, com o qual o relacionamento foi marcado por intensas 
(2) ambivalências, ainda que inconscientes, e um conseqüente recolhimento da libido 
objetal, que por meio da regressão, retorna ao ego, isto é, ao (3) narcisismo. 
Tal perda é mais complexa e bem menos evidente do que no quadro patológico 
do luto, e pode ser desencadeada pelo luto de uma perda efetiva de um objeto amado, ou 
não, apenas uma perda no campo do ideal. Pode ocorrer, também, a partir desse luto, um 
estado maníaco e não melancólico, fato muito comum e passível de ser observado em 
clínicas psiquiátricas, confirmando a relação da mania e da melancolia com a perda de 
objeto. 
No entanto, na melancolia o sujeito não se dá conta inteiramente de sua perda, 
no sentido de que ele sabe quem perdeu, mas não o que perdeu nessa pessoa. Laplanche 
(1980/1993) esclarece que o sujeito ignora qual era seu tipo de vínculo com o objeto 
perdido, e o que ele realmente deplora na ruptura desse vínculo, apontando dois 
aspectos desconhecidos, pelo sujeito, do vínculo: um aspecto ambivalente e outro 
narcísico. 
Laplanche destaca que é nesse ponto de vínculo narcísico que Freud insistirá 
para a caracterização da melancolia, ao perceber que, na verdade, as autoacusações do 
melancólico não se dirigem a ele, mas sim ao objeto perdido com o qual se encontra 
narcisicamente identificado, uma vez que, segundo Freud (1917/1996), o objeto perdido 
foi eleito pela escolha objetal narcísica. 
 5 
Nesses indivíduos, ocorrerá, inicialmente, uma fase de melancolia, na qual a 
catexia do objeto externo será abandonada, já que possui baixo poder de resistência 
devido ao narcisismo aumentado do indivíduo, tornando frágeis e instáveis suas 
relações objetais. Essa libido retirada do objeto será voltada ao interior do psiquismo 
mediante a introjeção desse objeto abandonado no mundo externo, a fim de que esta 
relação não seja definitivamente terminada, em uma negação da perda dolorida. O 
retorno da libido é possibilitado por uma regressão da pulsão, que volta ao estado 
narcísico elegendo seu ego como objeto. A organização libidinal correspondente ao 
narcisismo é a fase oral, à qual o indivíduo é remetido durante o processo de regressão. 
A partir dessa fase, o indivíduo vai introjetar o objeto pela incorporação, modo libidinal 
de relação objetal pertencente à fase oral em que se encontra, mais especificamente, à 
fase oral canibalista, com predomínio da fantasia de devorar o objeto. Tal devoramento, 
com liberação das tendências sádicas sobre o objeto, e a ambivalência pré-existente, 
aumenta os sentimentos de culpa do ego. 
Laplanche (1980/1993) ressalta que Freud destaca que há uma perda de objeto 
no luto, já na melancolia há uma perda do ego, que ocorre devido a uma identificação 
com o objeto perdido, possibilitada pelos vínculos narcísicos e ambivalentes que 
estabeleceu com ele. Quando a retirada de investimentos sobre esse objeto é 
impulsionada pela sua perda, fica evidente a fragilidade do vínculo com tal objeto, 
porém mostra-se a fixação característica da escolha narcísica, em que o amor pelo 
objeto é deixado de lado, mas o próprio objeto não é, sendo então carregado, no 
momento da retirada, para o interior do ego do próprio indivíduo. Isso é possível uma 
vez que há uma identificação, que passa da escolha narcísica para uma identificação 
narcísica; e da perda do objeto para uma identificação com o objeto perdido. 
Quando o ego introjeta o objeto por meio da incorporação, identifica-se 
narcisicamente com ele, alterando-se à forma do objeto. Porém o ego, sendo um 
desenvolvimento a partir do id, conforme Freud (1917/1996) descreveu, possui também 
dentro de si estruturas que dele se originaram, como o superego e o ideal do ego, que é, 
por sua vez, subestrutura do superego. O ego, ao se alterar após a identificação ocorrida, 
desperta todas as objeções do superego e do ideal de ego, objeções essas que se dirigiam 
originalmente ao objeto, mas não foram feitas por medo de perder tal objeto ou de 
provocar a raiva do mesmo, levando ao abandono por parte deste. Esse é o retorno ao 
próprio ego dos impulsos hostis inicialmente dirigidos ao objeto, constituindo-se, 
 6 
também, em uma utilização defensiva de uma vicissitude pulsional normal (Laplanche 
& Pontalis, 1967/2001). 
É possível que a identificação, com a subsequente sublimação e dessexualização 
características, ocasione a desfusão das pulsões de vida e de morte no interior do 
aparelho psíquico, e reabasteça o superego de pulsão de morte. Esta instância já é o 
lugar por essência da destrutividade, uma vez que ela mesma foi formada a partir da 
introjeção e identificação com os pais, e possui toda a agressividade entrincheirada em 
si. 
Também, a introjeção da ambivalência se impõe ao ego por meio das pulsões 
sádicas agora dirigidas a ele. Um vínculo ambivalente é uma relação feita de amor e 
ódio ao outro, coexistindo essas pulsões antagônicas em toda relação com o objeto. O 
protótipo mais primitivo de relação ambivalente é a noção de canibalismo. Um modo de 
relação oral, que consiste em um movimento único de amor e destruição do objeto para 
ingeri-lo. Em termos psíquicos, “e, no movimento em que ele é ingerido, é ao mesmo 
tempo conservação do objeto no interior de si; é o que chamamos incorporação. É ainda 
apropriação das qualidades do objeto, ou introjeção dessas qualidades” (Laplanche, 
1980/1993, p. 303). 
Laplanche (1980/1993) complementa ainda Freud, ao concluir que na 
melancolia o objeto perdido é introjetado como um objeto mau, uma vez que nesse 
processo de introjeção é clivado e introjetado sob a sua forma má, devido à influência 
da relação ambivalente com ele. Por meio da identificação narcísica, o objeto 
introjetado na sua parte má passa a fazer parte do ego. Pelas pulsões ambivalentes de 
amor e ódio, o ego torna-se alvo das pulsões sádicas, que tenta fazer sofrer essa parte 
má. Assim, a tendência ao suicídio seria um modo do indivíduo de separar-se do outro 
mau que está dentro de si, sendo um assassinato do outro e não de si próprio. 
Desta situação resultam os sentimentos de culpa do melancólico, bem como os 
delírios de inferioridade e as autorrecriminações, pois agora é o superego que 
abertamente hostiliza o ego, fato que o ego mantinha inconsciente em relação ao objeto. 
Percebe-se, com isso, uma luta dentro do sujeito entre um acusado e um 
acusador. Conforme Laplanche (1980/1993), essa oposição é descrita por Freud como 
uma clivagem no ego, que agora modificado pelo objeto identificado a ele, entra em um 
embate contra o superego. Tem-se, então, que na melancolia, “o superego persegue o 
ego, um ego que está identificado com um objeto mau” (Laplanche, 1980/1993, p. 312). 
Ainda, de acordo com o autor, o discurso ou as palavras dos pacientes melancólicos 
 7 
provêm da posição subjetiva do superego perseguidor: “o melancólico não está apenas 
empoleirado na posiçãodo superego; ele é autoperseguidor mas também parcialmente 
perseguido.” (p. 314). Sujeito autoperseguidor pela posição subjetiva do superego, 
perseguido a partir da posição do ego. 
A respeito do superego, Laplanche expõe que, na época das formulações de 
Freud sobre luto e melancolia, ele ainda não era denominado como tal, mas já ocupava 
um lugar de instância de censura ou consciência moral. Sua realidade é atestada em 
fenômenos patológicos e de regressão – psicóticos como a melancolia, na qual 
desempenha relevante papel –, que isolam a instância da consciência, individuando-se 
como uma voz que exprime, alucinatoriamente, descrições e comentários dos atos e 
pensamentos do doente. É, portanto, uma instância que observa e se posiciona com uma 
tonalidade crítica, medindo o desempenho do sujeito, em comparação com um ideal a 
ser alcançado, do qual ele é guardião. Laplanche (1993) aponta que o fato de se tratar de 
uma voz revela a gênese dessa instância, tal como sugere Freud: trata-se da voz dos 
pais, que incitaram com seu narcisismo a formar o ideal do ego da criança. “O próprio 
ideal narcísico da criança é o reflexo – ou a projeção – do ideal de onipotência 
(debilitado) que os pais projetam nela” (Laplanche, 1993, p.289). 
Com isso, a ênfase do psiquismo, mediante um rearranjo econômico, é retirada 
do ego e transferida para o superego. No conflito que se estabelece entre essas duas 
instâncias, o ego fragilizado pode ser até levado ao suicídio pela tirania do superego e 
por toda a pulsão de destrutividade dirigida a ele. Nesse ponto, Freud explica que pode 
ser que o trabalho interno da melancolia abandone de vez o objeto internalizado, ou que 
a fúria contra o mesmo se dissipe, e a crise vá embora do mesmo jeito que se iniciou. 
Pode-se afirmar que outro desfecho seria inevitavelmente o suicídio, enquanto outra 
possibilidade seria a negação, novamente, da realidade interna desagradável da 
melancolia, resultando em um quadro de mania, totalmente oposto ao da melancolia, e 
uma reação defensiva a esse. 
O estado maníaco é possibilitado, à luz da psicanálise, pela regressão da libido 
ao narcisismo, uma vez que encerrado o conflito da melancolia, a energia utilizada 
ligada ao conflito conflui livre para o ego inundando-o, resultando na excessiva energia 
que caracteriza os processos de mente maníacos. O conflito da melancolia, quando se 
transforma em mania, pode decorrer do fato de o ego dominar ou ignorar os conflitos 
intrapsíquicos, em atitude de negação, e derivar daí sua sensação de triunfo sobre o 
superego. Pode, também, ser resultante da abolição temporária e necessária descrita por 
 8 
Freud das tensões entre as instâncias psíquicas, dissolvendo o superego e ideal do ego 
novamente no ego, situação que faria o ego coincidir com seus modelos e obter 
satisfação narcísica, como na infância, recuperando toda a onipotência perdida. 
 
3. Luto, angústia e dor e os quadros melancólicos 
Sabemos que a melancolia é um quadro psicopatológico que engloba aspectos do 
trabalho do luto, vivências de angústia e dor. O estado de luto caracteriza-se, segundo 
Freud (1917/1996), por um conjunto de reações à perda de um ente querido ou a alguma 
abstração substituta a esse ente, como, por exemplo, o país, a liberdade, o ideal de 
alguém, entre outras. Isso normalmente faz irromper a situação de luto normal, 
entretanto, em alguns casos de pessoas com uma predisposição patológica, manifesta-se 
a melancolia no lugar do luto normal. A comparação que Freud faz entre a melancolia e 
o luto é justificada também pelo fato de que as características da melancolia coincidem 
com estado de luto, exceto uma delas, a alteração na autoestima, presente apenas na 
melancolia. 
A reação de luto desperta sentimentos penosos como perda de interesse pelo 
mundo externo – já que o objeto não se encontra mais lá – perda da capacidade de amar, 
pois adotar um novo objeto significa substituir o antigo, e o afastamento de atividades 
que não estejam ligadas a pensamentos a respeito do mesmo. Essa inibição e diminuição 
de atividades expressa a exclusiva devoção do ego ao trabalho do luto, que o consome 
por um determinado tempo, sem sobrar energia a outros objetivos e interesses (Freud, 
1917/1996). 
Embora o luto seja um grave afastamento do que constitui atitude normal e 
esperada no tocante a vida, não é considerado condição patológica que necessite de 
tratamento médico, uma vez que será superado após um certo tempo, sendo inútil ou 
prejudicial qualquer interferência no que concerne a esse processo normal e necessário 
(Freud, 1917/1996), ao contrário da melancolia, uma condição notavelmente patológica. 
O trabalho psíquico realizado no luto ocorre por meio do teste da realidade, que 
revela ao psiquismo que o objeto amado não existe mais, passando a retirar toda a libido 
das ligações com este objeto. Tal retirada encontra intensa oposição, já que, segundo 
Freud (1917/1996), as pessoas nunca abandonam de maneira fácil uma posição ou 
objeto libidinal, nem quando já possuem um substituto em vista. Essa oposição faz com 
que haja um desvio/negação da realidade e um apego ao objeto perdido, por uma 
transitória “psicose alucinatória carregada de desejo” (p.250), porém, a realidade 
 9 
prevalece no final do processo. Vagarosa e lentamente, com elevado dispêndio de 
energia catexial, cada uma das lembranças e expectativas por intermédio das quais a 
libido estava ligada ao objeto é evocada, hipercatexizada, e desligada, cada uma a sua 
vez, prolongando psiquicamente nesse tempo a existência do objeto que se perdeu. Ao 
final dessa tarefa penosa, o ego fica outra vez livre e desinibido para investir em outros 
objetos da realidade. 
O trabalho do luto é doloroso. Freud define a dor de maneiras diferentes ao 
longo de sua obra. De modo geral, segundo Berlinck (1999 citado por Silva, 2007), a 
psicanálise permite concluir que a dor é uma manifestação da vida da espécie humana e 
se refere a um excesso próprio da pulsão. Silva (2007) refere que Freud pensava a dor, 
em um primeiro momento, como a face aparente da excitação não assimilada no 
passado e, posteriormente, como parte da natureza pulsional do homem. 
A dor, afeto desprazível com tendência à descarga, é descrita por Freud 
(1895b/1996) como uma invasão, ruptura, dos protetores ou para-excitações que 
protegem o organismo da excitação externa. Esse acréscimo de excitação é sentido 
como desprazer, que precisa ser descarregado, percorrendo um caminho que se torna 
facilitado, isto é, memorizado sem resistências, criando um elo entre descarga e 
imagem-recordação do objeto provocador de dor, cuja vivência pode ser posteriormente 
reproduzida na ausência do objeto que a provocou. 
Segundo Ramos (2003) a dor, nessa ocasião é explicada como uma ruptura de 
barreiras, uma implosão, que serve de modelo e também impulsiona o recalcamento. 
Após 1926, em que Freud reformula a teoria da angústia, Ramos (2003) afirma que a 
explicação dada a dor será basicamente a mesma, porém o estado afetivo de desprazer 
envolvido no recalcamento será a angústia, tornando a diferenciação entre esses dois 
estados – dor e angústia – pouco satisfatória. 
A angústia, por sua vez, também apresenta modificações no desenvolvimento da 
teoria freudiana. Freud a define, nos anos 1890, como um impulso libidinoso com 
caráter de desprazer, sendo subproduto indesejável da sexualidade, alheio ao psíquico, 
portanto, não representável, não simbolizável pelo indivíduo (Ramos, 2003). 
A primeira teoria coloca a angústia como angústia tóxica ou de pulsão, conforme 
Ramos (2003), na qual a angústia seria a libido não ligada, inutilizada, transformada por 
e resultantedo recalcamento. Novamente vê-se a questão econômica do desprazer 
ligada ao excesso, excesso de libido transformada e não ligada, a pulsão com sua 
própria energia causando o afeto de angústia. Já a segunda teoria coloca a angústia 
 10 
como reação ao perigo – perigo interno pulsional e externo – como sinal para o eu 
desencadear mecanismos defensivos de proteção, como o recalcamento, e não resultante 
dele, como na primeira formulação. O perigo a que se refere a teoria freudiana é a 
possibilidade de perda do objeto amado, sendo a situação do nascimento, exemplo de 
separação primeira, o protótipo de situações de angústia. 
Tais definições não são totalmente esclarecedoras, há que se diferenciar entre os 
estados de luto, dor e angústia para compreendê-los melhor. Para Freud (1926/1996), 
esses três estados são decorrentes e reativos a uma perda - separação do objeto, ou à 
expectativa dela. Porém, o que os diferencia? “A dor é assim a reação real à perda de 
objeto, enquanto a ansiedade [angústia] é a reação ao perigo que essa perda acarreta e, 
por um deslocamento ulterior, uma reação ao perigo da perda do próprio objeto.” 
(Freud, 1926/1996, p.165). Segundo Ramos (2003), na angústia, a perda acarreta um 
desvalimento físico e psíquico, devido à expectativa de desamparo e trauma que a 
acompanha. Porém, ainda para o autor, dor e angústia, ambas como resposta ao trauma, 
continuam indiferenciadas do ponto de vista econômico. 
Já o luto, como dito anteriormente, ocorre sob influência do teste de realidade, 
que força a pessoa desolada separar-se do objeto, uma vez que esse não mais existe. No 
trabalho de luto, efetua-se a retirada de catexias dirigidas ao objeto perdido, trabalho 
esse doloroso por conta da necessidade de desfazer todos os laços anteriormente ligados 
ao objeto. Que qualidade de dor é essa? 
 
4. Dor psíquica e angústia moral no sofrimento melancólico 
A dor presente na melancolia, bem como no luto, é uma dor psíquica, em 
contraposição à dor física. Freud (1895a/1996) discorre sobre a dor ao explicar os 
principais efeitos da melancolia: inibição psíquica, com empobrecimento pulsional, 
portanto dor e o respectivo sofrimento. Isso ocorre devido ao fato do psiquismo se 
deparar com uma grande perda da quantidade de sua excitação, podendo ocorrer uma 
“retração para dentro” (p.252) na esfera psíquica, que produz juntamente sucção das 
excitações adjacentes a essas. Os neurônios associados são obrigados, portanto, a 
desfazer-se de sua excitação. Desfazer associações, segundo Freud, é doloroso, então tal 
situação produz sofrimento, como no trabalho de luto. Com isso, há um 
empobrecimento de excitação, uma “hemorragia interna”, nas palavras do autor (p.252), 
que se manifesta em outras pulsões e funções, de forma inibidora, como uma “ferida”. 
 11 
A contrapartida deste estado é a mania, na qual o excesso de excitação se expande até os 
neurônios associados. 
Em 1926, Freud (1926/1996) retorna a uma explicação da dor, utilizando, de 
certa forma, esta descrita acima, ao afirmar que na dor física ocorre uma catexização 
narcísica do ponto doloroso. Essa catexização esvazia o ego, por consequência. Nas 
sensações de dor mental ou psíquica ocorre o mesmo processo, porém no lugar de 
catexia narcísica, tem-se a catexia objetal: o objeto do qual se sente falta ou foi perdido 
é altamente catexizado e cria as mesmas condições de dor que se acha concentrada na 
parte machucada do corpo. O alto nível de catexia e ligação que acontece nesse 
processo conduz a um sentimento de desprazer, ao mesmo tempo que retira do ego boa 
parte de sua energia. Podemos complementar, a partir da explicação de 1895 acima 
descrita, que a dor envolvida no luto se relaciona a essa elevada catexia do objeto 
perdido e sua posterior retirada, desmanchando os laços de ligação objetal, o que 
também ocorre na melancolia, exceto o fato de que tais ligações são transportadas pra 
dentro do psiquismo juntamente com o objeto, porém empobrecem e desamparam o 
ego, escapam como em uma hemorragia, concentrando-se de maneira crescente e 
contínua em torno do objeto. 
Tanto desamparo dispara a reação de angústia frente ao perigo da perda de 
objeto. No entanto, tal perigo caracteriza-se, na melancolia, muito mais pelo perigo de 
morte do ego e consequente perda do objeto, do que apenas pelo objeto, como nos 
conflitos neuróticos. Trata-se da angústia de morte descrita por Freud (citado por 
Ramos, 2003), como “uma situação em que o eu sofre um intenso rebaixamento de 
investimento libidinal, abandonando-se a si mesmo do mesmo modo que abandona um 
objeto, desinvestindo-o.” (p. 105). Tal angústia se dá entre ego e superego, pois o ego se 
sente odiado pelo superego e se abandona, como no conflito melancólico explicitado 
por Freud. 
Segundo Ramos (2003), a angústia de morte pode ser compreendida no mesmo 
plano da angústia moral: como um processamento da angústia de castração, pela ameaça 
de perda e separação do pai e da mãe protetora, na luta entre ego e superego. A ameaça 
de castração advinda do complexo ideal de ego – superego, que fundamenta a aquisição 
da consciência moral, deriva, nesse conflito, a angústia moral presente nos quadros 
melancólicos e tão esbravejadas por eles em seus discursos e delírios 
autorrecriminatórios. 
 
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Referências 
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