Buscar

Filosofia da Física Clássica

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 63 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

FLF0472 – Filosofia da Física 
 (2o sem. 2008) 
 
 
 
 
Filosofia da Física Clássica 
 
 
Osvaldo Pessoa Jr. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Curso ministrado pelo Depto. de Filosofia, FFLCH, USP 
para o 3o ano de Licenciatura de Física, IFUSP. 
 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) 
 
 ii
 
Sumário 
 
 
Cap. I. FILOSOFIA DA MATEMÁTICA 
 Como explicar a importância da matemática nas ciências naturais? 
 1. A Desarrazoada Efetividade da Matemática 1 
 2. A Matemática na Grécia Antiga 1 
 3. Os Postulados de Euclides 2 
 4. Questão Ontológica: Existem Objetos Matemáticos? 3 
 5. Questão Epistemológica: Números Imaginários se aplicam à Realidade Física? 4 
 6. Noções de Continuidade 5 
 7. Existe o Infinito? 6 
 
Cap. II. PARADOXOS DE ZENÃO 
 O espaço e o tempo são contínuos ou discretos? 
 1. Pano de Fundo de Zenão 7 
 2. Paradoxos do Movimento 8 
 3. Paradoxos da Pluralidade 8 
 3. O Holismo Aristotélico 10 
 4. Visão Moderna dos Paradoxos 11 
 5. Espaço e Tempo Discretizado na Gravidade Quântica 12 
 
Cap. III. FILOSOFIA MECÂNICA 
 Como explicar a gravidade sem forças à distância? 
 1. Hilemorfismo e a Física Aristotélica 13 
 2. Atomismo Greco-Romano 14 
 3. Naturalismo Animista 15 
 4. A Filosofia Mecânica 16 
 5. A Física e Cosmologia de Descartes 16 
 6. Explicação da Gravidade segundo a Filosofia Mecânica 18 
 7. Teoria Cinética da Gravitação 19 
 
Cap. IV. CONCEPÇÕES REALISTA E INSTRUMENTALISTA DE “FORÇA” 
 A ciência deve apenas descrever o que é observável ou deve lançar 
hipóteses sobre a realidade que estaria por trás dos fenômenos? 
 1. Mecanicismo com Forças à Distância 21 
 2. Definições e Leis no Principia 22 
 3. A Natureza da Força 24 
 4. Realismo, Instrumentalismo, Descritivismo 25 
 5. Realismo e Anti-Realismo em Newton 27 
 
Cap. V. EXPERIMENTO DO BALDE E ESPAÇO ABSOLUTO 
 O espaço e o tempo são absolutos ou relativos? 
 1. Há Juízos Sintéticos A Priori? 28 
 2. Referenciais Inerciais e Não-Inerciais 29 
 3. O Experimento do Balde 29 
 4. A Defesa do Espaço Relativo 31 
 5. Princípio de Mach e a Teoria da Relatividade Geral 32 
 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) 
 
 iii
Cap. VI. DETERMINISMO E PROBABILIDADE (versão preliminar) 
 A natureza é determinista ou há eventos sem causa? 
 1. Determinismo e Previsibilidade 34 
 2. O Demônio de Laplace 34 
 3. Probabilidade 35 
 4. Definições de Aleatoricidade 36 
 5. Caos Determinístico e Sensibilidade a Condições Iniciais 37 
 
Cap. VII. PRINCÍPIOS DE MÍNIMA AÇÃO 
 Qual é o lugar das causas finais na física (e na ciência)? 
 1. Paradigmas e Programas de Pesquisa 39 
 2. Programas de Pesquisa Rivais na Mecânica Clássica 40 
 3. Princípios de Mínima Ação 42 
 4. Causas Finais na Física 44 
 
Cap. VIII. AXIOMATIZAÇÃO DA MECÂNICA CLÁSSICA 
 Por que e como axiomatizar as teorias físicas? 
 1. Contexto da Descoberta e Contexto da Justificação 45 
 2. Discussão dos Princípios Newtonianos no Séc. XIX 45 
 3. Críticas ao Método de Mach 47 
 4. Axiomatização das Teorias Matemáticas 48 
 5. Axiomatização Dedutivista da Mecânica Clássica 49 
 6. O Debate entre Axiomatizações Empiristas e Dedutivistas 51 
 
Cap. IX. A ONTOLOGIA DO ELETROMAGNETISMO 
 Quais conceitos do eletromagnetismo correspondem a entidades reais? 
 1. Critérios para estabelecer o que é Real 53 
2. Ampère e o Magnetismo como Epifenômeno 54 
 3. Forças Magnéticas violam o Princípio de Ação e Reação? 56 
 4. Campos e a Ação por Contato, ou Localidade 57 
 5. O Potencial Vetor é um Campo? 58 
 6. Invariantes da Teoria da Relatividade 60 
 
Cap. X. CONTEXTO DA DESCOBERTA DO ELETROMAGNETISMO 
 Qual é o papel das imagens e das analogias na ciência? 
 
Cap. XI. TERMODINÂMICA E ENERGÉTICA 
 A lei de conservação de energia é uma convenção? 
 
Cap. XII. MECÂNICA ESTATÍSTICA E IRREVERSIBILIDADE 
 Qual a origem da irreversibilidade dos fenômenos macroscópicos? 
 
Cap. XIII. DEMÔNIO DE MAXWELL E FÍSICA DA COMPUTAÇÃO 
 Um ser inteligente conseguiria violar a irreversibilidade? 
 
Filosofia da Física Clássica 
Cap. I 
 
1 
Filosofia da Matemática 
 
Questão: Como explicar a importância da matemática 
nas ciências naturais? 
 
 
1. A Desarrazoada Efetividade da Matemática 
 
Por que a matemática é tão importante na física? Essa é a questão que o importante 
físico húngaro Eugene Wigner (1902-95) discutiu em um artigo em que usou a curiosa 
expressão “desarrazoada (não razoável) efetividade (eficácia) da matemática”.1 A opinião de 
Wigner era que a gente não compreende porque a matemática é tão útil na física: seria uma 
espécie de “milagre”: “A lei da gravitação, que Newton relutantemente estabeleceu e que ele 
pôde verificar com uma acurácia de aproximadamente 4%, mostrou-se acurada numa 
porcentagem menor do que dez milésimos” (p. 231). Ou seja, usamos a matemática para 
descrever um domínio limitado da realidade, e às vezes essa descrição matemática se mostra 
eficaz em domínios muito mais amplos. Outro exemplo que Wigner cita é o sucesso da 
mecânica quântica (a partir de 1927) em explicar os níveis energéticos do átomo de hélio, um 
sistema bem mais complexo (por envolver dois elétrons interagentes) do que aqueles usados 
por Heisenberg para construir sua mecânica matricial. “Com certeza, neste caso, conseguimos 
‘tirar algo’ das equações que não tínhamos colocado” (p. 232). 
A tese de Wigner, de que a efetividade da matemática na física é desarrazoada, 
inexplicável, exprime um certo aspecto de seu pensamento filosófico no início dos anos 60, 
uma sensibilidade a problemas não resolvidos, como o mistério da consciência humana ou o 
problema do colapso na mecânica quântica. No entanto, muitas outras respostas foram dadas a 
este problema, desde a época de Pitágoras, que considerava que a essência da natureza são 
números. Curiosamente, uma resposta semelhante à de Pitágoras foi proposta recentemente 
pelo cosmólogo Max Tegmark, para quem “nosso mundo físico é uma estrutura matemática 
abstrata”!2 
 
 
2. A Matemática na Grécia Antiga 
 
A matemática grega, partindo de Tales de Mileto (c. 625-546 a.C.) e Pitágoras de 
Samos (c. 575-495 a.C.), se caracterizou pelo esforço de demonstrar de maneira rigorosa os 
seus resultados. Os pitagóricos, reunidos onde hoje é a Sicília, defendiam que todas as 
relações científicas eram expressas por meio de números naturais (1, 2, 3, ...) ou razões entre 
tais números, os chamados números racionais, ½, ¾, etc. Em conseqüência desta concepção, 
supunham que o espaço, o tempo e o movimento eram constituídos de elementos discretos. 
Ao pitagórico Hipaso de Metaponto (nascido circa 500 a.C.) é atribuída a descoberta 
dos números irracionais, como 2 , que seria a medida da diagonal de um quadrado de lado 
1. Esta descoberta era vista como um problema para a filosofia pitagórica, e conta a lenda que 
 
1 WIGNER, E.P. (1960), “The Unreasonable Effectiveness of Mathematics in the Natural Sciences”, 
Communications in Pure and Applied Mathematics 13, 1-14. Disponível na internet. Tradução disponível no 
saite do curso. 
 
2 TEGMARK, M. (2007), “The Mathematical Universe”, arXiv 0704.0646v1, 28 pp. Na internet, é fácil também 
encontrar sobre o assunto o artigo do matemático aplicado HAMMING, R.W.(1980), “The Unreasonable 
Effectiveness of Mathematics”, American Mathematical Monthly 87. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 2
Hipaso teria sido lançado ao mar por seus colegas, em represália.3 Veremos no cap. II outro 
problema para a concepção pitagórica: os paradoxos de Zenão, que punham em xeque a 
concepção de que o espaço e o tempo são divisíveis. 
 Os matemáticos gregos passaram a dividir a matemática na teoria dos números, que 
estuda entidades discretas ordenadas, e na geometria, que envolve o contínuo. Essa divisão 
transparece nos Elementos, obra escrita por Euclides de Alexandria em torno de 300 a.C. Ele 
reuniu os trabalhos de Eudoxo, Teeteto e outros matemáticos, sistematizou-os, melhorou as 
demonstrações, e coligiu sua obra de acordo com o método axiomático. Os Elementos partem 
de definições, axiomas (noções comuns, princípios auto-evidentes) e postulados (suposições 
geométricas). O número 1 foi tratado como a “unidade”, e os outros como “números” 
propriamente ditos. O número 0 não estava presente, e só foi introduzido na Índia, onde se 
usava o sistema numérico posicional, juntamente com os números negativos, pelo matemático 
Brahmagupta, em 628 d.C. 
 
 
3. Os Postulados de Euclides 
 
Euclides partiu de 23 definições, como a de ponto, que é “aquilo que não tem partes”, 
e reta, que é “um comprimento sem espessura [...] que repousa equilibradamente sobre seus 
próprios pontos”. Em 1899, o alemão David Hilbert reformularia a axiomatização da 
geometria plana sem partir de definições primitivas: “ponto” e “reta” seriam definidos 
implicitamente pelos postulados. 
Os cinco axiomas usados por Euclides, em notação moderna, são: 
 
A1) Se A=B e B=C, então A=C. 
A2) Se A=B e C=D, então A+C = B+C. 
A3) Se A=B e C=D, então A–C = B–C. 
A4) Figuras coincidentes são iguais em todos os seus aspectos. 
A5) O todo é maior do que qualquer de suas partes. 
 
Os cinco postulados da geometria plana são: 
 
P1) Dois pontos determinam um segmento de reta. 
P2) Um segmento de reta pode ser estendido para 
uma reta em qualquer direção. 
P3) Dado um ponto, há sempre um círculo em que 
ele é centro, com qualquer raio. 
P4) Todos os ângulos retos são iguais. 
P5) Se a soma dos ângulos a e b for menor do que 
dois ângulos retos, então os segmentos de reta A 
e B se encontram, se forem estendidos 
suficientemente (ver Fig. I.1). 
 
 
 
 
 
 
Figura I.1: Quinto 
postulado de Euclides. 
O postulado P5 é logicamente equivalente à proposição de que, dados uma reta A e um 
ponto P fora dela, passa apenas uma reta por P que seja paralela a A. Veremos mais à frente 
como a discussão do quinto postulado levou no séc. XIX às geometrias não-euclidianas. 
 
3 Muitos detalhes da história da matemática podem ser obtidos de: EVES, H. (2004), Introdução à História da 
Matemática, trad. H.H. Domingues, Ed. Unicamp, Campinas (original em inglês: 1964). Sobre Hipaso, ver p. 
107. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 3
Com esses axiomas e postulados, deduz-se boa parte da geometria plana, como o 
teorema de Pitágoras. No entanto, a base de postulados não é completa. Por exemplo, 
Euclides supõe tacitamente que uma reta que passa pelo centro de um círculo passa também 
por dois pontos do círculo, mas isso não é dedutível da base de postulados! Além disso, 
muitas verdades geométricas que dependem da noção de limite, algumas das quais formuladas 
por Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.), não são dedutíveis dos axiomas de Euclides.4 
A geometria euclidiana foi o paradigma de conhecimento certo e verdadeiro, na 
ciência e filosofia, até o séc. XIX. 
 
 
4. Questão Ontológica: Existem Objetos Matemáticos? 
 
Os números existem? Há 27 alunos nesta classe, isso é um fato indubitável: mas o 
número 27 existe de maneira independente, no mundo, ou apenas em minha mente? Há duas 
respostas básicas a esta questão. 
A tradição pitagórica, elaborada por Platão (428-348 a.C.), concebe que os números 
naturais são entidades reais, assim como outros objetos matemáticos, como o triângulo. Tais 
entidades, porém, não existiriam no mundo físico, mas em um mundo abstrato, ideal, para 
fora do espaço e do tempo. O filósofo Bertrand Russell, simpático a esta concepção no livro 
Problemas da Filosofia (1912), utilizou o verbo “subsistir” para designar este tipo de 
realidade, em oposição ao “existir” das coisas particulares. Essa noção de subsistência, em 
Platão e Russell, não se limitava apenas a entidades matemáticas, mas se estendia para 
quaisquer propriedades ou relações abstratas, ditas “universais”. Assim, para Platão, aquilo 
que haveria em comum entre um ato justo de um magistrado romano e um ato justo de um rei 
asteca seria a “justiça”, um universal que subsistiria num mundo à parte do material. Os 
diferentes triângulos que desenhamos num papirus seriam cópias imperfeitas de triângulos 
ideais, e o que todos os triângulos têm em comum seria a “triangularidade”, um universal 
distinto de qualquer triângulo desenhável, pois cada triângulo é ou isósceles (ao menos dois 
lados de mesmo comprimento) ou escaleno, ao passo que a triangularidade não teria nenhuma 
dessas duas propriedades. 
A visão metafísica que defende a existência de universais, quer sejam números, quer 
sejam propriedades ou relações, pode ser chamada de realismo de universais. A visão 
antagônica é conhecida como nominalismo, e defende que no mundo físico há particulares 
concretos (coisas) com propriedades, mas tais propriedades não têm uma realidade autônoma, 
independente de cada particular. Ou seja, não se pode dizer que os universais subsistem. O 
que o realista chama de universais seriam apenas idéias em nossa mente (conceitualismo) ou 
nomes lingüísticos (nominalismo, em sentido estrito). A “querela dos universais” foi 
disputada intensamente na Idade Média, e Guilherme de Ockham (1285-1350) é o grande 
representante do nominalismo medieval, ao passo que o lógico Willard Quine (1908-2000) é 
um importante nominalista moderno.5 
Em filosofia da matemática, a oposição entre realistas e nominalistas é um pouco 
diferente da querela metafísica. Os realistas afirmam que os números, conjuntos e outros 
objetos matemáticos existem ou subsistem de alguma maneira, independentes dos seres 
 
4 O presente relato foi obtido de SKLAR, L. (1974), Space, Time, and Spacetime, U. California Press, Berkeley, 
pp. 13-6. O livro de Euclides está disponível na internet, ou como: EUCLID (1956), The Thirteen Books of 
Euclid’s Elements, tradução e comentários de T.L. Heath, 3 vols., Dover, Nova Iorque. 
 
5 Uma excelente introdução ao debate metafísico entre realistas de universais e nominalistas é apresentada por 
LOUX, M.J. (2002), Metaphysics – A Contemporary Introduction, 2a ed, Routledge, Londres, caps. 1 e 2. Há um 
“resumão” em português na internet. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 4
humanos. Já os nominalistas defendem que os objetos matemáticos são construções mentais, 
de forma que não se pode afirmar que os números naturais existam no mundo. 
Um dos argumentos dos realistas, em favor da existência dos objetos matemáticos, é 
justamente a sua grande utilidade nas ciências naturais. Segundo este “argumento da 
indispensabilidade”, formulado por Willard Quine (um nominalista metafísico, mas um 
realista matemático) e Hilary Putnam, como nossas melhores teorias científicas fazem 
referência a objetos matemáticos como números, conjuntos e funções, e tais entidadessão 
indispensáveis para a ciência, então devemos nos comprometer com a existência real de 
objetos matemáticos, da mesma maneira que nos comprometemos com a existência de 
entidades físicas teóricas como quarks e partículas virtuais. Opondo-se a este argumento, o 
filósofo nominalista Hartry Field vem trabalhando num projeto para mostrar como é possível 
construir teorias científicas sem números e outros objetos matemáticos, numa certa linguagem 
relacional. Conseguiu aplicar seu método para a teoria da gravitação newtoniana, mas não 
para outras teorias mais contemporâneas. A matemática seria útil para a ciência pelo fato de 
ela simplificar muito os cálculos e a expressão de enunciados das ciências exatas, mas ela não 
seria indispensável.6 
 
 
5. Questão Metodológica: Números Imaginários se aplicam à Realidade Física? 
 
Na seção anterior, vimos que a questão sobre a existência do número natural 27 pode 
receber diferentes respostas. Mas a prática do físico não é afetada por esta questão filosófica: 
qualquer que seja a resposta a essa questão “ontológica” (ou seja, questão sobre o que é real), 
é seguro supor que o número inteiro 27 “se aplica” corretamente à descrição da realidade 
nessa sala de aula. 
Podemos investigar esta questão “metodológica” em relação a números não positivos, 
como os inteiros negativos. Talvez não possamos dizer que há –5 maçãs na cesta, mas 
podemos dizer que a temperatura é –5˚C. Ou seja, pode-se dizer que os inteiros negativos se 
aplicam a certos domínios da realidade. 
E quanto aos números que representam uma reta contínua? A estrutura do espaço 
físico é a estrutura dos números racionais ou dos números reais? Na seção seguinte 
deixaremos clara a distinção entre os dois, com base na distinção entre conjuntos ordenados 
densos e completos. A questão levantada é também uma questão ontológica, mas não em 
relação à natureza dos objetos matemáticos, e sim em relação a uma entidade física, o espaço. 
Sendo assim, para examinar esta questão devemos levar em conta também as evidências 
experimentais. Deixaremos o estudo desta questão para o Cap. II. Associada a esta questão há 
também uma constatação metodológica: é usual representar o espaço físico como um espaço 
matemático tridimensional contínuo, envolvendo números reais, e não apenas números 
racionais. 
E os números imaginários? Tais números, múltiplos de i, ou 1− , surgiram com o 
matemático italiano Gerolamo Cardano, em 1545, como soluções de equações cúbicas. Em 
1637, René Descartes os chamou de “imaginários”, indicando que não os levava à sério. No 
entanto, Abraham de Moivre (1730) e Leonhard Euler (1748) os estudaram, chegando à 
notável equação que tanto fascinou o jovem Richard Feynman: 1−=πie . Isso levaria à noção 
 
6 Uma resumo sucinto da filosofia da matemática é: POSY, C.J. (1995), “Philosophy of Mathematics”, in AUDI, 
R. (org.), The Cambridge Dictionary of Philosophy, Cambridge U. Press, pp. 594-7. Sobre o argumento da 
indispensabilidade, ver: COLYVAN, M. (2004), “Indispensability Arguments in the Philosophy of Mathematics”, 
Stanford Encyclopedia of Philosophy, na internet. O filósofo brasileiro Otávio Bueno (U. Miami) tem trabalhado 
nesta e noutras questões da filosofia da ciência e da matemática; por exemplo: BUENO, O. (2005), “Dirac and the 
Dispensability of Mathematics”, Studies in History and Philosophy of Modern Physics 36, 465-90. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 5
de plano complexo, formulado por Caspar Wessel (1797), Carl Gauss (1799) e Jean Argand 
(1806), que representa os números complexos a + bi em um plano. 
A questão ontológica, da realidade dos números imaginários, não parece ser diferente 
da questão ontológica de outros objetos matemáticos. A diferença está na questão 
metodológica, pois é costume afirmar-se que “nenhuma grandeza física observável é 
representada por um número imaginário”. Números imaginários aparecem na representação 
de movimentos oscilantes ou ondulatórios, mas na hora de exprimir valores de correntes (na 
engenharia elétrica) ou de probabilidades (na mecânica quântica), o resultado é sempre 
expresso por meio de números reais. Assim, num certo sentido, números imaginários não se 
aplicam à realidade observável. Mas e a realidade não-observável? Aqui recaímos na 
discussão sobre o estatuto da realidade não-observável (realismo x instrumentalismo), que 
veremos no cap. IV. 
Alguns autores argumentam que os números imaginários não podem ser eliminados da 
mecânica quântica e das modernos teorias de campo, a não ser por procedimentos artificiais, e 
portanto eles têm aplicação essencial na física7. Por outro lado, a discussão não é que os 
números imaginários não podem ser aplicados à realidade observada, pois por convenção 
poderíamos multiplicar todos os números que representam grandezas observáveis por i, de tal 
maneira que seriam os reais não-imaginários que não teriam aplicação direta. O ponto da 
discussão é que os números reais seriam suficientes para descrever a realidade observável, 
sem necessidade de ampliar, com os números imaginários, o sistema numérico utilizado. 
 
 
6. Noções de Continuidade 
 
Consideremos o intervalo entre os números 0 e 1, e imaginemos o conjunto ordenado 
de todos os números racionais (frações) deste intervalo. Este conjunto é denso, pois entre 
quaisquer dois números racionais existe pelo menos um número racional. É fácil intuir que há 
um número infinito de racionais neste intervalo. 
No entanto, sabemos que números como 2
2 e 8π não são racionais, mas fazem parte 
do conjunto dos reais. Está claro que este conjunto é denso, mas ele também tem a 
propriedade de ser completo. Considere a seguinte seqüência crescente infinita de números 
racionais,{ }...,,,, 4504516988346512891053831 , onde cada termo n=1,2,... é expresso por [ ]∑
=
−−−
n
m
mm
1
1)14)(34( . 
Tal seqüência tem limites superiores racionais, como 52 , ou seja, há números racionais 
maiores do que todos os termos da seqüência. O problema, porém, é que não há um racional 
que seja o menor limite superior, ou supremo. Se considerarmos agora esta seqüência como 
um subconjunto dos reais, mostra-se (a partir de fórmula derivada por Gregory e Leibniz no 
séc. XVII) que tal seqüência converge para 8π , que é o supremo da seqüência. Assim, os reais 
são completos, no sentido que todas as seqüências com limite superior têm um supremo. 
Na matemática, a noção de continuidade aplica-se a funções, como y = f(x) . 
Intuitivamente, diz-se que uma função é contínua se uma pequena variação no argumento x 
levar a uma pequena variação em y. Na disciplina de Cálculo I, aprendemos a definição 
rigorosa de continuidade de Cauchy para os reais, em termos de “εpsilons e δeltas”. Se uma 
função for definida para números racionais, parece ser possível aplicar essa noção de 
 
7 WIGNER (1960), op. cit. (nota 1), pp. 225, 229. YANG, C.N. (1987), “Square Root of Minus One, Complex 
Phases and Erwin Schrödinger”, in Kilmister, C.W. (org.), Schrödinger: Centenary Celebration of a Polymath, 
Cambridge: Cambridge University Press, pp. 53-64. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. I: Filosofia da Matemática 
 
 6
continuidade também para os racionais. Por outro lado, o conjunto dos números reais é às 
vezes chamado de “o contínuo”. 
 
 
7. Existe o Infinito? 
 
Há uma longa história da noção de infinito na matemática, na ciência e na filosofia. 
Hoje em dia aceita-se que o Universo tenha uma extensão espacial finita, mas a questão do 
infinitamente pequeno aindaestá em aberto, como discutiremos no Cap. II. 
Na matemática, um resultado importante foi obtido pelo russo-alemão Georg Cantor 
(1845-1918): podem se definir infinitos maiores do que o infinito contável! O tamanho de um 
conjunto é denominado sua “cardinalidade”. Cantor denotou a cardinalidade dos números 
naturais por ℵ0 (alef-zero), ou infinito contável. Para encontrar a cardinalidade de outro 
conjunto infinito, basta tentar mapear os elementos do conjunto nos números naturais. Por 
exemplo, mostra-se que a cardinalidade dos números racionais também é ℵ0, escrevendo 
todas as frações m/n em uma matriz na posição (m,n), e escolhendo uma seqüência de 
ordenamento, como o da Fig. I.2, que mapeia cada fração em um número natural (podem-se 
eliminar as frações de valores repetidos). 
Qual seria a cardinalidade dos números reais, entre 0 e 1? Cantor apresentou o 
“argumento da diagonal”, que permite construir um número real que escapa da tentativa de 
mapear bijetoramente os inteiros nos números reais. Façamos uma lista dos números reais 
entre 0 e 1, com i = 1, 2, ..., escrevendo cada um da seguinte forma: pi = 0 , ai1, ai2, ai3, ..., 
onde os aij são dígitos entre 0 e 9 (Fig. I.3). Por exemplo, 8π = 0,392... teria ai1=3, ai2=9, 
ai3=2, etc. Naturalmente, esta lista de números reais pi seria contavelmente infinita, mas há 
pelo menos um número real que não consta desta lista, o número q = 0 , b1, b2, b3, ..., 
construído da seguinte maneira. Consideremos os dígitos na diagonal i=j, ou seja, a11, a22, etc. 
Se o dígito aii = 5, então bi = 4; se aii ≠ 5, então bi = 5. Com isso, constrói-se um número real 
b que não consta da lista contavelmente infinita (que tem cardinalidade ℵ0). Isso mostra que a 
cardinalidade dos números reais, que Cantor mostrou ser igual a 2ℵ0, é maior do que a dos 
números racionais: 2ℵ0 > ℵ0 . 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura I.2: Numeros racionais são contáveis. Figura I.3: Argumento da diagonal de Cantor. 
 
 
 
Filosofia da Física Clássica 
Cap. II 
 
7 
Paradoxos de Zenão 
 
Questão: O espaço e o tempo são contínuos ou discretos? 
 
 
1. Pano de Fundo de Zenão 
 
Zenão de Eléia (490-430 a.C.) é bem conhecido por causa de seus paradoxos, como 
aquele da corrida de Aquiles com a tartaruga. De fato, escreveu um livro com em torno de 40 
paradoxos, mas este se perdeu. O que sabemos de Zenão nos foi transmitido por Platão, 
Aristóteles e pelo comentador Simplício do séc. VI d.C. 8 
 
 
 
 
Figura II.1: Zenão de Eléia. 
 
O que Zenão queria provar com seus paradoxos? 
Como eles foram encarados na Antigüidade? Como eles são 
resolvidos hoje em dia? 
Zenão era discípulo do grande filósofo Parmênides 
(515-450 a.C.), da cidade de Eléia (atual Itália), que defendia 
que a pluralidade (o estado de haver muitas coisas distintas, 
ao invés de uma só) não existe e que qualquer mudança é 
impossível. O ponto de partida de Parmênides era a razão, o 
intelecto, em oposição à observação. É verdade que nossos 
sentidos vêem uma aparente mudança, mas isso seria pura 
ilusão, pois a realidade não poderia mudar. Afinal, “o que é 
não pode deixar de ser”: se alguma coisa tem uma essência, 
como é que essa essência pode desaparecer desta coisa? Por 
outro lado, “do não-ser não pode surgir o ser”: como é que 
algo pode surgir do nada? Assim, o Universo seria uno, e 
não mudaria (algo parecido com a idéia de um único Deus 
imutável).9 
As teses de Parmênides tiveram um forte impacto na filosofia da natureza na Grécia. 
Elas estimularam soluções como a de Empédocles (490-435 a.C.), para quem haveria quatro 
elementos imutáveis (terra, água, ar e fogo) que se combinariam em diferentes proporções 
para gerar os diferentes objetos que conhecemos. A mudança seria uma recombinação dos 
quatro elementos fundamentais, como na queima de madeira (constituída de uma certa 
proporção de terra, água e fogo), que perde seu elemento água e fogo para se transformar em 
carvão, que seria terra pura. 
Zenão buscava defender as idéias de seu mestre, atacando a idéia de pluralidade e de 
movimento. Sua estratégia era supor a tese que queria atacar, por exemplo a pluralidade de 
pontos em uma reta, e daí deduzir uma conseqüência que contradissesse sua suposição, 
levando assim a uma redução ao absurdo. 
 
8 Uma excelente apresentação é dada por: HUGGETT, N. (2004), “Zeno’s Paradoxes”, The Stanford Encyclopedia 
of Philosophy, na internet Um livro clássico com textos de diversos autores é: SALMON, W.C. (org.), Zeno’s 
Paradoxes, Bobbs-Merrill, Indianápolis, 1970. A figura de Zenão foi retirada de http://www-history.mcs.st-
andrews.ac.uk/history/ PictDisplay/Zeno_of_Elea.html. 
 
9 Alguns cosmólogos modernos gostam de olhar para o Universo como uma entidade única, um “bloco” (block 
Universe) no qual o tempo é visto como uma quarta dimensão semelhante ao espaço, sem distinções ontológicas 
entre passado e futuro (também chamada de “doutrina das partes temporais”). Olhando este bloco de fora, um 
observador abstrato pode olhar para o futuro, para o passado, para onde quiser. O bloco não muda, então nesse 
sentido não há mudança, o que lembra o Uno parmenidiano (por outro lado, a concepção do universo em bloco 
não rejeita a pluralidade). 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. II: Paradoxos de Zenão 
 
 8
2. Paradoxos do Movimento 
 
Concentremo-nos aqui em quatro paradoxos do movimento, que são apresentados por 
Aristóteles (384-322 a.C.) em sua Física.10 A Dicotomia e o Aquiles são semelhantes: Zenão 
parte da suposição de que uma certa distância tem infinitos pontos, e que um corredor teria 
que passar por todos eles antes de atingir a linha de chegada (ou uma tartaruga), para concluir 
que o corredor nunca atinge seu objetivo. Assim, a razão mostra que o movimento é 
impossível, e o que vemos é uma ilusão. A Flecha envolve a noção de que, em cada instante, 
uma flecha está parada, então como ela poderia estar em movimento? O quarto paradoxo, o 
Estádio, é apresentado de maneira provavelmente errônea por Aristóteles, então ele tem que 
ser reconstruído. 
 
 
3. Paradoxos da Pluralidade 
 
É interessante que os paradoxos do movimento também podem ser usados contra a 
tese de que o espaço e o tempo possuem partes atuais (reais), ou seja, contra a pluralidade do 
Universo (que mencionamos ser uma das teses de Parmênides). O filósofo galês G.E.L. Owen 
(1922-82) fez uma reconstrução de como poderia ter sido este argumento, resultando num 
grande argumento contra diferentes concepções de pluralidade11. Ou seja, apresentaremos os 
quatro paradoxos de Zenão não como argumentos contra a possibilidade de movimento – que 
iremos supor que ocorre realmente – , mas contra a divisibilidade do espaço e do tempo em 
partes reais. É provável que Zenão não tenha articulado seus argumentos dessa forma, mas 
como nosso interesse é mais filosófico do que histórico, seguiremos a reconstrução de Owen. 
O argumento em questão é consistente com a conclusão de Aristóteles de que um todo 
não possui partes “atuais”, mas apenas partes “em potência”, cuja atualização só pode ocorrer 
posteriormente à existência do todo. Essa prioridade do todo sobre as partes exprime uma 
posição conhecida como holismo, que examinaremos na seção seguinte. 
A questão a ser examinada, então, é se o espaço e o tempo são compostos de uma 
pluralidade de partes reais. Há, naturalmente, duas respostas possíveis: SIM, são compostos de 
partes reais; ou NÃO, são um todo sem partes reais, apenas partes imaginadas. 
Vamos examinar a resposta positiva. Veremos que as diferentes possibilidades levam a 
paradoxos, de forma que seremos obrigados a concluir (segundo o argumento atribuído a 
Zenão) que o espaço e o tempo NÃO são compostos de partes reais.Partamos então da tese de que o espaço e o tempo têm partes reais. A próxima questão 
a ser colocada é se o espaço e o tempo podem ser divididos sem limite ou se há limites para a 
divisão. Há duas respostas plausíveis: A) São divisíveis sem limite. B) Há limites para a 
divisão. Consideremos a primeira alternativa. 
A) O espaço e o tempo são divisíveis sem limite. Zenão então teria apresentado dois 
paradoxos para refutar esta alternativa, o da Dicotomia e o de Aquiles. 
1) Paradoxo da Dicotomia. Um corredor pretende cobrir uma certa extensão, digamos 
de 100 m. Antes de chegar ao final, ele terá que passar por um ponto localizado no meio do 
percurso, ½ da extensão total. Após isso, ele tem que passar pelo ponto que corresponde a ¾ do 
percurso. Depois disso, pelo ponto 87 , depois 1615 , depois 3231 , etc. Como, pela hipótese A, o 
 
10 ARISTOTLE (1996), Physics, trad. R. Waterfield, Oxford U. Press, 1996, orig. c. 350 a.C. Tradução para o 
português de trechos relativos aos paradoxos de Zenão está disponível no saite do curso. 
 
11 OWEN, G.E.L. (1957), “Zeno and the Mathematicians”, Proceedings of the Aristotelian Society 58, 199-222, 
republicado em SALMON (1970), op. cit. (nota 8), pp. 139-63. Um resumo deste argumento é apresentado por 
TILES, MARY (1989), The Philosophy of Set Theory, Blackwell, Oxford (nova edição pela Dover), pp. 12-21. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. II: Paradoxos de Zenão 
 
 9
espaço é divisível sem limite, há um número infinito de pontos que o corredor deve percorrer 
antes de chegar ao final de seu percurso. Assim, conclui Zenão, ele nunca chega ao final! 
Este é o paradoxo da Dicotomia “progressivo”; há também a versão “regressiva”. 
Antes de chegar à metade do percurso, o corredor tem que atingir ¼ da extensão total; mas 
para chegar neste ponto, tem que antes atingir 81 do percurso; e antes disso, 161 , etc. Desta 
maneira, o corredor nem conseguiria iniciar sua corrida! 
2) Paradoxo de Aquiles. Nesta versão do argumento, o veloz Aquiles aposta uma 
corrida contra uma lenta tartaruga, que começa dez metros à sua frente. Em pouco tempo, 
Aquiles atinge a marca dos 10 m, mas neste intervalo de tempo a tartaruga caminhou 1 m. Em 
seguida, Aquiles percorre esse metro adicional, mas a tartaruga não está mais lá, pois percorreu 
mais 101 de metro. Quando Aquiles cobre este 101 de metro adicional, a tartaruga está 1001 m à 
frente. E depois, 10001 à frente, e depois 000.101 , etc. Como, pela hipótese A, o espaço é 
infinitamente divisível, sempre haverá um ponto que Aquiles deve atingir antes de prosseguir 
em seu encalço à tartaruga. Conclui-se então que Aquiles nunca conseguirá alcançar a tartaruga! 
Visto que a hipótese A levou a duas situações que vão contra o que constatamos na 
realidade, ela deve ser rejeitada. Assim, supondo-se que o espaço e o tempo são compostos de 
partes, não se poderia admitir que essas partes sejam infinitamente divisíveis. Para sermos 
mais precisos, o que esses argumentos sustentam é que o espaço não seria infinitamente 
divisível. Resta assim a hipótese alternativa. 
B) Há limites para a divisão do espaço e do tempo. Neste caso, pergunta-se sobre o 
tamanho desses limites: eles têm tamanho? (a) Sim, têm tamanho. (b) Não, não têm tamanho. 
Consideremos cada caso em separado. 
(a) Os limites para a divisão do espaço e do tempo têm tamanho. Ou seja, dentro de 
uma unidade indivisível de tempo, ocorreria um pequeno movimento (esta é uma situação 
difícil de imaginar, mas prossigamos com o argumento reconstruído por Owen). Neste caso, 
Zenão teria invocado o paradoxo do estádio. 
(3) Paradoxo do Estádio. Imagine que durante a Olimpíada, em um estádio, dois 
dardos são atiradas em sentidos opostos. Estamos supondo que o espaço e o tempo são 
discretizados, ou seja, suas partes têm um tamanho ou duração mínimos (que chamaremos 
“unidades”). Supomos também que cada dardo percorre uma unidade espacial a cada unidade 
temporal. Consideremos um instante em que as pontas dos dardos ainda não se sobrepuseram, 
mas ocupam unidades espaciais adjacentes. Isso pode ser representado ao encostarmos o dedo 
indicador da mão esquerda no indicador da mão direita, com as unhas viradas para fora, de 
forma que possamos ver a divisão de nossos indicadores em três falanges (Fig. II.2a). Escolhendo 
 
 
 
 
Figura II.2: Paradoxo do Estádio. 
um ponto de referência em algum objeto à nossa 
frente, consideremos qual é a posição dos nossos 
dedos/dardos no instante discreto (unidade 
temporal) seguinte. Ora, o indicador direito se 
moveu uma unidade para a esquerda, e o dedo 
esquerdo uma para a direita. Assim, na nova 
posição relativa dos dois dedos/dardos, há duas 
unidades espaciais emparelhadas (Fig. II.2b). No 
entanto, para eles terem chegado nesta situação de 
emparelhamento de duas unidades, eles teriam 
que ter passado pela situação intermediária em 
que apenas uma unidade estivesse emparelhada. 
Isso teria que acontecer em um instante que é 
metade da unidade temporal tomada como 
mínima. Portanto, tal unidade não é mínima, mas 
é divisível! Além disso, nesta meia unidade, 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. II: Paradoxos de Zenão 
 
 10
temporal, cada dardo voou, em relação ao estádio, uma distância que é a metade da unidade 
espacial. Assim, a unidade espacial também seria divisível! Isso refutaria a hipótese (a). 
Resta-nos a outra alternativa. 
(b) Há limites para a divisão do espaço e do tempo mas esses não têm extensão ou 
duração, são pontuais ou instantâneos. Neste caso, segundo a reconstrução de Owen, Zenão 
invocaria o seguinte problema. 
(4) Paradoxo da Flecha. Um arqueiro lança uma flecha. Em um certo instante, a 
flecha ocupa um espaço que é igual ao seu volume, portanto, segundo Zenão, ela estaria 
parada neste instante. Isso se aplica para todos os instantes, assim, a flecha está sempre parada 
e não poderia estar se movendo. Poder-se-ia argumentar que a flecha voa um pouquinho 
durante um instante, de forma que ela estaria em diferentes posições no início e no fim do 
instante; mas neste caso o instante seria divisível, indo contra a hipótese (b). Aristóteles 
criticou este paradoxo argumentando que o repouso no tempo é diferente do que ocorreria no 
“agora”, já que neste não se define o movimento, e portanto nem o repouso (Física, 234a24). 
Com isso, rejeitando-se ambas as opções (a) e (b), refuta-se a alternativa B, segundo a 
qual haveria limites para a divisão do espaço e do tempo. Mas a alternativa A já tinha sido 
rejeitada. Assim, refuta-se a tese de que o espaço e o tempo sejam compostos de uma 
pluralidade de partes. A resposta para a questão inicial portanto é “NÃO”: o espaço e o tempo 
são um todo sem partes reais, apenas partes imaginadas. 
 
 
4. O Holismo Aristotélico 
 
Eis então como Aristóteles utiliza o argumento de Zenão para defender sua visão 
holista da matéria, de que o todo precede as partes. O espaço e o tempo não seriam compostos 
de um agregado de partes. É verdade que se pode dividir um objeto em partes. Quando um 
tijolo é dividido, temos uma divisão atual, em ato. Talvez se possa até dividir um tijolo o 
quanto queiramos ou possamos, mas antes de realizar essas divisões atuais, elas só existem 
em potência, como potencialidade. O fato de que podemos dividir um tijolo não significa que 
ele seja feito de partes, pois essa possibilidade de dividi-lo é apenas uma potencialidade, não 
uma atualização. O todo precede as partes. 
Com esta conclusão, Aristóteles pôde resolver os paradoxos à sua maneira. Os 
paradoxos da Dicotomia e de Aquiles não procedem porque, para Aristóteles, o contínuo da 
pista de corrida é homogêneo.Pode-se dividi-lo sem limites, mas tal divisão não é natural, ela 
pode ser feita de diferentes maneiras. A divisão é imposta por nós, ela não existe de fato: o 
enunciado do problema concretiza de maneira indevida a potencialidade de divisão. Em 
primeiro lugar, o corredor percorre o todo. É por percorrer o todo que ele percorre as partes, e 
não o contrário, como os enunciado dos paradoxos parecem indicar. 
Aristóteles defende que se possa potencialmente dividir o contínuo de maneira 
ilimitada. Com isso, rejeitam-se os paradoxos do Estádio e da Flecha, que pressupõem um 
limite para a divisão. Além disso, um ponto, para Aristóteles, não é formado por divisão, de 
maneira que um ponto não seria parte de uma reta. Para ele, um ponto pode ser concebido 
como uma fronteira entre duas regiões distintas adjacentes. 
A visão holista de Aristóteles foi retomada no início do século XX por filósofos que 
defendem que o espaço e/ou o tempo não são compostos de pontos ou instantes. Para esta 
corrente, que inclui Henri Bergson, William James e Alfred Whitehead, esta seria a chave 
para se entender o vir-a-ser temporal, ou seja, como o presente desabrocha do passado.12 
 
12 Este comentário é feito por HUGGETT (2004), op. cit. (nota 8), p. 14. Ele cita BERGSON, H. (1907), 
L’Évolution Créatice, Presses Universitaires de France, Paris; JAMES, W. (1911), Some Problems of Philosophy, 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. II: Paradoxos de Zenão 
 
 11
 
5. Visão Moderna dos Paradoxos 
 
Os paradoxos de Zenão são ainda tema de discussão hoje em dia. Uma atitude muito 
natural, por exemplo em relação ao Aquiles, é dizer que a conclusão de Zenão é um absurdo, 
pois não corresponde à realidade, e que portanto o paradoxo deve ser rejeitado. Seguindo esta 
linha, Diógenes, o Cínico (413-323 a.C.), respondeu ao paradoxo simplesmente se levantando 
e andando! Mas essa constatação não resolve os paradoxos. (i) Para o paradoxo do 
movimento, o ponto de Zenão é que racionalmente não pode haver movimento, de forma que 
a vivência que temos deste movimento teria que ser uma ilusão dos sentidos. (ii) Para o 
paradoxo da pluralidade, conforme a reconstrução de Owen, concorda-se que o movimento 
ocorre, porém nenhuma hipótese sobre a pluralidade, usada para explicar racionalmente o 
movimento, é livre de problemas. 
O problema por trás da Dicotomia, que é o mesmo que o do Aquiles, parece repousar 
na intuição de que o corredor demora um tempo finito mínimo para percorrer cada intervalo 
espacial sucessivo. Como há infinitos desses intervalos, o tempo de transcurso seria infinito. 
Porém, sabemos que essa intuição é errônea: o tempo de percurso por cada intervalo é 
proporcional ao comprimento do intervalo (supondo velocidade constante). Esse ponto foi 
apontado por Aristóteles (Física VI, 233a25), mas em outro trecho ele se confundiu com 
relação à presença de infinitos intervalos finitos de tempo (Física VIII, 263a15). Da mesma 
maneira que os intervalos espaciais somam 1 na série convergente ½ + 41 + 81 + ... , os 
intervalos temporais também o fazem. O corredor acaba completando o percurso! 
A moderna análise matemática, inaugurada no séc. XIX com os trabalhos de Augustin 
Cauchy, Karl Weierstrass e Richard Dedekind, esclareceu a natureza das séries convergentes 
e do cálculo diferencial e integral, banindo a noção de “infinitesimal”, utilizada a partir de 
Leibniz. Na seção I.7, vimos como Cantor mostrou que o infinito da seqüência de números 
inteiros (que é igual ao infinito dos números racionais), o chamado “infinito contável”, tem 
cardinalidade menor do que o “infinito não-contável” dos pontos da reta real entre 0 e 1. No 
entanto, não parece que seja necessário supor que o espaço seja isomórfico aos números reais 
para resolver os paradoxos da Dicotomia e do Aquiles: bastaria que o espaço tivesse a 
estrutura dos números racionais (ver seção I.6). 
No século XX, avanços na teoria da medida e da dimensão esclareceram ainda mais a 
natureza do infinito na matemática. Em 1966, o matemático Abraham Robinson formulou a 
análise “não-standard”, que reintroduziu de maneira rigorosa os infinitesimais na matemática. 
A aplicação desta teoria para os paradoxos de Zenão foi feita por McLaughlin (1994).13 
O paradoxo da Flecha levanta discussões a respeito da natureza do movimento e do 
conceito de velocidade instantânea. O movimento deve ser visto como a ocupação sucessiva 
de posições em diferentes instantes? Esta visão chegou a ser defendida por Bertrand Russell, e 
é conhecida como a “teoria em-em de movimento” (at-at theory of motion). Se for verdade 
que, em cada instante, a flecha estaria parada, não se segue que ela estaria parada ao 
considerarmos todo o intervalo. 
 
Longmans, Green & Co., Nova Iorque, caps. 10-11; e WHITEHEAD, A.N. (1929), Process and Reality, 
Macmillan, Nova Iorque. Este ponto de vista tem sido retomado mais recentemente por Ilya Prigogine. 
 
13 MCLAUGHLIN, W.I. (1994), “Resolving Zeno’s Paradoxes”, Scientific American 271 (5), pp. 84-9. Seguimos 
nesta seção as pp. 20-6 de: SALMON, W.C. (1970), “Introduction”, in Salmon (org.), op. cit. (nota 8), pp. 5-44, e 
alguns comentários de HUGGETT (2004), op. cit. (nota 8), pp. 15-6. Ver também: SALMON, W.C. (1980), “A 
Contemporary Look at Zeno’s Paradoxes”, in Salmon, Space, Time, and Motion: A Philosophical Introduction. 
2a ed., U. of Minnesota Press, Minneapolis, pp. 31-67. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. II: Paradoxos de Zenão 
 
 12
O esclarecimento matemático dos paradoxos da pluralidade e do movimento deixa 
ainda em aberto a questão da natureza microscópica do espaço e do tempo no mundo físico. 
Será que a continuidade do espaço e do tempo deve ser vista antes de tudo como uma 
propriedade holística? Ou será que eles podem ser decompostos em partes menores? Estas 
partes teriam a estrutura dos números reais? Dos números racionais? Haveria instantes 
infinitesimais? Faz sentido dizer que existem velocidades instantâneas? O espaço poderia ter 
uma estrutura fractal? A teoria quântica teria algo a acrescentar a esta problemática? 
 
 
6. Espaço e Tempo Discretizado na Gravidade Quântica 
 
Nesta seção, apresentaremos superficialmente uma visão recente proposta pelo físico 
Lee Smolin e colaboradores, que sugere que o espaço e o tempo seriam na verdade discretos. 
Esta teoria, a gravidade quântica em loop, é um dos programas de pesquisa que concorrem 
com a teoria das cordas, visando unificar as quatro interações conhecidas na física.14 
A idéia de que o espaço e o tempo não seriam contínuos surgiu na metade da década 
de 1980 como resultado do fracasso de tentativas anteriores de juntar a teoria da relatividade 
geral com a mecânica quântica. Smolin, juntamente com Abhay Astekar, Ted Jacobson e 
Carlo Rovelli, perceberam que os problemas dessa tentativa de juntar as duas teorias 
poderiam ser resolvidos supondo que haveria um quantum mínimo de volume, da ordem de 
10–99 cm3. Este seria um volume mínimo de espaço, e qualquer volume maior seria uma soma 
destas unidades discretas mínimas. 
O espaço poderia ser concebido como consistindo de um número imenso de pequenos 
poliedros encostados uns aos outros. A teoria da gravidade quântica em loop (ou seja, em 
circuitos fechados) substitui essa representação de volume por outra na qual cada quantum de 
volume é representado por um nó ou ponto ligado aos pontos dos outros volumes adjacentes 
por segmentos de reta. A rede resultante é conhecida em matemática como um “grafo”, e os 
físicos e matemáticosque trabalham nesta área formularam uma maneira de exprimir estados 
quânticos em termos desses grafos. Tais grafos são também chamados de “redes de spin”, e o 
uso de tais redes para descrever a gravitação havia sido sugerida na década de 1960 por Roger 
Penrose. 
“Tudo o que existe são as linhas e os nós; eles criam o espaço, e a forma como se 
conectam define a geometria do espaço” (p. 61). As partículas elementares estariam 
associadas a nós e os campos às linhas entre os nós; o movimento dessas partículas se daria 
em passos discretos, de nó em nó. O movimento da matéria e energia, por sua vez, alteraria o 
padrão de conectividade da rede, o que refletiria na estrutura do espaço. O espaço-tempo da 
teoria da relatividade geral se comportaria microscopicamente como uma “espuma” de spin. 
O tempo também é descrito como evoluindo de maneira discreta, a “tiques” quantizados que 
teriam a duração mínima de 10–43 segundos. 
 
 
14 SMOLIN, L. (2004), “Átomos de Espaço e Tempo”, Scientific American Brasil, fev. 2004, 56-65. Sobre a teoria 
das cordas, ver: ABDALLA, E. & CASALI, A. (2003), “Cordas, Dimensões e Teoria M”, Scientific American 
Brasil, março 2003. Outro texto sobre os “tijolos” que comporiam o espaço e o tempo é: AMBJØRN, J.; 
JURKIEWICZ, J. & LOLL, R. (2008), “Universo Quântico Auto-Organizado”, Scientific American Brasil 75, ago. 
2008, 28-35. 
Filosofia da Física Clássica 
Cap. III 
 
13 
Filosofia Mecânica 
 
Questão: Como explicar a gravidade sem forças à distância? 
 
 
 
Você realmente entende o que está acontecendo quando solta uma pedra e vê ela cair? 
Por que ela cai? Porque ela é atraída. Mas por que ela é atraída? Porque todos os corpos se 
atraem. Mas por que eles se atraem, ou melhor, qual é o mecanismo que está por trás disso? 
Podemos ficar perguntando porquês para sempre? Ou uma hora temos que parar e 
aceitar uma resposta dogmaticamente? E, mudando o foco da pergunta, por que queremos 
obter respostas? E por que às vezes nos satisfazemos com uma resposta, sentimos uma 
felicidade de termos compreendido uma questão, só para mais tarde descobrir que tínhamos 
deixado de perceber uma ambigüidade, e que o prazer da compreensão era só uma ilusão? 
Qual a diferença entre explicar e compreender? 
As concepções tradicionais da matéria e da gravidade, antes do século XVII, eram 
basicamente três: o hilemorfismo aristotélico, o atomismo greco-romano e o naturalismo 
animista. 
 
 
1. Hilemorfismo e a Física Aristotélica 
 
O hilemorfismo é a filosofia desenvolvida por Aristóteles de que todas as coisas 
consistem de matéria (hile) e forma (morfe). Por “matéria” entende-se um substrato (matéria 
prima) que só existe potencialmente, e que só existe em ato junto com uma forma (sobre 
potência e ato, ver seção II.4). A mudança das coisas é explicada por quatro tipos de causas: o 
fator material, a forma, a causa eficiente e a causa final (ou propósito). Haveria quatro 
elementos básicos, terra, água, ar e fogo, cada qual tendo um par de qualidades distintivas: 
terra é fria e seca; água é fria e úmida; ar é quente e úmido; fogo é quente e seco. Os 
elementos tendem a se ordenar em torno do centro do mundo, cada qual em seu “lugar 
natural”. Se um elemento é removido de seu lugar natural, seu “movimento natural” é retornar 
de maneira retilínea: terra e água tendem a descer, ar e fogo tendem a subir. O “movimento 
violento” envolve a remoção de um corpo de seu lugar natural, ou é o resultado do exercício 
de uma força por um agente. 
Para Aristóteles, todo movimento tem um agente (um motor) e um paciente (o 
movido). A fonte do movimento é uma força (dunamin ou ísquis). No movimento natural a 
força é interna, e no movimento violento ela é externa, tendo que haver contato contínuo entre 
o motor e o movido. Assim, para explicar porque uma pedra arremessada continua se 
movendo na horizontal, Aristóteles tinha que postular a “antiperistasis”, ou seja, o ar deslo-
cado pela frente da pedra retornaria para a parte traseira da pedra e nela exerceria uma força! 
O paradigma de movimento violento é uma pessoa empurrando um objeto, como um 
barco, em uma superfície, como na areia. A distância (S) percorrida em um intervalo de tempo 
(T) é proporcional à força exercida (F) dividida pelo peso do corpo (P), sendo que este peso 
inclui também a resistência do meio: F/P = S/T. Aristóteles tinha uma noção clara de que, 
abaixo de uma certa força exercida, o movimento pode cessar (devido ao atrito estático) 
(Física VII.5, 249b30-250a28). 
O paradigma do movimento natural é a queda de um corpo na água. Neste caso (Física 
IV.8, 215a24-b10), a força é o peso do corpo (P), e a resistência (R) exprime a densidade do 
meio: P/R = S/T. Aristóteles também descreveu o movimento para cima de uma porção de 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 14
fogo com a mesma lei, indicando que a velocidade seria proporcional ao volume do objeto 
(De Caelo, 309b11-15). O filósofo da ciência Stephen Toulmin (1961) salientou que esta lei é 
correta no domínio de observação restrito em que o corpo atinge uma velocidade terminal de 
queda, sendo uma versão simplificada da lei de Navier-Stokes. Há dois trechos em que 
Aristóteles indica ter noção de que, na queda dos corpos, há alteração de velocidade (Física, 
230b24-28; De Caelo, 277b4-5). 
Em sua Física (IV.8, 215b12-22), Aristóteles trata da possibilidade do vazio. Como 
este não oferece resistência, o movimento de queda seria infinitamente rápido, o que é 
inadmissível. Assim, o vazio não existiria. Porém, em outros trechos, menciona que a 
velocidade de queda dos corpos depende do peso. Na Física (VIII, 216-220), considera que se 
não houvesse um meio a ser vencido (ou seja, se a queda fosse no vazio), as velocidades 
seriam as mesmas! 
Esse resumo indica que “Aristóteles não era um idiota”15, que fundou suas teorias em 
observações, e que tinha uma noção confusa de que a queda dos corpos poderia envolver 
variação de velocidade. O aristotélico Estráton de Lâmpsaco (c. 340-268 a.C.) argumentaria 
que a queda dos corpos graves no ar não se dá com velocidade uniforme, pois o barulho que 
um corpo faz ao cair de uma altura pequena é bem menor do que quando cai de uma altura 
maior. 
 
 
2. Atomismo Greco-Romano 
 
O atomismo grego surgiu com Leucipo de Mileto (início do séc. V a.C.) e foi 
desenvolvido por seu discípulo Demócrito de Abdera (c. 460-370 a.C.). Posteriormente ele se 
estabeleceu como escola em Atenas no “Jardim” de Epicuro (341-270 a.C.), e foi difundido 
no mundo romano por Lucrécio (c. 99-55 a.C.), em seu famoso poema Da Natureza das 
Coisas. 
Segundo esta visão, só teriam realidade os átomos e o espaço vazio. Cada átomo, 
imperceptível para os nossos sentidos, teria uma forma e um tamanho imutável, e seria 
indivisível. Haveria um número infinito de átomos espalhados no vazio infinito. Eles estariam 
em movimento contínuo, chocando-se freqüentemente uns com os outros. Nas colisões, os 
átomos poderiam rebater ou então se ligar através de ganchos ou formas complementares. As 
propriedades primárias dos átomos, para Demócrito, seriam três: a forma de cada átomo (o 
que inclui o tamanho), sua posição (o que inclui sua orientação em relação a outros átomos), e 
o arranjo de um conjunto de átomos. Epicuro adicionou o peso a esta lista. 
Epicuro incumbiu-se da tarefa de responder às críticas de Aristóteles ao atomismo. 
Dentre essas, estava a crítica à concepção de como os mundos teriam se originado. Segundo 
Demócrito, os átomos originariamente estariam “caindo” no vazio, todos na mesma direção 
paralela. Átomos maiores cairiam com maior velocidade, se chocariam com os mais lentos e, 
assim, se iniciariam movimentos em todas as direções,que acabariam formando os mundos, 
num dos quais nós viveríamos (os outros mundos estariam espalhados pelo espaço infinito). 
Vimos que Aristóteles mencionou que, se houvesse o vazio, os átomos deveriam cair com a 
mesma velocidade, e assim não poderiam se chocar uns com os outros, para formar os 
mundos. Epicuro (ou Lucrécio, segundo alguns autores) resolveu o problema da formação dos 
mundos introduzindo um pequeno movimento aleatório lateral (“clinamen”), um movimento 
 
15 Comentário de CASPER, B.M. (1977), “Galileo and the Fall of Aristotle: A Case of Historical Injustice?”, 
American Journal of Physics 45, 325-30. Ver também KATZ, J. (1943), “Aristotle on Velocity in the Void”, 
American Journal of Philology 64, 432-5, e TOULMIN, S. (1961), Foresight and Understanding, Harper & Row, 
Nova Iorque, p. 50. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 15
sem causa, para explicar a progressiva agregação dos átomos. Esse movimento sem causa de 
“átomos espirituais” seria também usado para explicar a liberdade da alma. 
Os atomistas eram materialistas, pois consideravam que, na morte, os átomos 
espirituais se desagregariam, ou seja, a alma seria fruto da matéria. No séc. XVII, o atomismo 
seria discutido especialmente por Pierre Gassendi, dentro da visão de mundo do catolicismo.16 
 
 
3. Naturalismo Animista 
 
Outra corrente que foi importante nos primórdios da ciência pode ser chamada de 
naturalismo animista. Esta posição considera que a natureza tem uma espécie de alma ou 
vida. Na Antigüidade, ela pode ser associada aos pitagóricos, ao taoísmo na China e ao 
estoicismo, entre outros. No Renascimento, o naturalismo animista ressurgiu com vigor, e 
considerava que a natureza seria imbuída de uma espécie de alma, que fazia as partes 
separadas (como as de um imã) desejarem se unir novamente, regidos por forças de simpatia e 
antipatia. Para a escolástica aristotélica, havia uma ordem racional da natureza que o intelecto 
poderia penetrar. Por contraste, o naturalismo renascentista salientava o mistério de uma 
natureza opaca à razão, só cognoscível através da experiência. 
Os representantes típicos desta corrente eram os alquimistas, como o suíço Paracelso 
(1493-1541) e o alemão Andreas Libavius (1560-1616). A finalidade da alquimia era 
conseguir a transmutação dos metais em ouro e descobrir um elixir da vida eterna e cura de 
todas as doenças. Introduziram a idéia de utilizar agentes químicos na medicina, além das 
ervas medicinais. A concepção alquímica da matéria baseava-se em três princípios: sal, 
enxofre e mercúrio. O naturalismo renascentista foi também influenciado pelo hermetismo, 
uma tradição semi-religiosa e mágica vinda da Antigüidade, que ensinava que o homem é 
capaz de descobrir elementos divinos dentro de si, defendendo uma afinidade mística entre o 
mundo e a humanidade, entre o macrocosmo e o microcosmo. Essa afinidade seria também a 
base teórica da astrologia. 
Uma das mais importantes obras dentro da tradição do naturalismo renascentista foi o 
De Magnete, escrito em 1600 pelo inglês William Gilbert (1544-1603). O magnetismo seria 
uma “matéria telúrica”, seria a chave para se compreender a natureza. Ele seria um poder não-
corpóreo, a “alma da Terra”, já que a intervenção de objetos entre dois imãs não afeta a 
atração. Contrastou eletricidade e magnetismo da seguinte maneira: a primeira envolveria 
uma ação da matéria, com força e coesão; a segunda seria uma ação da forma, com união e 
concordância. Johannes Kepler (1571-1630) foi influenciado por esta tradição, ao conceber 
que o Sol seria a anima motrix (alma motiva) que exerceria uma força nos planetas, fazendo-
os orbitar em torno de si. Imaginou que essa atração seria de natureza magnética.17 
Em suma, para o naturalismo animista a gravidade é explicada por uma atração entre 
os corpos, que possuem uma espécie de alma, e que é semelhante ao amor entre os seres 
vivos. Da mesma maneira que um filho separado da mãe é por ela atraído, e que um imã 
 
16 Um relato detalhado dos atomistas está em LANGE, F.A. (1974), The History of Materialism, trad. E.C. 
Thomas, Arno Press, Nova Iorque (1a ed. em alemão: 1866; 2a ed.: 1875). E dele a hipótese discutível de que 
Epicuro teria introduzido o clinamen para responder a Aristóteles (p. 26). Uma boa fonte da história da ciência 
grega é: LLOYD, G.E.R. (1970), Early Greek Science: Thales to Aristotle, e LLOYD (1973), Greek Science after 
Aristotle, ambos da Norton, Nova Iorque. 
 
17 Sobre o naturalismo renascentista, ver WESTFALL, R.S. (1971), The Construction of Modern Science, 
Cambridge U. Press, pp. 25-31, e também RONAN (1987), História Ilustrada da Ciência da Universidade de 
Cambridge, 4 vols., J. Zahar, Rio de Janeiro; Círculo do Livro, São Paulo (orig. em inglês: 1983), vol. III, pp. 
11-15, 28-36. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 16
separado em dois deseja se unir novamente, assim também os princípios de simpatia e 
antipatia regeriam o comportamento dos corpos celestes. 
 
 
4. A Filosofia Mecânica 
 
Os trabalhos de Copérnico e Galileu abriram o caminho para o ressurgimento da 
antiga tradição “materialista”, representada pelos atomistas, resultando no que viria a ser 
chamado de filosofia mecânica (termo usado por Boyle), em que os princípios explicativos 
envolvem apenas matéria e movimento. Curiosamente, esta visão de mundo surgiu no seio do 
cristianismo, como uma reação contra o naturalismo animista, a partir do padre Marin 
Mersenne (1623)18. Para ele, a ameaça das doutrinas naturalistas estava na concepção de que a 
matéria seria “ativa”, o que retiraria de Deus e dos próprios seres humanos a responsabilidade 
pelas questões humanas. Se não houvesse atividade alguma na matéria, como queria 
Mersenne, Deus teria que ser invocado para explicar essa atividade. 
Na filosofia mecânica, portanto, matéria e espírito estavam separados. A matéria seria 
regida apenas por causas eficientes externas, provenientes de choques, e seria “inerte”, sem 
atividade ou potência internas, o que seria expresso no “princípio de inércia” da mecânica 
clássica. Acabava-se com o “mistério do mundo” do naturalismo animista, e salientava-se a 
transparência do mundo à razão. Deus teria criado o Universo de uma só vez, pondo a matéria 
em movimento de uma vez por todas. Este movimento se conservaria, seria indestrutível. O 
mundo material mover-se-ia apenas em conseqüência dos choques entre os corpos, como o 
mecanismo de um relógio, seguindo a necessidade das leis da física. 
Na física, a concepção mecanicista tornou-se hegemônica durante uns oitenta anos a 
partir de 1644, sendo compartilhada por cientistas (Descartes, Huygens, Hooke, Boyle, o 
jovem Newton) e filósofos (Gassendi, Mersenne, Hobbes). Esta visão de mundo seria 
lentamente destruída pela ascensão da física de Newton e da astronomia de Kepler no 
continente europeu, a partir de 1720. Com isso, a noção de força gravitacional passou a ser 
aceita sem que se postulasse um mecanismo subjacente. 
 
 
5. A Física e Cosmologia de Descartes 
 
René Descartes (1596-1650) ganhou fama com seu Discurso do Método (1637), que 
continha um apêndice, A Geometria, no qual mostrou como escrever curvas geométricas em 
termos de equações algébricas, e vice-versa (Pierre de Fermat também estava desenvolvendo 
isso, de maneira independente). Em 1644 publicou o Princípios de Filosofia, que buscou 
explicar todos os fenômenos físicos (incluindo químicos, geológicos e astronômicos) em 
termos de matéria em movimento.19 
A matemática tinha um papel central na concepção cartesiana. A geometria,que lidava 
com formas no espaço, podia ser deduzida a partir das idéias claras e distintas do intelecto. A 
física tratava de matéria em movimento. Um engenhoso passo de Descartes foi identificar a 
matéria com a extensão, de tal maneira que a física passaria a ser uma geometria de figuras 
em movimento (“extensão” significa espaço, volume). Identificando matéria e extensão, 
 
18 Ver GAUKROGER, S. (1999), Descartes – Uma Biografia Intelectual, Contraponto, Rio, pp. 191-8. 
 
19 DESCARTES, R. (2005), Princípios de Filosofia, trad. Heloísa Burati, Rideel, São Paulo, pp. 189-93 (orig. em 
latim: 1644). As Figs. III.1 e 2 são retiradas deste livro. Sobre a filosofia mecânica em Descartes, pode-se 
também consultar DIJKSTERHUIS, E.J. (1986), The Mechanization of the World Picture, trad. C. Dikshoorn, 
Princeton U. Press, pp. 403-18 (orig. em holandês: 1950), e WESTFALL (1971), op. cit. (nota 17), pp. 30-42. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 17
quatro conseqüências eram imediatamente tiradas: i) Como o espaço é infinito, também o 
seria a matéria. ii) Como o espaço é homogêneo, haveria a mesma matéria por toda parte. iii) 
Como o espaço é infinitamente divisível, assim também seria a matéria, o que negava o 
atomismo. iv) Como não faria sentido pensar num espaço sem extensão, não haveria espaço 
sem matéria: o vácuo seria impossível. 
Descartes partiu de um princípio a priori (anterior à experiência) para derivar as leis 
gerais da física, a perfeição de Deus, e sua conseqüente invariabilidade. Porém, observamos 
mudança no mundo, significando que Deus quis que o mundo estivesse em movimento. Há 
portanto variação, mas tal variabilidade deve ser a mais simples possível, a mais “invariável” 
possível. Isso equivaleria a um ato contínuo de conservação da quantidade de movimento 
(quantitas motus) total do Universo. Tal quantidade, segundo Descartes, seria medida pelo 
produto da quantidade de matéria (massa) do corpo pela velocidade do mesmo corpo: m·v. O 
princípio de conservação de quantidade de movimento diz então que a soma da quantidade de 
movimento (m·v) de todos os corpos do Universo é sempre a mesma. É um princípio que 
ainda se aceita hoje em dia, e quem o formulou pela primeira vez foi Descartes, a partir da 
idéia clara e distinta de Deus. Na verdade, o princípio hoje aceito tem uma diferença 
importante, que é que a velocidade precisa ser tomada como um “vetor” (com direção), e não 
simplesmente como um “escalar” (um número simples, sem direção). 
Com isso, passa a enunciar três leis da natureza. A primeira é uma lei de inércia geral: 
cada coisa permanece no estado em que está, enquanto não encontra outras causas exteriores. 
Assim, um objeto tem a tendência natural de manter sua forma, por exemplo. A segunda lei é 
a da inércia linear: todo corpo que se move tende a continuar seu movimento em linha reta, 
com a mesma velocidade. Essa idéia surgiu com Galileu, mas para o cientista italiano o 
movimento inercial acabava sendo um movimento circular em torno da Terra. Para Descartes, 
em contrapartida, o movimento inercial (livre de causas) é sempre linear. Assim, um corpo 
que gira em uma corda (uma funda, Fig. III.1), se for liberado durante o movimento, escapará 
em linha reta. E essa tendência é permanente, conforme podemos sentir pela força com a qual 
a pedra girante puxa, tensiona, a corda. A terceira lei envolve um conjunto de sete regras para 
descrever o choque entre os corpos, mas os filósofos naturais da época mostrariam que essas 
leis estavam erradas, levando Huygens, Wallis e Wren a formularem independentemente as 
leis corretas, em torno da década de 1660. 
A cosmologia de Descartes baseava-se na noção de que cada estrela tinha em torno de 
si um grande vórtice, que giraria da maneira como faz o nosso sistema solar (Fig. III.2). Ou 
seja, o Sol é uma dentre as várias estrelas, e os planetas orbitam à sua volta porque são 
carregados por uma espécie de redemoinho de matéria. Descartes fez observações de 
redemoinhos em tonéis de vinho, e pode-se observar que objetos flutuantes giram em torno de 
si mesmos no mesmo sentido que a rotação do líquido: ora, é exatamente isso que acontece 
com os planetas do Sistema Solar! 
Haveria três tipos de matéria. O 1o elemento, chamado também de “matéria sutil”, 
seria constituído de lascas minúsculas que teriam se separado do choque entre a matéria dos 
outros tipos. Elas teriam um movimento muito rápido, seriam luminosas e formariam a 
matéria do Sol e das outras estrelas. Teriam migrado para o centro do vórtice por causa da 
tendência da matéria mais grossa de se afastar do centro. O 2o elemento seria constituído por 
partículas arredondadas que preencheriam os céus. Seria a matéria transparente que carregaria 
os planetas em órbita circular. O 3o elemento seria a matéria mais grossa que constitui a Terra, 
os planetas e os cometas. Ela seria opaca, apesar de o ar ser tão fino que aparece transparente. 
A “matéria celeste”, que a tudo permeia, seria constituída principalmente do 2o elemento, mas 
também conteria a matéria sutil e fragmentos do 3o elemento, incluindo ar (Princípios de 
Filosofia, IV, § 25). 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 18
O 3o tipo de matéria, que nos cerca, é cheio de interstícios, como uma esponja, e essas 
fendas estão sempre preenchidas pela matéria celeste, já que o vácuo é impossível. Da mesma 
maneira que uma esponja aumenta de tamanho quando ela é embebida em água, a matéria 
terciária expande quando é aquecida e preenchida pela matéria celeste. 
A quantidade de matéria (o que viria a ser chamada “massa”) é dada pelo volume 
ocupado pela matéria terciária. Sendo assim, por que dois objetos de igual volume (digamos 
1 litro), um de chumbo e outro de cera, têm pesos diferentes? A explicação de Descartes é que 
o chumbo tem poucos interstícios, ao passo que a cera tem muitos. Assim, o volume 
efetivamente ocupado pela matéria celeste é bem maior na cera do que no chumbo. 
 
 
 
 
Figura III.1. Pedra em movimento 
circular que é solta de uma funda 
segue a trajetória retilínea ACG. 
 
 
 
Figura III.2. Vórtices 
associados a diferentes 
estrelas. O Sol (S) está 
cercado pelas trajetórias 
circulares de seus planetas. 
Vê-se também a trajetória de 
um cometa por entre as 
células de cada vórtice. 
 
 
 
6. Explicação da Gravidade segundo a Filosofia Mecânica 
 
Por que sentimos que o chumbo é mais pesado do que a cera? Qual a origem da 
gravidade? Descartes considerava que a Terra gira em torno de seu eixo movido pelo vórtice 
de matéria celeste. Na superfície da Terra, tal matéria se move mais rapidamente do que os 
corpos grossos, como se fosse um vento. Sua tendência para sair para fora (em movimento 
“centrífugo”, assim como a funda mencionada acima) seria maior do que os corpos de matéria 
terciária, mais lentos. Essa saída da matéria celeste (que se daria inclusive por entre os 
interstícios dos corpos mais grossos) tende a criar um vácuo em baixo da matéria terciária, de 
forma que esta tem uma tendência a preencher este (quase) vácuo, descendo verticalmente (a 
mesma explicação era também dada em termos de diferenças de pressão da matéria celeste). 
Assim, os corpos caem, devido à rotação da matéria celeste em torno da Terra, para preencher 
o espaço deixado por essa matéria celeste. A explicação para a órbita da Lua em torno da 
Terra é a mesma: matéria celeste se afasta da Terra, devido ao movimento do vórtice em torno 
de nosso planeta, e a Lua é obrigada a preencher o vácuo que se formaria, desviando assim de 
seu trajeto retilíneo natural. 
Mas por que um corpo mais pesado que caiem nossa mão gera uma sensação mais 
intensa de força? Ora, os corpos caem com a mesma velocidade, como demonstrara Galileu 
(desprezando-se, é claro, o efeito retardador do ar). Pelas leis do choque, um corpo com mais 
matéria terciária (como o litro de chumbo) transmite mais quantidade de movimento 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 19
(velocidade) para a nossa mão do que o corpo com menos matéria terciária (como o litro de 
cera). Assim, o chumbo que cai em nossa mão é mais difícil de segurar. 
E se os dois corpos estiverem parados em nossa mão? Neste caso, por que o litro de 
chumbo é mais difícil de segurar do que o de cera? Aí eu não sei, pergunte ao René! 
A teoria da gravitação de Descartes tinha um problema sério, que era o fato de que a 
tendência centrífuga da matéria celeste de se afastar do centro de rotação, digamos da Terra, 
se dava apenas no plano perpendicular ao eixo da Terra. Por que então os corpos caem em 
direção ao centro da Terra, mesmo fora do Equador? 
Christiaan Huygens (1629-95) buscou resolver este problema em seu Discurso sobre a 
Causa do Peso, redigido em 1669 mas só publicado em 1690.20 Substituiu o vórtice 
cilíndrico de Descartes por um vórtice esférico, imaginando que as partículas da matéria 
etérea giram em torno da Terra em todas as direções. A velocidade v dessas partículas 
obedeceria à relação v2/r = g, onde r é o raio da Terra e g a aceleração dos corpos em queda 
livre. Uma pedra que fosse solta no ar seria atingida em sua parte superior por matéria celeste 
de velocidade maior, e assim, segundo ele, tenderia para o centro da Terra. Para sustentar sua 
teoria, Huygens realizou experimentos em uma mesa giratória com um recipiente cilíndrico de 
água, com seu centro no eixo de rotação da mesa. Pedaços de cera levemente mais pesados do 
que a água, que se encontravam no fundo do recipiente, tendiam para o centro do recipiente 
(isto é, para o eixo de rotação) a partir de uma certa velocidade de rotação, já que não 
conseguiam acompanhar o movimento da água (devido ao atrito com o fundo do recipiente). 
A teoria mecânica dos vórtices planetários explicava bem o fato de os planetas se 
moverem no mesmo plano em torno do Sol, em movimento aparentemente circular, e de suas 
rotações e revoluções se darem no mesmo sentido. Nas palavras de Huygens (1686): “Os 
planetas nadam em matéria. Pois, se não o fizessem, o que impediria os planetas de se 
afastarem, o que os moveria? Kepler quer, erroneamente, que seja o Sol.” 
A teoria da gravitação de Newton (1687) foi a primeira a explicar as leis de Kepler, e a 
evidência experimental a favor de órbitas elípticas levou tanto Huygens quanto Leibniz a tentar 
formular uma explicação mecânica para elas, em 1690 (até Newton tentou fazer isso, como 
aparece na Questão 21 de seu livro Opticks). O primeiro efeito da obra de Newton foi então o 
fortalecimento da teoria mecânica dos vórtices planetários. Mas a partir de 1720, a nova geração 
de físicos no Continente Europeu se convenceu da superioridade do programa newtoniano.21 
 
 
7. Teoria Cinética da Gravitação 
 
Em 1782, muito tempo depois da queda da filosofia mecânica, George Louis Le Sage, 
em Genebra, encontrou uma maneira elegante de explicar a lei da gravitação de Newton por 
meio de princípios mecânicos (ou seja, envolvendo apenas forças de contato). Sua teoria pode 
ser chamada uma “teoria cinética da gravitação”, inspirada na idéia formulada por Daniel 
Bernoulli para gases, em 1738. Na verdade, sua teoria é semelhante a uma proposta feita por 
um matemático suiço, amigo de Newton, Nicolas Fatio de Duillier, em torno de 1693. 
A ontologia de Le Sage envolve “corpúsculos ultramundanos”, bastante leves, que 
bombardeariam todos os corpos pesados de todos os lados. Um corpo perdido no espaço 
receberia um número de impactos mais ou menos igual de todos os lados, permanecendo 
 
20 DIJKSTERHUIS (1986), op. cit. (nota 19), pp. 461-3. Ver também MARTINS, R.A. (1989), “Huygens e a 
Gravitação Newtoniana”, Cadernos de História e Filosofia da Ciência (série 2) 1, 151-84. 
 
21 BAIGREE, B.S. (1988), “The Vortex Theory of Motion, 1687-1713: Empirical Difficulties and Guiding 
Assumptions”, em Donovan, A.; Laudan, L. & Laudan, R. (orgs.), Scrutinizing Science, (Synthese Library 193). 
Kluwer, Dordrecht, pp. 85-102. 
FLF0472 Filosofia da Física (USP - 2008) Cap. III: Filosofia Mecânica 
 
 20
assim em um estado inercial. Mas quando dois corpos estão próximos, como a Terra e a Lua, 
um deles bloquearia parte dos corpúsculos ultramundanos que atingiria o outro, como na 
formação de uma sombra. Desta forma, os corpos se atrairiam. Le Sage ajustou seus 
parâmetros de forma a obter a lei da gravitação de Newton. Para explicar porque corpos mais 
densos exercem maior força gravitacional, Le Sage teve que adotar a teoria cartesiana da 
matéria, e supor que um corpo menos denso tem mais espaço vazio em seu interior. 
A teoria cinética da gravitação é uma idéia que periodicamente volta à cena, ora 
defendida por detratores da física “oficial”, ora incorporada em teorias cosmológicas 
sofisticadas.22 
 
22 BRUSH, S.G. (1976): The Kind of Motion We Call Heat, North-Holland, Amsterdã, vol. 1, pp. 21-2. Este 
menciona alguns autores do século XX que retomam esta idéia. Ver também: GOUGH, J.B. (1970), “Lesage, 
George-Louis”, em Dictionary of Scientific Biography, Scribners, Nova Iorque, vol. 8, pp. 259-60. 
Filosofia da Física Clássica 
Cap. IV 
 
21 
Concepções Realista e Instrumentalista de “Força” 
 
Questão: A ciência deve apenas descrever o que é observável ou deve lançar 
hipóteses sobre a realidade que estaria por trás dos fenômenos? 
 
 
1. Mecanicismo com Forças à Distância 
 
O trabalho de Isaac Newton (1642-1727) pode ser visto, por um lado, como a 
culminação da tradição de pesquisa da filosofia mecânica, ao enunciar suas três leis da 
mecânica (princípio de inércia, definição de força e princípio de ação e reação). No entanto, 
especialmente em seu estudo da lei de atração gravitacional, introduziu a concepção de uma 
força que age à distância. Ao fazer isso, injetou no programa mecanicista um elemento da 
tradição do naturalismo animista (de Kepler), e foi bastante criticado por isso. No entanto, não 
seguiu explicitamente a concepção de realidade desse naturalismo renascentista, mas adotou 
uma postura “instrumentalista” de renunciar à busca de uma explicação mecânica para esta 
atração. 
Em sua juventude, Newton era partidário da concepção mecânica de Descartes e 
Huygens, adotando a visão atomista divulgada principalmente por Pierre Gassendi. No 
período 1664-66, estudou a mecânica de Descartes e assimilou o princípio de inércia e as leis 
do choque entre corpos23. A noção de “força”, “a potência de uma causa”, era concebida 
como uma pressão de um corpo sobre outro, estando restrita a choques entre corpos. Desses 
autores, herdou a noção de que a força exercida por um corpo em outro, durante um choque, é 
igual à força recebida. Passou a estudar os movimentos circulares, imaginando uma bola que 
está presa em uma arena circular, e se move chocando-se constantemente com as paredes da 
arena. Derivou uma expressão para a força “centrífuga” (também estudada por Huygens), que 
descreve o movimento de fuga em relação ao centro (e não uma atração): F = mv2/r. Juntou 
este resultado com a 3a lei de Kepler (que relaciona os períodos e os raios médios das órbitas 
dos planetas: T 2/r3 = cte.), e encontrou uma força que decresce com a distância de acordo com 
1/r2 (faça como exercício, lembrando que v=2πr/T). Ao aplicar esta fórmula para a “queda”

Outros materiais