Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Super Cirurgia Cirurgia do Estomago 15ª edição Capítulo ANATOMIA, FISIOLOGIA E HISTOLOGIA DO ESTÔMAGO Capítulo 1 Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 20152 Anatomia Órgão em forma de J, que faz a comunicação en- tre o esôfago e o duodeno. Durante a quarta semana de gestação, o estô- mago se origina do intestino anterior e cresce até a sétima semana, quando adquire forma seme- lhante ao estômago do adulto, com rotação para a esquerda de 90º. Em virtude da rotação gástrica, os troncos va- gais, que originariamente eram à direita e à esquer- da do esôfago, assumem posição posterior e ante- rior, respectivamente. Partes do estômago Cárdia: localiza-se logo abaixo da junção gastro- esofágica. Contém glândulas submucosas. Fundo: fica acima da linha horizontal que passa acima da junção GE. Corpo: dois terços proximais; é a área entre fundo e antro. Antro: terço distal; a porção terminal do antro é mais estreita e conhecida como piloro. Começa na incisura angular e vai até o piloro. Incisura angular: depressão externa na cur- vatura menor. Ângulo de Hiss: ângulo entre a face lateral esquerda do esôfago e o início da curvatura gástri- ca maior. Fundo Corpo Cárdia Grande curvatura Parte pilórica Antro pilórico Antro pilórico Piloro Pequena curvatura Incisura angular Figura 1.1 Anatomia do estômago normal: normalmente, parte pi- lórica e o antro pilórico são denominados simplesmente como antro. Fundo Piloro Antro Corpo Mucosa Figura 1.2 Mucosa do estômago. Figura 1.3 SEGD: demonstração da incisura angular (seta) na porção distal da pequena curvatura do estômago. Vascularização A irrigação arterial provém primordialmen- te do tronco celíaco. A artéria gástrica esquerda ori- gina-se do tronco celíaco e irriga a porção superior di- reita do estô mago. A artéria gástrica direita origina-se da artéria he pática, dirige-se ao longo da pequena cur- vatura e irriga a porção inferior direita do estômago. O fundo é suprido pelas artérias gástricas curtas que se originam da artéria esplênica. A grande curvatura tem sua porção superior irrigada pela artéria gastroepiploica esquerda, que se ori gina da artéria esplênica, e a porção inferior recebe san gue pela artéria gastroepiploica direita, que se origina da artéria hepática. As veias gástricas direita e esquerda dre nam a pequena curvatura dire- tamente à porta, as veias gástricas curtas drenam o fundo gástrico e a veia gastroe piploica esquerda drena a parte superior da grande curva tura, desembocando na veia esplênica. A veia gastroepi ploica direita drena a parte inferior da grande curvatura para a veia me- sentérica superior. A drenagem linfática é paralela ao suprimento arterial. 1 Anatomia, fisiologia e histologia do estômago 3 Tronco celíaco A. gástrica esquerda A. gástrica direita A. hepática própria Aa. gástricas curtas A. gastroepiploica esquerda A. gastroepiploica direita Aa. pancreatoduodenais superiores Aorta abdominal A. hepática comum A. esplênica Figura 1.4 Artérias do estômago. V. cava inferior Veia porta V. gástrica esquerda V. gástrica direita V. gástricas curtas V. gastroepiploica esquerda V. gastroepiploica direita Figura 1.5 Veias do estômago. Esfíncteres EEI: zona muscular de alta pressão, que rela- xa permitindo que o alimento chegue até o estô- mago; quando contraído, evita refluxo do conteú- do gástrico para o esôfago. Piloro: esfíncter muscular bem definido, que controla a saída de alimentos do estômago para o duo- deno, bem como previne refluxo. Inervação Parassimpática: nervo vago: a) nervo vago esquerdo – anterior ao esôfago. Fornece ramos à porção anterior do estômago, junto à curvatura gástrica menor (nervo de Latarjet); ramo hepático ao fígado; vesícula e árvore biliar. O nervo de Latarjet emite seis ramos para o estômago, junto à in- cisura angular, os quais são conhecidos como “pata de corvo” ou “pata de ganso” (Pinotti, 1993); b) nervo vago direito – posterior ao esôfago. Inerva a porção posterior do estômago (nervo de La- tarjet posterior) e dá ramo celíaco para o pâncreas, in- testino delgado e cólon direito. Tronco vagal esquerdo: anterior Tronco vagal direito: posterior Simpática: via nervos esplâncnicos maiores (6º ao 10º), que terminam no gânglio celíaco; as fibras pós-gangliônicas seguem ao longo das artérias gástri- cas. O simpático, de modo geral, modula a fisiologia secretora e motora do estômago. Ramo hepático do tronco vagal anterior Plexo hepático Ramo vagal anterior Ramos celíacos do n. vago Ramo gástrico anterior principal Gânglios celíacos Plexo das aa. gastroepiploicas Figura 1.6 Inervação do estômago. Existem duas regiões motoras, uma das quais é proximal, com a função de reservatório, que se rela- xa ao receber o bolo alimentar, em coordenação com o esôfago. A região proximal compreende o fundo gás- trico e parte (1/3) do corpo. Contrações musculares “esvaziam” a região pro- ximal, enviando o seu conteúdo para a região distal (a outra região motora). Esta tem a função de triturar os alimentos sólidos e, por meio de ondas peristálticas, enviá-los junto com os líquidos para o duodeno. Essas ondas peristálticas têm um centro de coordenação de- nominado marca-passo. As partículas sólidas só passam para o duodeno quando têm diâmetro inferior a 1 mm. O tempo médio de esvaziamento de uma refeição é de 60 minutos. A inervação vagal (parassimpática) através da acetilcolina promove a contração gástrica, enquanto a inibição da função motora é proporcionada pela inervação simpáti- ca (catecolaminas). A regulação da função pilórica é dada pelo sistema purinérgico (trifosfato de adenosina). O vago, principal via eferente entre o sistema nervoso central e o estômago, disciplina as contrações do estômago proximal, regula a pressão intragástrica e organiza as contrações do estômago distal, estas me- diante o comando do marca-passo gástrico. As secções vagais (vagotomias) alteram a motricidade gástrica. Os hormônios digestivos também têm ação so- bre a motilidade gástrica. A gastrina liberada na mu- cosa antral e duodenal aumenta a capacidade do es- tômago proximal no seu relaxamento receptivo. No estômago distal, aumenta a motilidade sem aumentar o esvaziamento para sólidos. Drenagem linfática Os vasos ou condutos linfáticos do estôma- go originam-se primariamente na mucosa gástrica (lâmina própria) e se reúnem na submucosa sob a forma de plexo, de maneira semelhante ao que ocor- Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 20154 re com os plexos arterial e venoso da submucosa. A partir desse plexo submucoso formam-se canalí- culos mais calibrosos que atravessam a túnica mus- cular e drenam na rede subserosa que cobre toda a superfície gástrica. Essas duas redes (plexos) cons- tituem o sistema linfático intrínseco do estômago. A partir do plexo subseroso, esse sistema se comunica com o sistema linfático extrínseco, formado por condutos ainda mais calibrosos que acompanham os ramos arteriais do estômago, de- sembocando, conforme a zona gástrica considera- da, em linfonodos situados ao nível dos seus qua- tro pedículos arteriais. Segundo Coller et al., a superfície gástrica (pa- redes) pode ser dividida em quatro zonas, sob o pon- to de vista da distribuição linfática. Essas zonas são delimitadas por uma linha que parte do piloro, se- guindo o eixo mediano do órgão, até atingir a cárdia, dividindo o estômago em duas metades iguais; ou- tra linha, vertical, partindo da incisura angularis em direção à metade da grande curvatura, divide essas duas metades em quatro segmentos ou zonas, a sa- ber: zonas I e II, que representam os dois quadrantes esquerdos – inferior e superior; e zonas III e IV, que correspondem aos quadrantes direitos, respectiva- mente, superior e inferior. Os linfáticos do quadrante inferior direito drenam para os linfonodos suprapilóricos (zona IV), localizados ao nível da artéria gástrica direita; os do quadrante superiordireito (zona III) drenam no grupo nodal do tronco celíaco. A drenagem do quadrante inferior esquerdo (zona I) faz-se para os linfonodos do grupo subpilórico, ao nível da artéria gastroepiploica direita e parte superior da cabeça do pâncreas (grupo suprapancreático); e, finalmente, os linfáticos do quadrante superior esquerdo (zona II) drenam para os linfonodos pan- creatoesplênicos, localizados ao nível do hilo es- plênico e da cauda do pâncreas. Essa distribuição esquemática não é rígida, pois, na realidade, existe comunicação franca en- tre os linfáticos de uma zona com os de outra, de modo que parte da linfa de um território pode drenar para linfonodos de outro território e, as- sim, sucessivamente. Figura 1.7 Distribuição linfática do estômago. Divisão do estômago em áreas ou zonas conforme esquema de Coller. Fisiologia e histologia Camadas: serosa, muscular, submucosa e mucosa. Das camadas musculares: a interna é oblí- qua; a média é circular; e a externa é longitudinal. Epitélio: cilíndrico simples com glândulas cárdi- cas, fúndicas e pilóricas. Células parietais ou oxínticas: secretam HCI e fator intrínseco. Estão no fundo e no corpo (mnemônica: PaFuCo). Células principais ou zigomáticas: secretam pepsinogênio. Estímulos colinérgicos, secretina e gastrina estimulam as células principais (mnemônica: CoSeGa). Grelina A grelina é um peptídeo de 28 aminoácidos pruduzido predominantemente pelas células endó- crinas da mucosa oxíntica do estômago, com quan- tidades substancialmente menores derivadas do intestino, pâncreas e outros órgãos. A remoção da parte produtora de ácido do estômago reduz a gre- lina circulante em torno de 80%. A grelina parece estar sob controle endócrino e metabólico, tem um ritmo diurno, provavelmente tem uma participação na resposta neuroendócrina e metabólica a altera- ções no estado nutricional e pode ser um hormônio anabólico importante. Estudos recentes têm relatado, além disso, que a grelina influencia o sistema sinalizador de insulina, implicando a grelina na homeostase da glicose. A grelina exógena reduz a secreção de insulina e tem efeitos poderosos nas células das ilhotas, sugerindo que a grelina endógena pode contribuir para o controle fisiológico de insulina e liberação de glucagon. Em voluntários humanos, a administração de grelina aumenta o apetite e a ingestão de alimen- to. Curiosamente, em pacientes que se submete- ram a derivação gástrica, os níveis de grelina são 77% inferiores aos dos controles obesos operados, um achado não observado após outras formas de cirurgia antiobesidade. Embora o mecanismo res- ponsável pela supressão dos níveis de grelina após derivação gástrica não seja conhecido, esses dados sugerem que a grelina pode ser responsiva ao fluxo normal de nutrientes por meio do estômago. 1 Anatomia, fisiologia e histologia do estômago 5 Depressão gástrica (fovéola) Células mucosas do colo Células mucosas superficiais Células parietais Células principais Istmo Colo G lâ nd ul a ox ín tic a Base (fundo) Células endócrinas Figura 1.8 Representação diafragmática da glândula gástrica oxínti- ca. Pico de acidez gástrica: uma hora após as refeições. Motilidade São três as fases da secreção gástrica: Fase cefálica: estímulo vagal diretamente sobre as células parietais (secreção ácida) e liberação de gastrina, que é o mais potente estimulador da secreção gástrica. Fase gástrica: distensão mecânica do antro pro- move secreção gástrica com estímulo adicional à libe- ração de gastrina. Fase intestinal: é mediada pela gastrina e outras substâncias humorais, quando da passagem do bolo ali- mentar para o duodeno. A secreção gástrica é inibida quando há suficiente acidificação antral por inibição da secreção de gastrina e por mecanismo nervoso. Os hormômios intestinais, secretados em resposta à aci- dificação ou pela presença de aminoácidos e lípides no duodeno, também inibem a secreção ácida, sendo os responsáveis a secretina, a colecistocinina, o VIP, o poli- peptídio inibidor gástrico (GIP) e o glucagon. 4 3 2 9 8 10 19 17 14 7 612 11 13 15 16 5 18 1 2A Figura 1.9 Irrigação arterial das vísceras abdominais superiores. 1- Tronco celíaco 2- Gástrica esquerda 2A- Ramo anterior 3- Frênica inferior esquerda 4- Gástricas curtas 5- Gastroepiploica esquerda 6- Gastroepiploica direita 7- Gástrica direita 8- Hepática comum 9- Esplênica 10- Gastroduodenal 11- Cólica média 12- Pancreaticoduodenais posterior e anterior (superior e inferior) 13- Mesentérica superior 14- Pancreática superior (dorsal) 15- Pancreática inferior (transversal) 16- Pancreática maior 17- Cística 18- Hepática direta 19- Hepática esquerda ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 helicobacter pylori Capítulo 2 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA 2 Helicobacter pylori 7 Introdução Em 1984, Marshall e Warren publicaram um arti- go intitulado “Unidentified curved bacilli in the stoma- ch of patients with gastritis and peptic ulceration”, pro- pondo uma etiologia infecciosa para a doença ulcerosa e, assim, revolucionando a prática da gastroenterologia. Hoje, a Helicobacter pylori é implicada numa variedade de patologias, da gastrite ao adenocarcinoma gástrico. A H. pylori é uma bactéria Gram-negativa e espirala- da, e tem os seres humanos como único reservató- rio. O estômago normalmente é estéril, porém a bacté- ria consegue colonizar este ambiemte hostil. Graças aos seus flagelos, ela é móvel e consegue penetrar na muco gástrico. E, ainda, é produtora de urease que hidro- lisa a ureia até amônia e bicarbonato, o que eleva o pH do microambiemte ao seu redor, e permite sua sobrevivência. O H. pylori reconhece e liga-se a deter- minados receptores expressos pelas células epiteliais de tipo gástrico, e é capaz de aderir fortemente à superfí- cie da célula epitelial. Foram identificados organismos aderidos ao epitélio gástrico ectópico em todo o TGI, ou seja, esôfago (Barrett), duodeno (metaplasia gástrica), intestino delgado (divertículo de Meckel) e reto (placas ectópicas de mucosa gástrica). Figura 2.1 Helicobacter pylori, bactéria Gram-negativa, espiralar e flagelada. Prevalência e fatores de risco O H. pylori tem distribuição cosmopolita, e esti- ma-se que cerca de metade da população mundial es- teja infectada. A prevalência da infecção aumenta com a idade, e é inversamente proporcional ao nível socioe- conômico. Assim, em países em desenvolvimento a taxa de infecção chega a 80%, e em países indus- trializados chega a 50%. A soroprevalência é igual- mente encontrada em homens e mulheres. A trans- missão interpessoal é considerada a mais importante, conforme é evidenciado em estudos com famílias que moram em condições de aglomeração. Estudos utili- zando tipagem de DNA confirmaram que membros de uma mesma família tendem a ser infectados pela mesma cepa de bactéria. A via pela qual ocorre a in- fecção pode ser fecal-oral ou oral-oral. Patogenia Os mecanismos pelos quais a bactéria produz di- ferentes quadros patológicos no estômago e no duode- no não são totalmente conhecidos. Presumivelmente, fatores da bactéria, do hospedeiro e ambientais con- tribuem para estabelecer evoluções clínicas diversas. Dentre os principais mecanismos patogênicos envol- vidos estão os fatores de virulência do micro-organis- mo e a resposta inflamatória da mucosa. H. pylori expressa uma série de proteínas, entre elas a urease. Urease hidroliza a ureia em dióxido de carbono e amônia. A amônia neutraliza o ácido clorí- drico e permite que a bactéria sobreviva no meio ácido. A motilidade da bactéria provida por seus flage- los tem um papel central na colonização do estômago e permite que ela se mova pelo muco gástrico e alcance as células epiteliais. A maioria das cepas da H. pylori expressa a citotoxina vacuolizante (vacA), essa citotoxina é incorporada pela célula epitelial do hospedeiro e induz apoptose. A citotoxina não é essencial paraa colonização gástrica, porém é associada à doença mais grave. Cepas produtoras de vacA são mais co- mumente isoladas de pacientes com úlcera péptica, atrofia gástrica e câncer gástrico. Já o gene cagA codifica a proteína cagA. Pacien- tes com úlcera duodenal, gastrite atrófica e car- cinoma gástrico são mais comumente infectados com cepas cagA-positivas do que cagA- negati- vas. As cepas cagA- positivas são mais virulentas, as- sociadas a maior grau de infiltração de polimorfonu- cleares neutrófilos, produção de interleucina-8 e têm íntima associação com cepas vacA- S1. A infecção pelo H. pylori induz um infiltrado in- flamatório na mucosa gástrica de neutrófilos, monó- citos, linfócitos e plasmócitos e a expressão de cito- cinas pró-inflamatórias como interleucinas (1, 2, 6 e 8), fator de necrose tumoral (alfa) e interferon-γ. As respostas inflamatória e imune podem agravar as le- sões degenerativas do epitélio, desencadeadas pela bactéria. Algumas cepas (cagA) parecem estar envol- vidas na magnitude e característica da produção de citocinas (IL-8), sendo portanto de importância no grau de inflamação gástrica crônica e no espectro da doença. Mas, o mais provável, é que a intensidade e a forma das respostas inflamatória e imune, associadas à virulência da cepa, possam estabelecer doenças gas- troduodenais diferentes. É de longa data o conhecimento da importância da secreção ácida na patogênese da úlcera péptica. Os pacientes com úlcera duodenal apresentam várias alte- rações na produção de ácido: prejuízo da inibição ácida na liberação da gastrina, maior secreção de ácido basal Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 20158 e pós-estímulo e maior acidez no duodeno. Hoje já está bem estabelecido que a infecção pelo H. pylori é asso- ciada com a diminuição da liberação da somatostatina e aumento da liberação de gastrina pelo antro gástrico. Essas alterações são encontradas de forma similar nos indivíduos infectados, com ou sem úlcera duodenal, e retornam ao normal após a erradicação da bactéria. A infecção pelo H. pylori também se acompanha de maiores níveis de ácido no duodeno, decorrente da maior produção de ácido pelo estômago e menor pro- dução de bicarbonato pelo duodeno que são revertidos com a erradicação. A maior produção de ácido predispõe a metaplasia gástrica no duodeno. A hipótese é que a bactéria antes restrita ao estômago colonizará também as áreas de metaplasia gástrica no duodeno. Como re- sultado, ocorrerá duodenite crônica que facilita a retro- difusão de íons hidrogênio, é subsequente ulceração. Patogenia do Helicobacter pylori Toxinas VacA CagA Reposta imune Produção de citocinas Recrutamento de células inflamatórias Produção de imunoglobulinas Secreção ácida Hipocloridria inicial Hipercloridria a longo termo Gastrina sérica elevada Diminuição da produção de gastrina Secreção de bicarbonato Redução da secreção duodenal de bicarbonato Tabela 2.1 Corpo IL-8+ Célula inflamatória ECS SMS FNT-α IL-1β IL-8+ IL-8 FNT-αCélula inflamatória IFN-γ D D G P ácido ++ + + + +– – – – –– – – H. pylori Figura 2.2 Resumo dos possíveis mecanismos pelos quais o H. pylori pode dar origem a anormalidades gástricas. D: célula da so- matostatina; ECS: célula símile a entercromafin; G: célula G; IFN: interferon; IL: interleucina; P: célula parietal; SMF: somatostati- na; FNT: fator de necrose tumoral. História natural Não está claro se a história natural do H. pylori (Hp) ocorre diferentemente em partes diferentes do mundo. Os fatores genéticos do hospedeiro, as cepas do Hp envolvidas e fatores ambientais interagem en- tre si e todos os infectados têm gastrite crônica ati- va. Certas cepas parecem ter sobrevivido mais efeti- vamente na evolução epidemiológica da doença – por exemplo, as cepas cagA- positivas, que podem sobrevi- ver melhor que as outras. A maioria dos infectados pelo Hp nunca sofre quaisquer sintomas relacionados à infecção. A eliminação espontânea da infecção é inco- mum. A proporção de pessoas que desenvolve doen- ças sérias como a DUP (doença ulceropéptica) é 15%- 20%, e menos que 1% desenvolverá câncer gástrico. Infectados têm 2 a 6 vezes maior risco de de- senvolver câncer e linfoma tipo tecido linfoide as- sociado a mucosa (MALT) gástricos em comparação com os não infectados. Alto nível de produção ácida Baixo nível de produção ácida Mucosa gástrica normal Gastrite atrófica predominante no corpo Gastrite predominante no antro Úlcera duodenal Linfoma MALT Úlcera gástrica Metaplasia intestinal Displasia Câncer gástrico Pangastrite não atrófica Infância Idade avançada Infecção crônica pelo H.pylori Infecção assintomática por H.pylori Infecção aguda pelo H.pylori Figura 2.3 História natural da infecção pelo H. pylori. Figura 2.4 Mucosa gástrica colonizada por H. pylori aparecendo como bacilos curvados na superfície da mucosa. 2 Helicobacter pylori 9 Diagnóstico A infecção pelo H. pylori pode ser diagnosticada por métodos invasivos e não invasivos. Os métodos não invasivos incluem o teste respiratório da ureia, sorologia e pesquisa de antígenos fecais. O teste res- piratório é baseado na produção de urease pela H. pylori na mucosa gástrica. Nele é utilizada ureia marcada com C14 e na presença da urease, é formado dióxido de carbono marcado com C14, que é expirado. A sensibilidade e especifidade do teste é de 90%, e sua principal indicação é a pesquisa do H. pylori após o tratamento para sua erradicação. Os testes sorológicos são amplamente usados nos estudos epidemiológicos, e sua sensibilidade e es- pecifidade são de 90%, porém o nível sorológico não volta ao normal após a erradicação da bactéria e esse teste não deve ser utilizado na prática clínica. Os métodos invasivos são aqueles realizados por endoscopia. Indivíduos com mais de 45 anos de idade, ou aqueles com sintomas significantes, que incluem sangra- mento gastrointestinal, anemia, perda de peso, disfagia devem se submeter a endoscopia. Durante a endoscopia biópsias do antro devem ser realizadas e a pesquisa da presença do H. pylori pode ser feita por histologia, cultura ou pelo teste da urease. A histologia demonstra a presen- ça da bactéria na mucosa gástrica e fornece o grau de alte- rações histopatológicas; sua sensibilidade e especifidade são de 95%, porém é examinador-dependente. A cultura da H. pylori é um método dispendioso e demorado, sua sensibilidade é de 80% e sua especifidade é de 99%, po- rém é examinador dependente. A cultura não é um exame de rotina e fica reservada para os casos de infecção recor- rente, pois permite a realização de antibiograma. O teste da urease é o mais amplamente utilizado pela sua rapidez e economia, sua sensibilidade e especifici- dade são de 98%, mas falsos-negativos podem ocor- rer sob o uso de IBP’S ou sob antibioticoterapia. Métodos diagnósticos Testes para diagnóstico de H. pylori Teste Sensibilidade (%) Especificidade (%) Comentários Não invasivo Sorologia 88-99 86-95 Utilizado em estudos epidemiológicos, não é usado na prática clínica Análise da ureia respiratória 90-97 90-100 Sua principal indicação é o seguimento após a tera- pia de erradicação Invasivo Ensaio rápido de urease 89-98 93-98 O mais utilizado (padrão-ouro); falso-negativo com uso recente de IBP, antibióticos ou compostos de bismuto Histologia 93-99 95-99 Exige processamento de patologia e coloração Fornece informações histológicas Cultura 77-92 100 Demorado, dispendioso e depende de experiência Permite determinar a sensibilidade a antibióticos Tabela 2.2 Tratamento HP Estudos indicam que a antibioticoterapia visan- do à erradicação da H. pylori acelera a cicatrização da úlcera e diminui a recidiva, talvez por aumentar a re- sistência da mucosa contra os mecanismos agressivos. A escolha do esquema terapêutico, entre muitos disponíveis, deve recair sobre os que se acompanham de índices de cura de pelo menos 80%. A combinação de um IBP comamoxilina e claritromicina vem sendo a associação mais utilizada atualmente, embora a de outros fármacos, como subcitrato de bismuto coloidal e amoxilina ou tetraciclina ou claritromicina, metroni- dazol ou tinidazol, associados a um IBP, seja a segun- da mais frequente. O tratamento deve durar de 7 a 14 dias (atualmente utiliza-se o protocolo de 7 dias). Indicações � Úlcera gastroduodenal, ativa ou cicatrizada. � Linfoma MALT de baixo grau. � Pós-cirurgia para câncer gástrico avançado, em pacientes submetidos a gastrectomia parcial. � Pós-ressecção de câncer gástrico precoce (en- doscópica ou cirúrgica). � Gastrite histológica intensa. Outras situações � Pacientes de risco para úlcera/complicações que utilizarão AINEs. Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201510 � Pacientes com história prévia de úlcera ou he- morragia digestiva alta (HDA) que deverão usar AINEs inibidores específicos ou não da COX-2. � Indivíduos de risco para câncer gástrico. � Pacientes de risco para úlcera ou complica- ções que deverão usar cronicamente deriva- dos do ácido acetilsalicílico (AAS), mesmo em doses baixas. Esquemas de tratamento 1) Inibidor de bomba protônica (IBP) em dose padrão + amoxicilina 1 g (ou metronidazol 500 mg) + claritromicina 500 mg, duas vezes ao dia, durante sete dias. Este é o esquema de escolha no nosso meio. 2) IBP em dose padrão, uma vez ao dia + claritro- micina 500 mg duas vezes ao dia + furazolidona 200 mg duas vezes ao dia, durante sete dias. 3) IBP em dose padrão, uma vez ao dia + furazolidona 200 mg três vezes ao dia + cloridrato de tetraciclina 500 mg quatro vezes ao dia, durante sete dias. Controle da erradicação deverá ser verificado em: � Úlcera duodenal. � Úlcera gástrica. � Linfoma MALT de baixo grau. Controle da erradicação Oito semanas, no mínimo, após o final da medi- cação anti-H. pylori. Através do teste respiratório com ureia marcada, quando não houver indicação para en- doscopia. Na eventualidade do exame endoscópico, através de teste da urease e histologia. Antissecretores deverão ser suspensos sete a dez dias antes do exame de controle da erradicação. Retratamento HP Há uma variação considerável entre os grupos de consenso em relação à melhor terapia de “resgate”. A escolha deve levar em conta a resistência primária do Helicobacter pylori à claritromicina, ao metronidazol, à tetraciclina e à amoxicilina em adultos de diferen- tes partes do mundo, mas de acordo com o Consenso Brasileiro. Após a falência de um dos tratamentos ini- ciais propostos, recomenda-se mais duas tentativas de tratamento, com duração, ou estendendo, o de 7 a 14 dias, não se repetindo o esquema inicial. Erradiação do Helicobacter pylori Esquemas de tratamento Inibidor de bomba de prótons 2 x/dia por 7 dias Amoxilina 1.000 mg 2 x/dia por 7 dias Claritromicina 500 mg 2 x/dia por 7 dias Bismuto-ranitidina 400 mg 2 x/dia por 7 dias Claritromicina 500 mg 2 x/dia por 7 dias Inibidores de bomba de prótons 2 x/dia por 7 dias Tinidazol 500 mg 2 x/dia por 7 dias Claritromicina 500 mg 2 x/dia Esquemas de retratamento Omeprazol 20 mg 1 x/dia por 7 dias Furazolidona 200 mg 3 x/dia por 7 dias Tetraciclina 500 mg 3 x/dia por 7 dias Omeprazol 20 mg 2 x/dia 7 dias Levofloxacino 250 mg 2 x/dia 7 dias Furazolidona 200 mg 2 x/dia 7 dias Obs.: A furazolidona é um medicamento IMAO-símile e o paciente deve ser adequadamente orientado sobre seus efei- tos adversos. Durante o tratamento com esse medicamento, deve-se recomendar a abstinência de álcool e de alimentos com tirosina (queijos, ovos, chocolates e defumados). Não é adequado usar antidepressivos comcomitantemente. Exis- tem esquemas prontos para o tratamento, como o Heliclar®, PyloriPac®, HelicoPac®, Erradic® Tabela 2.3 ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 Dispepsia Capítulo 3 Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201512 Introdução A criteriosa avaliação de acometidos por dispep- sia demanda conhecimento e experiência e redunda na acurácia diagnóstica, redução de iatrogenia e eco- nomia de tempo e de recursos, satisfazendo paciente, médico e sociedade. Todo médico, a despeito da espe- cialidade, deve estar preparado para principiar a abor- dagem do paciente com condição prevalente, como gripe, cefaleia, lombalgia, obstipação ou dispepsia. Epidemiologia A incidência de dispepsia na população é bastan- te alta. Variando entre 25 e 40% e na atenção primária representa de 2 a 5% da procura assistencial. Definição Dispepsia é uma síndrome caracterizada por dor ou pirose centrada no andar superior do abdome (epigástrio) ou ainda por sintomas de desconforto pós-prandial, caracterizada por saciedade precoce ou plenitude pós-prandial. Para fins didáticos e principal- mente de pesquisa, a caracterização da síndrome deve atender também aos critérios: � os sintomas devem estar presentes por pelo me- nos três meses, consecutivos ou não, com início há pelo menos seis meses do diagnóstico; � a dor ou pirose devem estar restritas a região do epigástrio; � os sintomas podem estar associados a náuseas, vômitos ou eructação; � os sintomas não podem estar associados a sin- tomas digestórios baixos, pirose retroesternal, azia ou regurgitação; � a associação com sintomas como febre, icte- rícia, visceromegalia ou comprometimento de múltiplos órgãos deve exigir a revisão da hipótese diagnóstica. Sintomas e características de dispepsia ou síndrome dispéptica Sintomas de dispepsia Dor epigástrica (se em queimação: azia ou pirose epigástrica) Desconforto epigástrico Náusea Vômitos Saciedade precoce Sintomas e características de dispepsia ou síndrome dispéptica (cont.) Sensação de distensão sem alteração objetiva Plenitude, peso ou empachamento Características de dispepsia Não exclusivamente relacionada ao sistema digestório ou à alimentação Influência de fatores como estresse e alimentação Não necessariamente aliviada por antiácido ou alimento Independe do tempo, podendo ser aguda, intermitente ou persistente Tabela 3.1 Classificação Sendo várias as doenças ou as condições que se manifestam pelo conjunto de sintomas dispépticos, é fundamental uma classificação abrangente. Não mais cabem dispepsia ácida, atônica, gástrica, intestinal, nervosa, reflexa, biliar, entre outras antes emprega- das. A primeira distinção a ser feita refere-se à neces- sidade de investigação, indicada somente para a mino- ria dos acometidos, daí a divisão em duas categorias: dispepsia não investigada e dispepsia investigada. A dispepsia investigada pode ser orgânica ou funcional (DF). Dispepsia orgânica envolve alterações bioquímicas e/ou morfológicas. Além das doenças diges- tivas, é secundária à ingestão de drogas ou a condições extradigestivas ou não primárias do sistema digestório, como distúrbios eletrolíticos, metabólicos, endócrinos, infecciosos, musculoesqueléticos ou cardiovasculares. Dispepsia, síndrome do intestino irritável e obs- tipação crônica compõem os principais distúrbios di- gestivos funcionais, em que não há alteração orgânica (metabólica ou estrutural) nem comprometimento sistêmico que justifiquem os sintomas. Etiologia As condições mórbidas mais prevalentes rela- cionadas ao trato digestivo alto envolvem doença do refluxo gastroesofágico e dispepsia. Dispepsia aco- mete em média 25% da população adulta (variando de 8% a 54%, de acordo com a população avaliada) e tem incidência anual de 1% a 2%. Motiva até 10% das consultas a clínicos gerais e 20% a 40% das consultas a gastroenterologistas. Somente uma minoria procu- ra auxílio médico (menos de 1/4 dos acometidos), e a quase totalidade dos pacientes recebe prescrição de medicamento. A maioria dos acometidos não procura assistência médica, automedica-se. 3 Dispepsia 13 A dispepsia motiva vultosas despesas diretas (con- sultas, exames subsidiários, internações, aquisição de medicamentos) e indiretas (absenteísmo, perda de pro- dutividade).De forma geral, da população que procura assistência médica com quaisquer queixas digestivas, 60% têm doenças orgânicas, sendo o trato digestivo alto responsável por 75% delas. Em relação aos quadros fun- cionais, a dispepsia corresponde a 25%. Na maioria dos pacientes com dispepsia, constata-se que 60% a 70% das alterações do trato digestivo alto, considerando dispepsia de evolução crônica, decorrem de distúrbios funcionais (nessa condição, a DF sobrepuja a orgânica). Jovens têm maior probabilidade de desenvolver DF; e indivíduos que iniciam o quadro dispéptico com idade superior a 45 ou 50 anos, de processos orgânicos. Além da idade, outros fatores devem ser considerados: � Antecedentes pessoais ou familiares de úlcera péptica (UP) ou neoplasia; � Antecedentes pessoais de etilismo (risco de hepa- topatia ou pancreatite crônica) e/ou de tabagismo (neoplasia de esôfago, estômago e pâncreas). � Uso de fármacos (especialmente anti-inflamatórios). Causas de Dispepsia Pépticas Dispepsia funcional Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) Úlcera péptica Não pépticas Gastropatias específicas (tuberculose, citomegaolvírus, sar- coidose, doença de Crohn) Neoplasias Síndrome da má absorção Colelitíase Não digestivas Doenças metabólicas (diabetes, tireoidopatias, hipertireoi- dismo, distúrbios eletrolíticos) Doença coronariana Colagenoses Medicamentos (anti-inflamatórios não esteroidais, antibió- ticos, xantinas, alendronato) Transtornos psiquiátricos (somatização, ansiedade, depres- são, pânico, distúrbios alimentares) Tabela 3.2 Diagnóstico A avaliação clínica bem conduzida possibilita o diagnóstico e a definição do tipo de dispepsia, indi- ca a necessidade de investigação armada e fornece elementos para a priorização dos exames. A inves- tigação armada dessa prevalente condição não deve ser feita para todos os pacientes, pois além de im- plicar dispêndio de tempo e de recursos e emprego de propedêutica invasiva para significativa parcela de pacientes, os resultados são usualmente normais (predomínio de portadores de DF). Assim, apesar de não existir algoritmo universal para a abordagem, é indispensável adotar critérios que possibilitem a seleção de pacientes a serem investigados. Deve-se identificar quem tem probabilidade de portar pro- cesso orgânico, evitando-se desperdício e riscos. Por outro lado, deve haver segurança para não se dei- xar de investigar quando necessário, postergando o diagnóstico e inviabilizando a cura. Além de hemograma e protoparasitológico de fezes, dosagem de eletrólitos e de enzimas hepáticas, pode ser necessária a realização de outros exames. A endoscopia digestiva alta (EDA) é exame pa- drão-ouro para o diagnóstico das doenças do trato digestivo alto; assim como ultrassonografia para as colecistopatias litiásicas e tomografia computadoriza- da para as pancreatopatias (condições passíveis de se exteriorizar com dispepsia). A escolha do exame subsidiário deve se basear na clínica, todavia, de forma geral, a investigação se principia pela EDA. Normalidade à EDA ocorre em 38% dos pacientes dispépticos com menos de 25 anos e em somente 20% dos maiores de 70 anos. Diante da normalidade da EDA, pode ser necessário prosseguir com a investigação. Uso de droga, alteração metabólica ou doença extradigestiva podem justificar queixas, cuja reso- lução ou melhora deve decorrer da interferência naquela condição. Por exemplo, paciente hiper- tenso em uso de hidroclorotiazida pode desenvol- ver dispepsia em decorrência de hipocalemia, cuja correção deve acompanhar-se do desaparecimento da queixa. Por outro lado, paciente etilista com dis- pepsia pode resolver o problema (gastropatia) com abstinência, mas manterá desconforto caso tenha sequelas (pancreatite crônica). Persistindo o qua- dro, está indicada a investigação. Sinais de alarme ou indicativos de quadro orgânico ocorrem com maior frequência em pa- cientes com mais de 45 anos de idade. São eles: disfagia, icterícia, sangramento (anemia, perda de sangue nas fezes ou no vômito), perda de peso, exame físico alterado ou sono prejudicado pela queixa (acrônimo DISPEFs). Quando ocorre sinal de alarme, a idade supera 55 anos (geralmente > 55 anos) ou há antecedentes pes- soais ou familiares de alteração orgânica, bem como manutenção de queixas, apesar do tratamento sinto- mático, impõe-se investigação. Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201514 Sintomas dispépticos Dispepsia sem re�uxo ou uso de antin�amatórios Sintomas de re�uxo (pirose retroesternal, azia ou regurgitação) Dispepsia com uso de antin�amatório Tratar como doença de re�uxo gastroesofágico Suspender antin�amatório e medicar com inibidor de bomba de prótons ou bloqueadores H2 Com sinais de alarme ou mais de 55 anos Sem sinais de alarme ou menos de 55 anos Endoscopia digestiva Prova terapêutica com inibidor de bomba de prótons ou bloqueador H2 Normal, gastrite ou duodenite Esofagite, úlcera ou câncer Dispepsia funcional Tratamento especí�co Falha ou recidiva Sinais de Alarme • Emagrecimento não explicado • Sinais de sangramento • Anemia • Sangramento digestório (hematêmese, melena) • Obstrução e presença de massas • Icterícia • Visceromegalia ou massas abdominais • Disfalgia progressiva • Vômitos persistentes • Cirurgias gástricas prévias • Sintomas sistêmicos • Idade (> 55 anos) Figura 3.1 Abordagem da dispepsia não diagnósticada. Critérios diagnósticos da dispepsia funcional (ROMA III) 1. Deve incluir 1 ou mais dos seguintes sintomas: a) plenitude pós-prandial; b) saciedade precoce; c) dor epigástrica; d) pirose epigástrica 2. Não deve haver evidência de doença orgânica que explique os sintomas (se necessário, realizar endoscopia). 3. Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, 3 meses, com início há, pelo menos, 6 meses do diagnóstico. Síndrome do desconforto pós-prandial 1. Deve apresentar 1 ou ambos dos seguintes sintomas: a) plenitude pós-prandial, ocorrendo depois de refeições habituais, várias vezes por semana; b) saciedade precoce, que impede o término de uma refeição habitual, várias vezes por semana. 2. Os sintomas devem estar presentes por, pelo menos, 3 meses, com início há pelo menos 6 meses do diagnóstico. 3. Náusea pós-prandial, eructações excessivas e estufamento do abdômen superior podem estar presentes. Síndrome da dor epigástrica 1. Deve apresentar todos os seguintes critérios: a) dor ou queimação localizadas no epigástrio, de moderada gravidade, pelo menos 1 vez por semana; b) deve ser intermitente; c) não deve ser generalizada nem irradiada para outras regiões do abdômen ou tórax; d) não deve ser aliviada pela evacuação ou eliminação de gases; e) não deve preencher critérios para doenças da vesícula ou do esfíncter de Oddi. 2. Deve estar presente por, pelo menos, 3 meses, com início há, pelo menos, 6 meses do diagnóstico. 3. Pode ter característica de queimação, mas não pode irradiar para a região retrosternal. 4. Pode ser induzida ou melhorada pela alimentação, mas deve ocorrer em jejum. 5. Pode estar presente a síndrome do desconforto pós-prandial. Tabela 3.3 3 Dispepsia 15 Diagnóstico diferencial Várias são as associações e os diagnósticos diferenciais, destacando-se erro alimentar, parasi- tose intestinal, intolerância à lactose, doença por refluxo gastroesofágico, síndrome de intestino ir- ritável e neoplasias. Pacientes com doença cardíaca, com frequência, relacionam seus sintomas a problemas de digestão. A angina pectoris pode ser desencadeada ou piorar com a refeição ou com a prática de atividade física após a refeição. Pacientes com infarto agudo do miocárdio podem apresentar-se com dor epigástrica, bem como aqueles com aneurisma roto de aorta ou pericardi- te. Situações estressantes podem suscitar dispepsia relacionada à cardiopatia ou a quadro funcional. A angina abdominal é desencadeada por alimentação. Esclerodermia, lúpus eritematoso e uso de corticos-teroides, digitálico, potássio, entre outros, são asso- ciados a sintomas dispépticos. Gastrite crônica associa-se à infecção por H. pylori, mas não à dispepsia (que, excepcionalmen- te, determina sintomas). A gastrite atrófica so- mente se manifesta por ocasião de anemia ou de fenômenos autoimunes concomitantes. Mesmo nas gastroduodenites agudas ou nas lesões agudas da mucosa gastroduodenal (LAMGD), com erosão e hemorragia, os sintomas podem estar ausentes em até 40% dos casos. Gastrite aguda é quadro dispéptico caracterizado clinicamente por dor epi- gástrica, náusea e vômitos, que se exacerbam com a alimentação, e frequentemente está associada à ingestão de bebidas alcoólicas ou ao uso de anti- -inflamatórios não esteroides (AINE). Grande parte dos pacientes com úlcera pépti- ca (UP) apresenta dispepsia, mas a maioria dos com dispepsia não tem UP. Sintomas dispépticos em portadores de UP ou de DF podem ser os mesmos. Nos portadores de úlcera, predominam tabagismo, clocking (acordar à noite por causa da dor), históri- co familiar, capacidade para se alimentar logo após vomitar, perda de peso (nos com úlcera gástrica) ou alívio com alimentação (nos com úlcera duodenal). Todavia, nenhum desses sintomas é discriminativo, ficando a palavra final com a EDA. Portadores de UP, curados com a erradicação do H. pylori e que não usaram AINE, podem manter sintomas, quer por doença do refluxo gastroesofágico, quer por DF. A colelitíase é mais comum nos idosos e nor- malmente não determina sintomas. A cólica biliar é episódica, intensa, perdura por algumas horas, costuma ocorrer no hipocôndrio direito e irradiar para as costas; é desencadeada pela ingestão de alimentos gordurosos. Dor abdominal vaga, into- lerância a alimentos gordurosos e flatulência são sinais frequentes em pacientes com ou sem cálcu- los biliares. A mal caracterizada “dispepsia biliar” pode ocorrer em pacientes com cálculos e decorrer da dismotilidade da árvore biliar (como disfunção do esfíncter de Oddi, por exemplo). É crescente o achado incidental de cálculos à ultrassonografia, e a relação fisiopatológica de colelitíase e dispepsia não foi estabelecida. A pancreatite aguda pode provocar vômitos e intensa dor abdominal de início abrupto, persistente, com irradiação em faixa e para as costas. A pancre- atite crônica deve ser lembrada quando o principal fator de risco (etilismo) associar-se a alterações bio- químicas (elevações intermitentes de amilasemia e/ ou lipasemia) e imagenológicas. Quando a dor irradia para as costas e perturba o sono, além de pancreatite crônica, deve-se suspeitar de neoplasia pancreática, especialmente quando diabetes mellitus for recente- mente diagnosticado. Qualquer neoplasia abdominal pode determinar dispepsia, e o diagnóstico de câncer precoce é funda- mental, dada a possibilidade de cura. O mais frequente é o carcinoma gástrico, que compromete, geralmente, pacientes com mais de 50 anos, com dor que aumenta com a alimentação levando à hiporexia e à diminuição de peso. A perda ponderal também ocorre na síndrome de má absorção, a qual é suspeitada quando dor ou disten- são abdominal, flatulência e perda ponderal estiverem associadas à diarreia profusa. Mais de 40% dos pacientes com dispepsia têm suspeita de portarem câncer, espe- cialmente gástrico, mas somente 1% a 3% têm a doença. A síndrome de intestino irritável é uma de- sordem funcional em que os sintomas recorrentes ou contínuos de dor abdominal e flatulência, asso- ciados a alterações do hábito intestinal (irregulari- dade, desconforto e mucorreia) são aliviados com a eliminação de gases e fezes. Na presença desses sintomas, impõe-se o diferencial com quadro de in- tolerância à lactose. A parasitose intestinal é muito prevalente no Brasil e sua investigação deve ser realizada pelo me- nos por meio do protoparasitológico de fezes, uma vez que pode não se exteriorizar pela eliminação do helminto, por exemplo. Tratamento O comum erro alimentar, detectado por meio de pesquisa do dia gástrico (muitas vezes, esquecido pelo médico), possibilita a detecção de fatores como: mastigação deficiente (pressa ao comer ou mesmo Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201516 falta de dentes); alimentação sob tensão emocio- nal ou sem regularidade; alterações quantitativas (quantidade excessiva) ou qualitativa (excesso de alimentos gordurosos, condimentos, doces, bebi- das gasosas, café ou álcool). Nessa situação, a (re) educação alimentar é fundamental, e as medidas medicamentosas, adjuvantes. Além da correção da forma de se alimentar, a eliminação dos excessos e a restrição a determinados alimentos podem resolver o problema. Flatulência, empachamento e disten- são abdominal, por exemplo, podem ser eliminados mediante restrição de grãos (feijão, ervilha, grão- -de-bico), batata-doce, repolho, couve-flor, doces, farináceos e alimentos dietéticos. O hábito intestinal deve ser avaliado. Não rara- mente, pacientes dispépticos apresentam obstipação. A correção do hábito intestinal é, por si, frequente- mente acompanhada de melhora da dispepsia. Outras vezes, há intolerância à lactose ou síndrome de intes- tino irritável associada à dispepsia, que melhora com o tratamento daquelas condições. A correção de excesso ponderal e a eliminação do abuso tabágico ou alcoólico podem ser suficien- tes para a melhora do paciente. A simples suspen- são ou redução de dose de determinadas medicações pode fazer com que haja resolução, prescindindo da investigação diagnóstica. A experiência evidencia que, para o sucesso do tratamento, deve-se transmitir segurança para o paciente e enfatizar a ausência de doenças que determinem incapacidades, risco de morte ou ne- cessidade de cirurgia. O paciente deve compreender que mudanças no estilo de vida podem ser determi- nantes para sua melhora. Conduta alternativa para pacientes arrolados no grupo dispepsia não investi- gada é a pesquisa de H. pylori, e erradicação ou indi- cação de EDA para os positivos. Veja a seguir as orientações para o tratamento da dispepsia. Proposta Terapêutica para Dispepsia Funcional Dor epigástrica Desconforto pós-prandial Inibidor de bomba (dose habitual) Procinéticos Sem Resposta Sem Resposta Procinéticos Inibidor de bomba (dose habitual) Sem Resposta Inibidor de bomba (dose dupla) Sem Resposta Antidepressivo tricíclico Sem Resposta Psicoterapia Sem Resposta Erradicação do H.pylori Sem Resposta Medicamentos experimentais: sumatriptan, buspirona Figura 3.2 Orientação terapêutica na dispepsia funcional. Atenção: 1. O tratamento inicial deve ser no mínimo 2 semanas. 2. Não havendo resposta, dobrar a dose de IBP e manter por 4-12 semanas. 3. Pacientes de dificil controle, prescrever anti- depressivos. 4. Pacientes sem resposta aos esquemas acima e exclusão de outras causas e que seja H. pylori positivo considera-se razoável envadicar esta bactéria. 5. Sem resposta: drogas ainda não indicadas na prática clínica (buspirona, nizatidina, acotiami- da e itopride). ROTEIRO PROPEDÊUTICO BÁSICO eM GINECOLOGIA Capítulo 2 gastrites Capítulo 4 Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201518 Introdução O termo gastrite deve ser reservado para a in- flamação da mucosa gástrica documentada histologi- camente, decorrente de injúria de origem diversa, em geral associada a uma resposta inflamatória aguda, crônica ou mista, e que se expressa clinicamente como uma síndrome dispéptica. As causas mais comuns de gastrite aguda são infecciosas. O H. pylori pode desencadear um quadro agudo de gastrite. O micro-organismo penetra na ca- mada de muco e se multiplica em contato íntimo com as células epiteliais do estômago. O epitélio responde com depleção de mucina, esfoliação celular e altera- ções regenerativas iniciais. Este quadro pode se ex- pressar clinicamente por dor epigástrica súbita, náu- seas e vômitos. Se não houver tratamento, o quadro evoluirá para gastrite crônica.A gastrite crônica é definida como um processo inflamatório que histologicamente se caracteriza por um infiltrado celular formado por linfócitos e plasmó- citos. A evolução do processo inflamatório poderá ser estadiada em duas etapas: 1. Gastrite superficial, em que o processo infla- matório está confinado à lâmina própria da mucosa superficial, com as glândulas gástricas íntegras, sepa- radas por edema e infiltrados celulares. 2. Gastrite atrófica, em que o infiltrado infla- matório se aprofunda na mucosa, distorcendo e des- truindo progressivamente as glândulas, com evolução para atrofia gástrica, em que as estruturas glandulares se perdem e há escassez de infiltrados inflamatórios. Neste estágio, a mucosa gástrica se mostra fina e os vasos sanguíneos nitidamente visíveis. A presença de metaplasia intestinal (conversão das células gástricas para um fenótipo de intestino delgado) é um fator de risco para câncer gástrico. De acordo com o local de acometimento, a gastri- te crônica se classifica em: I. Gastrite crônica Tipo A: envolvimento predo- minante do corpo, doença autoimune, forma menos frequente de gastrite, e que pode se apresentar com anemia perniciosa, associada a anticorpos circulantes contra células parietais (90%) e fator intrínseco (50%). II. Gastrite crônica Tipo B: envolvimento pre- dominante do antro, relacionado ao Hp. A conversão para pangastrite ocorre em torno de 20-25 anos. Esta forma de gastrite (pangastrite) tem maior incidência em indivíduos acima de 70 anos de idade e se associa a um número menor de micro-organismo H. pylori. III. Gastrite crônica Tipo AB: pangastrite. Classificação de Sidney para as gastrites O sistema Sydney surgiu da necessidade de uni- formizar as diversas terminologias utilizadas, uma vez que existiam várias nomenclaturas para definir os mes- mos padrões de doença. Procurou-se definir o aspecto endoscópico, histológico e etiológico, sempre que possí- vel. Uma das consequências práticas deste sistema foi a inclusão da realização de biópsias nas endoscopias para investigação de doença gastroduodenal. Os fragmentos devem ser obtidos do corpo (grande e pequena curva- tura), incisura e antro (grande e pequena curvatura). A importância da histologia estaria no diagnostico dife- rencial das causas de gastrites, avaliação da intensidade do processo inflamatório, identificação ou não de atro- fia e/ou metaplasia intestinal e investigação de infecção pelo Helicobacter pylori. Apesar disso, a realização das biópsias não é rotina para todos os endoscopistas. Pelo sistema Sydney, existem aspectos observados durante o exame endoscópico da mucosa gástrica que podem denotar inflamação da mesma. Pode ocorrer con- comitância de diferentes alterações da mucosa, sendo as gastrites endoscópicas classificadas segundo os achados predominantes descritos pelo endoscopista. Com relação a topografia, destaca-se o segmento gástrico acometido, quando duas regiões são afetadas, por exemplo, corpo e antro, denomina-se pangastrite. O diagnóstico endos- cópico deve estar de acordo com os termos descritivos convencionados. Deve-se também avaliar a intensidade dos achados (leve, moderada e intensa) e sua distribuição topográfica, para posteriormente estes dados serem cor- relacionados com os achados histológicos. Classificação de Sidney revisada Divisão endoscópica Topografia Tipo Intensidade Pangastrite Enantematosa Leve Gastrite do antro Erosiva plana Média Gastrite do corpo Erosiva elevada Intensa Atrófica Hemorrágica Por refluxo Com hiperplasia de pregas mucosas Tabela 4.1 Gastrite erosiva/hemorrágica Esta forma de gastrite se associa a algumas situ- ações específicas: AINE (anti-inflamatórios não esteroides): associados a petéquias, erosões e úlceras na mucosa gástrica; as erosões são superficiais e raramente san- gram de forma significativa. Estresse (LAMG: lesão aguda de mucosa gás- trica): observada em doentes criticamente enfermos; a fisiopatologia parece estar ligada à isquemia da mucosa. Esta é uma causa de HDA em UTI, que acomete cerca de 20% dos pacientes. Nos queimados, obervam-se lesões únicas, chamadas de úlceras de Curling, que parecem apresentar maior risco de sangramento e perfuração, especialmente do duodeno. Nos grandes traumas de crânio, podem-se desenvolver úlceras de Cushing. Essas são particularmente agressivas, em razão da hi- persecreção ácida decorrente da hipergastrinemia e, em geral, profundas. As úlceras de Cushing provocam 4 Gastrites 19 hemorragias e perfurações com mais frequência do que qualquer outra forma de gastropatia de estresse. Para evitar hemorragia e perfuração, não se deve subestimar a importância da identificação dos pacientes verdadei- ramente de alto risco, dando início, nesses casos, à pro- filaxia contra a gastrite de estresse. Um dos principais objetivos da profilaxia da gastrite de estresse é a elevação do pH luminar gástrico acima de 4,0. As medidas mais efetivas estão respaldadas no uso de blo- queador H2, antiácidos a cada 3 ou 4 horas e pastas de sucralfato, 1 g a cada 4 a 6 horas. Se, a despeito dessas medidas, o paciente apresentar sangramento, a endos- copia terapêutica deve ser realizada, assim como o uso de vasopressina intra-arterial e embolização. Caso essas medidas venham a falhar, somente a abordagem cirúr- gica (vagotomia com antrectomia ou gastrectomia to- tal) poderá ser curativa, mas que neste momento apre- senta grande mortalidade (paciente crítico). Álcool: este quadro é mais bem caracterizado como gastropatia alcoólica, uma vez que não há obrigatoria- mente um processo inflamatório, e sim um processo de regeneração epitelial em resposta a um agente agressor. Classificação da gastrite I – Gastrite aguda A. Infecção aguda por H. pylori B. Outras gastrites infecciosas agudas 1. Bacteriana (que não por Hp) 2. Flegmonosa 3. Micobacteriana 4. Sifilítica 5. Viral 6. Parasitária 7. Fúngica II – Gastrite erosiva/hemorrágica AINEs Estresse Álcool III – Gastrite atrófica crônica A. Tipo A: autoimune, predomínio no corpo B. Tipo B: relacionada com o H. pylori, predomínio antral C. Tipo AB: pangastrite D. Indeterminada IV – Formas incomuns de gastrite A. Linfocítica B. Eosinofílica C. Doença de Crohn D. Sarcoidose E. Gastrite granulomatosa isolada F. Doença de Ménétrier (hipertrófica) G. Gastrite alcalina H. Estômago em melancia Tabela 4.2 Gastrite crônica autoimune Conhecida também como gastrite tipo A, aco- mete corpo e fundo gástricos, raramente atingin- do o antro. Caracteriza-se por uma atrofia seletiva, parcial ou completa das glândulas gástricas no corpo e fundo do estômago, ocorrendo uma substituição, parcial ou completa, das células superficiais normais por mucosa tipo intestinal (metaplasia intestinal). Por quase não ser acometida nesta região, a mucosa antral mantém sua estrutura glandular normal e apresenta células endócrinas hiperplásicas. Funcionalmente, a atrofia das glândulas gástri- cas do corpo se associa à hipocloridria (atrofia parcial) ou, em casos avançados, acloridria, secundária à redu- ção da massa de células parietais; paralelamente, há um decréscimo também na secreção de fator intrín- seco, podendo ocasionar a redução da absorção de vi- tamina B12 e o aparecimento de manifestações clíni- cas da anemia perniciosa. A preservação funcional da mucosa antral resulta em estimulação constante das células G com hipergastrinemia. Evidências imunológicas e experimentais su- gerem um componente autoimune nessa entidade. Assim, a maioria dos pacientes apresenta testes imu- nológicos positivos, enquanto vários evoluem com outras doenças autoimunes, como, por exemplo, as tireoidites autoimunes. Estudos em famílias de por- tadores de gastrite atrófica demonstram uma incidên- cia aumentada de gastrite em parentes de primeiro grau, sugerindo uma base genética, sendo a anemia perniciosa a expressão final da gastrite crônica autoimune do corpo, hoje considerada como deter-minada por um gene autossômico único. A maior parte dos portadores desse tipo de gas- trite apresenta anticorpos anticélula parietal e anti- fator intrínseco, com a prevalência de tais anticorpos aumentando com a gravidade das lesões. Esses anticor- pos parecem desempenhar um papel na destruição pro- gressiva das células parietais e no desenvolvimento de acloridria. Recentemente, foi demonstrado que os anti- corpos anticélula parietal são capazes de inibir a enzi- ma H+ K+ adenosina trifosfato da bomba de prótons do estômago, contribuindo mais ainda para a ocorrência de acloridria. Apesar disso, permanece obscura a exata relação patogenética entre esses anticorpos e a gastrite, bem como os mecanismos que desencadeiam a gastrite e sua rápida progressão após os 50 anos de idade. Os eventos fisiopatológicos da gastrite autoimune se relacionam com as consequências da reduzida secre- ção ácida da mucosa oxíntica. Redução moderada na secreção ácida habitualmente não é acompanhada de efeitos clínicos, porém, em casos extremos, pode oca- sionar diferentes problemas, que serão aqui discutidos: Absorção de vitamina B12. A perda das células pa- rietais pode ser acompanhada de deficiência de fator in- trínseco. Em condições normais, o fator intrínseco é se- cretado em quantidades superiores às necessidades, para promover uma ótima absorção do complexo de vitamina B12 fator intrínseco por receptores especializados locali- zados no íleo. Dessa maneira, a maior parte dos portado- res de gastrite autoimune secreta quantidades de fator intrínseco capazes de manter uma absorção normal de Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201520 vitamina B12. Apenas uma pequena fração de indivíduos com atrofia acentuada do corpo gástrico irá desenvolver má absorção e consequente deficiência de vitamina B12, com o aparecimento de sintomas de anemia perniciosa, ao esgotarem-se as reservas hepáticas dessa vitamina. Embora o mecanismo principal nesses indivíduos seja a deficiência de fator intrínseco decorrente da relativa au- sência de células parietais, a falta de ácido e pepsina pode também contribuir para o quadro, já que sua presença é necessária para liberar a vitamina B12 dos alimentos, per- mitindo assim sua ligação ao fator intrínseco. Supercrescimento bacteriano. Sendo a imensa maioria das bactérias ingeridas destruída em ambientes com pH < 3, é aceito que pacientes com hipocloridria ou acloridria tenham concentrações au- mentadas de bactérias no intestino delgado. Por fim, cumpre lembrar que o supercrescimento bacteriano intestinal pode ocasionar a ligação do complexo fator intrínseco-vitamina B12 às bactérias, prejudicando sua absorção, além da eventual produção de análogos de vitamina B12 pelos micro-organismos, competindo as- sim com a absorção da vitamina B12. Hipergastrinemia. Os efeitos tróficos da hi- pergastrinemia têm sido associados à hiperplasia das células enterocromafins-like (ECL) presentes nas glândulas oxínticas e no desenvolvimento, em casos avançados, de tumores carcinoides gástricos. Sua prevalência na anemia perniciosa oscila entre 2% e 9%, e a maior parte deles é pequena, fre- quentemente múltipla, endocrinologicamente silente e benigna, embora se estime que até 28% dos casos possam se tornar invasivos localmente, e até mesmo ocasionar metástases a distância. Absorção de ferro. Embora os níveis de ferro sérico, hemoglobina e ferritina de pacientes idosos portadores de gastrite atrófica sejam semelhantes aos controles sem gastrite atrófica, alguns estudos suge- rem que a absorção de ferro, em sua forma de íon fer- roso ou férrico, sofra influência do pH gástrico, pre- judicando sua absorção. Deve-se ainda ressaltar que, além de eventual má absorção, a carência de ferro às vezes observada na gastrite autoimune do corpo pode resultar de perdas sanguíneas associadas à inflamação gástrica crônica e à perda de ferro em pacientes com turn-over aumentado das células mucosas. A gastrite autoimune é assintomática do ponto de vista gastrointestinal, advindo sinto- mas hematológicos e/ou neurológicos na ocor- rência de anemia perniciosa. O diagnóstico da gastrite crônica autoimune do corpo é eminentemente histopatológico. À endoscopia, quando se insufla ar no estômago, o pregueado mucoso do corpo se desfaz total ou parcialmente e observa-se uma mucosa de aspecto liso, brilhante e delgado, com os vasos da submucosa facilmente visualizados. Deve-se proceder à coleta simultânea de material para exame histopatológico do corpo e antrogástricos, para se afirmar, com certeza, a localização do processo inflamatório. Os índices de con- cordância da histologia com a endoscopia são conflitan- tes, embora, nos casos mais avançados, a correlação seja razoavelmente boa. Anticorpos anticélula parietal e antifator intrínseco, embora presentes em até 90% dos portadores de anemia perniciosa, com frequên- cia estão ausentes em portadores apenas de gastrite atró- fica, sem alterações hematológicas. A gastrina sérica encontra-se comumente elevada, embora em peque- no número de casos possa mesmo estar normal ou redu- zida, quando a atrofia atinge também o antro gástrico. A acloridria pode ser detectada pela secreção gástrica basal e estimulada. A medida isolada do pH gástrico em jejum pode mostrar também uma boa correlação com hipoclo- ridria verdadeira observada na gastrite do corpo e fundo. As determinações séricas de pepsinogênio, especialmente a relação entre pepsinogênios I e II, constituem testes não invasivos e promissores para a detecção de gastrite atrófi- ca do corpo e do antro. Tratamento A gastrite crônica autoimune do corpo é assinto- mática na maioria dos pacientes e, dessa forma, não requer tratamento. A presença, entretanto, de anemia perniciosa exige a reposição de vitamina B12, por via parenteral, na dose de 200 mg por mês, durante toda a vida. Tal terapêutica corrige as alterações hemato- lógicas, embora não interfira na histologia da mucosa gástrica. A presença de deficiência de ferro obri- ga a investigação cuidadosa para neoplasias de estômago e cólon antes de mera terapêutica de reposição. Diarreias frequentes podem sugerir a ocorrência de supercrescimento bacteriano. Não há ainda consenso quanto e como devem ser acompanhados, ao longo do tempo, os portadores de gastrite crônica autoimune do corpo, para se evitar sua complicação mais temida – o câncer gástrico. Pa- cientes com anemia perniciosa parecem ter um risco para carcinoma gástrico três a cinco vezes superior aos indivíduos-controle. A decisão por seguimento com exames endoscópicos irá depender dos achados iniciais e dos sintomas: caso a endosco- pia inicial, com biópsias realizadas em diferentes áreas do estômago, não observe carcinoma, pólipos adeno- matosos, tumores carcinoides ou displasia acentuada, provavelmente não há necessidade de acompanha- mento endoscópico, principalmente na ausência de história familiar de câncer gástrico e naqueles proce- dentes de regiões onde o câncer gástrico não é epidê- mico. A conduta na presença de displasia acentuada é também controversa, com alguns autores sugerindo a repetição anual de endoscopias com biópsias. Por ou- tro lado, um extenso estudo de acompanhamento de longo prazo, realizado por investigadores da Clínica Mayo, nos EUA, não observou risco aumentado para carcinoma gástrico em portadores de anemia pernicio- sa, no entanto, para as provas, considere esta gastrite como fator de risco. Os tumores carcinoides gástri- cos são encontrados em 2% a 9% dos pacientes com anemia perniciosa, sendo a maioria deles assintomática. Microscopicamente, são constitu- ídos de células ECL, e à macroscopia apresentam-se habitualmente como lesões polipoides, pequenas (<1 cm), frequentemente múltiplas, localizadas no corpo gástrico. Tumores pequenos e assintomáticos podem ser removidos endoscopicamente; tumores sintomáti- cos, com frequência avançados, podem ser removidos cirurgicamente. Alguns autoressugerem que a antrec- tomia, de forma isolada, ao promover a retirada das 4 Gastrites 21 células G e abolir a hipergastrinemia, propiciaria a re- gressão do tumor, estando assim indicada para porta- dores de carcinoides gástricos múltiplos. Tal conduta obviamente necessita de maiores estudos. Gastrite eosinofílica Eosinófilos e leucócitos são normalmente encon- trados na mucosa e submucosa do trato digestivo su- perior. A gastroenterite eosinofílica é uma afecção rara, caracterizada por infiltrado eosinofílico denso na parede do estômago e intestino delgado. Embora sua etiologia seja desconhecida, fatores alérgicos (50% têm história de atopia anterior, como urticária, asma ou rinite), alimentares (alguns alimentos po- dem desencadear sintomas intestinais) e a presença de parasitas têm sido considerados. Três formas de apresentação têm sido descritas, considerando a in- tensidade e a localização do infiltrado: acometimento predominante da mucosa ou da parede muscular ou da serosa. Nas formas de acometimento mucoso predomi- nante, o antro é mais frequentemente acometido, e, endoscopicamente, as pregas estão espessadas, po- dendo haver nodosidades e ulcerações. A sintomato- logia inclui naúseas, vômitos, diarreia, dor abdominal e perda de peso. O diagnóstico é geralmente esta- belecido pela demonstração de infiltrado eosino- fílico na lâmina própria, associado à eosinofilia importante no sangue periférico. Anemia ferropri- va, hipoalbuminemia e redução das imunoglobulinas séricas também são observadas como consequência de perdas proteicas por meio do epitélio lesado. Nos casos de acometimento predominante da parede muscular, o diagnóstico histológico pode ser difícil, já que a biópsia convencional é muitas vezes normal; assim, é necessá- ria a realização de biópsias envolvendo toda a parede gástrica. Aos exames radiológico e/ou endoscópico se observam rigidez e estreitamento antral, com mucosa praticamente normal. O acometimento pre- dominante da serosa é o mais raro, sendo a ascite com alto teor de eosinófilos (12% a 95%) a prin- cipal forma de expressão clínica. Embora a presen- ça de alergia seja difícil de documentar, a eliminação de determinados alimentos suspeitos pode, às vezes, produzir resultados duradouros. A consulta com imu- noalergologista e a realização de testes cutâneos podem auxiliar na identificação de alérgenos. Tratamento Em algumas situações, a prednisona, em doses iniciais de 20 a 40 mg ao dia, com redução pro- gressiva, é capaz de induzir e manter remissões por períodos prolongados. Outras drogas, como o cromo- glicato de sódio, anti-histamínicos e antiespasmódi- cos têm sido tentadas, com resultados precários. Um estudo sugere que o cetotifeno, um bloqueador dos re- ceptores H1, pode representar uma alternativa efetiva aos corticosteroides. O tratamento cirúrgico pode ser considerado para complicações como perfu- ração, estenose pilórica ou doença refratária. Gastrite flegmonosa Doença rara, mas potencialmente fatal. As bactérias associadas a essa condição são Estreptococos, Estafilococos, E. coli, Proteus e Haemophilus. Este qua- dro tende a ocorrer mais frequentemente em idosos, alcoólicos, pacientes com Aids e após polipecto- mia. O quadro inflamatório costuma ser difuso, aco- metendo toda a mucosa gástrica, e a evolução pode ser para necrose gástrica e óbito. A não resposta aos antibióticos e o retardo na indicação cirúrgica podem resultar em êxito fatal para a maioria dos casos. Gastrite linfocítica Caracteriza-se por intenso infiltrado linfoci- tário, com envolvimento primário no corpo do es- tômago. Este quadro já foi descrito em associação com espru celíaco. Sua etiologia não é conheci- da, e os sintomas são inespecíficos. No exame endoscópico, alguns pacientes apresentam pregas gástricas espessadas, que por vezes são recober- tas por nódulos e depressão central. Esta forma de doença é também conhecida como gastrite varioliforme. O aspecto mais importante da conduta é a exclusão do linfoma ou de outras formas específicas de gastrite. Tratamento Bloqueadores dos receptores H2, cromoglicato de sódio e corticosteroides são, às vezes, tentados em casos especiais. Um estudo inglês avaliou onze pacientes com gastrite linfocítica e infecção por H. pylori, antes e após a erradicação do micro-organis- mo, sugerindo que a erradicação proporciona uma re- dução significativa dos linfócitos intraepiteliais e na inflamação da mucosa oxíntica, melhorando também a sintomatologia dispéptica. Gastrite de refluxo alcalino Termo que designa uma lesão de mucosa, pro- duzida pelo refluxo do conteúdo duodenal ou jeju- nal para o estômago. Tal condição é encontrada com mais frequência depois de uma vagotomia e antrectomia por úlcera, com anastomose de Billroth tipo I ou II. Esse tipo de gastrite não é erosivo. Encontra-se, histologicamente, hiperplasia das glândulas foveolares, ilhas de histiócitos con- tendo lipídios e, às vezes, dilatações glandulares císticas, com edema da lâmina própria e inflamação crônica de mínima a leve. Provavelmente, a expres- são mais correta para descrever a etiologia desse tipo de gastrite seria gastrite de refluxo biliar, por- que essas alterações são provocadas pela exposição crônica da mucosa gástrica à bile. Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201522 Embora mais frequente em gastrectomiza- dos, a síndrome também pode ser encontrada depois de gastroenterostomias, gastroduodenoanas- tomoses (operação de Jaboulay) e piloroplastias, se- gundo a constatação de vários autores. Excepcionalmente, é encontrada em pacientes sem cirurgia gástrica prévia, embora existam trabalhos mos- trando uma certa frequencia em colecistectomizados. Quadro clínico A síndrome é caracterizada por dor epigástri- ca, que costuma piorar com a alimentação (princi- palmente com alimentos ácidos), vômitos biliosos, hipocloridria e gastrite difusa e atrófica. Com fre- quência, existe emagrecimento, às vezes importan- te, além de perdas sanguíneas, na maioria das vezes, discretas. A associação com esofagite por refluxo é frequente e costuma agravar a sintomatologia e re- forçar a indicação cirúrgica. Diagnóstico O diagnóstico baseia-se, fundamentalmente, no quadro clínico, na endoscopia e na histologia, sendo imprescindível a realização de biópsia. O estudo radiológico possibilita, principalmente em gastrectomizados à Billroth II, certa avaliação do refluxo duodenojejunogástrico. Outros meios diag- nósticos, como a cintilografia, não têm sido utilizados. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a chamada síndrome da alça aferente crônica, em que existe dificuldade de esvaziamento da alça por proces- so obstrutivo. Nessa síndrome, os vômitos costumam ser apenas biliosos, em jato, e aliviam a dor, que é do tipo espasmódica. A endoscopia digestiva alta mostra, além de mo- derada ou grande quantidade de bile no estômago, sinais de processo inflamatório da mucosa gástrica. Verificam-se, então, edema e hiperemia importantes, que costumam ser mais intensos ao redor da anasto- mose (estomite). A realização de biópsia para retirada de fragmen- tos possibilita o estudo histopatológico que revela, com frequência, a presença de infiltrado misto de lin- fomonucleares e polimorfonucleares, com irregula- ridades das criptas e fragmentação das mesmas. No antro gástrico, costuma haver permeação das fovéolas das glândulas mucosas. Pode ser observada, também, metaplasia intes- tinal. Diante de gastrite atrófica, poderá ocorrer certo grau de displasia. Figura 4.1 Gastrectomia subtotal. A: coto gástrico residual com con- teúdo biliar, mucosa com edema e enantema. B: anastomose gastroje- junal também apresentando edema e enantema. Tratamento clínico O tratamento clínico, incluindo antiácidos e blo- queadores da acidez gástrica, tem-se mostrado insa- tisfatório na maioria dos casos. A colestiramina, resi- na que se une aos sais biliares e os torna inofensivos à mucosa gástrica,além das contraindicações, tem-se mostrado ineficiente na maioria dos doentes. Tratamento cirúrgico Vários procedimentos têm sido propostos para o tratamento da gastrite alcalina de refluxo pós-opera- tória, o mais habitual é a operação em Y de Roux. Operação Y de Roux Nesta operação, pratica-se a secção da alça afe- rente junto ao coto gástrico e, após o fechamento da sua porção justagástrica, realiza-se anastomose ter- minolateral da porção proximal da alça aferente na alça eferente, a 50 cm da anastomose gastrojejunal. A maioria dos autores têm relatado maior ex- periência e melhores resultados com o Y de Roux associado à vagotomia troncular para o tratamento cirúrgico da gastrite alcalina de refluxo pós-operató- ria. Desse modo, têm convertido a cirurgia prévia em gastrectomia a Y de Roux. 4 Gastrites 23 Convém salientar que, embora a distância de 50 cm entre a anastomose da alça aferente na eferente e a anastomose gastrojejunal seja considerada suficiente para impedir o refluxo, alguns pacientes têm relatado sintomas no pós-operatório. Este fato tem sido atri- buído a um encurtamento da alça jejunal interposta entre as duas anastomoses, causado por um processo inflamatório do mesentério da mesma. Por isso, pode ocorrer o refluxo, que seria devido a esse encurtamen- to, conhecido como mesenterite retrátil. As outras técnicas descritas a seguir têm sido utiliza- das de modo excepcional e serão descritas com o objetivo de contemplar possíveis surpresas nas provas de RM. Operação de Braun Trata-se de uma enteroenteroanastomose late- rolateral, que foi idealizada para prevenção da síndro- me da alça aferente. Operação de Henley Proposta para tratamento da síndrome pós-gas- trectomia, em pacientes operados à Billroth I, nesta operação e praticada interposição de segmento de alça jejunal entre o coto gástrico e o duodeno. Operação de Tanner 19 Nesta modificação do Y de Roux, seccionam-se a alça aferente (A-B) a alguns centímetros da anastomose gastrojejunal. Essa alça proximal aferente (A) é anasto- mosada terminolateralmente na alça eferente a cerca de 25 cm da anastomose gastrojejunal. O segmento distal da alça aferente (B), que conduz a secreção biliopancre- ática, é anastomosado terminolateralmente na alça efe- rente, a 50 cm da anastomose gastrojejunal. Operação de Soupault-Boucaille Esta técnica converte a Billroth II em situação que resulta na reintrodução do duodeno no trânsito digestivo. Assim, secciona-se a alça aferente junto à anastomose gastrojejunal (B), fechando-se a seguir a sua porção junto ao coto do estômago. A alça eferente é seccionada a 15 cm da anastomose gastrojejunal e o seu segmento proximal (A) é anastomosado termino- lateralmente no duodeno. A reconstrução do trânsito final é realizada mediante anastomose termino-termi- nal entre o segmento proximal da alça aferente (B) e o segmento distal da alça eferente (C). Doença de Menétrier Também conhecida como gastrite de pregas gástricas grandes e hipertrofiadas. Consideram-se pregas gástricas grandes as que não se achatam com a insuflação de ar durante a endoscopia. Radiografica- mente, as pregas gástricas grandes têm mais de 10 mm de largura, na seriografia com bário. Os aspectos histológicos são hiperplasias foveolares acen- tuadas, com dilatações císticas, que podem penetrar na submucosa. Os sintomas incluem dor abdominal, perda ponderal, perdas sanguíneas gastrointesti- nais e hipoalbuminemia. O aumento do pregueamento mucoso do estômago na Doença de Ménétrier é devido à hiperplasia foveolar associada com dilatação cística, ao edema e ao grau varia- do do processo inflamatório. O número de células parie- tais e principais pode estar diminuído, sendo as mesmas substituídas por células produtoras de muco. Tem sido referida a relação entre fatores de crescimento, tais como VEGF, EGFR, GLP-2 e a patogenia da doença. A maioria dos pacientes com Doença de Mé- nétrier é do sexo masculino (H/M = 3:1), com idade entre 30 e 60 anos e cujas manifestações clínicas são perda ponderal, dor epigástrica, vô- mitos, diarreia, anorexia, dispepsia, hematême- se, hipoalbuminemia com possível presença de ede- ma periférico e presença de sangue oculto nas fezes. Existem relatos de regressão espontânea da doença, assim como casos raros de ocorrência familiar. Ao contrário da doença de Ménétrier do adulto, caracterizada pela cronicidade dos sintomas, nas crian- ças ela em geral é autolimitada. São raras as sequelas e a recorrência. Em termos clínicos, os pacientes pediátri- cos referem início abrupto de vômitos, associados à dor abdominal, anorexia e hipoproteinemia. Gradualmente se manifestam edema e ascite, devido à enteropatia com perda de proteína. É frequente hipoalbuminemia, eosi- nofilia periférica e leve anemia normocrômica normocí- tica. Os achados radiográficos incluem espessamento das pregas gástricas do fundo e do corpo do estômago, geralmente poupando o antro. Esses achados são confir- mados pelo estudo gastrointestinal superior com bário, por ultrassonografia e endoscopia. Histologicamente, a mucosa gástrica é hipertrófica com alongamen- to das depressões gástricas e atrofia glandular. Porém, nos pacientes pediátricos, são comuns os corpos de inclusão intranuclear consistentes com a infecção por CMV citomegalovírus, sendo a cultura do tecido gástrico frequentemente positiva. Os pacientes pediátricos em geral respondem ao tratamento de suporte sintomático, recuperando-se completamente. Qual é o papel da USE (ultrassonografia endoscó- pica) na avaliação do espessamento das pregas gástricas? Correlação das faixas da ultrassonografia endoscópica com as camadas da parede Camada da parede Faixas USE Correlação histológica 1ª Hiperecoica Mucosa superficial 2ª Hipoecoica Mucosa profunda, inclusive a muscularis mucosa 3ª Hiperecoica Submucosa 4ª Hipoecoica Muscular própria 5ª Hiperecoica Serosa Tabela 4.3 Clínica Cirúrgica | Estômago SJT Residência Médica - 201524 Embora a USE não possa diferenciar os processos histologicamente benignos dos malignos, ela serve no diagnóstico diferencial das grandes pregas gástricas, iden- tificando os pacientes nos quais é preciso maior investiga- ção, com biópsias endoscópicas de grandes partículas re- petidas ou a biópsia de toda a espessura, na laparotomia. É um método sensível para identificar varizes gástricas, evi- tando-se, dessa forma, os possíveis riscos da amostragem por biópsia endoscópica. Se a USE indicar um aumento li- mitado das camadas superficiais, várias biópsias irão con- firmar a malignidade subjacente. Ao contrário, se indicar um aumento envolvendo principalmente as camadas mais profundas (ou seja, da submucosa ou muscular própria), as biópsias endoscópicas poderão não comprovar a exis- tência de malignidade; porém, esse padrão é altamente sensível na invasão maligna, recomendando-se a cirurgia para a coleta de biópsia de toda a espessura. Figura 4.2 Ecoendoscopia: pregas gástricas hipertrofiadas. O tratamento da doença de Ménétrier requer me- lhor sistematização e a princípio limita-se a reposição proteica e a manutenção do estado nutricional. A abor- dagem cirúrgica representada pela gastrectomia total ou parcial deve ser reservada para as complicações graves como a hemorragia de vulto ou recidivante, a obstrução, a hipoproteinemia grave ou na associação com o câncer gástrico. Naqueles pacientes em que a doença esteja as- sociada ao Helicobacter pylori ou ao Citomegalovírus está indicada a terapêutica específica para estes micro-orga- nismos, uma vez que nestas circunstâncias são descritos casos de involução da doença em resposta ao tratamento. É descrito o uso do octreotídeo em pacientes com Doen- ça de Ménétrier com resultados bastante satisfatórios. Causas intrínsecas de espessamento das pregas gástricas Linfoma Síndrome de Zollinger-Ellison Síndrome do tecido lin- foide associado à mucosa (MALT) Gastrite linfocítica Gastrite eosinofílica Linite
Compartilhar