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CAPÍTULO 3
Etiopatogênese Geral das Lesões
Fausto Edmundo Lima Pereira
As causas das lesões e doenças, denominadas agressões ou
agentes lesivos, são muito numerosas. Qualquer estímulo da
natureza, dependendo da intensidade, do tempo de ação e da
constituição do organismo (capacidade de reagir), pode pro-
duzir lesão. Didaticamente, as causas de lesões e doenças são
divididas em dois grandes grupos: exógenas (do meio ambiente)
e endógenas (do próprio organismo). Como as lesões resultam
da interação do agente agressor com os mecanismos de defesa
do organismo, é freqüente a associação de causas exógenas e
endógenas na origem de uma lesão ou doença. Nem toda lesão
ou doença tem causa conhecida. Nesses casos, a doença ou lesão
é denominada criptogenética (cripto = escondido), idiopática
(idios = próprio) ou essencial.
As causas exógenas são representadas por agentes físicos,
químicos e biológicos e pelos desvios da nutrição; as endógenas
estão relacionadas ao patrimônio genético, à resposta imunitária
e aos fatores emocionais. Cada indivíduo reage ao ambiente de
uma forma particular, propriedade essa relacionada à sua consti-
tuição genética. Por essa razão, os médicos afirmam que não há
doenças mas, sim, doentes, já que uma mesma doença (mesmo
fator etiológico ou causa) pode ter lesões e evolução particulares
em indivíduos ou grupos de indivíduos diferentes. No conceito
de saúde e doença (Cap. 1), foi visto que os ambientes físico,
psíquico e social em que o indivíduo vive são muito importantes.
As causas exógenas englobam os agentes do ambiente físico; as
endógenas incluem, entre outros, os do ambiente psíquico (fator
emocional). O ambiente social se relaciona a causas exógenas e
endógenas: pobreza se associa a desnutrição, falta de habitação se
relaciona a problemas sanitários, desemprego provoca distúrbios
emocionais etc.
Como todo agente lesivo exógeno constitui um estímulo ao
organismo, o primeiro passo para se entender os mecanismos de
ação das agressões é compreender como os tecidos as percebem
e como montam as primeiras respostas. Por essa razão, antes de
e discutirem os agentes agressores e seus mecanismos de ação,
neste capítulo serão comentados os mecanismos pelos quais os
tecidos reconhecem as agressões, os componentes envolvidos
nas reações do organismo e as formas de respostas locais e 5i5-
têmicas. Em seguida, serão estudados os efeitos da redução de
fornecimento de oxigênio às células, da geração de radicais livre
e da resposta imunitária, porque são estes os principais fatore
envolvidos nas lesões induzi das por diferentes agressores. Por
último, serão discutidos alguns aspectos gerais dos mecanismos
de ação das agressões físicas, químicas e biológicas.
Componentes Teciduais que Respondem
às Agressões. Células e Mediadores das
Respostas Locais
Como resumido na Fig. l.5, todo órgão possui inervação,
microcirculação, células parenquimatosas, células produtoras da
matriz extracelular e células sentinelas, como mastócitos e células
dendríticas. No sangue que circula nos órgãos, existem leucócitos
e plaquetas e, no plasma, o sistema proteolítico de contato, que
inclui o sistema de coagulação, o sistema fibrinolítico, o siste-
ma do complemento e o sistema gerador de cininas. Após uma
agressão, são liberadas moléculas que sinalizam ao organismo a
existência de perigo. Para se compreender a complexa interação
de fenômenos que se seguem a uma agressão, a seguir. serão
descritas a participação de cada componente nos mecanismos
defensivos locais e a resposta imunitária inata que surge. Será
dada maior ênfase à geração das moléculas sinalizadoras de
agressão e das moléculas que comandam as respostas dos tecidos,
denominadas em conjunto mediadores da resposta local.
As moléculas que denunciam uma agressão podem ser: (a)
produtos do metabolismo das células; (b) fragmentos de células
ou componentes da matriz extracelular; (c) substâncias pré-for-
madas e armazenadas em células; (d) substâncias excretadas no
momento da agressão. Tais moléculas, inespecíficas no sentido
de que são liberadas após as mais diferentes agressões, têm em
comum o fato de induzirem a liberação dos mediadores das al-
terações vasculares que possibilitam a saída de leucócitos e de
plasma dos vasos para o meio extravascular, os quais procuram
eliminar ou conter o agente agressor. Tudo isso constitui uma
resposta inflamatória, que será estudada no Capo 7; as moléculas
denunciadoras de agressão, juntamente com os mediadores que
induzem, são chamadas mediadores da inflamação.
As células parenquimatosas e as do estroma comportam-se
como sentinelas atentas, uma vez que possuem receptores ca-
pazes de reconhecer moléculas denunciadoras de agressão e de
induzir a síntese e a liberação de mediadores. Após uma agressão,
essas células respondem mediante liberação de metabólitos e de
24 Patologia Geral
outras moléculas que agem como sinais de alarme, denuncian-
do a presença da agressão. Ao mesmo tempo, são induzidos
e liberados mediadores derivados de lipídeos de membranas,
citocinas e quimiocinas, que agem sobre outras células, todas
com importante participação nas reações de resposta e defesa
do organismo. As principais células envolvidas no processo de
resposta às agressões estão descritas adiante.
MASTÓCITOS. Existem dois tipos de mastócitos: os do tecido
conjuntivo (MTC) e os das mucosas (MM). Os MTC são células
grandes que se originam de um precursor mesenquimal ainda
não-conhecido; os MM se diferenciam a partir de um precursor
da medula óssea sob influência da IL-3 e se localizam predo-
minantemente na lâmina própria de mucosas, além de serem
abundantes nos locais de reação anafilática. MM são essencial-
mente T-dependentes, enquanto os MTC têm sua diferenciação
e proliferação aparentemente independentes de linfócitos T.
Ambos possuem receptores Fc' de alta afinidade, além de outros
receptores para C3a, C5a, receptores [3-adrenérgicos, receptores
colinérgicos e receptores Hl e H2 para histamina. Os receptores
[3-adrenérgicos e os H2 são antagonistas da desgranulação, ao
passo que os receptores colinérgicos e os o-adrenérgicos são
agonistas dos agentes que induzem desgranulação.
Os mastócitos armazenam em seus grânulos histamina,
heparina, algumas proteases e outros produtos (Fig. 3.1). Sua
desgranulação se faz por diferentes estímulos: calor, traumatis-
mo mecânico, frio, detergentes, reação de antígenos com IgE
na superfície da célula, ação das anafilatoxinas C3a e C5a etc.
A histamina liberada produz vasodilatação arterial ar, aumenta
a permeabilidade vascular e possibilita a passagem de proteí-
nas do plasma para o interstício, especialmente fibrinogênio.
Os mastócitos também sintetizam e liberam prostaglandinas,
leucotrienos, IL-4, IL-5, IL-13 e quimiocinas, especialmente
eotaxina e MIP-l.
Os MTC localizam-se na periferia dos vasos e participam da
maioria das reações inflamatórias, podendo em algumas delas
estar aumentados em número. Os MM atuam em muitas infla-
mações alérgicas, nas quais precursores da medula óssea deixam
a circulação e migram para os tecidos guiados por estímulos
gerados por linfócitos Th2.
A histamina é o principal mediador produzido por mastócitos.
Ela age em dois receptores diferentes (Hl e H2) com efeitos
distintos: efeitos pró-inflamatórios dos receptores Hl (aumento
da permeabilidade) e efeitos antiinflamatórios dos receptores
H2 (inibição do movimento e da capacidade de desgranulação
de neutrófilos).
CÉLULAS DENDRÍTICAS. Originadas de precursores da
medula óssea, as células dendríticas existem em todos os te-
cidos, embora não sejam de fácil identificação. Nos tecidos,
têm a propriedade de endocitar substâncias estranhas e com-
ponentes teciduais lesados. Em seguida, se deslocam para os
linfonodos, para o baço e para os tecidos linfáticos associados
às mucosas, onde apresentam antígenos aos linfócitos T CD4
para a montagem daresposta imunitária adaptativa. Como o
estado de ativação das células dendríticas é influenciado pelos
mediadores liberados no local de uma agressão, a resposta imu-
nitária imediata, inata e inespecífica influencia profundaménte
a resposta imunitária adaptativa, tardia.
LTB4
LTC4
LTD4
PGD2
PAF
Induz fatores
de transcrição
Mediadores
....:::::::::::::::==--=-==::.~~'-~......;::::::::::=:::::i";'C~
o o
Heparina
Histamina
Cimases
Triptases
FEA
o Grânulos
LXRl, 3, 4
RH2
~
TLR2, 3, 4
LTB, C e DR
Citocinas
e
quimiocinas
IL-4
IL-l
RANTES
Eotaxinas
IL-8
MCP
Fig. 3.1 Representação esquemática de um mastócito, seus principais produtos e receptores.
Há vários tipos de células dendríticas, especialmente no teci-
do linfóide associado às mucosas; nos tecidos não-imunitários,
existem dois tipos: células dendríticas mielóides (de precursor
mielóide) e células dendríticas plasmacitóides (de precursor
linfóide), com ações diferentes na indução da resposta imunitária
adaptativa, como será discutido no Capo 9. As formas imaturas
das células dendríticas estão na circulação e migram para os
tecidos durante as inflamações.
TERMINAÇÕES NERVOSAS. As terminações nervosas
aferentes armazenam peptídeos conhecidos como taquici-
ninas, das quais as mais conhecidas são a substância P e o
CGRP (Calcitonin Gene Related Peptide). A substância P age
em diferentes receptores celulares, produzindo contração da
musculatura lisa intestinal e brônquica, vasodilatação arterio-
lar, aumento da permeabilidade vascular (possivelmente pela
indução da liberação de histamina) e efeito quimiotático sobre
polimorfonucleares neutrófilos (PMN) e macrófagos. Existe
íntima associação entre fibras nervosas sensitivas periféricas e
mastócitos, tendo sido demonstrado que a estimulação dessas
fibras induz, via substância P, liberação de histamina. A maio-
ria das agressões atinge as terminações nervosas aferentes,
podendo desencadear o reflexo axônico ou antidrômico. Esse
reflexo é assim chamado porque o estímulo segue pela via
aferente, alcança o neurônio sensitivo e retorna pela mesma
via aferente (em sentido antidrômico), causando vasodilata-
ção, aumento da permeabilidade vascular e saída de PMN e
macrófagos do leito vascular.
A CGRP, mais resistente à ação de peptidases, tem efeitos
antagônicos aos da substância P: inibe o aumento da perme-
abilidade vascular, a aderência e a exsudação de leucócitos
e ativa mastócitos a produzir IL-lO, tendo, portanto, efeitos
antiinflamatórios.
A importância das terminações nervosas na inflamação é bem
demonstrada em modelos experimentais: desnervação da pata
do rato causa redução do edema inflamatório produzido pela
carragenina; desnervação química com capsaicina (depleta as ter-
minações nervosas de substância P) também reduz os fenômenos
exsudativos de inflamações experimentais em vários tecidos. O
efeito antiinflamatório da depleção da substância P é facilitado
pelo predomínio dos efeitos antiinflamatórios do CGRP.
ENDOTÉLIO. As células endoteliais têm papel importante na
adaptação após agressões, especialmente porque representam a
interface entre o tecido (agredido) e o sangue, onde estão os mais
importantes mecanismos de defesa. Por essa razão, as células
endoteliais são peças-chave nos mecanismos imunitários inatos
e adaptativos, já que a saída de plasma e de leucócitos do sangue
depende de sua atividade. As células endoteliais possuem recepto-
res para reconhecimento de diferentes agressões e para diferentes
mediadores da inflamação, além de sintetizar e liberar muitos desses
mediadores.
O endotélio pode ser ativado por diversos estímulos: citocinas
(IL-I, TNFa, IFN-y), quimiocinas (IL-8), variações no fluxo
e na pressão do sangue (força de cisalhamento, shear stress),
modificações na tensão de O" histamina, prostaglandinas (pG)
e leucotrienos (LT). Constitutivamente ou após ativação, cé-
lulas endoteliais produzem substâncias diversas que atuam na
coagulação, aderência de leucócitos e vasomotricidade. A seguir
serão descritas algumas propriedades e funções importantes das
células endoteliais.
Etiopatogênese Geral das Lesões 25
COAGULAÇÃO SANGUÍNEA. As células endoteliais pro-
duzem e liberam ou mantêm sobre a membrana as seguintes
substâncias pró-coagulantes: (a) fator de von Willebrand, que
favorece a ativação e a agregação de plaquetas; (b) fator tecidual
(TF), que ativa os fatores VII e X; (c) fator inibidor do ativador
do plasminogênio (PAI), que age como pró-coagulante por inibir
a ativação do pias mino gênio em plasmina. Como fatores antico-
agulantes, o endotélio produz: (a) prostaciclina (PGI2) e óxido
nítrico (NO), inibidores da ativação e da agregação das plaquetas;
(b) ecto-ADPase, enzima que fica sobre a membrana endotelial
e cliva o ADP (poderoso agregador plaquetário), transforman-
do-o em AMP, inativo; (c) trombomodulina (TM), proteína da
membrana plasmática que se liga à trombina (impedindo o efeito
desta sobre o fibrinogênio) e ao fator Xa (bloqueando a ativação
da protrombina). O complexo trombina-trombomodulina favorece
a ação da proteína C, que se junta à proteína S e inativa os fatores
VIIIa e Va. Uma forma solúvel de TM pode ser encontrada no
plasma e excretada na urina, servindo como marcador de ativação
endotelial. O gene da TM pode ser inibido pela IL-I, TNFa e LPS,
o que favorece a atividade pró-coagulante verificada durante os
processos inflamatórios. Aproteína S, que é sintetizada no fígado
e nos megacariócitos, acelera a inativação dos fatores VIla e Va
pela proteína C. Sulfato de heparan, proteoglicano presente na
membrana endotelial e na matriz extracelular subendotelial, é
co-fator da ação da antitrombina I1I, que é o principal fator an-
ticoagulante existente no plasma. O inibidor da via de ativação
do fator tecidual (TFPI), que é sintetizado no fígado e em menor
escala no endotélio, inibe o complexo fator VII/TF. O fator ati-
vador do plasminogênio (tPA, de tissue PlasminogenActivator) é
sintetizado principalmente no endotélio. Trombina e estresse pelo
fluxo e pressão aumentados (shear stress, força de cisalhamento)
induzem sua síntese; aumento da pressão venosa, acidose e hipóxia
provocam sua liberação. A molécula de tPA fica presa à membrana
endotelial e é inibida por um inibidor natural (PAI).
ADESÃO DE LEUCÓCITOS. OS leucócitos só exercem sua
função quando deixam a circulação e vão ao encontro de invaso-
res ou causadores de lesão. Toda agressão tecidual se acompanha
da liberação de mediadores químicos que agem nas células en-
doteliais, ativando-as a expor em sua membrana moléculas de
adesão para que os leucócitos possam a elas aderir e realizar a
diapedese, guiadas pelo estímulo quimiotático das quimiocinas.
As células endoteliais produzem as seguintes moléculas de ade-
são: (a) selectinas (Quadro 3.1); (b) moléculas de adesão celular
da superfarnília das imunoglobulinas (IgCAM, Quadro 3.2). As
selectinas (Selective Function Lectins) P e E são produzidas por
plaquetas e endotélio e a selectina L, por leucócitos. A selectina P
é constitutivamente sintetizada por células endoteliais e plaquetas
e fica armazenada nos grânulos de Weibel-Palade, podendo ser
rapidamente exposta na membrana, onde permanece por curto
período de tempo; histamina, complemento, TNFa e IL-I podem
estimular essa exposição. A síntese da selectina E é induzida por
IL-I, TNFa, lipopolissacarídeo (LPS) (o IFN-y potencializa e
prolonga os efeitos induzidos pelo TNFa e IL-I) e inibida por
glicocorticóides. A síntese e a exposição das selectinas levam de
quatro a seis horas. Os ligantes das selectinas são carboidratos da
membrana de leucócitos, especialmente os grupos sialil Lewis
X ou a (sl.e" ou ') e outros resíduos de carboidratos sulfatados e
rnonofosfatados. A ligação das selectinas aos leucócitos (PMN
e monócitos) permite o rolamento deles sobre as células endo-
teliais.
26 PatologiaGeral
Quadro 3.1 Se1ectinas e g1icoproteínas de adesão existentes no endotélio e leucócitos e seus respectivos ligantes
Nome CD Localização Estrutura básica Ligantes
CD-62L Linfócito, monócito MadCAM-l
Selectina L LAM-l PMN, eosinófilo I~OO•• GlyCAM-l
MEL-24 PMN, eosinófilo CD34
Selectina E CD62E Endotélio I~OOOOOO •• Sialil Lewis X
CD62P
Selectina P GMP 140 Endotélio, plaqueta I~OOOOOOOOOO •• Sialil Lewis X
PADGEM
GlyCAM-l SGP-50 HEV
I~
Se-L
CD34 CD34 Endotélio l~o_L~,-~ Se-L
PSGL-l PMN
1~'C-.c'C'--
Se-P
~_/~~-
I~= membrana plasmática.
O = domínios semelhantes aos de proteínas reguladoras do complemento.
• = domínios semelhantes ao do EGE
• = domínio com atividade de lectina.
~ = resíduos de carboidratos em glicoproteínas.
HEV = veia de endotélio alto.
As IgCAM produzidas pelo endotélio são: ICAM-I, ICAM-2
(lntercellular Adhesion Molecule), VCAM -1 (Vascular CAM),
LFA-3, CD31 e as VEJAM (Vascular Endothelial Junctional
Adhesion Molecules), todas com domínios Ig-símile extracito-
plasmáticos. A ICAM-2 é produzida constitutivamente e fica
armazenada, podendo ser exposta rapidamente após estímulo.
A síntese de ICAM-I é induzi da por IL-I, TNFa, LPS e IFN-y,
Quadro 3.2 Moléculas de adesão da superfamilia das
imunoglobulinas (IgCAM)
Nome CD Indução Estrutura Ligante
ICAM-l CD54 + II-DDDDD LFA-l
CR3
ICAM-2 CD102 II-DD LFA-l
VCAM-l CD106 + II-DDDDDDD VLA-4
INCAM-110
PECAM CD3l II-DDDDDDD CD31
MadCAM ? II-D- - - - -DD VLA-l
Se-L
11- = membrana plasmática.
fl = domínio semelhante ao das cadeias pesadas das imunoglobulinas.
podendo inclusive ser expressa em células que não as endoteliais.
A VCAM-l é também induzida por IL-l, TNFa e IFN-y, apare-
cendo na membrana algumas horas depois do estímulo. CD31,
cuja expressão é estimulada por IL-l, TNFa e LPS, é expressa
nas faces basolaterais da célula endotelial, onde mantém contato
com as células vizinhas. A CD31 é importante na manutenção
da permeabilidade do espaço interendotelial pelas ligações ho-
mofílicas entre as CD31 de duas células justapostas; é também
importante no tráfego dos leucócitos através desses espaços,
como se verá adiante. As VEJAM são encontradas nas junções
interendoteliais, onde formam ligações homofílicas, importantes
na manutenção da permeabilidade endotelial, e são expressas em
maior quantidade no endotélio de vasos do sistema nervoso, tendo
papel na formação da barreira hematoencefálica. Os ligantes para
as IgCAM são as integrinas dos leucócitos (Quadro 3.3), prin-
cipalmente CDlla/CDl8, CDllb/CDl8, Cdllc/CDl8 e a4b3.
A ligação das integrinas com as IgCAM é que faz a aderência
firme dos leucócitos ao endotélio, promovendo o espraiamento
e permitindo o início da diapedese.
TÔNUS VASCULAR. As células endoteliais produzem substân-
cias vasodilatadoras (PGI2 e NO) e vasoconstritoras (endotelinas),
importantes no controle do fluxo sanguíneo na microcirculação.
Prostaciclina (PGI2) é sintetizada por células endoteliais, plaquetas
e leucócitos; é vasodilatadora e inibidora da adesão plaquetária. O
óxido nítrico (NO) é gerado a partir da ação da enzima sintetase
do óxido nítrico (NOS, de NO sinthase); tem vida média mUi,
<,
Quadro 3.3 Integrinas existentes em leucócitos
Integrina Constituição CD
VLA-I al!)l CD49a/29
VLA-2 a2!)1 CD49b/29
VLA-3 a3!)1 CD49c/29
VLA-4 a4!)1 CD49d/29
VLA-5 a5!)1 CD4ge/29
VLA-6 a6!)1 CD49f/29
LPAM-I a4!)7 CD49d/104
LFA-I a2!)2 CDlla/l8
CR-3 am!)2 CDllb/18
Etiopatogênese Geral das Lesões 27
Ligantes Expressa em:
CR-4 CD1lc/18
colágeno, laminina LT, Fb, células mesangiais
colágeno, laminina, fibronectina LT ativados, plaquetas
VCAM-I, fibronectina rim, tireóide
fibronectina, laminina células da medula óssea
laminina leucócitos, plaquetas
? distribuição universal
MadCam-l LT
ICAM-l, leucócitos
ICAM-2
C3bi, C4bi, Mel>,PMN
ICAM-I,
ICAM-2
C3bi, C4bi,
ICAM-l
Mel>
Fb = fibroblasto; M4>= macrófago; LT = linfócito T; PMN = polimorfonuclear neutrófilo.
curta e é inativado por hemoglobina, O2 e agentes redutores. A
OS existe sob três isoformas: duas constitutivas (cNOS, ce-
rebral e endotelial) e outra induzível (iNOS). Vários estímulos
(acetilcolina, bradicinina, angiotensina 11,histamina, ET-lligada
ao receptor B e trombina, que agem em receptores que ativam
a fosfolipase com liberação de IP) e mobilização de Ca't para o
cito sol) ativam a cNOS, enquanto estímulos que induzem AMPc
a inibem, fosforilando-a, O NO é vasodilatador e age diretamente
obre a guanidilato-ciclase das células musculares lisas, gerando
GMPc; este ativa a proteína cinase G, que promove relaxamento
das fibras musculares. A produção constitutiva do NO parece
importante na manutenção do tônus da musculatura vascular, pois
ua inibição resulta em hipertensão arterial.
As endotelinas são peptídeos de ação prolongada, e exis-
tem sob três formas: ET-l, ET-2 e ET-3. A síntese da ET-l é
onstitutiva no endotélio, mas pode ser regulada por diversos
estímulos, incluindo variações na pressão e fluxo do sangue
força de cisalhamento ou shear stress), que ativam seu gene;
e te é ativado também por estímulos que resultam em ativação
da proteína cinase C (PKC). Há dois receptores para endotelinas:
ETRA e ETRB. O ETRA se liga às proteínas Gs e o ETRB, às
proteínas Gi. O ETRA induz vasoconstrição, enquanto o ETRB
promove liberação de NO, resultando em vasodilatação. Outros
efeitos da ET-I estão relacionados com indução da proliferação
e diferenciação de células mesenquimais e endoteliais, atuando
nos mecanismos de proliferação vascular. Os níveis séricos de
endotelina estão elevados na hipertensão arterial essencial, na
aterosclerose e em pacientes com doenças renais crônicas em
hemodiálise. Anticorpos anti-ET-I e antagonistas do ETRA
reduzem o estado hipertensivo e melhoram a função renal em
animais com hipertensão arterial experimental.
SISTEMA DE PEPTÍDEOS NATRlURÉTICOS (NP). É for-
mado por três famílias de peptídeos: ANP, BNP e CNP. Os dois
primeiros são produzidos nos átrios e ventrículos e lançados na
circulação, após sobrecarga de volume dessas câmaras cardíacas; o
CNP é sintetizado no endotélio e em macrófagos ativados. Existem
três receptores para os NP: ANPr, BNPr e CNPr. Os NPr A e B são
proteínas transmembranosas com segmento intracitoplasmático
com duas atividades enzimáticas: de proteína cinase e de guani-
dilato-ciclase; o CNPr tem curto segmento intracitoplasmático e
está ligado a uma proteína Gi. A produção do CNP é aumentada
no endotélio por ação de LPS e citocinas inflamatórias, parecendo
ser importante no agravamento do choque séptico.
Pelo exposto, fica claro que as células endoteliais desem-
penham papel importante nos diversos momentos da resposta
às agressões: liberam mediadores e atuam na exsudação e nos
fenômenos vasculares (NO e endotelinas). Tudo isso reforça o
interesse dos estudiosos em aprofundar o conhecimento sobre
os mecanismos de ativação dessas células, com a finalidade
de se encontrarem substâncias com ação antiinflamatória.
Inúmeros agentes estimulam as células endoteliais mediante
ativação do fator de transcrição NFKB, admitindo-se que
inibidores desse fator venham a ser agentes antiinflamatórios
eficazes.
PLAQUETAS. As plaquetas são também fonte importante de
mediadores da resposta imunitária inata (Fig. 3.2), os quais ficam
armazenados em seus grânulos; sintetizam ainda TXA2 e lipoxi-
nas, estas últimas a partir de leucotrienos liberados por PMN e
macrófagos aos quais aderiram (síntese transcelular).
LEUCÓCITOS. São as células mais importantes na resposta
imunitária inata e adquirida. Os leucócitos que saem dos vasos
após as agressões, além de atuarem nos mecanismos diretos de
defesa (ver Capo 7, onde os leucócitos serão descritos em deta-
lhes), são também fonte importante de mediadores que amplifi-
cam e mantêm a inflamação, iniciamos fenômenos de reparação
da lesão produzida pela agressão e modulam a proliferação e/ou a
diferenciação das diferentes células do exsudato. PMN produzem
28 Patologia Geral
a2-macroglobulina
Inibidor de protease
Antiplasmina
Proteína bactericida
Prostaglandina TXA -""'---{
PAF """'----I
Microtúbulos e
microfilamentos
Grânulos de
glicogênio
Lisossomos
Catepsinas
Colagenase
Elastase
Fosfatase ácida
~-acetilglicosaminidase
~-galactosidase
~-glicerofosfatase
Arilsulfatase
Corpos
densos 1
ADP
ATP
Ca++
Serotonina
Pirofosfato
Grânulos
alfa
Fator plaquetário y
13-tromboglobulina
Proteína básica da plaqueta
PDGF
Fibrinogênio
Fator von Willebrand
Fibronectina
Trombospondina
Fator V
Fig. 3.2 Esquema de uma plaqueta e seus produtos.
PGE2, LT e PAF, liberam proteínas catiônicas que aumentam
a permeabilidade vascular e são fonte de proteases que geram
cininas a partir de cininógenos plasmáticos. Os macrófagos,
além de produzirem PGE2, LT e PAF, liberam quimiocinas e
citocinas e são a principal fonte de fatores de crescimento no foco
inflamatório (sintetizam e liberam PDGF, FGF, EGF, TGFa e [3,
CSFs). Os linfócitos sintetizam citocinas, quimiocinas e fatores
de crescimento, e são os grandes moduladores da resposta infla-
matória. Os eosinófilos, além de PG, LT e PAF, são produtores
de TGF[3. Os basófilos armazenam histamina e, junto com os
mastócitos, desempenham papel importante quando a agressão
induz anafilaxia.
SISTEMA PROTEOLÍTICO DE CONTATO. O plasma
contém sistemas proteolíticos que, uma vez ativados, reagem
em cascata e produzem efeitos específicos ou geram peptídeos
que atuam na regulação da homeostase, especialmente na mi-
crocirculação e nas células fagocitárias. Entre esses sistemas,
denominados sistemas proteolíticos de contato porque são
ativados pelo contato com superfícies eletronegativas, os mais
importantes são o da coagulação sanguínea, o da fibrinólise, o
do complemento e o gerador de cininas. Independentemente
de sua natureza, qualquer agressão pode acionar um desses
sistemas isoladamente ou, o que é mais freqüente, mais de
um simultaneamente, devido à grande inter-relação que existe
entre eles.
Sistema da Coagulação e Fibrinólise
A coagulação do sangue é um fenômeno de gelificação de um
suspensóide (plasma e células), no qual uma cascata de ativação
de pré-proteases induz a polimerização do fibrinogênio, formando
uma proteína fibrilar, a fibrina, responsável pela rede que aprisio-
na os elementos figurados, resultando na estrutura denominada
coágulo. A retração do coágulo, por ação das plaquetas, separa o
sangue após a coagulação in vitro em duas fases: o soro (plasma
sem fibrinogênio) e o coágulo.
A coagulação se faz pelo arranjo de complexos moleculares
que incluem zimógenos (pré-proteases), co-fatores e substratos,
reunidos em uma superfície (fase sólida para sustentar o arranjo)
representada por membranas ou vesículas originadas de membra-
nas, principalmente de plaquetas ou endotélio. Esses complexos
moleculares facilitam a amplificação das reações próximo de 300
vezes em relação à ação isolada da enzima sobre seu substrato.
A polimerização do fibrinogênio em fibrina é feita pela trom-
bina, que se origina da protrombina por ação de uma protrom-
binase. A fibrina pode ser gerada por dois mecanismos ou vias:
mecauismo intrínseco ou plasmático e mecanismo extrínseco
ou tecidual. O processo envolve a formação de quatro comple-
xos moleculares, tendo todos como fase sólida uma vesícula
fosfolipídica originada de plaquetas ou endotélio: (a) complexo
da protrombinase (protease = fator Xa, co-fatores = fator Va e
Ca'", substrato = protrombina); (b) complexo intrínseco d~ ati-
vação do fator X, resumidamente denominado X-ase intríriseca
(protease = fator IXa, co- fatores = fator VIIla e Ca'", substratoe
fator X); (c) complexo extrinseco de ativação do fator X ou X-ase
extrínseca (protease = fator VIla, co- fatores = fator tecidual (FI)
e Ca'", substrato = fator X); (d) complexo ativável pelo contato,
que ativa o fator IX após contato com superfícies eletronegativas,
formado por uma proteína de alto peso molecular geradora de
cininas (HMWK, de High Molecular Weight Kininogen), fator
XII, pré-calicreína e fator XI.
Após agressão tecidual, a coagulação inicia-se pela ativação
da X-ase tecidual. O fator tecidual (FI, glicoproteína trans-
membranosa exposta na superfície das células após agressão)
associado ao fator VII gera pequena atividade de X-ase, a qual
ativa o fator X, iniciando a atividade de protrombinase; com
isso, forma-se pequena quantidade de trombina, que, ao ativar
a pré-calicreína e o fator VII, favorece a ativação das X-ases,
intrínseca e extrínseca, amplificando o processo (Fig. 3.3).
A ativação da X-ase intrínseca, que atua na amplificação do
processo, começa com a formação do complexo ativável pelo
XJI :---f-~tl~x ---Xlla < : XII P ......::...r:~----.
j-xla l__~~~~__J L BK
IXa -, Complexo ativado
'y pelo contato
---->o.. X --- IXaNllla/Ca++
LESAO
Etiopatogênese Geral das Lesões 29
contato, mediante associação do fator XII, pré-calicreína e fator
XI sobre o HMWK. Ativada pela trombina, a pré-calicreína gera
a calicreína, protease que cliva o fator XII, ativa-o em fator
Xlla, o qual age sobre o fator XI e gera o fator XIa; este ativa
o fator IX, o qual, como fator IXa, passa a fazer parte da X-ase
intrínseca. O fator XlIa também realimenta o processo por ativar
a pré-calicreína.
Uma vez ativadas as X-ases, inicia-se o que se conhece como
via comum da coagulação, que é a geração da atividade de
protrombinase: o fator Xa associa-se ao fator Va (liberado por
plaquetas) e cliva a protrombina, gerando trombina. Esta atua
no fibrinogênio, liberando os fibrinopeptídeos A e B. Com isso,
forma-se um monômero com um domínio E e dois domínios D.
A ligação dos monômeros se faz entre os domínios D e E, ori-
ginando o polímero linear (Fig. 3.4). O fator XIII, ativado pela
trombina, induz ligações cruzadas, transversais e longitudinais,
que resultam na formação da rede de fibrina estabilizada.
X-ase intrínseca)
FTNlla/Ca++
X-ase extrínseca
Protrombinase
Protrombina -~ --'>0..> Trombina ~
L...-------F-ib-r-in-o-g-ê-n-iO----l j • Fibrina \
J · XIII
Fibrina estável
XaNa/Ca++
Fig. 3.3 Esquema da coagulação sanguínea. O processo inicia-se com lesão tecidual ou com exposição do plasma a uma superfície e1etronegativa.
Observar que as vias tecidual e plasmática são ativadas pela trombina formada, o que amplifica muito o sistema. As principais atividades de
protease (X -ases extrínseca e intrínseca e protrombinase) estão dentro de retângulos amarelos. FI = fator tecidual ou tromboplastina tecidual; PK
= pré-calicreína; HMWK = cininógeno de alto peso molecular; BK = bradicinina. A letra "a" na frente do algarismo romano representa o fator
indicado após ativação (p. ex., Xa = fator X ativado).
30 Patologia Geral
PAI-l e 2
1 1
Plasminogênio
Fibrinopeptídeos 11 ( Plasmina
IIIIJ. I
1
Fibrinogênio
0.2 -macroglobulina
(')1\ R {IL-l Il-6eReceptor Gíl"\ ma'léculas
(endotélio) de adesão
Trombino
IXo, XC,
Xlo, Xllo
Vo, Vlllo
:/rJ"'â
g?mbOmOdul~~ ~
Endotélio
• • •
4111)11!"'( --;-)
Heparan e
sulfato de heparan
Fig. 3.4 Esquema sobre os principais mecanismos reguladores da coagulação e da fibrinólise. Os inibidores estão indicados em retângulos azuis;
seus alvos, indicados com setas vermelhas. PAI-I e 2 = inibidor do ativador do plasminogênio; tPA = ativador tecidual do plasminogênio; uPA
= ativador do plasminogênio relacionado com a uroquinase; TFPI = inibidor da via ativada pelo fator tecidual; TAFI = inibidor da fibrinólise
ativado pela trombina; GPAR = receptor acoplado a proteína G ativável por proteases.
TÉRMINO DO PROCESSO DE COAGULAÇÃO. A ativação
da coagulação sanguínea é um processo rápido e explosivo que
precisa serlimitado ao local em que ocorreu a lesão. Por essa
razão, deve ser bem controlado, o que é feito por meio de: (a)
efeito de diluição dos pró-coagulantes no fluxo sanguíneo; (b)
remoção dos fatores pró-coagulantes pelo sistema fagocitário mo-
nonuclear; (c) mecanismos anticoagulantes naturais, constituídos
por: (a) antitrombina circulante (antes denominada antitrombina
III); (b) heparina e sulfato de heparan na superfície endotelial;
(c) complexo da proteína S; (d) inibidores do fator tecidual; (e)
prostaciclina e óxido nítrico (NO).
A antitrombina, um inibidor de protease, inibe a trombina
e os fatores Xa, IXa, XIIa e XI a, com eles formando comple-
xos irreversíveis. Heparina e sulfato de heparan na superfície
endotelial removem rapidamente a trombina, sendo muito
eficientes porque a superfície endotelial na microcirculação é
muito extensa (1 ml de sangue é exposto a uma superfície de
5.000 cm-). O sistema da proteína S é o complexo formado por
trombomodulina, trombina (protease) e proteína S (substrato).
A proteína S, ativada pela trombina, ativa a proteína C, a qual
tem ação proteolítica, inativadora, sobre os fatores Va e VlIla,
inibindo os complexos de protrombinase e X-ase intrínseca. O
fator inibidor do fator tecidual (TFPI, de Tissue Factor Pathway
Inhibitor) é sintetizado no endotélio, sobre o qual fica ligado ao
glicocálice, e uma pequena fração circula ligada a lipoproteínas.
A fração aderida ao endotélio é liberada por ação da heparina,
ampliando o efeito anticoagulante desta. O TFPI inibe o fator
Xa e o complexo FT/VIIa. Prostaciclina e NO são potente
antiagregadores plaquetários, inibindo a ação das plaquetas na
progressão da coagulação.
Em condições fisiológicas, o coágulo formado deve ser elimi-
nado tão logo cumpra sua função, o que é feito pela digestão da
fibrina pela plasmina (sistemafibrinolítico). A plasmina forma-
se a partir do plasminogênio, que adere à fibrina junto com o
ativador do plasminogênio. A formação do complexo molecular
plasminogênio-ativador do plasminogênio sobre a fibrina poli-
merizada amplifica centenas de vezes a geração da plasmina.
Esta cliva o fibrinogênio em fibrinopeptídeos, dos quais os mais
comuns são os dímeros de domínios D. Existem dois ativadores
naturais do plasminogênio: (a) tPA ttissue Plasminogen Activa-
tor), produzido no endotélio, especialmente quando ativado por
trombina, serotonina, cininas, adrenalina e algumas citocinas
antiinflamatórias. Na circulação, o tPA associa-se a~ inibidor
natural (PAI, Plasminogen Activator Inhibitor), e o complexo
é endocitado no fígado; (b) uPA (urokinase Plasminogen Acti-
or), presente em grande quantidade na urina, é o principal
responsãvel pela fibrinólise extravascular. O uPA é produzido
r diferentes células sob a forma de um precursor ativado pela
lasmina. O sistema fibrinolítico, por sua vez, é controlado por
PAI (Plasminogen Activator Inhibitor), cx2-antiplasmina e TAFI
Trombin Activable Fibrinolysis Inhibitor). O PAI-l é sintetizado
no endotélio e plaquetas e o PAI-2, por leucócitos e placenta. O
TAFI é um zimógeno que se associa ao complexo trombomo-
dulina-trombina e, uma vez ativado, cliva resíduos de lisina na
extremidade C da fibrina parcialmente digerida, dificultando a
rncorporação do plasminogênio e seu ativador, protegendo a
fibrina da ação rápida da pIasmina.
istema Gerador de Cininas
Está intimamente associado ao sistema da coagulação, já
que o fator de Hageman ativado por superfície eletronegativa
ou por endotoxinas ativa a pré-calicreína em calicreína, a qual
ge sobre uma globulina, o cininógeno de alto peso molecular,
gerando bradicinina. A calicreína é capaz ainda de clivar o
fator de Hageman em um fragmento que ativa a pré-calicreína
associada ao cininógeno de alto peso molecular, amplificando o
istema. Existem calicreínas teciduais que, ativadas pelo calor ou
proteases, agem sobre o cininógeno de baixo peso molecular e
geram um peptídeo maior, a lisilbradicinina ou calidina. Além
de outros efeitos, bradicinina e calidina são vasodilatadores das
arteríolas e aumentam a permeabilidade vascular, admitindo-se
também serem mediadores da dor (substâncias de efeito algigê-
nico). A bradicinina ativa a fosfolipase C, induzindo a síntese
e liberação de prostaglandinas, principalmente em fagócitos e
células endoteliais. Bradicinina e calidina são peptídeos de vida
média muito curta, sendo metabolizadas rapidamente por uma
carboxipeptidase (abundante nos rins e no endotélio) que retira
a arginina do peptídeo (bradicinina desArg, que mantém efeitos
vasodilatadores mas não aumenta a permeabilidade vascular)
e por uma endopeptidase (enzima conversora da angiotensina
= ECA, abundante no pulmão), que transforma a bradicinina
e a calidina em peptídeos inativos. A enzima conversora que
inativa a bradicinina é a mesma que converte a angiotensina I
em angiotensina Il, que é potente vasoconstritor. São inibidores
naturais da liberação de cininas o ClINH, a cx2-macroglobulina
e a cxl-antitripsina. Inibidores inespecíficos de proteases, como
o trasilol, são também inibidores de cininas.
Sistema Complemento
O sistema complemento é um conjunto de proteínas (pró-en-
zimas) que se ativam em cascata, formando sobre a célula onde
o sistema foi ativado um complexo macromolecular anfipático
que se aprofunda na membrana e cria um poro hidrofílico através
do qual a célula perde eletrólitos e morre. Durante o processo de
ativação, são gerados outros produtos que atuam em mastócitos,
atraem e ativam fagócitos e têm atividade opsonizadora. Ao
lado das proteínas que se ativam em cadeia, existem proteínas
inativadoras naturais, circulantes ou presas às células, as quais
impedem a ação indiscriminada do complemento sobre as células
e controlam a ativação espontânea do sistema.
As proteínas que fazem parte do sistema complemento têm
nomenclatura complexa: algumas são numeradas em ordem de
sua descoberta (Cl , C2 ... C9), outras são referenciadas por nomes
indicativos de seus efeitos (fator B, fator D, properdina); os ini-
bidores recebem nomes diversos, dependendo de sua localização
(ClINH, C4bp, MCP etc.).
Etiopatogênese Geral das Lesões 31
O complemento pode ser ativado de três maneiras: (a) via
clássica, ativada por complexos Ag-Ac; (b) via alternativa,
desencadeada pela ativação do C3 na superfície de patógenos;
(c) via das lectinas. A via alternativa e a ativação pela via das
lectinas constituem importante papel do sistema complemento
como mecanismo imediato de defesa do organismo contra agen-
tes infecciosos (Fig. 3.5). CJ\~ ~O \ .lia
ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO POR COMPLEXOS
Ag-Ac. A ativação do complemento após reação Ag-Ac começa
pela exposição de um sítio no Fc do anticorpo (IgG ou IgM) que
interage com o componente Clq do complexo CIq(rs) (o Cl é
formado pela associação das moléculas q.r.s. mantidas unidas por
meio de Íons Ca'"). Após interação do Fc com o Cl q, o Clr sofre
alteração conformacional, adquire ação proteolítica e ativa o Cls.
O CIs cliva o C4, originando dois fragmentos: C4a, menor, que sai
para a fase fluida, e o C4b, maior, que expõe uma ligação tioéster
que se liga facilmente a grupos arnino e hidroxil da membrana
celular ou de proteínas solúveis vizinhas, sendo facilmente hi-
drolisado. Uma fração pequena do C4b se liga ao C2 na presença
de Mg'", permitindo que o C2 seja exposto à ação do Cls, sendo
clivado em dois fragmentos: C2a, que sai para a fase fluida, e C2b,
que forma um complexo com o C4b (C4b.2b). Nesse complexo,
o C2b expõe um sítio de atividade proteolítica que pode clivar o
C3 ou o C5, razão pela qual o complexo C4b.2b é denominado
C3/C5 convertase. Por ação do C4b.2b, o C3 é clivado em dois
fragmentos: C3a, que sai para a fase fluida, e o C3b, que apresenta
uma ligação tioéster instável facilmente hidrolisável se não se
liga a resíduos amino ou hidroxil de membrana ou de proteínas
solúveis vizinhas (a vida média do C3b éde 60 ps e somente
10% se liga ao C5). A ligação do C3b ao C5 fixa esse último
à membrana da célula, tornando-o suscetível à ação da C3/C5
convertase, que o cliva em dois fragmentos: C5a, que sai para a
fase fluida, e C5b, que possui um sítio que se liga à membrana e
outro que o liga ao C6. O complexo C5b.6 se liga ao C7, formando
o complexo C5b.6.7, estável, ao qual se liga o C8, gerando um
complexo quadrirnolecular que induz a polimerização do C9. Esse
complexo quadrimolecular forma complexos de 12 a 16 unidades
que constituem canais anfipáticos, hidrofóbicos externamente e
hidrofílicos por dentro. A extremidade hidrofóbica faz com que o
complexo penetre na camada lipídica da membrana, criando um
canal hidrofílico por onde a célula perde água e eletrólitos e morre.
Esse complexo formado pelo C9 polirnerizado é conhecido como
complexo de ataque à membrana, que é o responsável pela morte
da célula sobre a qual o complemento foi ativado.
VIAALTERNATIV ADEATIV AÇÃO DO COMPLEMENTO.
Envolve a formação de uma C3 convertase a partir do C3 e do
fator B presentes na circulação. Em condições normais, o C3
circulante pode sofrer hidrólise espontânea e originar C3bHp,
o qual se prende facilmente a superfícies celulares. O C3bHp
é normalmente inativado pelo C3b/C4bINA, porque as células
possuem glicocálice rico em ácido siálico, o qual favorece a
ligação de um fator (proteína H) ao C3b, tornando-o suscetível
à ação do C3b/C4bINA. Por essa razão, o complemento não é
ativado em células normais. Muitos microrganismos, no entanto,
possuem componentes de membrana que se ligam ao C3, mas
possuem pouco ou nenhum ácido siálico na superfície. Defi-
ciência de ácido siálico diminui a ligação do fator H ao C3b,
reduzindo a ação do C3b/4bINA. Nessa situação, portanto, o
C3b ligado ao microrganismo não é inativado e se liga ao fator
Hidrólise
espontâneo
Cl---> Cl qrs - C4 C3L C3b(H,O)<=>1 C3b/C4bINAI
/Ct=~C4bl~I c~::
MASP__MBP ~
-- C2 C3bBb~@ r-Pr~dina
\-C-4-'-b-2b-I---""- C3 ....•.c----Ir-C-3....:.bB-b-P I
~ c~@ I ~
DAF ~ . DAF,CR2
C5~S
C5b
~
32 Patologia Geral
Microrganismo
C5b67
~ <!=lIProteína S I
C5b678
C9
~IC5b6789I <!=l~
t
COlTlplexo de ataque
à lTlelTlbrana
Fig. 3.5 Esquema representando as vias de ativação do complemento. C3b/C4bINA = inativador do C3b e do C4b; DAF =Decay Accelerating Fac-
for; CR2 = receptor para complemento; HRF = fator homólogo de restrição; MASPIMBP = MBP Associated Protein/Manose Binding Protein.
B, que é clivado pelo fator D em fragmentos BaeBb, ficandooBb
unido ao C3b. O complexo C3bBb é uma C3 convertase que cliva
o C3 em C3a e C3b. O restante da ativação, que leva à formação
do complexo C5b6789, se faz como descrito para a via clássica.
Essa C3 convertase é instável e estabiliza-se após união com uma
proteína plasmática denominada properdina, formando o complexo
C3bBbP. Microrganismos (vírus, bactérias, protozoários etc.), desde
que possuam na superfície moléculas que dificultam a ação do C3b/
C4bINA, são capazes de ativar a via alternativa do complemento.
ATIVAÇÃO DO COMPLEMENTO PELA VIA DAS LEC-
TINAS. Inicia-se pela ligação de uma lectina do plasma deno-
minada MBP (Mannose Binding Protein) a resíduos de manose
existentes na superfície de microrganismos. A MBP liga-se à
proteína MASP (MBP Associated Protease), e o complexo for-
mado adquire a propriedade de ativar o C4 e C2 e gera uma C3
convertase que atua como descrito na via clássica.
Regulação da Ativação do Complemento. Vários fatores
regulam a ativação do complemento e assim impedem a pro-
gressão espontânea do sistema. A ativação do CI é regulada
pelo inibidor do CI (CI INH), que se liga de modo irreversível
ao Cl. A formação da C3 convertase é controlada por uma
família de proteínas estruturalmente semelhantes, denomina-
das proteínas reguladoras do complemento, representadas por
duas proteínas plasmáticas (fator H e proteína de ligação ao
C4, ou C4BP) e por quatro proteínas associadas à superfície
de células: fator acelerador da desintegração da C3 convertase
(DAF), receptor para C3b (CRI), receptor para C3dg (CR2)
e proteína co-fator de membrana (MCP). As C3 convertases
são inibidas de três maneiras: (1) dissociação espontânea; (2)
dissociação acelerada pelo DAF; (3) proteólise do C3b ou do
C4b pelo fator C3b/C4bINA, após ligação do C4b ao C4BP, do
C3 ao fator H ou à MCP. O ácido siálico favorece tais ligações,
razão pela qual células ricas em ácido siálico na superfície ficam
protegidas da ação do complemento. Existem ainda a proteína
S e o fator homólogo de restrição (HRF), que impedem a ligação
do C5b6 à membrana (proteína S) ou a formação do complexo de
ataque à membrana (HRF). A localização dos diferentes fatores
que regulam o complemento e suas funções estão resumidas no
Quadro 3.4.
Independentemente da via, a ativação do complemento resulta
em: (1) lise da célula sobre o qual foi ativado; (2) liberação de
produtos com ações biológicas variadas. Produtos da ativação do
omplemento são importantes nos mecanismos de defesa, pois
aumentam a permeabilidade vascular, atraem e ativam leucóci-
tos para o local em que o complemento é ativado e estimulam a
fagocitose. O C2a é vasodilatador e aumenta a permeabilidade
ascular; o C3a, C4a e C5a liberam histamina e outros produtos
de mastócitos (daí serem denominados anafilatoxinas), além
de exercerem efeito quimiotático para PMN e macrófagos, es-
pecialmente o C5a, que também induz exocitose dos grânulos
dessas células. Os produtos da ativação que se ligam à membrana,
obretudo C4b e C3b, são opsonizadores, facilitando a fagoci-
tose. Em geral, os receptores para esses componentes induzem
não só a fagocitose como também a explosão respiratória e a
íntese de grânulos, aumentando assim o poder microbicida dos
fagócitos.
~DIADORES DE NATUREZA LIPÍDICA. OS lipídeos das
membranas são fontes importantes de mediadores extracelula-
res ou de mensageiros intracelulares gerados pela ativação de
receptores de membrana, sendo os fosfolipídeos derivados do
ácido fosfatídico e a esfingomielina as principais fontes desses
mediadores. As enzimas-chave para a liberação desses media-
dores são as fosfolipases e as esfingomielinases, situadas na
membrana plasmática, em forma inativa, ativadas por proteínas
G e cálcio. Fosfolipases foram demonstradas também no núcleo,
o que favorece a possibilidade de que mediadores lipídicos sejam
aí também liberados. As fosfolipases hidrolisam fosfolipídeos li-
berando ácidos graxos e radicais ligados ao fosfato. A fosfolipase
Etiopatogênese Geral das Lesões 33
A (PLA) hidrolisa a ligação éster do ácido graxo com o glicerol
nas posições 1 e 2 (PLAI e PLA2, respectivamente); a fosfoli-
pase C (PLC) quebra a ligação éster entre o fosfato e o glicerol;
a fosfolipase D (PLD) cliva a ligação éster entre o fosfato e o
radical nitrogenado ou carboidrato, liberando-os do lipídeo.
Muitos receptores de membrana estão ligados a uma proteína
Gp estimuladora de uma PLC fosfatidilinositol específica de
cuja atividade resulta a formação de DAG (diacilglicerol) e IP3
(trifosfato de inositol), que são transdutores de mensagens para o
citoplasma e núcleo. APLC-PI quebra o fosfatidilinositol e libera
inositol fosfato (IP) e DAG. O IP é fosforilado pela fosfoinositol
cinase, originando IP3, que age no REL liberando Ca'" para o
citosol; o DAG ativa a proteína cinase C (PKC). O Ca'" liberado
e a PKC atuam na fosforilação de outras proteínas, ativando
sistemas reguladores da mitose, da diferenciação celular ou da
atividade de proteínas contráteis.
A esfingomielina é fonte de mensageiros intracelulares para
alguns receptores. A esfingomielinase age sobre a esfingomielina,
quebrando-a em ceramida e fosforilcolina. Ativação da esfin-
gomielinase ocorre por estímulos diversos, como vitamina D2,
IL-I b, TNFa, radiações ionizantes, radicais livres etc. A cerarnida
atua como mensageiro intracelularde inibição do crescimento
celular e de estimulação da diferenciação, indução de proteases,
apoptose e necrose (ver Capo 4). Parece que a ceramida ativa
fosfatases que desfosforilam proteínas reguladoras, como a pro-
teína cinase C e moléculas pró-apoptóticas, ativando-as. Por ser
fonte de mensageiro intracelular induzido por citocinas (p. ex.,
IL-l, TNFa), é possível que a esfingomielina tenha participação
relevante no processo inflamatório.
Por ação de ciclooxigenases (COX) do citosol (Fig. 3.6), o
ácido araquidônico origina uma série de endoperóxidos cíclicos
denominados prostaglandinas (PG), das quais as mais importan-
tes são as que têm duas duplas ligações (PG2). As principais são
PGD2, PGI2 (prostaciclina), PGE2, PGF2 e TXA2 (tromboxano).
As prostaglandinas agem em receptores de várias células e produ-
zem uma vasta gama de efeitos biológicos: PGI2, secretada pelo
Fator Ligante
Quadro 3.4 Fatores reguladores da atividade do complemento
AçãoLocalização
Cl. INH
Fator I (inibidor do C3b e do C4b
[C3b/C4INa])
C4bBP (proteína que se liga ao C4b)
Fator H (proteína beta-I-H)
DAF(CD56)
~CP(CD46)
CRI (CD35) (receptor do C3b/C4b)
CI (r. S)2
C3b e C4b
C4b
C3b
C3b, C4b
C3b, C4b e C3bi
C3b, C4b e C3bi
desloca Clq do CI
hidrólise do C3b e do C4b
plasma
plasma
plasma
plasma
superfície das células
superfície de leucócitos e plaquetas
células do sangue, células dendríticas,
podócitos
facilita a ação do fator I
facilita a ação do fator I
dissocia C4b2b e C3Bb
facilita a ação do fator I
inibe ligação do fator B ao
C3D e de C2 ao C4b
acelera a dissociação do
C3Bb e C4b2
CR2 (CD21) C3d, C3dg, C3bi, EBV linfócitos B, epitélio orofaríngeo,
células dendríticas
favorece a ação do fator I
regula a atividade mitótica de
células B
DAF = Deeay Accelerating Factor.
MCP = Membrane Cofactor Proteín.
34 Patologia Geral
Ácido araquidônico
~C~
TXA../ TXA. SINmASE I PGH
2
I PGI2SINmASE
~~~~f~~~S ~~<v ~l,~Ú..ê
~O ~ ~<%-s
PGD. PGF2
IMastócitos I PGE. [1J
...... PGI.
I Endotélio I
Macrófagos
Mucosa gás1ríca
Endotélio
Medular do rim
Fig. 3.6 Síntese de prostaglandinas (PG).
endotélio, é antiagregadora plaquetária e vasodilatadora; TXA2,
produzido nas plaquetas, é agregante plaquetário e potente vaso-
constritor; PGE2, sintetizada em muitos tecidos e especialmente
em macrófagos, é vasodilatadora, controla a atividade de linfóci-
tos (efeito imunossupressor), tem efeito citoprotetor e é algigêni-
ca; PGF2<x é vasoconstritora e aumenta a permeabilidade vascular.
Um grupo de prostaglandinas importantes são as cic1opente-
nonas ou PGJ2 (Iô-desoxi-Pô.l.), que possuem efeito antiinfla-
matório e cuja síntese se faz por desidratação da PGD2• Outras
cic1opentenonas, denominadas isoprostanos, formam-se por ação
de radicais livres sobre o ácido araquidônico e possuem efeitos
antiinflamatórios e citoprotetores.
Existem duas isoformas de COX: uma constitutiva, de
distribuição universal (COX-l), e outra induzível (COX-2).
COX-l e 2 são inibidas pelos chamados antiinflamatórios
não-esteroidais (p. ex., aspirina, indometacina, ibuprofeno).
Como essas substâncias reduzem também a ação da COX-l,
podem se tornar danosas ao organismo, por diminuírem, por
exemplo, a proteção das prostaglandinas na mucosa gástrica.
Para contornar tal situação, hoje estão disponíveis inibidores
específicos da COX-2.
As lipoxigenases (LO-5, LO-12 e LO-15) agem sobre o
ácido araquidônico e produzem os leucotrienos (LT, Fig.
3.7), que são hidroxiperóxidos com quatro duplas ligações
(5-HPETE, LTA4 e LTB4; este se combina com o glutation,
dando origem ao LTC4, o qual perde a glutamina ou a glicina,
originando, respectivamente, o LTD4 e o LTE4). Os leucotrie-
nos são poderosos quimiotáticos, aumentam a permeabilidade
vascular, causam vasodilatação e contraem a musculatura lisa
do intestino e dos brônquios. A substância de reação lenta da
anafilaxia, descrita no passado como mediador da inflamação
e de reações anafiláticas, nada mais é do que uma mistura de
leucotrienos.
As Iipoxinas (LX) também originam-se do ácido araqui-
dônico e são sintetizadas pela associação de duas células
(via transcelular); sua síntese envolve duas lipoxigenações:
pelas 15 e 5-lipoxigenases (LO-5 e LO-15) ou pelas 5 e
12-lipoxigenases (LO-5 e LO-12). Nos monócitos e células
epiteliais brônquicas, a LO-15 origina o 15-HPETE, que
em PMN sofre ação da LO-5. O leucotrieno A4 gerado pela
LO-5 em leucócitos é transformado nas plaquetas, por ação
da LO-15, em lipoxinas A4 e B4. A aspirina acetila a COX-2
induzida em células endoteliais, estimulando-a a catalisar a
~ IÁcido araquidônico I
-:( ~
I 5-HPETE I Ir-l-5--HP-ETE-1
J ~(l~~~)
IlTM I '> I LFOXlNAS A4 e 841
~
I LTB41
~~~ut~~
IlTC41
~ ~Glutamina
IlTD41
~~GIiCina
I LTE41
Fig. 3.7 Geração de leucotrienos (LT) e lipoxinas. COX = ciclooxi e-
nase; LO = lipoxigenase.
conversão do ácido araquidônico em 15-HPETE, o qual é
ansformado pela LO-5 de leucócitos em 15-epilipoxinas
--\4 e B4 (também conhecidas como lipoxinas ATL = Aspirin
Triggered Lipoxins). As lipoxinas têm efeito antiinflamatório,
~ são potentes inibidoras da síntese de leucotrienos e PAF
os fagócitos, inibindo também a aderência e migração de
eucócitos. A síntese de lipoxinas é influenciada por citocinas,
:anto as pró-inflamatórias como as antiinflamatórias: IL-4 e
IL-l3, citocinas com efeito antiinflamatório, são indutoras de
LO-15, enquanto CSF-M induz LO-5, que gera LT4 e favorece
a síntese das lipoxinas. As lipoxinas agem em receptores de
ete voltas na membrana que ativam uma proteína G inibidora
da adenilato-ciclase. As lipoxinas são rapidamente inativadas
nos tecidos por desidrogenação por meio de oxirredutases
multifuncionais dos eicosanóides.
Ácidos graxos ômega-3, especialmente o ácido eicosapen-
taenóico (EPA) e o docosa-hexanóico (DHEA), podem sofrer
ação de ciclo- e lipoxigenases e gerar mediadores que influen-
iam a resposta inflamatória. Por ação das COX e LOX, o EPA
forma prostaglandinas (PG3) e leucotrienos (LT5) de pequeno
efeito pró-inflamatório e pró-coagulante; sob a ação de LOX
12 e 15 e da COX acetilada pela aspirina, podem gerar poten-
es antiinflamatórios semelhantes às lipoxinas, denominados
resolvinas. Tais compostos explicam o efeito antiinflamatório
dos ácidos graxos ômega-3. No sistema nervoso central, a
oxidação do ácido docosa-hexanóico origina isoprostanos
onhecidos como neuroprostanos, os quais também possuem
ações antiinflamatória e citoprotetora. Mais informações sobre
moléculas antiinflamatórias originadas de ácidos graxos estão
descritas no Capo 7.
O fator ativador de plaquetas (PAF) origina-se de uma
lisolecitina da membrana plasmática, da qual um ácido graxo
geralmente o ácido araquidônico) é substituído por um radical
acetil. São produtores de PAF as plaquetas, neutrófilos, macró-
fagos, mastócitos, células mesangiais e endoteliais. O PAF pode
ficar na própria célula que o gerou ou ser excretado e agir em
outras células, especialmente na parede vascular. Além de atuar
nas plaquetas, é um potente vasodilatador arteriolar, aumenta a
permeabilidade vascular e induz contração da musculatura lisa
do intestino e dos brônquios.
Descrição mais detalhada dos mediadores lipídicos e do seu
impacto na inflamação será feita no Capo 7.
CITOCINAS E QUIMIOCINAS. Citocinas são proteínas
que regulam e determinam a natureza da resposta imunitária,
tanto da inata (inespecífica) como da adaptativa. As citocinas
foram inicialmente designadas interleucinas, pois acreditava-se
serem substâncias produzidas por leucócitos e que agiam sobre
leucócitos. Como hoje se sabe que células não-Ieucocitárias
podem produzir e ser alvo das interleucinas, o termo citocina
é o mais apropriado para se referir a esse grupo de substâncias.
As citocinas são sintetizadaspor células do sistema imunitário
(linfócitos e macrófagos, neutrófilos, eosinófilos e células den-
dríticas), por células endoteliais e, algumas delas, por qualquer
célula do parênquima ou do estroma dos tecidos.
São características gerais das citocinas: (1) embora muito
estudadas durante a indução e o desenvolvimento da resposta
imunitária, as citocinas podem ser produzidas por qualquer
célula, em resposta a uma agressão (moléculas sinalizadoras
da existência de agressão), fazendo parte dos mecanismos
imunitários inatos (resposta imediata às agressões); (2) as
citocinas são secretadas por um período curto e em quanti-
Etiopatogênese Geral das Lesões 35
dade limitada; (3) há grande redundância nas suas fontes e
nos seus efeitos: uma mesma citocina pode ser produzida
por células distintas, tendo citocinas diferentes o mesmo
efeito; (4) muitas citocinas têm efeito pleiotrópico, ou seja,
efeitos diversos em células diferentes; (5) é freqüente que
uma citocina influencie a síntese de outra, inibindo-a ou
estimulando-a; (6) as citocinas podem ter ação sinérgica
ou antagônica; (7) todas as citocinas agem em receptores
celulares, e não é raro que o mesmo receptor possa se ligar
a diferentes citocinas, embora com afinidades diferentes;
(8) os efeitos das citocinas se manifestam geralmente após
indução gênica, com síntese de mRNA, e seus efeitos são
mediatos (não-imediatos) após a ligação com o receptor.
É impossível classificar as citocinas pelos seus efeitos (pois
são geralmente pleiotrópicos) ou por sua origem. Algumas fa-
vorecem a inflamação, e são denominadas citocinas pró-infla-
matórias, como IL-l, TNFa, IL-6 e IL-18, as mais universais
na resposta inata, e IL-17 e IFN)', mais envolvidas na resposta
adaptativa; outras reduzem a resposta e são chamadas citocinas
antiinflamatórias, como IL-lO, TGFI3 e IL-4. Certas citocinas
são importantes na modulação da ativação das células dendríticas,
governando a diferenciação dos linfócitos T CD4 para os quais
apresenta os antígenos. IL-12, por exemplo, induz a diferenciação
de linfócitos T CD4 em células produtoras de IFN)' e de linfócitos
TCD8 em células com efeito citotóxico (resposta do tipo Thl).
A IL-4, ao contrário, induz a diferenciação de linfócitos T CD4
em células que secretam várias citocinas de efeito auxiliar na
produção de anticorpos e da mobilização de eosinófilos, mastó-
citos e basófilos (resposta do tipo Th2). As principais citocinas
e suas funções estão resumidas no Quadro 3.5.
Os receptores para citocinas são distribuídos em farrulias de
acordo com sua estrutura e com seus mecanismos de transdução.
É comum que receptores diferentes utilizem unidades estrutu-
rais comuns; em geral, uma unidade confere a especificidade
da ligação e a outra, a capacidade de transmitir o sinal para o
citoplasma. O fato de apresentarem unidades comuns explica o
efeito redundante de muitas citocinas, pois uma citocina pode
agir no receptor de outra, desde que os receptores apresentem
certo grau de homologia.
Não é raro que receptores para citocinas sejam encontrados em
forma solúvel no plasma ou em outros líquidos biológicos. Tais
formas solúveis podem se originar de processamento alternativo
do rnRNA, que traduz somente o domínio extramembranoso do
receptor, ou resultar da ação de proteases que clivam o domínio
extracelular do receptor integrado à membrana. O importante
desse fenômeno é que "receptores" circulantes podem se ligar à
citocina no meio extracelular, impedindo que ela possa agir em
uma célula. Outras vezes, a forma solúvel do receptor se comple-
xa com a citocina, e o complexo formado se associa à molécula
acessória de um outro receptor, ativando-a, mesmo na ausência
do ligante específico desse último receptor. É o que ocorre com a
forma solúvel da IL-6R, que, ao se ligar à proteína gp 130, induz
a transmissão dos sinais intracitoplasmáticos disparados por
essa proteína. Como a gp 130 é acessória de outros receptores,
os efeitos destes podem ser mimetizados. Admite-se também
que o complexo receptor solúvel-citocina possa representar uma
forma de armazenamento da citocina que se libera do receptor
sob condições adequadas (p. ex., pH). Portanto, a existência de
receptores solúveis no interstício ou na circulação representa
uma forma importante de regulação da atividade biológica das
citocinas, podendo ser utilizada na inibição ou no reforço de
seus efeitos.
36 Patologia Geral
Citocina
Quadro 3.5 Principais citocinas, suas fontes e ações
Células produtoras Principais ações
TNFu
IL-I
IL-2
IL-3
IL-4
IL-5
IL-6
IL-7
IL-9
IL-lO
IL-ll
IL-12
IL-13
IL-15
IL-16
IL-17
IL-I8
IL-I9
IL-20
IL-2I
IL-22
IL-23
IL-25
IL-26
IL-27
CSF-M, CSF-GM
TGFf3
IFN-y
M<P, CD,epitélio, endotélio, fibroblastos
M<P, CD, epitélio, endotélio, fibroblastos
LTCD4+
LT (Th2)
LT (Th2), basófilos, mastócitos, NKT, CD
LT (Th2)
M<P, endotélio, LB
Epitélio, células do estroma do timo
LT (Th2)
LT (Th2 e Treg), M<P, mastócitos
LT (Th2)
CD,NKT,M<P
LT (Th2), mastócitos, basófilos
LTCD4+
LT (ThI), M<P
LT(Thl)
NKC, NKT, M<P, endotélio
CD,M<P
Ceratinócitos
LT
LT, mastócitos
CD,M<P,NKT
LT (Thl), M<P
M<P, LTreg
CD, monócitos
LT ativados, M<P, CD, endotélio
LTreg, M<P, mastócitos, fibroblastos
LThI, NKC, NKT
Pró-inflamatória
Pró-inflamatória
Ativa LT CD4+ e CD8+
Diferenciação de mastócitos e basófilos
IgE, IgG4, antiinflamatória
Diferenciação de eosinófilos
Pró-inflamatória, ativa síntese de PFA
Manutenção da ativação de LT
Anafilaxia e produção de IgE
Antiinflamatória, fibrose, angiogênese
Proliferação e diferenciação LB
Ativação da diferenciação de LThI
Induz IgE. Fibrose
Proliferação de LT CD4+ e CD8+
Pró-inflamatória
Pró-inflamatória
Pró-inflamatória
Semelhante a IL-lO
Semelhante a IL-lO
Ativa proliferação LB
Semelhante a IL-I O
Semelhante a IL-I2
Semelhante a IL-I7
Semelhante a IL-lO
Semelhante a IL-12
Diferenciação e sobrevivência de M<P e granulócitos
Antiinflamatório, fibrose
Ativação de macrófagos e LT citotóxicos
M<I>= macrófago; CD = célula dendrítica; LT = linfócito T; LB = linfócito B; NKC = célula natural killer; NKT = NKC do timo; PFA = proteínas de fase aguda.
Quimiocinas (de chemokines, formada da contração de
chemotactic cytokines) são peptídeos de baixo peso molecular
(em tomo de 8 kD) que exercem efeitos no tráfego, na ativação
e na diferenciação de células nas quais encontram receptores.
As quimiocinas caracterizam-se por possuírem resíduos de eis-
teína na extremidade N, cujo espaçamento as divide em quatro
grupos: (a) quimiocinas CXC (u), com duas cisteínas separadas
por um aminoácido qualquer; (b) quimiocinas CC (13), com duas
cisteínas contíguas; (c) quimiocinas C ('Y)com uma cisteína; (d)
quimiocinas C3XC (8), com duas cisteínas separadas por três
outros aminoácidos. Cada grupo tem vários membros (Quadro
3.6), que são numerados como ligantes (L) de um receptor CXC,
CC, C ou C3XC (CCL3, por exemplo, indica o membro número
3 do grupo CC).
As quimiocinas são reconhecidas em receptores de sete voltas
na membrana acoplados a uma proteína G; os receptores são di-
vididos em quatro grupos de acordo com o grupo de quimiocinas
reconhecidas. Existem 10 receptores CC, seis receptores CXC,
um receptor C e um C3XC. É comum que cada receptor possa
reconhecer mais de uma quimiocina e que a mesma quimiocina
possa ser reconhecida por receptores diferentes. AFig. 3.8 indica
os receptores para quimiocinas e os respectivos ligantes.
Do ponto de vista funcional, as quimiocinas podem ser
separadas em induzíveis (ou inflamatórias) e constitutivas (ou
homeostáticas). As quimiocinas induzíveis são secretadas
após agressões aos tecidos, e são responsáveis pela regulação
do tráfego, ativação e diferenciação de leucócitosna inflama-
ção; em geral, estas são mais promíscuas no uso do receptor
(várias quimiocinas do mesmo grupo agem no mesmo receptor,
também do mesmo grupo), aparentemente demonstrando redun-
dância de efeitos. Quimiocinas de um grupo raramente podem
ser reconhecidas em um receptor de outro grupo, geralmente
exercendo nesses casos efeito antagonista; de modo se~elhante,
há quimiocinas que podem ser reconhecidas em mais.de um
receptor do mesmo grupo, tendo efeito agonista em um eanta-
gonista em outro. As quimiocinas homeostáticas, produzidas
Quadro 3.6 Principais quimiocinas (nomenclatura
recomendada e alguns nomes alternativos)
I
CL2
CCL3
CCL3.1
CCL3.2 MIPI-ap
CCL4 Id78-gama
CCL5 seyA4; MIPlb
egulated upon Activation, Normally T-Expressed and Secreted;
RANTES
CCL7
CCL8
CCLll
CCLI3
CCL14
CCLl5
CCLl6
CCLl7
CCLl8
CCLl9
CCL20
CCL21
CCL22
CCL23
CCL24
CCL25
CCL26
CCL27
CXCLl
CXCL2
CXCL3
CXCL5
CXCL6
CXCL8
CXCL9
CXCLlO
CXCLll
CXCLl2
CXCLl3
CXCLl4
CXCLl6
XCLl
XCL2
C3XCLl
Nomes alternativos
seyA;* inflammatory cytokine i-309
seyA2; monocyte chemotactic protein I; MCPI
seyA3; macrophage inflammatory protein Ia; MIPla
seyA 7; MCP3
seyA8;MCP2
seyAll; eotaxin
seyAl3; MCP4
seyAl4; new cc chemorkine 2; NCC2
seyAl5; MIP5
seyAl6; new cc chemokine 4; nee4
seyAl7; thymus activation regulated chemokine; TARC
seyAl8; pulmonary and activation-regulated chemokine;
PARC
seyAl9; MIP3b; exodus 3
seyA20; exodus 1; MIP3a
seyA21; secondary lymphoid tissue chemokine; SLC;
exodus 2
seyA22; macrophage-derived chemokine; MDC
seyA23; myeloid progenitor inhibitory factor I; MPIFl
seyA24; myeloid progenitor inhibitory factor 2; MPIF2;
eotaxin 2
seyA25; thymus-expressed chemokine; TECK
seyA26; eotaxin
seyA27; cutaneos T cell-attracting chemokine; CTACK
seyBI; gro protein, alpha; GROa
seyB2; MIP2a; GR02
seyB3; MIP2b
seyB5; neutrophil-activating peptide; ENA 78
seyB6; granulocyte chemotactic protein 2; GC
seyB8; neutrophil-activating protein; NAPI; IL-8
seyB9; monokine induced by -y-interferon; MIG
seyBlO; interferon-v-inducible protein 10; ipl0;
seyBll; IP-9
stromal cell-derived factor 1; SDFl
seyBl3; B cell-attracting chemokine 1; BCAC
seyB14
seyBl6
seyCI
seyC2; lymphotactin; LTN
seyDI; neurotactin; fractalkine
*scy = small inducible cytokine.
Etiopatogênese Geral das Lesões 37
Receptores
CCL3,5, 7,8,13,14,15,16,23 -+ CCR1 l CXCR1 - CXC6,8
CCL2,7,8,1l,13,16 -+ CCR2 I CXR2 - CXCL 1,2,3,5,6,7 ,8
I
CCL5,7,8, 13, 14, 15, 16, 18 -+ CCR3 I CXCR3 -CXC9,10,11
CCL17,22 -+ CCR4 CXCR3b - CXC4,9,10,11
CCL2.4,5,7,8, 11,14, 16 -+ CCR5 [ CXCR4 - CXCL12
CCL20-+ CCR6
f
CXCR5 - CXCL13
CCL19,21-+ CCR7 CXCR6 <:=> CXCL 16
CCL1-+ CCR8
CR1 <:=> CL 1,2
CCL25-+ CCR9
CCL27,28-+ CCRlO C3XCR1 <:=> C3XCL 1
Fig. 3.8 Principais receptores de quirnioeinas e seus ligantes. As qui-
rnioeinas eonstitutivas estão escritas com letras vermelhas.
constitutivamente, são responsáveis pela migração de células
nos órgãos imunitários. Ao contrário das induzíveis, cada qui-
miocina constitutiva é reconhecida em um receptor privativo,
embora às vezes duas quimiocinas possam ser reconhecidas
pelo mesmo receptor.
A separação em quimiocinas constitutivas e induzíveis não é
absoluta: quimiocinas constitutivas podem ser hiper-reguladas
nas inflamações crônicas, favorecendo inclusive a colonização de
células imunitárias no foco inflamatório, com a formação de es-
truturas linfóides. Algumas quimiocinas inflamatórias (CXCL4,
7, 9 ela, CCL5 e 28) podem ser constitutivamente expressas
em glândulas exócrinas e liberadas nas secreções, onde exercem
efeito microbicida semelhante ao de defensinas.
Ao lado dos quatro grupos de receptores citados, as quimio-
cinas podem reconhecer dois outros receptores que não trans-
duzem o sinal (receptores enganadores): (1) receptor DARC
(Duffy Antigen Receptor for Chemokines, antes denominado
antígeno eritrocitário Duffy); (2) receptor D6. Esses receptores
são importantes na internalização e degradação das quimiocinas
inflamatórias, participando assim da modulação da inflamação.
Nas células endoteliais das vênulas, o receptor DARC é expresso
na face externa (abluminal) e tem a função de capturar as quimio-
cinas liberadas no tecido e levá-Ias através do citoplasma até a
superfície luminal, onde encontram os receptores nos leucócitos
capturados que estão rolando sobre o endotélio.
As quimiocinas não exercem seus efeitos apenas nos leucóci-
tos. Na embriogênese, atuam na migração e na diferenciação de
células; na carcinogênese, induzem quimiotaxia e diferenciação
de células cancerosas; na angiogênese, promovem regulação,
entre outras ações.
RESPOSTAS IMEDIATAS APÓS AGRESSÕES
Diante das diversas agressões, os tecidos produzem uma
resposta local, imediata e inespecífica caracterizada por modifica-
ções da microcirculação e pela saída de leucócitos e componentes
do plasma para o meio extravascular, com a finalidade de tentar
neutralizar a agressão e de reparar as lesões produzidas. Essa
resposta, denominada inflamação, é a expressão morfológica da
resposta imunitária inata, que é inespecífica mas pode ser seguida
de uma resposta mais eficiente, chamada resposta imunitária
adaptativa, mais específica e mais eficaz. A resposta local é
sempre acompanhada de uma resposta sistêmica, cuja finalidade
38 Patologia Geral
é auxiliar a resposta local, contrabalançar os seus efeitos danosos
e adaptar o organismo à nova situação.
A saída de leucócitos e de componentes do plasma para o
território extravascular, especialmente radicais livres e metalo-
proteases produzidos pelos fagócitos, é potencialmente lesiva
para os tecidos, razão pela qual o organismo tem de se proteger
contra os próprios mecanismos de defesa. Por essa razão, uma
vez iniciadas as respostas local e sistêmica, devem ser acionados
mecanismos que possam regular os processos efetuadores da de-
fesa para que estes não venham a causar danos extensos ao tecido
agredido ou aos tecidos vizinhos. Tais mecanismos reguladores
são acionados tanto no local quanto de modo sistêrnico, a fim de
garantir defesa e reparo eficientes, com um mínimo de prejuízo
aos tecidos ou ao organismo como um todo.
A resposta local envolve reconhecimento de que houve
agressão, montagem de resposta e execução dos mecanismos
efetuadores, além da geração de sinais de alarme para que
todo o organismo tome conhecimento da agressão e monte a
resposta sistêrnica. O reconhecimento da agressão se faz por
receptores capazes de reconhecer moléculas que denunciam
a su~ presença. Os agressores de natureza biológica, conhe-
cidos genericamente como patógenos, carregam moléculas
que denunciam sua presença (PAMP, de Pathogen Associated
Molecular Pattem); as agressões físicas e químicas induzem
a síntese e liberação de outras moléculas (alarminas ou molé-
culas associadas à existência de perigo/agressão (DAMPs, de
Danger Associated Molecular Pattem). Neste texto, PAMPs
e DAMPs serão denominadas genericamente alarminas ou
moléculas sinalizadoras de agressão.
As PAMPs são moléculas de natureza diversa, existentes nos
patógenos ou por eles liberadas: proteínas, lipídeos, carboidratos
e ácidos nuc1éicos, as quais são reconhecidas por receptores,
dos quais os mais importantes são os da família TLR (Tol!
Like Receptors). Os TLR reconhecem as diferentes PAMPs,
transduzem o sinal e ativam fatores de transcrição que levam
à síntese e secreção de mediadores que comandam a resposta
para iniciar a defesa. A Fig. 3.9 mostra as principais PAMPs, os
receptores da família TLR e os mecanismos utilizados por eles
para a transdução de sinais.
Nas agressões físicas ou químicas, as moléculas sinalizadoras
de agressão atuam nos diferentes componentes teciduais para
dar o sinal de alarme e induzir a síntese de mediadores. Tais
Flagelina
ssRNA
ssDNA
CPGDNA~
TLR 8
5-7-9
PeptidoglicanosGram+LPS
Ácido lipoteicóico HSP60
ProteínaGPITrypanosoma Fibronectina
LPSatípico (Gram-) Oligômerosdo dsDNA
~POligIiCanOS(fungos) ~ ácido hialurônico H (vírus)
8TLR2 TLR4 TLR3 """'-- Domínio LRR
LiPo~teína
Mtb,.
IRF-3
Genes:
pró-inflamatórios
antiapoptóticos
HSP {
IFN~
Genes induzíveispelo IFN
Fig. 3.9 Esquema sobre alguns PAMPs, receptores TLR (toll-like receptors) aos quais se ligam e vias ativadas por esses receptores. TRAF\ =TNF
receptor associated Factor; lRAK = IL-l Receptor Activated Kinase; IKK = lnhibitor of NFKB Kinase; IKB = inhibitor of NFKB (Nucled'S!:~~~
scription Factor of B cell); TIRAP = TIR domain containing Adaptor Protein; TRAM = TRanslocation Associated Membrane protein; TI~vl
= Tir domain Containing Adaptor; HSP = proteínas do choque térmico; IRF = interferon regulator factor.
Etiopatogênese Geral das Lesões 39
~dro 3.7Moléculas sinalizadoras de agressão e seus receptores
Molécula sinalizadora Origem Receptores
Invasores vivosProdutos de parasitas (PAMPs)
_ íoléculas do metabolismo ou constitutivas das células
ATP
ADP
Adenosina
HMGBl
Peptídeos formilados
HDGF
Uratos, fosfatos
Proteínas do choque térmico
Fragmentos do ácido hialurônico
Defensinas
Catelicidinas
Proteases
TLR
Metabolismo celular
Metabolismo celular
Metabolismo celular
Núcleo: necrose ou excreção
Bactérias; células mortas
Neurônios mortos
Células mortas
Células agredi das
Matriz extracelular
Epitélios; leucócitos
P2*
Pl *
Pl *
RAGE, TLR4?
FPR
RAGE
NOD,NALP
RAGE, TLR
RAGE, TLR
GCR**
*Receptores purinérgicos; **receptores acoplados a proteína G; ***receptor ativável por protease.
Di versas células PARs***
moléculas são representadas por: (a) metabólitos, como ATP,
ADP e adenosina; (b) mediadores armazenados em células, como
histamina nos mastócitos, substância P e CGRP nas terminações
nervosas, defensinas e catelicidinas em células epiteliais; (c)
moléculas geradas de outras preexistentes, modificadas pela
agressão (HMGB 1, uratos e fosfatos liberados de células mor-
tas); (d) moléculas oriundas da ativação do sistema proteolítico
de contato, formado pelos sistemas complemento, coagulação,
fibrinólise e gerador de cininas; (e) moléculas originadas da
matriz extracelular por quebra de seus componentes (fragmentos
do ácido hialurônico) ou por liberação de moléculas associadas
a esses componentes (citocinas e quimiocinas associadas à ma-
triz extracelular). O Quadro 3.7 resume as principais moléculas
sinalizadoras de agressão e indica os receptores pelos quais são
reconhecidos.
Outro mecanismo de reconhecimento de agressão são an-
ticorpos naturais da classe IgM, produzidos por linfócitos B 1
(CD5) residentes nas cavidades naturais e capazes de ativar o
complemento. Esses anticorpos podem reconhecer patógenos
(com um espectro bem menor de especificidade) ou auto-antí-
genos, especialmente alguns epítopos crípticos, expostos após
lesão, sobretudo morte celular.
Após uma agressão, portanto, diferentes moléculas sinalizado-
ras da existência de perigo, trazidas pelo agressor ou liberadas por
células, matriz extracelular, terminações nervosas, mastócitos,
sistema proteolítico de contato, são reconhecidas por receptores
celulares ou por anticorpos naturais que induzem a liberação de
mediadores responsáveis pela resposta imediata e inespecífica.
Os receptores para moléculas sinalizadoras de perigo (DAMPs
e PAMPs) existem tanto nas células especializadas para defesa
(leucócitos, células dendríticas) como em células endoteliais,
epitélios e células formadoras de matriz. Alguns desses receptores
reconhecem várias moléculas distintas, comportando-se como
receptores promíscuos, enquanto outros são mais específicos,
como será visto a seguir.
A ativação dos receptores para as moléculas sinalizadoras
de agressão induz nas células que possuem tais receptores: (a)
síntese e liberação de citocinas e quimiocinas; (b) respostas ce-
lulares que possibilitam melhorar as condições de sobrevivência
ou, dependendo da agressão, morte controlada por apoptose
ou autofagia; (c) sistemas enzimáticos (ciclooxigenases, lipo-
xigenases e sintetase do óxido nítrico) que geram mediadores
(prostaglandinas, leucotrienos e óxido nítrico) e modificações
vasculares necessárias para preparar a saída dos leucócitos dos
vasos.
Citocinas e quimiocinas são cruciais no desencadeamento
da resposta de defesa. Ao lado de prostaglandinas, leucotrienos,
histamina e taquicininas, que produzem vasodilatação e aumen-
tam a permeabilidade vascular, são as citocinas e quimiocinas
os principais mediadores da saída de leucócitos pela parede das
vênulas. Citocinas (IL-I e TNFa, as mais universais) induzem
no endotélio venular a expressão de moléculas de adesão para
leucócitos. As quimiocinas, deslocadas para o glicocálice do
endotélio, entram em contato com os receptores nos leucócitos,
ativando-os para adesão forte e espraiamento sobre o endotélio,
possibilitando a diapedese (saída dos leucócitos através da parede
vascular); fora dos vasos, os leucócitos são guiados pelo efeito
quimiotático. Os primeiros leucócitos exsudados, predominan-
temente os fagócitos, são alvo de moléculas sinalizadoras de
agressão e amplificam a resposta inicial, produzindo diferentes
mediadores. Tudo isso constitui uma resposta inflamatória, que
será estudada no Capo 7. A Fig. 3.10 resume o que foi descrito.
Dependendo da natureza da agressão, especialmente se for
antigênica, a resposta inata inicial é seguida de uma resposta
imunitária adaptativa que modula o processo, mediante mecanis-
mos efetuadores mais eficientes na eliminação da agressão, mas
também capazes de produzir lesão nos tecidos. Em sua maioria,
são os agentes infecciosos os grandes indutores da resposta
imunitária adaptativa, razão pela qual nas doenças infecciosas
as lesões mais importantes são as inflamatórias. Nos Caps. 7 e
9 serão discutidos os mecanismos pelos quais a resposta imuni-
tária adaptativa produz lesão tecidual, seja por resposta dirigida
contra um agente infeccioso, seja contra antígenos do próprio
organismo (auto-agressão).
Se a resposta inflamatória inicial representa a expressão de
defesa do organismo, ela deve ser regulada para que não venha
a agredir excessivamente os tecidos e ampliar a lesão. Essa
modulação é feita por moléculas sinalizadoras da existência de
40 Patologia Geral
Agressão biológica Agressão físíco
lpatógena) y ou Química ~
~~M! 1 ~~
~(!) ~isfema Proteo~ítiCO •
Célufas do parênquirna de contato Mast6citos
ou do estToma ~
Moléculas slnolizadoras
de agressão
~(i)=»:(~/-
Mediadores lipídicos: PG, LT,PAF
Hisfamina ....•••••-----------'
Neurocininas
Bradicinina
Produtos do complemento
Citocinas: IL-I, TNFa
Quimiocinas- - - - -
Inflamação
Fig. 3.10 Esquema resumindo os primeiros efeitos da ação de diferentes
agressões. Notar a indicação da origem das moléculas sinalizadoras de
agressão e dos principais mediadores, que conduzem a migração de
leucócitos para a MEC. MEC = matriz extracelular; PG = prostaglandi-
nas; LT = leucotrienos; PAF = fator ativador de plaquetas.
agressão de efeito inverso, ou seja, com efeito antiinflamatório.
Na verdade, a ação antiinflamatória inicia-se já nos primeiros
momentos da resposta à agressão. Adenosina, ADP e anexina
1 induzem resposta antiinflamatória; algumas moléculas que
geram mediadores pró-inflamatórios também liberam moléculas
antiinflamatórias: ciclooxigenases e lipoxigenases, geradoras de
prostaglandinas e leucotrienos, tipicamente pró-inflamatórios,
produzem prostaglandina J2, lipoxinas, resolvinas e protectinas,
todos potentes antiinftamatórios.
Ao lado da resposta local, uma agressão induz também uma
resposta sistêmica, que, como a local, tem componentes pró e
antiinflamatórios. Essa resposta sistêmica e inespecífica, deno-
minada estresse, é mediada por componente neuroendócrino
complexo. Terminações nervosasaferentes levam ao sistema
nervoso central estímulos que se projetam nas áreas de comando
autonômico e no hipotálamo. A ativação de neurônios hipotalârni-
cos aciona o eixo hipotálamo-hipófise, com liberação de ACTH,
que ativa o córtex da supra-renal a liberar glicocorticóides, que
têm efeitos antiinflamatórios. A ativação de centros autonôrni-
cos origina estímulos eferentes simpáticos para a medular da
supra-renal, que libera adrenalina e noradrenalina, com efeitos
pró e antiinftamatórios, e estímulos eferentes parassimpáticos,
fortemente antiinflamatórios.
Além do estímulo aferente nervoso, citocinas diversas (IL-
1, IL-6, TNFa, IFN'Y) produzidas no local da agressão por
fagócitos e linfócitos caem na circulação e exercem um amplo
efeito endócrino, também com resultados pró ou antiinflama-
tórios. Ativação da medula óssea (leucocitose), aumento da
síntese de componentes do complemento e de fibrinogênio
no fígado e aparecimento de febre são exemplos de respostas
pró-inflamatórias. As citocinas chegam ao sistema nervoso
central através dos vasos da área paraventricular e atuam em
diferentes centros, como o da termorregulação, do apetite, os
que ativam o eixo hipotálamo-hipófise e os autonômicos, A
ativação do eixo hipotálamo-hipófise e de centros autonômicos
paras simpáticos constitui resposta tipicamente antiinflamatória,
feita pelos hormônios da supra-renal e pela aceti1colina. Esse
reflexo antiinflamatório, com dois braços aferentes (um neural e
outro endócrino - citocinas) e dois braços eferentes (um neural
- parassimpático) e outro endócrino (hormônios da supra-renal)
é denominado reflexo antiinflamatório e é considerado impor-
tante modulador da inflamação aguda. -
Do que foi descrito, fica claro que no local agredido cria-se
um ambiente no qual mediadores pró e antiinflamatórios agem
em seus receptores e comandam uma resposta inflamatória, que
deve ser equilibrada para ter sucesso como mecanismo de defesa
e reparo, sem produzir dano excessivo. Nesse ambiente, atua
também o sistema imunitário adaptativo, favorecendo ou não
uma resposta imunitária adaptativa eficaz, traduzida por resposta
inflamatória mais vigorosa contra invasores e tolerância aos auto-
antígenos. Células dendríticas residentes nos tecidos ou vindas
da circulação, profundamente influencidas pelas moléculas
sinalizadoras da existência da agressão e por mediadores pró e
antiinflamatórios, medeiam respostas Thl, Th2 ou tolerogênicas
(ver Capo 9).
Moléculas Sinalizadoras de Agressão
Moléculas sinalizadoras de agressão provêem de fontes
variadas. Algumas são geradas no metabolismo energético,
como ATP, ADP e adenosina, reconhecidas em receptores
purinérgicos; outras, como uratos e fosfatos, são formadas em
células, eliminadas e capturadas por outras células, nas quais
são reconhecidas em receptores intracelulares da farmlia NOD,
descritos adiante.
A HMGBl (High Mobility Group Box 1) é uma proteína nu-
clear não-histona que se liga ao sulco menor do DNA, exercendo
aparente papel na manutenção da espiralização da molécula; é
encontrada também na membrana citoplasmática de algumas
células (células musculares lisas e neurônios), nas quais recebe
o nome de anfoterina. A proteína é liberada no interstício após
morte celular por necrose (mas não por apoptose, quando, ao
contrário, ela aumenta sua ligação ao DNA) ou transportada
para o citoplasma, onde entra nos endossomos e é excretada
após estímulo apropriado. Quando ativadas por citocinas ou
por agonistas de TLRs, células de origem mielóide (sobretudo
macrófagos) excretam grande quantidade da proteína. HMGBl
liga-se a receptores RAGE (receptores para Advanced Glication
End products), a receptores TLR2 e 4 e, possivelmente, ao recep-
tor da IL-I. A mensagem transduzida por esses receptor~ após
ligação à HMGB 1 ativa o NFKB (Nuclear Transcription Factor
K,descrito em células B), que é fator de transcrição ativador de
genes pró- ~matórios, incluindo os do TNFa, IL-l, IL-6 e IL-
18.A HMGB 1tem também efeito quimiotático sobre monócitos,
células dendríti~as e células musculares lisas, além de orientar o
crescimento de prolongamentos dendríticos em neurônios.
Defensinas e catelicidinas, proteínas de baixo peso mole-
cular (3-6 kD) que possuem ação microbicida, são classificadas
em alfa, beta e teta. Podem ser constitutivas (PMN, células de
Paneth e epitélios de revestimento) ou induzidas e secretadas. A
atividade microbicida de defensinas e catelicidinas se faz contra
bactérias, fungos, alguns vírus e parasitas. As defensinas têm
efeito quimiotático sobre PMN, monócitos, células dendríticas e
linfócitos T virgens, CD4 e CD8. Para exercerem efeito quimio-
tático, usam receptores de sete voltas na membrana acoplados
a proteínas Gs, incluindo receptores de algumas quimiocinas,
como CCR6. Catelicidinas usam receptores FPRL semelhantes
aos que reconhecem peptídeos pequenos, forrnilados, geralmente
liberados por microrganismos. Catelicidinas e defensinas agem
em mastócitos, nos quais estimulam a liberação de histamina, a
síntese de prostaglandinas e de algumas quimiocinas (CXCL2,
CXCL8, CXCL9) e inibem a produção de IL-lO.
Proteases diversas, especialmente serinoproteases (trombina,
plasmina, triptases), podem ser liberadas ou ativadas durante
agressões e atuar em receptores de sete voltas na membrana
acoplados a proteínas G, denominados PAR (Protease Activated
Receptors). Ativação dos PARs (PAR 1,2,3 e 4) se faz pela cli-
vagem da extremidade N extracelular do receptor, o que expõe na
extremidade cortada a seqüência com capacidade de se ligar ao
próprio receptor, ativando-o (Fig. 3.11). Ativação dos receptores
PAR é transduzida ao citoplasma e induz rotas que favorecem a
sobrevivência e a liberação de mediadores pró-inflamatórios. Em
terminações nervosas aferentes, esses receptores são importantes
nos mecanismos de indução da dor nos tecidos agredidos.
As proteínas SIOO ou calgranulinas são uma farrulia de 20
proteínas ligadoras de cálcio. Algumas, como as SlOOA 8, 9 e 12,
são expressas em macrófagos e secretadas por via não-clássica
nos sítios de inflamação; em células endoteliais, aumentam a
permeabilidade e ativam vias pró-coagulantes. Algumas proteínas
SlOO se ligam a receptores RAGE e outras, a TLRs.
HDGF (Hepatoma Derived Growth Factor), proteína expres-
sa em neurônios, é secretada e liberada após morte por necrose
(mas não por apoptose) e tem efeito neurotrófico, ativando a
regeneração de prolongamentos de neurônios.
As proteínas do choque térmico (HSP) pertencem a cinco
grupos ou farrulias: HSPlOO, 90,70,60 e um grupo de HSP de
Atlvaçoo
Fig. 3.11 Receptores ativados por proteases. A. A protease cliva o
receptor. B. A nova extremidade N interage com um sítio no próprio
receptor, ativando-o.
Etiopatogênese Geral das Lesões 41
baixo peso molecular. Cada família tem membros constitutivos
ou induzíveis, que se localizam em diferentes compartimentos
celulares. As HSP70 e HSP27 são tipicamente induzidas quando
as células são agredidas e representam as HSP conhecidas como
proteínas do estresse. Além de atuarem dentro das células, as
HSP podem ser secretadas, se prender à membrana celular ou
agir em receptores RAGE ou TLR, induzindo ativação de rotas
de sobrevivência e pró-inflamatórias (via NFKB). As HSP27 e
HSP70 têm efeito antiapoptótico, estabilizam o citoesqueleto e
favorecem a ativação do NFKB, por induzirem degradação do
IKB (inibidor do NFKB).
Anexina AI (lipocortina AI) é proteína identificada inicial-
mente como executora de efeitos de glicocorticóides, respon-
sável pela ação inibidora desses esteróides sobre a fosfolipase
A2 e, conseqüentemente, sobre a síntese de prostaglandinas e
de leucotrienos. A proteína, pertencente a uma extensa família
de inibidores de fosfolipases, é expressa em macrófagos e na
micróglia e tem efeitos antiinflamatórios não só porque inibe
a fosfolipase A2 como também porque atua em monócitose
PMN impedindo sua saída dos vasos. Parece que esse efeito se
faz pela interação da anexina Alou de peptídeos formilados
dela derivados com receptores FPRL (Formyl Peptide Like Re-
ceptors), os quais são também receptores para lipoxinaA4; isso
explica o sinergismo da ação antiinflamatória da anexina com a
lipoxina A4. Em outras células, incluindo linfócitos, a anexina
AI tem efeito antiproliferativo e induz apoptose, inclusive em
macrófagos e neutrófilos, o que também contribui para o efeito
antiinflamatório da proteína.
Agressão aos tecidos pode gerar também produtos da quebra
ou despolimerização de macromoléculas da matriz ou liberar
mediadores associados às moléculas da matriz. No primeiro caso,
podem se originar fragmentos de ácido hialurônico, sulfato de
dermatan, sulfato de heparan, fibronectina, fibrinogênio e bigli-
can, que podem ser reconhecidos em receptores TLR4 e iniciar
respostas pró-inflamatórias. Algumas citocinas, como o TGFI3,
podem estar ligadas a componentes da matriz e ser liberadas
após uma agressão.
Células agredidas produzem derivados lipídicos a partir de
ácidos graxos poliinsaturados (ácido araquidônico, ácido eico-
sapentanóico e docosa-hexanóico), os quais podem participar da
resposta imediata à agressão. Dentre esses, os mais importantes
são: (a) fator ativador de plaquetas (PAF), que ativa leucócitos
e favorece a sua adesão e a quimiotaxia; (b) prostaglandinas e
leucotrienos, que promovem vasodilatação e aumento de perme-
abilidade; (c) lipoxinas e resolvinas, que atuam na resolução ou
término da resposta imediata (moléculas antiinftamatórias).
RECEPTORES DAS MOLÉCULAS SINALIZADORAS DE
AGRESSÃO. OS receptores envolvidos no reconhecimento das
moléculas sinalizadoras de agressão, quer sejam originadas de
patógenos ou liberadas após contato com o agressor, localizam-
se na membrana citoplasmática, nas membranas que separam os
compartimentos intracelulares ou no citosol. Células epiteliais e
endoteliais, mastócitos, terminações nervosas aferentes, fibro-
blastos, células da glia e, principalmente, leucócitos possuem
quantidade e qualidade variáveis desses receptores. Embora
expressos em todas as células do sistema imunitário, tais recep-
tores são muito abundantes em PMN e macrófagos, pois são os
leucócitos que rapidamente migram para o sítio da agressão. Sua
expressão em células não-imunitárias é menor e, para alguns
receptores, ainda nem foi demonstrada.
42 Patologia Geral
Receptores da Membrana Citoplasmática. Os receptores da
família Toll, denominados TLR (Tol! Like Receptors), são recep-
tores transmembranosos sem atividade de proteína tirosinocinase
que reconhecem especialmente produtos de invasores biológicos
e cuja ativação leva a respostas mais ou menos direcionadas
para conter ou eliminar o invasor. Alguns deles (TLR 3, 7,8 e
9) são encontrados na membrana do retículo endoplasmático,
podendo reconhecer patógenos ou seus produtos que tenham
sido internalizados.
Uma vez acionados pelos ligantes, os TLR podem ativar o
NFKB, que induz genes pró-inflamatórios e de sobrevivência,
e/ou o IRF-3 (lnterferon Regulator Factor), fator de transcrição
que regula a transcrição do gene do IFNI3 (ver Fig. 3.9). Em-
bora descritos como receptores ligados ao reconhecimento de
moléculas de patógenos (PAMPs), os TLR reconhecem também
moléculas sinalizadoras de agressão de origem endógena, como
HSP, HMGB 1, moléculas originadas na matriz extracelular e
produtos de glicação avançada.
Os receptores purinérgicos reconhecem nucleotídeos (ATP,
UTP, ADP, UDP) e adenosina. Existem dois grupos: (a) Pl, que
reconhecem adenosina; (b) P2, que se ligam a nucleotídeos. Pl
e P2 são expressos em células do sistema imunitário (PMN,
rnacrófagos, células dendríticas, linfócitos), células endoteliais,
epitélios de revestimento e mastócitos. Sua expressão varia com
o grau de ativação das células. Nas células do sistema imunitário,
esses receptores têm efeitos distintos. Ligado aos receptores P2X
e alguns P2Y, o ATP tem efeito pró-inflamatório, por induzir
liberação de citocinas inflamatórias (especialmente IL-l, IL-18
e IL-33) e favorecer a ativação de receptores da família NOD,
descritos adiante; além disso, aumentam a adesão e quimiotaxia
de PMN e a atividade fagocitária de macrófagos e de células
dendríticas. Nos receptores A2a e A2b, a adenosina tem efeito
antiinflamatório: diminui o quimiotatismo e a adesividade de
PMN e monócitos, a explosão respiratória e a ativação de cé-
lulas dendríticas; também reduz a permeabilidade endotelial,
diminuindo o edema inflamatório. De modo geral, a expressão
dos receptores A2a aumenta no início da inflamação, por ação de
IL-l e TNFa, ao mesmo tempo em que aumenta a produção de
adenosina a partir de ADP e diminui a de ATP. Hipóxia na área
da inflamação nas fases iniciais induz o HIF-l (ver adiante), que
aumenta a expressão de receptores A2a.
O RAGE (Receptor for Advanced Glycation End products)
pertence à superfamília das imunoglobulinas, e tem na parte
extracitoplasmática um domínio V (que reconhece o ligante) e
dois domínios C, semelhantes à fração constante dos anticorpos.
RAGE liga-se a vários agonistas, como os AGE (Advanced
Glycation End products), moléculas hiperglicadas por ação não-
enzimática, proteína S-lOO, HMGB 1, peptídeos da l3-amilóide
e outros peptídeos l3-pregueados. Uma vez ativado, o RAGE
transduz sinal que ativa o NFKB, seu principal efeito, por meio
da inibição do IKB. Uma característica da ativação do NFKB pelo
RAGE é a intensidade e a duração da ativação, já que o NFKB
ativa a expressão do gene RAGE, aumentando a disponibilidade
do receptor e ampliando seus efeitos. Isso explica a importância
do RAGE na manutenção de processos inflamatórios crônicos,
como ocorre na artrite reumatóide, colite ulcerativa, diabetes e
aterosclerose. A transdução do sinal através do RAGE é feita por
diferentes mecanismos em diferentes células: diversas proteínas
adaptadoras ligadas aos domínios do segmento intracitoplasmáti-
co ativam diferentes vias intracelulares. Além de ativar o NFKB,
estirnulação do RAGE ativa outros genes, como Ras (e, através
dele, ERK e JNK cinases), PI3K, sistema JAK-STAT e GTPases
da família Rho. Nos neurônios, RAGE tem efeito trófico por
facilitar o crescimento dos prolongamentos.
Os receptores FPR, que reconhecem N-formil peptídeos de
origem bacteriana ou não (o mais comum deles é a N-forrnil-me-
tionil-lisil-fenilalanina), existem em fagócitos, células dendríticas
imaturas, plaquetas, micróglia, hepatócitos, astrócitos, fibro-
blastos e linfócitos. Os FPLRl e 2 (receptores semelhantes aos
FPR) são encontrados em fagócitos, linfócitos T e B, endotélio e
células dendríticas. Os FPR são receptores acoplados a proteínas
Gi (inibidas pela toxina pertussis) que ativam a fosfolipase C
fosfatidil inositol, com conseqüente liberação de 1P3 e DAG, o
que ativa o deslocamento de fagócitos e a explosão respiratória.
Alguns peptídeos ligam-se ao FPR e têm ação antagonista. A
espinorfina (opióide não-clássico derivado da proteólise da
hemoglobina pela catepsina D) e uma proteína inibidora de
quimiotaxia produzida pelo S. aureus são antagonistas naturais
dos FPR; os antagonistas ocupam os receptores FPR e impedem
a ação ativadora dos peptídeos formilados. Os receptores FPRLl
e 2 são muito promíscuos e reconhecem uma gama variada de
estímulos que têm como resultado a inibição da quimiotaxia e
da ativação dos fagócitos. Peptídeos derivados de vírus (HIV-l
e Herpes simplex), peptídeos endógenos originados de proteínas
mitocondriais, anexina I e peptídeos dela gerados e lipoxina A4
ligam-se aos receptores FPRLl e induzem inibição de fagócitos.
Outros agonistas podem se ligar aos FPR. A uroquinase, além de
se prender ao receptor para uroquinase (UPR), liga-se também
ao FPRLl e ativa leucócitos. Proteínas arniloidogênicas l3-pre-
gueadas, como o antecedente arnilóide do soro, peptídeo 13da
amilóidee peptídeos originados da quebra de príon-proteínas :
agem sobre receptores FPR, induzindo ativação de leucócitos e
potencializando a reação inflamatória.
Os receptores de remoção, conhecidos como SR (Scavenger
Receptors), são proteínas transmembranosas formadas em geral
por três cadeias polipeptídicas, com domínios de colágeno em
hélice tríplice e domínios ricos em cisteína (receptores SR-A,
SR-C e receptores MARCO). Outros membros da família, como
os receptores que reconhecem hemoglobina e haptoglobina,
a,-macroglobulina e receptores SR-CL (SR com domínio de
lectina), SR-B (CD-36), SR-D (macrossialinas), SR-F (SREC)
e SR para fosfatidil serina e LDL-oxidada, reconhecem lipo-
proteínas (LDL e HDL) e são encontrados em muitos tipos
celulares e importantes no metabolismo do colesterol. Os SR
são receptores que reconhecem poliânions, como lipoproteínas
oxidadas ou não, carboidratos de bactérias e corpos apoptóticos,
induzindo sua endocitose. Os SR são abundantes em macrófagos
e células dendríticas, e expressos também em células endoteliais
e células epiteliais.
Os receptores para complemento são importantes nos meca-
nismos inatos de defesa, pois regulam a endocitose de partículas
opsonizadas pelo C3b e a modulação da resposta de linfócitos T
e B, atuando portanto na resposta imunitária adaptativa.
Receptores Intracelulares. Receptores da família NOD (Nu-
cleotide Oligomerizaiion binding Domain), também conhecidos
como receptores intracelulares da família CATERPILER (CAs-
pase recruitment domain Transcription Enhancers, RP(purine)
binding, Leucine Rich repeat), são formados por proteínas que
têm em comum domínios de ligação a nucleotídeos (NOD) ou
domínios ricos em repetições de leucina (LER), podendo ou
não ter domínios recrutadores de caspases e outros domínios.
Existem dois grandes grupos nessa família: NOD e NAbP (Fig.
3.12). Quando reconhecem produtos originados de bacf6rias
~ NALP
"~~D Ativa
NOD ,
DomínioNOD A Pro-IL-l
+ S ••• Pró-IL-18
~ DomínioCARD 1
Ase ~ ~cr ~~J(EJpoptosls-assocloted !Vagem >
like proteln Pró-caspase 1
contalnlg a CARD) Caspase 1 ativa
Inflamassomo
Fig. 3.12 Esquema mostrando os principais receptores intracelulares e
alguns dos seus ligantes, indicados no retângulo branco, RP2 = receptor
purinérgico; TLR = Toll-Like Receptor; CARD = Caspase Recruitment
Domain; CARD 12 = proteína com CARD; NOD = Nucleotide Oligo-
merization containing Domain protein.
(peptidoglicanos, lipopolissacarídeos, ácido micólico etc.) nos
domínios LER, os NODl e NOD2 ativam a proteína cinase
RIP2, que fosforila o complexo IKK (inibidor), liberando a
ação do NFKB.
Os receptores do grupo NALP (NACXHT domain, LER
domain, and PYR domain containing protein), especialmente
NALPl e NALP3, podem ser ativados por produtos bacterianos
(toxinas, moléculas derivadas da parede celular), dsRNA (de
vírus) e cristais de ácido úrico e pirofosfato, liberados por células
necróticas. Os receptores ativados sofrem oligomerização e in-
teragem com a proteínaASC (Apoptosis-associated like protein
Containing CARD domain). Esta recruta a pró-caspase 1, a qual
sofre oligomerização e se transforma na caspase ativa que cliva
as pró-IL-l, IL-18 e IL-33. O conjunto de proteínas que ativam a
pró-caspase 1 forma a plataforma que alguns autores denominam
inflamassomo. A ativação do inflamas somo é facilitada pelo
efluxo de K+, que ativa a fosfolipase C cálcio-independente. O
efluxo de K+ pode ser induzido por ação do ATP em receptores
PY2 ou por porinas bacterianas introduzidas na membrana.
Os receptores intracelulares são importantes nas fases iniciais
de resposta às agressões, especialmente na montagem da resposta
inflamatória. Mutações nos genes correspondentes podem levar
a síndromes clínicas caracterizadas por estados inflamatórios
sistêmicos graves desencadeados por agressões aparentemente
pouco intensas. Também começa a ser demonstrado que muta-
ções nos genes para NOD associam-se a doenças inflamatórias
persistentes, como artrite reumatóide e doença inflamatória
intestinal.
Etiopatogênese Geral das Lesões 43
Receptores Livres na Superfície de Células, Circulação e
MEC. Nesse grupo encontra-se uma família de proteínas co-
nhecidas como colectinas (têm domínio de colágeno e de lectina,
fazendo parte dos colágenos de defesa), que inclui a proteína
surfactante do pulmão (SP-A e SP-D), a proteína que se liga à
manose (MBP) existente no plasma, o Clq do complemento, a
colectina 43 e a conglutinina. Além do domínio de lectina que
se liga a carboidratos, essas moléculas possuem um domínio de
colágeno através do qual formam trímeros com a tríplice hélice
do colágeno e um domínio em hélice que facilita a formação de
unidades maiores (hexâmeros). Todas as colectinas se ligam a
carboidratos na superfície de microrganismos, favorecendo sua
aglutinação e fagocitose por meio do receptor para Clq. Clq e
MBP, junto com a proteína MASP (MBP Associated Protease),
ativam o complemento, cujos produtos são mediadores pró-in-
flamatórios ou formam o complexo de ataque à membrana, que
pode matar patógenos.
No plasma, existe o sistema proteolítico do contato, cujos
componentes (sistema da coagulação, do complemento, da
fibrinólise e gerador de cininas), facilmente ativáveis por dife-
rentes agressões, geram vários mediadores que influenciam a
microcirculação e os leucócitos.
RESPOSTAS SISTÊMICAS A AGRESSÕES
LOCALIZADAS
Agressões localizadas induzem com freqüência uma resposta
inflamatória acompanhada de resposta sistêmica que visa não só
auxiliar os mecanismos de defesa e reparo locais como também
reduzir os danos provocados por esses mecanismos nos tecidos
vizinhos à agressão. Tais reações constituem o que se conhece
como reação de fase aguda, a qual se caracteriza por mudança
no padrão de síntese de proteínas no fígado, efeitos metabólicos
decorrentes da liberação de hormônios da supra-renal e da hipó-
fise, alterações no centro termorregulador e no centro do apetite,
modulação da sensação dolorosa, alterações no comportamento
e modificações na resposta inflamatória. Constituem, portanto,
reações complexas e inter-relacionadas, cujos mecanismos são
ainda pouco conhecidos. Os principais mediadores da reação
de fase aguda são: (a) estímulos nervosos aferentes que chegam
ao sistema nervoso central; (b) citocinas, como IL-l, TNFa e
IL-6, produzidas nos próprios tecidos lesados, especialmente
por macrófagos. Os estímulos das terminações nervosas afe-
rentes chegam ao sistema nervoso central e iniciam a resposta
através do eixo hipotálamo-hipófise-supra-renal, com liberação
de corticóides, ou ativam centros autonôrnicos, com liberação
de adrenalina pela medular da supra-renal e de mediadores
colinérgicos pelas terminações paras simpáticas. Tudo isso
constitui parte do estresse, correspondendo à reação de alarme
dentro da concepção introduzida décadas atrás por Hans Selye.
Segundo Selye, o estresse é o conjunto das reações sistêmicas
e inespecíficas que o organismo apresenta após agressões. Es-
tresse é, portanto, a resposta e não a agressão, podendo esta ser
denominada "estressor" ou agente estressante. As principais
alterações que ocorrem nessa condição estão discutidas adiante
e resumidas na Fig. 3.13.
Proteínas de Fase Aguda
Nas agressões agudas, os hepatócitos sintetizam menos albu-
mina e ferritina e aumentam a produção de proteína C reativa,
ceruloplasmina, aj-antitripsina, a2 -macroglobulina, fibrinogênio,
haptoglobina (fibronectina monomérica) e componentes do com-
44 Patologia Geral
AGRESSÃO
Tecidos ~ ~ Terminações nervosas
~ alerentes~.... l
Mooc"rn rrnoo~ I ~ I
Receptores em célulaV
dos tecidos. plasma. SNC
células dendríncos j)~.
e leucócitos /:I ~
~ Centros Eixo
~ . autonômicos hipotálamo-
Mediadores Mediadores '\ hipófise
~
rÓ_inftartÓriOS anninft1matórios \
~ Resposta
~_~__ porassimpóftca
~~~- antiinflamatória
EndoléllOvoscular
~
t INFLAMAÇÃO l ===::=---''
~~.~
PMN. M~. Eosn6fios
~
Produtos reativos do oxigênio
Metaloproteases
Potencial lesivo
para os tecidos
1Respostas sistêmicas 1---"
,;. fi ~~a-renal--'---
Fígado C---<
Medula óssea
Fig. 3.13 Efeitos locais e sistêmicos das agressões, indicando os prin-
cipais mecanismos pró e antiinflamatórios.
plemento, podendo os níveis circulantes desses produtos se elevar
até 50 vezes as taxas normais. Tais proteínas são conhecidas como
proteínas reacionais de fase aguda, embora as alterações nelas
observadas possam persistir em agressões crônicas. Proteínas
inibidoras de proteases, como a a,-antitripsina, são importantes
para modular a ação das proteases dos fagócitos inevitavelmente
liberadas no interstício por exocitose ou durante a fagocitose. Ce-
ruloplasrnina tem o papel de remover radicais livres extravasados
das células fagocitárias. Baixos níveis de ferritina reduzem o ferro
sérico e sua disponibilidade, diminuindo a chance de formação de
radicais livres nos tecidos. Redução do Fe'" diminui também a
possibilidade de proliferação de muitos tipos de bactérias que dele
necessitam como fator essencial. A proteína C reativa tem função
pouco conhecida, apesar de ser a proteína de fase aguda sintetizada
em maior quantidade, sendo inclusive sua dosagem utilizada para o
diagnóstico de inflamações. In vitro, inibe a blastogênese, podendo
modular a resposta imunitária, Parece ter ação sobre o endotélio
de artérias, facilitando sua ativação e a passagem de lipoproteínas
para a íntima, contribuindo assim na gênese da aterosclerose. A
haptoglobina é proteína opsonizante, importante na remoção de
restos celulares e, principalmente, de hemoglobina livre na cir-
culação. A quantidade de albumina plasmática se reduz mais por
causa de sua passagem para o interstício (edema) e por aumento
do seu catabolismo do que por diminuição da sua síntese.
Nas agressões crônicas, as proteínas de fase aguda permane-
cem elevadas, razão pela qual podem ser indicadores da existên-
cia de processo inflamatório crônico. Níveis séricos elevados de
proteína C reativa têm relação direta com risco de complicações
da aterosclerose coronariana,
Além das variações na síntese das proteínas, na reação de fase
aguda há alteração na função do sistema de oxidases de função
mista (sistema do citocromo P450), havendo redução de sua ati-
vidade. Isso é importante porque a ação de muitos medicamentos
metabolizados no fígado pode estar modificada durante os pro-
cessos inflamatórios agudos ou crônicos. Todas as modificações
da reação de fase aguda dependentes do fígado são induzidas
por IL-l, TNFa e IL-6, que ativam os genes relacionados com a
síntese de proteínas e com o sistema de oxidases de função mista.
Alterações Metabólicas
A adrenalina liberada após agressões estimula a glícogenó-
lise, aumentando a glicemia. Glicogenólise se faz inicialmente
no fígado, onde a depleção do glicogênio é rápida; depois se
mantém nos músculos, outra importante reserva de glicogênio.
Além disso, a adrenalina age nas ilhotas de Langerhans, inibindo
a liberação de insulina e aumentando a de glucagon; atua ainda
nos lipócitos favorecendo a lipólise, que resulta em aumento
de ácidos graxos circulantes. A adrenalina também incrementa
O trabalho cardíaco (aumenta o volume/minuto) e produz va-
sodilatação arteriolar nos músculos esqueléticos, propiciando
condições para a fuga física do indivíduo (o interessante- é que
essas alterações ocorrem mesmo se a fuga não é possível). O
aumento da captação de ácidos graxos pelo fígado leva a aumento
de sua utilização como fonte de energia, aumentando a síntese
de corpos cetônicos, importante matéria-prima para a produção
de energia no sistema nervoso centraL
Os glicocorticóides ativam o catabolismo protéico (aumentan-
do a excreção do N urinário) e incrernentam a síntese de glicose
a partir de aminoácidos após sua oxidação (gliconeogênese), Tais
modificações visam a aumentar a glicemia para que a atividade do
tecido nervoso, que não armazena glicose, se mantenha normal,
coordenando as diversas funções do organismo agredido.
No tecido muscular ocorre grande aumento do catabolismo
protéico, com passagem de aminoácidos para a circulação e sua
captação rápida pelas vísceras, O aumento dos níveis circulantes
de alguns aminoácidos, como a glutamina, é importante para
células que se reproduzem rapidamente; a atividade dos linfó-
citos, por exemplo, é favorecida por níveis circulantes elevados
de glutamina e arginina. Aumento do catabolismo protéico é
discreto nas vísceras e não existe no tecido nervoso. A proteólise
muscular acelerada deve-se à ativação da proteólise mediada
pelos proteassomos no citosol, após ubiquitinação de proteínas
citoplasmáticas. Glicocorticóides, TNFa, IL-l e IL-6 aumentam
a síntese de ubiquitinas e sua ligação com proteínas celulares,
favorecendo a degradação destas nos proteassomos,
Elevação da glicemia e dos ácidos graxos circulantes aumenta
a disponibilidade energética nos tecidos, cujas necessidades estão
aumentadas devido à liberação de TSH (que estimula a produção
de tiroxina) pela adeno-hipófise por ação de estímulos nervosos
e/ou de citocinas no hipotálamo. Por outro lado, alterações na
síntese das proteínas hepáticas que se ligam aos lipídeos e au-
mento dos ácidos graxos circulantes modificam a constituição das
lipoproteínas devido a mudanças na relação entre as quantidades
de seus componentes; esse fato pode alterar suas propriedades
físico-químicas e induzi-Ias a formar agregados maiores que, em
certas circunstâncias, formam microêmbolos.
tGlicemia
t Ácidos graxos
Leucacitase
tPlaquetas
Alteração de
t
lipoproteínas
PRFA
Fig. 3.14 Principais respostas sistêmicas às agressões. PRFA= proteínas
reacionais de fase aguda; N = nitrogênio.
Em resumo, os mediadores principais das modificações
metabólicas são os hormônios do córtex supra-renal, adre-
nalina, tiroxina (daí o aumento da atividade metabólica e
a maior demanda energética), hormônio do crescimento e
glucagon (que impede a utilização periférica da glicose).
Embora os corticosteróides sejam os agentes mais impor-
tantes do estado hipercatabólico na reação de fase aguda e
nos estados de choque, IL-l e TNFa também desempenham
papel relevante, especialmente aumentando o catabolismo
nos músculos. A Fig. 3.14 resume as principais respostas
sistêmicas às agressões.
Alterações do Apetite e do Sono
Além de induzirem secreção de catecolaminas e de hormônios
da supra-renal, IL-l e TNFa agem no sistema nervoso central
inibindo o apetite. A queda na ingestão de alimentos, a redução
da captação de ácidos graxos nos adipócitos e o estado hiper-
catabólico provocam rápida perda de peso. É o que se observa
em pacientes em estado de choque ou com doença inflamatória
crônica. Além da anorexia, os indivíduos apresentam insônia e
irritabilidade, consideradas também secundárias à ação dessas
citocinas no sistema nervoso central.
Etiopatogênese Geral das Lesões 45
Após agressões, especialmente as de natureza infecciosa, o
organismo apresenta uma série de manifestações inespecíficas,
maldefinidas, caracterizadas por fraqueza, mal-estar, cansaço,
depressão e letargia, que, ao lado de febre, perda de apetite, do-
res musculares e articulares, constituem os sinais inespecíficos
das doenças infecciosas e inflamatórias. Estudos experimentais
demonstram que essas manifestações decorrem da ação de
citocinas (IL-l, TNFa, IL-6 e interferons) no sistema nervoso
central. Esse efeito pode ser desencadeado por estímulos nervo-
sos ou por citocinas produzidas por células do sistema nervoso
central (micróglia e macrófagos perivasculares) estimuladas por
citocinas vindas da periferia ou por produtos de microrganismos.
Estudos experimentais mostram, inclusive, que as alterações
psicológicas nas doenças infecciosas e inflamatórias (o com-
portamento doente,em que o indivíduo só se preocupa com o
seu corpo e sua doença) são secundárias à ação de citocinas no
sistema nervoso central, o que reforça o conceito de uma nova
área do conhecimento, a Psiconeuroimunologia.
Febre
A febre é outra manifestação freqüente na reação de fase
aguda, sobretudo quando o agressor é um agente infeccioso.
Trata-se de uma síndrome clínica caracterizada por sensação de
frio, tremores, hipertermia e taquicardia, seguidos de sudorese
e diurese no período de resolução. No estágio inicial da febre,
aumenta a produção de calor e reduzem-se os mecanismos de
perda térmica. Nessa fase, o indivíduo apresenta hiperalgesia,
excitação, elevação da pressão arterial e insônia. Em um segundo
estágio, os mecanismos de adaptação à sensação de frio dimi-
nuem, e o organismo passa a perder calor por dissipação (estágio
de pecilotermia). Nesse estágio, inicia-se o declínio do processo
e o indivíduo apresenta hipoalgesia, redução da atividade motora,
sonolência e hipotensão.
A febre resulta da desregulação dos centros termorregulado-
res, que ficam com seu termostato (neurônios termos sensíveis)
regulados para cima. A partir daí, tais neurônios emitem sinais a
outros neurônios e ao organismo para que haja maior produção
de calor (o indivíduo sente frio), aumento na liberação de tiro-
xina (desacoplamento da fosforilação na cadeia respiratória) e
estímulo para a contração muscular (tremores). A temperaturâ
corporal se eleva e, quando atinge o nível de regulação dos
neurônios, se estabiliza (mantém-se a hipertermia). Cessada a
ação do agressor, os neurônios termossensíveis voltam ao es-
tado normal de regulação (para a temperatura corporal normal
em tomo de 37°C), e o organismo recebe sinais para reduzir a
produção e aumentar a perda de calor - daí a sudorese, sinal de
que a febre está em queda. A taquicardia induz aumento transi-
tório da pressão sistólica, o que aumenta a filtração glomerular,
razão do aumento da diurese que o paciente apresenta na fase
de resolução da febre.
Todas as alterações que ocorrem na síndrome febril são me-
diadas por substâncias denominadas pirógenos, que podem ser
endógenos ou exógenos. Os pirógenos endógenos mais impor-
tantes são IL-l, TNFa, IL-2, IL-6 e IFN')'. Os mecanismos de
ação dos pirógenos endógenos para produzir febre não são ainda
bem conhecidos. Em modelos experimentais, demonstrou-se que
as substâncias pirogênicas exógenas, como lipopolissacarídeos e
proteoglicanos de bactérias, RNA de dupla fita de vírus, manan
e glucan da parede celular de fungos, anafilotoxinas formadas
a partir do complemento etc., podem induzir febre por meio de
mecanismos periféricos e centrais. São mecanismos periféricos:
(a) ativação de macrófagos, que liberam PGE2 e citocinas, as
46 Patologia Geral
quais agem nas terminações aferentes vagais (especialmente no
fígado) que levam estímulos ao núcleo do trato solitário, de onde
partem sinais para a área pré-óptica do hipotálamo (no órgão
vascular circunventricular, OVCV), onde neurônios adrenérgicos
liberam adrenalina, que age no endotélio, induzindo a liberação de
PGE2• Esta age nos neurônios termorreguladores, desregulando-os
e induzindo-os a emitir sinais para aumentar a produção e diminuir
a perda de calor; (b) IL-l e outros pirógenos endógenos liberados
por macrófagos nos tecidos agredidos caem na circulação e agem
no endotélio do OVCV, que libera PGE2, a qual altera o limiar de
sensibilidade térmica dos neurônios termorreguladores; (c) células
fagocitárias circulantes liberam citocinas (sintetizadas in loco ou
que levam aderidas à membrana) diretamente no OVCV e induzem
a síntese de PGE2• São considerados mecanismos centrais: (a) a
ação direta dos pirógenos exógenos sobre as células endoteliais
do OVCV, que, ativadas, produzem citocinas que agem sobre as
células da glia (astrócitos e micróglia), as quais produzem PGE2,
responsável pela desregulação dos neurônios termorreguladores;
(b) alguns pirógenos exógenos podem atravessar a barreira he-
matoencefálica no OVCV e agir diretamente em células da glia,
induzindo-as a produzir citocinas e PGE2• Quer seja por mecanis-
mos periféricos ou por mecanismos centrais, a febre depende da
produção de PGE" que é o mediador terminal da desregulação
da sensibilidade térmica dos neurônios termorreguladores. As
ciclooxigenases (COX), enzimas-chave na síntese de prostaglan-
dinas, são importantes no processo febril, razão pela qual muitos
antitérmicos são inibidores dessas enzimas. Como existem duas
isoformas de COX, denominadas COX -1, de distribuição univer-
sal, constitutiva, e COX-2, de distribuição constitutiva no endotélio
do OVCV e em algumas células do SNC e induzível em macrófa-
gos e células endoteliais, há grande interesse em se saber qual das
isoformas é mais importante na síntese de PGE2 durante a febre.
O acetarninofeno, por exemplo, parece inibir as duas isoformas
da enzima, razão do seu excelente efeito antitérmico. A Fig. 3.15
resume os possíveis mecanismos de instalação da febre.
Os pirógenos estimulam também a liberação de substâncias
que desencadeiam efeitos antitérmicos, ou seja, ações que visam
a inibir a febre. Tais substâncias, denominadas criógenos ou
antipiréticos endógenos, não são ainda bem conhecidas, mas
têm sua existência bem demonstrada: o plasma de animais na
fase de resolução da febre inibe a hipertermia produzida pela
injeção de pirógeno em outro animal. Algumas substâncias são
apontadas como criógenos endógenos: (1) glicocorticóides, que
agem no nível periférico reduzindo a produção de citocinas (pi-
rógenos endógenos); além disso, há evidências experimentais de
que atuam também no sistema nervoso central, no OVCV e em
neurônios termorreguladores, possivelmente inibindo a síntese de
PGE?; (2) arginina-vasopressina, produzida pela neuro-hipófise
e cuja liberação aumenta na fase inicial de redução da febre;
(3) melanocortinas (ACTH, alfa e gama-MSH), derivadas da
pró-opiomelanocortina, são produzidas na adeno-hipófise e em
alguns neurônios do sistema nervoso central; as melanocortinas,
especialmente alfa e gama-MSH, agem em receptores para opi-
óides em neurônios termorreguladores, facilitando a regulação
de sua sensibilidade térmica; (4) algumas citocinas têm efeito
antipirético, como a IL-lO, produzida por macrófagos e células
T; IL-I Oinibe a produção de citocinas inflamatórias, como IL-l e
IFN')'. Há também evidências de ação direta da IL-lO no sistema
nervoso, nos neurônios termorreguladores; (5) lipocortina-l,
membro de uma extensa família de proteínas antiinflamatórias
produzidas no tecido mielóide, pulmões e sistema nervoso
central. A lipocortina-I inibe a síntese de PGE2, inclusive por
I
~
Inflamação
V
Pirógenos
exógenos
Macrófagos
Linfócitos
Fígad
Pirógenos endógenos
IL-l, TNFU,IL-6, IL-2, IFN'Y
Hipotálamo
Macrófagos
V
PGE2
V
Terminações
nervosas
aferentes
vagais
PGE2
Citocinas ~
Células i!r Adrenalina Ne;ôniO
da glia % 1 termorregulador
Neurônios
I'
LNúcleotrato ~========~
solitário
Fig. 3.15 Esquema resumindo os possíveis mecanismos da febre. Os
pirógenos exógenos atuam: (a) no fígado, causando estímulo vagal,
por meio de prostaglandinas (PG); (b) no hipotálamo, agem nas células
endoteliais do órgão vascular circunventricular (OVCV) e em células da
glia (astrócitos e micróglia). Leucócitos circulantes produzem pirógenos
endógenos que atuam diretamente no OVCY.
inibição da COX-2; (6) uma proteína isolada da urina de animais
na fase pós-febril e da urina de gestantes nas últimas semanas
de gravidez (no período periparto, a mulher é refratária à febre);
é possível que essas proteínas antitérmicas sejam peptídeos da
família das lipocortinas. Como certas agressões induzem hipo-
termia, é possível que esta seja devida à produção exagerada de
criógenos endógenos nas fases imediatas após a agressão. /
Do ponto de vista adaptativo, a febre parece ter papeli9lpor-
tante na defesa contra infecções: temperaturas elevadas impedem
o crescimento de muitos microrganismos e induzem aumento na
atividade do complemento. Por outro lado, a febre é responsável,
em parte, pelo estado hipermetabólico que se instala no orga-
nismo agredido. Por essa razão, os efeitos prejudiciais da febre
devem ser considerados, razão pela qual ela deve ser combatida
em muitas circunstâncias. Pacientes com problemas respiratórios
e cardiocirculatórios são particularmente afetados na síndrome
febril devido ao estado hipercatabólico e ao aumento do tônus
simpático que a acompanha.
Resistência à Dor
Mudança na sensibilidade dolorosa se deve à produção de
endorfinas, que, nos centros talâmicos e na formação reticular
que integram os estímulos dolorosos, aumentam o limiar para a
sensação dolorosa. Diminuição da dor é evidente nos estados de
agressão grave (grandes queimados, trauma múltiplo etc.).
Atividade dos Fagócitos. Alterações
-Núméricas dos Leucócitos
A atividade de alguns tipos de linfócitos B e T e das células
fagocitárias ctiminui por ação de glicocorticóides e de mediadores
adrenérgicos (via receptores beta) e colinérgicos. Os corticóides
agem diretamente nos fagócitos aumentando a estabilidade das
membranas e dificultando a fusão de fagossomos com os lisos-
omos, além de inibirem o NFKB, principal fator de transcrição
de mediadores pró-inflamatórios. Por outro lado, corticóides fa-
ilitam a produção de citocinas antiinflamatórias (TGFI3 e IL-lO)
por macrófagos e, especialmente, pela indução da diferenciação
de linfócitos T reguladores.
Outro componente da reação de fase aguda é o aumento da
produção de leucócitos na medula óssea (leucocitose), fenômeno
mediado pela IL-I e por fatores de crescimento liberados por
élulas fagocitárias e por linfócitos, como o fator estimulador de
colônias para granulócitos e para monócitos (CSF-GM). Redução
do número de eosinófilos ocorre em resposta a níveis elevados
de corticóides liberados pela supra-renal.
CAUSAS E MECANISMOS GERAIS
DE AGRESSÃO
Como se viu anteriormente, as diferentes agressões induzem
nos tecidos uma resposta local que resulta na exsudação de
leucócitos para o compartimento extravascular, caracterizando
uma inflamação. Essa é, seguramente, a forma mais comum de
resposta e de lesão após muitas agressões. Numerosas outras
lesões também surgem como resultado de agressões. Agressão
ao genoma, que provoca alterações nos genes e/ou na sua expres-
são, é causa freqüente de dano por diferentes agentes e resulta
em alterações nos mecanismos de proliferação e diferenciação
das células, os quais serão estudados no Capo 8. A redução do
fornecimento de oxigênio ou a interferência na sua utilização e
a alteração no estado redox das células, quer pela produção de
radicais livres, quer pela inibição dos processos antioxidantes, são
situações freqüentes que levam a lesão por diferentes agressores.
Dentro dessas considerações, neste capítulo serão discutidas
separadamente as agressões provocadas por hipóxia, anóxia e
radicais livres, que são agentes lesivos muito comuns, seguidas
da descrição dos aspectos gerais dos efeitos das agressões físicas,
químicas e biológicas.
Hipóxia e Anóxia
A redução do fornecimento de oxigênio às células é chamada
hipóxia, enquanto sua interrupção é denominada anóxia. Hipó-
xia e anóxia são causas muito comuns e importantes de lesões e
doenças. Diversas lesões produzem obstrução vascular que leva
à redução do fluxo sanguíneo (isquemia parcial, com hipóxia)
ou a sua parada (isquemia total, com anóxia); dependendo da
Etiopatogênese Geral das Lesões 47
intensidade e da duração do fenômeno e da suscetibilidade à
privação de O, e nutrientes, as células degeneram ou morrem.
Os mecanismos moleculares que induzem o aparecimento de
lesões reversíveis ou de morte celular são comuns, razão pela
qual serão descritos em conjunto. É interessante notar que agentes
agressores que impedem a utilização de O, na respiração celular
provocam lesões semelhantes àquelas decorrentes da cessação
de seu fornecimento por obstrução vascular. Nos estados de
hipóxia, as células sofrem modificações metabólicas progres-
sivas que originam respostas adaptativas, lesões reversíveis ou,
dependendo da intensidade, lesões irreversíveis.
Respostas Adaptativas das Células à
Hipóxia. Pré-condicionamento
Diante da hipóxia, as células procuram adaptar-se. A adapta-
ção se faz mediante mudança na maneira de utilizar energia (o
ATP passa a ser consumido sobretudo nas atividades de bombas
iônicas e nas sínteses celulares). Estudos em hepatócitos in vitro
mostram que redução de ATP leva à inibição hierárquica dos
processos que o consomem: redução inicial na síntese protéica
e do DNA em favor da prioridade de sua utilização nas bombas
iônicas (oxigen conformance, ou adequação ao oxigênio). Essa
adaptação é feita imediatamente pela ativação de AMP cinases,
que são ativadas pelo aumento do AMP e que: (a) fosforilam a
fosfofrutocinase/frutose difosfatase, acelerando a glicólise; (b)
aumentam a translocação do transportador de glicose (Glut-4)
para a membrana, acelerando a captação de glicose; (c) inibem
a gliconeogênese e a síntese de ácidos graxos, de triglicerídeos
e de esteróides. Quase simultaneamente, ocorre ativação do
HIF-I, que regula a transcrição de vários genes, entre os quais
genes de enzimas da glicólise, da eritropoetina, do Glut-4, do
VEGF (fator de crescimento do endotélio vascular), da tirosina
hidroxilase (nas células do corpo carotídeo) e da NO sintetase
(no endotélio vascular).
O HIF-I (Hypoxia lnducible Factor) é um heterodímero
(HIFa e 13)que pertence ao grupo dos fatores reguladores de
transcrição com seqüências hélice-volta-hélice. Ambos são
sintetizados continuamente, ficando a unidade 113no núcleo e a
unidade Ia no citoplasma, onde sofre hidroxilação em resíduos
de prolina, o que impede sua ligação a um co-ativador e favorece
sua ligação à proteína von Hippel-Lindau (vHL) e subseqüente
ubiquitinização, com posterior degradação nos proteassomos. Em
condições de hipóxia, a hidroxilação se reduz, o HIF-la liga-se
ao co-ativador e vai ao núcleo, onde se une com a unidade 13e
começa a exercer seu efeito ativador da transcrição.
A ativação do HIF-l parece ser o principal indutor do aumento
de resistência à hipóxia em tecidos previamente submetidos a
isquemia transitória. A maior resistência manifesta-se também
diante de outros agressores, fazendo parte de uma resposta ines-
pecífica da célula após agressão (estresse celular). De fato, o HIF-I
induz a expressão de vários genes, incluindo os de proteínas do
choque térmico (HSP) e proteínas antiapoptóticas, que aumentam
a capacidade da célula de resistir às agressões, especialmente pelo
aumento da capacidade antioxidante e antiapoptótica.
Além da ativação do HIF-I, a hipóxia induz outros media-
dores e receptores, ainda pouco conhecidos, que ativam rotas
intracelulares ativadoras de genes que aumentam a adaptação
não só à hipóxia como também a outras agressões. Adenosina,
opióides, bradicinina, PGE2, endotelina, noradrenalina e TNFa
participam nos processos iniciais de ativação dos mecanismos
de adaptação à hipóxia. Ligação dessas moléculas a seus recep-
48 Patologia Geral
tores estimulam rotas intracelulares que estimulam membros da
farmlia das MAP cinases, especialmente as JNK (grupo chamado
de cinases ativadas pelo estresse, ou SAPK), que, por sua vez,
ativam fatores de transcrição ativadores de genes que favorecem
a sobrevivência das células e inibem a apoptose.
Observações experimentais demonstram que um órgão sub-
metido a isquemia transitória (alguns minutos) torna-se mais
resistente a outras agressões, inclusive a hipóxia mais prolonga-
da. Essa maior resistência do tecido que sofreu isquemia rápida
(pré-condicionamento), que se manifesta imediatamente mas
persiste nas 24 horas após a isquemia, deve-sea mecanismos
adaptativos que as células desenvolvem quando submetidas a
taxas reduzidas de oxigênio. A indução do HIF-l é um dos fatores
mais importantes nesse pré-condicionamento.
O pré-condicionamento tem levado os pesquisadores a testar o
seu efeito em órgãos a serem transplantados. Estudos experimen-
tais demonstram que isquemia rápida-reperfusão, repetida algu-
mas vezes, torna órgãos a serem transplantados, como coração ou
fígado, mais resistentes às lesões de reperfusão, comuns após o
restabelecimento da circulação no órgão transplantado. Também
o uso de ativadores artificiais (fármacos) das rotas de ativação
dos mecanismos de pré-condicionamento está sendo testado para
induzir esse processo por meio de manipulação farmacológica.
Lesões Reversíveis Induzidas pela Hipóxia
Por causa da redução na síntese de ATP não-compensada
pela produção de energia via glicólise no citosol, surgem várias
alterações:
• redução das bombas eletrolíticas dependentes de ATP, o que
leva à retenção de Na+no citosol, com aumento da osmolarida-
de e expansão isosmótica do citoplasma (inicia-se uma lesão,
denominada degeneração hidrópica). Rapidamente, Na+e H,O
acumulam-se também nos retículos, eujas vesículas ficam dila-
tadas (agrava-se a degeneração hidrópica). Nas mitocôndrias,
a câmara externa se expande e a matriz se contrai;
• progredindo a hipóxia, altera-se a permeabilidade a outros
íons, especialmente ao Ca'", que saem dos depósitos (retículo
liso e mitocôndrias), alcançam o citosol e ativam proteínas
cinases Ca " calmodulina-dependentes, as quais levam a
desarranjo no citoesqueleto, resultando em achatamento das
microvilosidades;
• oferta excessiva de acetil-CoA às mitocôndrias com cadeia
respiratória parcialmente inativada provoca acúmulo desse
substrato, o que favorece a síntese de ácidos graxos, podendo
levar ao acúmulo de triglicerídeos sob a forma de pequenas
gotas no citosol (esteatose). O acúmulo de triglicerídeos só
não é mais intenso na hipóxia porque, como já se viu, uma
resposta adaptativa precoce à hipóxia é a redução na expressão
de genes para a síntese de ácidos graxos.
As alterações moleculares descritas até aqui são reversíveis
e chamadas genericamente de degenerações: cessada a hipóxia,
a célula recompõe a atividade metabólica, reajusta o equilíbrio
hidroeletrolítico e volta ao aspecto normal.
Lesões Irreversíveis Induzidas pela Hipóxia
Persistindo a hipóxia, as perturbações eletrolíticas e na
síntese de proteínas e lipídeos passam a agredir as membranas
citoplasmática e das organelas, agravando progressivamente as
condições da célula; as alterações tornam-se irreversíveis e a
célula morre (Fig. 3.16).
Até o aparecimento de lesões irreversíveis, podem ser en-
contradas progressivamente as seguintes modificações: (1) as
membranas se alteram pela perda de moléculas estruturais e
pela incapacidade de repor os componentes perdidos (perda da
capacidade de reacilação dos fosfolipídeos). O elevado nível
de Ca'" no citosol é em parte responsável por essa alteração,
pois ativa fosfolipases e aumenta a demolição dos lipídeos da
membrana citoplasmática, que se torna mais fraca e passa a
apresentar bolhas na superfície. Ao lado disso, excesso de Ca'"
no citosol altera a polimerização e a associação das proteínas
dos filamentos intermediários, bem como induz ativação de
proteases Ca'" calmodulina-dependentes. Com isso, microfila-
mentos do cito esqueleto associados à membrana citoplasmática
dela se desacoplam, diminuindo sua resistência mecânica; a rede
de filamentos que sustenta as microvilosidades se desestrutura,
favorecendo o desaparecimento delas. Desse modo, a membra-
na citoplasmática não só perde a sua organização estrutural,
alterando o funcionamento de seus receptores e mecanismos de
transdução, como também está mecanicamente mais frágil, po-
dendo se romper com facilidade; (2) no retículo endoplasmático,
as membranas alteradas formam figuras em bainha de mielina,
decorrentes provavelmente da demolição de partes dessas mem-
branas já molecularmente desestruturadas; (3) nas mitocôndrias,
tumefeitas pelo desequilíbrio hidroeletrolítico, com expansão
da matriz interna e desaparecimento das cristas, a membrana
também sofre alterações moleculares graves, indicadas ao ME
pelo aparecimento de estruturas floculares eletrodispersantes na
matriz; com isso, a alteração da permeabilidade da membrana
mitocondrial externa torna-se irreversível e cessa a atividade da
ATPase, impedindo a síntese do ATP; essa alteração representa
o chamado ponto de não-retorno; (4) os lisos somos tornam-se
tumefeitos e perdem progressivamente a capacidade de conter
suas hidrolases, que são liberadas no citoplasma e iniciam o
processo de autólise (digestão dos componentes celulares que
permite evidenciar ao ML que a célula morreu, ou seja, sofreu
necrose). Quando as enzimas lisossômicas passam para o citosol,
a célula já está morta, não sendo essa a causa da irreversibilidade
da lesão.
Não é fácil identificar o ponto crítico (ponto de não-retorno)
além do qual se considera que a célula está morta. Não há dúvida
de que a elevação dos níveis de Ca'" no citosol (aumentando
a atividade de lipases e proteases e alterando a arquitetura do
citoesqueleto) e a deficiente capacidade de síntese da célula são
os fatores fundamentais na instalação de morte celular na hipó-
xia e anóxia. Tumefação intensa da matriz mitocondrial interna,
com aparecimento de depósitos floculares eletrondensos no seu
interior e perda das cristas mitocondriais, ao lado de bolhas e
soluções de continuidade da membrana citoplasmática, são as
principais evidências ultra-estruturais de irreversibilidade da
lesão. Do ponto de vista funcional, uma lesão irreversível é
caracterizada por: (a) depleção acentuada de ATP; (b) ces~ã6
da glicólise anaeróbica, com acúmulo de lactato e outros-meta-
bólitos; (c) conversão de grande quantidade de nucleotídeos em
nucleosídeos e bases orgânicas.
Há diferenças na resistência das células à hipóxia e à anóxia,
razão pela qual as lesões irreversíveis se instalam em tempos
diferentes conforme o tipo celular. Alguns neurônios são muito
sensíveis à anóxia, não suportando mais do que três minutos sem
O,; células miocárdicas podem resistir até 30 minutos.
- A lesão irreversível causada por hipóxiaJanóxia mais grave é
a necrose. Hipóxia moderada, no entanto, pode levar à apoptose
em vez de induzir degeneração e/ou necrose. Isso pode ocorrer
devido a lesão precoce das mitocôndrias com aumento da perme-
abilidade da membrana mitocondrial, o que resulta na liberação
de citocromo C e de outras proteínas mitocondriais ativadoras de
pases, as quais ativam o processo de apoptose (ver Capo 4).
Efeitos da Reperfusão. Lesão Induzida
~e1a Reperfusão
Algumas observações experimentais têm demonstrado um
fato curioso: tecidos mantidos em isquemia prolongada mostram
agravamento da lesão quando são reoxigenados (p. ex., por
restabelecimento do fluxo sanguíneo após obstrução vascular).
Esse aparente paradoxo tem sido explicado pela formação de
radicais livres de oxigênio a partir das primeiras moléculas de
O, que chegam aos tecidos após recuperação do fluxo sanguíneo.
A-formação desses radicais é facilitada pela presença, no tecido
. quêmico, de grande quantidade de xantina oxidase, originada
da xantina desidrogenase por ação de proteases durante a hipó-
Da. A xantina oxidase transforma 02 em superóxido, do qual se
originam outros radicais capazes de peroxidar as membranas e
produzir lesões irreversíveis. Essas observações são confirmadas
porque o alopurinol (inibidor da xantina oxidase) e a superóxido-
dismutase (transforma o superóxido em HP2 e O) impedem o
aparecimento da lesão de reperfusão após isquemia experimental.
tProllna hidroxilase lProlina hidroxilase
tHidroXilação
HIF·tt
I
~
~
I
lHidroxilação
Hltt
rHif:iiL
~
~
~
~
~
Degradação nos
proteassomoshranSCrição dos genes de:
HSP
VEGF
NOS
GLUT·4
Erilropoetina
Etiopatogênese Geral das Lesões 49
Outros mecanismos envolvidos são: (a) maior captação de Ca'"
pelas células anóxicas, em virtude da volta do fluxo sanguíneo,
aumentando a quantidade do eletrólito nos tecidos; (b) produção
de radicais livres pelos leucócitos na parede dos vasos, prontos
para exsudar; (c) chegada súbita de plasma, produzindo choque
osmótico na célula, cujos mecanismos de controle da permea-
bilidade já estão alterados. Choque osmótico leva a tumefação
súbita da célula e ruptura de suas membranas, favorecendo
a irreversibilidade do processo. Hipóxia de pequena duração
induz lesões degenerativas que se recuperam rapidamente após
a reperfusão; já a degeneração mais intensa provocada por hi-
póxia de duração intermediária se agrava com a reoxigenação.
Lesões produzidas por anóxia duradoura são pouco alteradas
após reperfusão, mas com a reoxigenação ocorre ampliação da
lesão nas suas margens.
Radicais Livres
Radicais livres são moléculas que apresentam um elétron não-
emparelhado no orbital externo, o que as toma muito reativas a
qualquer outro tipo de molécula, incluindo lipídeos, proteínas
e ácidos nucléicos. Lipídeos, bases púricas e pirimídicas dos
ácidos nucléicos e resíduos de metionina, histidina, cisteína e
Liberação de:
adenosina
PGE,
opióides
noradrenalina
I
Írronscnçõo dos genes de:
HSP
Proteínas de canais iônicos
Proteínas antiapoptóticas
MAPK (SAPK)
I Tumetação
doscrislos
~
AtiIioção de
proleasese
fosfolipases~ [ IFosfoiipídeos
Enfiaquecirnento ~ tReacilação dos
da membrona fosfoiipídeos
tlnfluxoCo" ~ \ I
"" Pefda do coofroe Reposicão pro1éico
'- da perrneabiIidade
RUPI1JIIA
Fig, 3.16 Efeitos gerais da hipóxia sobre as células, mostrando os mecanismos de adaptação e os produtores de lesão. A linha inclinada no bloco à
direita separa as alterações reversíveis das irreversíveis. AMPK = proteína cinase dependente de AMP; GLUT-4 = transportador de glicose; PGE2= prostaglandina E?; HIF = fator induzido pela hipóxia; CBP = proteína transportadora; vHL = proteína von Hippel-Lindau; SAPK = proteínas
cinases ativadas pelo estresse, da família das MAPK (proteínas cinases ativadas por mitógenos).
50 Patologia Geral
lisina de proteínas são especialmente disponíveis para formar
radicais livres. Radicais livres podem iniciar reações em cadeia
que levam à formação de novos radicais, amplificando sua ca-
pacidade de produzir lesões.
Os radicais livres surgem quando os elétrons do último or-
bital de um átomo ficam desemparelhados por ganho ou perda
de um elétron. A transferência de elétrons ocorre nas reações de
oxidorredução, quando uma molécula cede elétrons (se oxida)
para outra (que se reduz). Como o processo é feito em etapas,
surge a oportunidade de se formarem compostos intermediários
com elétrons desemparelhados (radicais livres), o que acontece
com freqüência nas reações de oxidorredução com participação
do oxigênio molecular. Os radicais livres são indicados com um
asterisco adiante da molécula ou átomo: 0;*, OH*, CCl3 * etc.°oxigênio molecular (02) é a principal fonte de radicais livres
nas células. No processo normal da respiração celular, o 02 é
reduzido a HP com aceitação de quatro elétrons (e). Como os
elétrons são passados um a um, há fases intermediárias em que
o 02 forma o superóxido O; (ganhou um e); o 02 é reduzido
pelo segundo e, originando H202; esta é reduzida pelo terceiro
e, dando H20 e o radical hidroxil (OH*); este é reduzido pelo
quarto e, formando a segunda molécula de H,O. Tais reações
ocorrem na cadeia respiratória; os radicais formados são inati-
vados in loco e não saem das mitocôndrias devido à arquitetura
molecular especial das enzimas que comandam esses processos
de oxidorredução (citocromo-oxidase, citocromo-redutase).
00,* é pouco reativo em solução aquosa, sendo convertido
a oxigênio molecular (02) na reação (que pode ser espontânea,
mas é muito acelerada pela superóxido-dismutase - SOD):
SOD
02 * +°2*+ 2H ~ H202 + 02
No entanto, o 0,* pode participar da seguinte reação, gerando
o radical hidroxil: -
0/ + H202 ~ OH* + OH2 + 02
Reação de Haber-Weiss
° radical hidroxil pode ser formado também na presença de
metais de transição (Fe ou Cu na forma oxidada), na seguinte
reação:
H202+ Fe'" (ou Cu") ~ OH* + OH2 + Fe+++(ouCu'")
Reação de Fenton
As reações podem ocorrer também na presença de um hidro-
xiperóxido (ROOH, em que R é um radical qualquer) e originar
um radical alcoxil (RO*):
0* + Fe+++~ Fe++
Fe'" + ROOH -;. RO* + Fe++++ OH-
Os radicais hidroxil e alcoxil são muito reativos e podem cau-
sar lesões. No entanto, a reação de Fenton não é muito freqüente
nas células porque há muito pouca disponibilidade de Fe'" livre
no citoplasma (a não ser quando as células são sobrecarregadas
com ferro, como ocorre na hemocromatose).
00, * participa ainda das seguintes reações: (1) excesso de
0,* pode estimular a liberação de ferro a partir da ferritina e de
proteínas sulfoferrosas, como a aconitase, favorecendo a reação
de Fenton; (2) o 0z'" pode interagir com o OH* e originar o oxi-
gênio ímpar (singlet oxygen), no qual há alteração na nuvem de
elétrons, mas sem perda ou ganho dos mesmos (é um espécime
reativo, muito ativo, mas cuja importância nos sistemas biológi-
cos ainda não é conhecida); (3) o 02 * reage com o óxido nítrico
(NO), originando o radical peroxinitrito
02* + NO ~ OONO*
OONO* + H ~ N02 + OH-
Além de originar todos esses radicais livres, o 02 pode gerar
ainda outros produtos reativos denominados, em conjunto, espé-
cies reativas derivadas do oxigênio (ERDO), já que nem todos
são radicais livres (como o oxigênio ímpar [singlet oxygen] e
água oxigenada; esta é um ERDO importante porque serve como
substrato para as reações de Haber- Weiss e de Fenton, nas quais
se origina o radical hidroxil).
Radicais livres e ERDO são produzidos no metabolismo nor-
mal das células não só na cadeia respiratória como também nos
processos de oxidação catalisados por oxidases citoplasmáticas:
no sistema microssomal que metaboliza xenobióticos, na síntese
do colágeno, nos peroxissomos etc. Entre as reações de defesa do
organismo contra infecções, os fagócitos possuem uma oxidas e
que gera 02 * e forma H202 usados para matar microrganismos.
Diversas agressões produzem lesões por liberar radicais livres.
Substâncias químicas os produzem quando são metabolizadas nas
células; radiações ionizantes os geram ionizando a água; fumaça
do cigarro e alguns tipos de alimentos oxidados os contêm..
As células possuem sistemas antioxidantes que impedem o
efeito lesivo dos radicais livres e outras ERDO, entre os quais:
(1) superóxido-dismutase (SOD), que acelera a conversão do 02*
em 02 e H202, de forma muito mais acelerada do que a conversão
espontânea. Existem duas formas de SOD: uma que contém Cu
e Zn, encontrada no citosol, e outra que contém Mn, localizada
nas mitocôndrias. Mutação de SOD ocorre na forma familial da
esclerose lateral amiotrófica, podendo as lesões da doença ser.
conseqüência do excesso de ERDO; (2) catalase, enzima tetramé-
rica do grupo heme que catalisa a demolição da HP2' originando
H20 e 02; (3) sistema antioxidante dependente de glutation, for-
mado pela glutation-oxidase (GPO) e glutation-redutase (GPR),
que clivam ~02 na presença de glutation (GS): 2GSH +HP2 ~
GSSG +HP; GSSG +NADPH ~ 2GSH +NADP. Deficiência
genética de GPO ou de GPR resulta em anemia hemolítica intensa
agravada por infecções e drogas oxidantes, como nitrofurantoínas
e sulfonarnidas; (4) hidroxiperóxido fosfolipídeo glutation-pe-
roxidase, que reduz lipídeo-hidroxiperóxidos a hidróxidos; (5)
vitaminas C e E. °ácido ascórbico (vitamina C) é hidrossolúvel
e remove radicais livres, com eles reagindo e originando um
produto inativo, o ácido desidroascórbico, que é reduzido a
ácido ascórbico por ação da enzima desidroascorbato-redutase.°o-tocoferol(vitamina E) é lipossolúvel e reage com radicais
livres formando tocoferol-semiquinonas, que são convertidaS{
o-tocoferol por ação do ácido ascórbico (as quinonas origina
um radical tocoferoxil, e o elétron é transferido para o ácido a -
córbico, regenerando o o-tocoferol); (6) sistema da tiorredoxina,
proteína que faz parte de um sistema oxidorredutor que age de
modo semelhante ao do glutation; (7) outras moléculas, como
taurina, bilirrubina, cisteína, ácido úrico e carotenóides, também
removem radicais livres.
A eficiência do sistema de transporte de elétrons, a pouca
disponibilidade de metais de transição livres no citoplasma e
os mecanismos antioxidantes naturais controlam a produção
e os efeitos dos radicais livres gerados naturalmente rias célu-
Ias. Em condições normais, existe equilíbrio entre produção e
inativação de radicais livres, o que impede o aparecimento de
sões. Quando esse equilíbrio se rompe, quer por aumento na
produção de radicais livres, quer por redução nos mecanismos
antioxidantes, inicia-se um processo de estresse oxidativo que
pode resultar em lesões.
)Lesões Produzidas por Radicais Livres
Os radicais livres são realmente capazes de lesar células, como
demonstrado pelo fato de os fagócitos matarem microrganismos
por meio de radicais livres e de outras ERDO. Radicais livres
produzem lesões celulares porque podem reagir com lipídeos,
proteínas e ácidos nucléicos (Fig. 3.17). Lipídeos poliinsaturados
podem sofrer ataque de radicais livres, que transferem o elétron
para um carbono do lipídeo, originando um L* (lipídeo com um
radical livre centrado em carbono). O L* reage com O2, origi-
nando um lipoperoxil (L*+ O2 -'.> RLOO*). O LOO* pode agir
sobre outro lipídeo, transferindo para um carbono o elétron de-
semparelhado, originando um novo L*, e assim sucessivamente
(peroxidação em cadeia), alterando várias moléculas lipídicas de
membranas. Ao agir sobre outros lipídeos, o LOO* se transforma
em um hidróxido-peróxido (LOOH), que pode se decompor em
aldeídos (malondialdeído e 4-hidroxinonenal); hidrocarbonetos
voláteis, como o etano e o pentano, são também produtos finais
da peroxidação de lipídeos insaturados.
Radicais livres interagem com as bases do DNA formando
timina-glicol, 4-0H-guanidina e 4-0H-oxiguanidina. Interação
de radicais livres com a ribose pode provocar quebras no DNA.
Quando peroxidadas, cisteína e histidina originam resíduos
oxidados que podem ser detectados, servindo como indicadores
de peroxidação de proteínas. Resíduos de tirosina podem ser
Antioxidantes
Superóxidodlsmutase
Catalase
Glutaflon peroxidase
TIorredoxina
Transferrina
Ferritina
Ceruloplasmlna
Vitamina E
Vitamina C
Caroten6ldes
Clsteína
Ácido úr!co
Blllrrubina0,+ le--O*
0*+ H'~ H,O,
H,o,+Fe"(ou CU")- OH*+ OH- + Fe"'(ou cu")c.:>I'PeroXldação
de IIpldeos de proteínas
Interação
comDNA
Fig. 3.17 Esquema indicando as principais espécies reativas derivadas
do oxigênio, os produtos formados pela ação de radicais livres sobre
as macromoléculas e os principais antioxidantes. SOD = superóxido-
dismutase.
Etiopatogênese Geral das Lesões 51
nitrificados por ação do NOO*; hipoalitos podem descarboxilar
arninoácidos a aldeídos e halogenar tirosina e resíduos heterocí-
clicos (adenosina, NAD etc.). Os radicais sulfidril das proteínas
são alvos fáceis dos radicais livres; ao receberem os elétrons,
induzem alterações conformacionais que modificam a função da
proteína, inibindo-a ou ativando-a.
Muitos agentes quimiotóxicos agem por meio de radicais
livres gerados nas células. O CCl4 é transformado em CCl3 *
no retículo endoplasmático liso dos hepatócitos, sendo esse o
responsável principal pela necrose hepatocelular induzida pelo
tetracloreto de carbono. Essa lesão é reduzida pelo tratamento
com antioxidantes ou pela inibição do sistema citocromo p450,
que é responsável pela peroxidação do CCI4• Admite-se que os
efeitos hepatotóxicos do etanol sejam em parte devidos à ação
de radicais livres formados após metabolização do álcool pelo
sistema citocromo p450, que origina o radical hidroxietil.
Os radicais livres têm vida média muito curta, razão pela qual
são de difícil quantificação. A espectrometria por ressonância
magnética eletrônica reconhece radicais livres mediante detec-
ção de produtos que capturam o radical (sistema denominado
spin trapping), mas é um método muito oneroso. A dosagem de
produtos derivados da peroxidação de proteínas (oxoderivados
de histidina e cisteína), de ácidos nucléicos (4-0H-guanidina)
e de lipídeos (malondialdeído e hidrocarbonetos voláteis) tem
sido tentada por métodos mais simples, mas ainda com resultados
pouco confiáveis.
Até o momento, não há evidências seguras de que doses maciças
de antioxidantes na dieta possam prevenir lesões produzidas por
radicais livres. Tudo indica, no entanto, que a ingestão regular de
antioxidantes naturais é benéfica, e os vegetais são sua principal
fonte. Dados epidemiológicos mostram que, em todo o mundo,
ingestão de dietas ricas em vegetais está associada a menor risco
para doenças degenerativas, como a aterosclerose. O efeito pro-
tetor desses alimentos estaria relacionado, pelo menos em parte,
à presença de antioxidantes em doses e misturas adequadas.
Por outro lado, os radicais livres podem atuar também como
reguladores de atividades celulares. Por interagirem com prote-
ínas, modificando-lhes a estrutura espacial, reduzindo resíduos
sulfurados e formando pontes S-S, os radicais livres podem
agir como reguladores da atividade de outras moléculas. 002*
e seus produtos, como a H202, são utilizados pelas células como
moléculas sinalizadoras para diversas funções. Muitas enzimas
tomam-se ativas, fatores de transcrição inativos podem ser ati-
vados e receptores podem ser controlados após peroxidação por
radicais livres derivados do O2.
Agentes Físicos como Causa de Lesão
Dependendo da intensidade e duração de sua ação, qualquer
agente físico pode produzir lesão no organismo. Por serem
mais importantes, serão comentados os mecanismos de ação
dos seguintes agentes físicos: (1) força mecânica; (2) variações
da pressão atmosférica; (3) variações de temperatura; (4) eletri-
cidade; (5) radiações; (6) ondas sonoras (ruídos). A discussão
será limitada aos conceitos básicos das lesões produzidas e aos
mecanismos que participam de sua gênese. Para informações
mais detalhadas a respeito do assunto, o leitor deve consultar
a literatura especializada, principalmente a relacionada com
Patologia Forense, Medicina Legal e Medicina Ocupacional,
tendo em vista a importância das lesões por agentes físicos nos
aspectos legais e ocupacionais da Medicina.
52 Patologia Geral
Força Mecânica
A ação da força mecânica sobre o organismo produz vários
tipos de lesões, únicas ou múltiplas, genericamente denominadas
lesões traumáticas (ou impropriamente chamadas trauma me-
cânico, já que este é o agente causal e não a conseqüência). As
principais lesões traumáticas são: (I) abrasão, ou ferida abrasiva,
caracterizada pelo arrancamento de células da epiderme pela
ação de fricção ou esmagamento de um instrumento mecânico;
(2) laceração, separação ou rasgo de tecidos, por excessiva força
de estiramento, como ocorre na pele, ou por ação da força de um
impacto externo que pode lacerar músculos, tendões ou vísceras
internas; (3) contusão, ou ferida contusa, na qual o impacto é
transmitido através da pele aos tecidos subjacentes, levando à
ruptura de pequenos vasos, com hemorragia e edema, mas sem
solução de continuidade da epiderme (o popular "galo" no cou-
ro cabeludo é um bom exemplo); (4) incisão, ferida incisa ou
corte é uma lesão produzida pela ação de um instrumento com
borda afiada, e são feridas mais extensas do que profundas; (5)
perfuração, ou ferida perfurante, é a produzida pelo impacto de
um instrumento pontiagudo sobre os tecidos, e são feridas mais
profundas do que extensas;(6) fratura, caracterizada pela ruptura
ou solução de continuidade de tecidos duros, como o ósseo e
o cartilaginoso. As fraturas podem ser lineares, irregulares ou
cominutivas (fraturas múltiplas do osso, como as produzidas por
esmagamento ou pelo impacto de um projétil de arma de fogo).
Diversos instrumentos mecânicos provocam lesões combinadas,
que são denominadas de acordo com o aspecto que tomam:
lesão perfurocortante, perfurocontundente, cortocontundente
etc. O estudo detalhado da lesão ou ferida pode dar indicações
bastante precisas a respeito do instrumento que a produziu, razão
da importância dessas lesões em Medicina Legal.
Força mecânica provoca lesões por romper estruturas celu-
lares e teciduais, com liberação de moléculas que induzem uma
resposta inflamatória, importante no reparo do dano ocorrido.
Se não causa ruptura das estruturas, a força mecânica exerce
pressão sobre as células, distendendo sua membrana, onde
existem mecanorreceptores, que, ativados, liberam mediadores
responsáveis pela resposta local.
Além de lesões locais, força mecânica é capaz de desenca-
dear reações sistêmicas; reação de fase aguda acompanha as
lesões traumáticas com intensidade proporcional à gravidade do
traumatismo. Nos grandes traumatismos, nos esmagamentos e
nos traumas pequenos seguidos de hemorragia intensa, pode se
instalar o estado de choque, condição na qual há hipoperfusão
de todos os tecidos (ver Capo 6). Nesses casos, o choque pode ser
provocado por mecanismos neurogênicos (choque neurogênico)
e/ou pela hipovolemia decorrente de hemorragias. Por outro lado,
trauma extenso ou múltiplo leva à produção de grande quantidade
de moléculas indicadoras de agressão que induzem a síntese de
mediadores da resposta local (inflamação) em tal quantidade,
que caem na circulação e induzem uma resposta inflamatória
sistêmica capaz de, isoladamente, provocar o choque, de modo
semelhante ao que ocorre quando agentes infecciosos penetram
na corrente sanguínea.
Embolia gordurosa, outra lesão sistêmica resultante de
traumatismos, especialmente aqueles com fratura óssea, é pro-
vocada pela fragmentação do tecido adiposo, sobretudo o da
medula óssea. Os êmbolos, formados por pequenas gotículas de
gordura, são encontrados principalmente nos capilares pulmo-
nares, no encéfalo e, às vezes, nos rins. Não é raro o encontro
de fragmentos de tecido adiposo ou mielóide obstruindo vasos
pulmonares em pacientes falecidos por politraumatismo, prova
de que o tecido traumatizado gera êmbolos gordurosos. No
entanto, alguns estudiosos admitem que êmbolos gordurosos
podem resultar de alterações qualitativas e quantitativas das
lipoproteínas plasmáticas (induzidas pela reação de fase aguda),
que se agregam e formam gotículas. De fato, a quantidade de
êmbolos encontrada nos órgãos é maior do que a que poderia
originar-se unicamente da lesão traumática, além do fato de
que êmbolos gordurosos têm sido encontrados em pacientes
falecidos por queimaduras graves ou diabetes, mas sem história
de traumatismos. Há também discussão quanto às repercussões
dessa embolia, admitindo-se que, nos pulmões, só surjam conse-
qüências graves quando há comprometimento de grande número
de vasos, o que é pouco comum. Obstrução de pequenos vasos
cerebrais deve ser mais importante na evolução do traumatizado,
mas pouco se conhece sobre o assunto. Raramente, pode ocorrer
embolia gasosa após traumatismos, quando o ar insuflado para
as cavidades é pressionado para a luz de veias rotas, chegando
à circulação pulmonar.
Variações da Pressão Atmosférica
O organismo humano tem capacidade de se adaptar facilmente
a pequenas variações da pressão atmosférica. Um indivíduo su-
porta melhor o aumento da pressão atmosférica (até três vezes
a normal) do que a sua diminuição; redução de 50% da pressão
atmosférica é suficiente para produzir manifestações graves.
SÍNDROME DA DESCOMPRESSÃO. Em condições hiper-
báricas, os gases existentes no ar se dissolvem em maior quan-
tidade no plasma e nos líquidos intra e extracelulares, mas não
há comprovação de que surjam lesões devido a esse fenômeno.
Problemas acontecem quando ocorre descompressão rápida: os
gases dissol vidos formam bolhas no sangue (originando êmbolos
gasosos que obstruem pequenos vasos pulmonares, cerebrais
etc.), nos tecidos (enfisema intersticial) e dentro das células,
alterando sua arquitetura. É o que ocorre na síndrome da des-
compressão ou mal dos caixões, condição patológica freqüente
no passado em mergulhadores e em profissionais que trabalham
na instalação de sondas submarinas, em plataformas de petróleo
ou na construção de pontes (nos caixões para a construção das
bases dos pilares). Atualmente, com os conhecimentos sobre a
gênese desses problemas, são tomados os devidos cuidados para
evitar redução brusca da pressão sobre os indivíduos.
EFEITOS DAS GRANDES ALTITUDES. Condições hipo-
báricas (altitudes elevadas) reduzem a tensão do O2 nos alvéolos
pulmonares, o que provoca hipóxia. O organismo reage com
vasoconstrição periférica, que desvia o sangue para a circulação
esplâncnica e aumenta a quantidade de sangue que chega aos
pulmões. Hipóxia lesa o endotélio vascular e favorece o apareci-
mento de edema, que pode ser generalizado, especialmente nos
membros e na face, ou localizado nos pulmões e encéfalo. Há /
ainda, taquipnéia, na tentativa de compensar a baixa tensão do g~
Como, geralmente, nas regiões mais altas a umidade do ar é menor
e as temperaturas são baixas, há maior risco de haver desidratação,
especialmente se o indivíduo é submetido a exercício físico.
As alterações descritas anteriormente aparecem em indivíduos
não-adaptados que se deslocam para grandes altitudes. Até uma
altura de 2.500 m, geralmente não aparecem manifestações; entre
3.000 e 4.000 m, as alterações são freqüentes, mas geralmente
não muito importantes; acima de 4.000 m, podem aparecer
transtornos graves. Adaptação às grandes altitudes induz aumento
do hematócrito, da quantidade do ácido 2,3-difosfoglicérico nos
eritrócitos (aumenta a liberação de O, para os tecidos), do número
de capilares nos músculos, cérebro e miocárdio, da quantidade de
mioglobina e do número de mitocôndrias nas células. Aumento
do ácido 2,3-difosfoglicérico aparece horas após a permanência
em grandes altitudes, enquanto as demais alterações demoram
de semanas a meses para se instalar.
As principais síndromes observadas nas pessoas não-adap-
tadas às grandes altitudes são: (1) doença aguda da altitude, que
pode aparecer quando se fica acima de 3.000 m, caracterizada
por dor de cabeça, lassidão, anorexia, fraqueza e dificuldade para
dormir; (2) edema pulmonar e cerebral da altitude, que surge em
algumas pessoas em altitudes acima de 3.000 m. Sua gênese está
ligada a aumento da permeabilidade vascular pulmonar e cerebral
induzido pela hipóxia e, no pulmão, também pelo aumento da
pressão arterial pulmonar em virtude da vasoconstrição periférica
e aumento do débito do ventrículo direito; (3) edema sistêmico
das alturas, que atinge face e membros e é observado em algu-
mas pessoas, sobretudo mulheres, regredindo rapidamente com
o retorno a altitudes menores.
Variações súbitas da pressão atmosférica decorrentes de uma
explosão produzem lesão por meio do deslocamento abrupto do
ar, da água ou de um corpo sólido. Variação brusca de pressão é
denominada blast pelos autores de língua inglesa (blast gasoso,
blast líquido ou blast sólido). As lesões produzidas dependem
do tipo do órgão atingido: órgãos sólidos são mais resistentes,
mas órgãos ocos com conteúdo hidroaéreo são muito vulneráveis
pulmões e órgãos do tubo digestivo). Nos pulmões, observam-
e ruptura alveolar, hemorragias múltiplas, descolamento dos
epitélios brônquico e bronquiolar e edema acentuado.
Variações de Temperatura
O organismo suporta melhor o abaixamento do que a elevação
da temperatura corporal. Vários mecanismos termorreguladorespermitem ganhar ou perder calor, possibilitando adaptação
adequada a variações da temperatura ambiente. Nesta seção,
erão discutidos os mecanismos pelos quais as baixas ou altas
temperaturas produzem lesões e as alterações básicas que ocor-
rem no organismo submetido à exposição prolongada ao frio
ou ao calor.
AÇÃO LOCAL DE BAIXAS TEMPERATURAS. A ação do
frio localizada em uma parte do corpo produz lesões que depen-
dem da rapidez com que ocorre o abaixamento da temperatura e
se ela é suficiente ou não para congelar a água nos tecidos. Um
membro submetido por tempo prolongado a baixa temperatura
apresenta: (a) vasoconstrição, oligoemia, hipóxia e lesões de-
generativas decorrentes da redução do fornecimento de O,; (b)
lesão endotelial, causada pela hipóxia, que aumenta a permeabi-
lidade vascular e provoca edema; (c) se o resfriamento persiste,
a vasoconstrição aumenta, a anóxia se agrava e surge necrose na
extremidade do membro atingido, a qual tende a ser progressiva;
(d) com o aumento da intensidade do frio, desaparece o controle
nervoso da vasomotricidade, instalando-se vasodilatação arterio-
lar e venular. Com isso, surgem hiperemia e aumento da quanti-
dade de sangue no leito capilar e nas vênulas, mas a velocidade
circulatória diminui, razão pela qual a hipóxia se acentua; (e) se
a água se congela no interior das células, ocorre desequilíbrio
eletrolítico grave que altera funções vitais, como a respiração. e
muitas macromoléculas perdem sua atividade; tudo isso conduz
à morte celular. Cristalização da água intracelular é o principal
mecanismo de morte celular no congelamento rápido.
Etiopatogênese Geral das Lesões 53
Pela vasoconstrição, a região atingida fica pálida; se a tem-
peratura se eleva, a área torna-se vermelha e edemaciada por
causa de vasodilatação, aumento da perrneabilidade vascular e
quimiotaxia de células fagocitárias. A migração de leucócitos se
faz pela ação de mediadores liberados a partir da proteólise de
células mortas (peptídeos quimiotáticos), de mastócitos (hista-
mina, prostaglandinas e leucotrienos), da ativação da coagulação
e fibrinólise (fibrinopeptídeos) e, possivelmente, da estimulação
excessiva de terminações nervosas (substância P). Quando há
necessidade de congelar células (espermatozóides para insemi-
nação artificial, microrganismos para bancos de armazenamento,
células em cultura etc.), o congelamento é feito rapidamente em
nitrogênio líquido na presença de substâncias protetoras, não
ocorrendo cristalização da água intracelular. Assim, a célula pa-
ralisa suas atividades mas mantém intactas suas macromoléculas;
quando reaquecida, volta a funcionar normalmente.
EFEITOS SISTÊMICOS DO FRIO. O organismo submetido
a baixas temperaturas tenta se adaptar mediante produção de
maior quantidade de calor. A adaptação é temporária, e, se não
há proteção adequada, a temperatura corporal começa a abaixar,
instalando-se a hipotermia (considera-se hipotermia a tempera-
tura corporal abaixo de 35°C). Nessa situação, há vasoconstrição
periférica, palidez acentuada e redução progressiva da atividade
metabólica de todos os órgãos, especialmente do encéfalo e me-
dula espinhal. A causa de morte no resfriamento é geralmente
falência cardiorrespiratória por inibição dos centros bulbares que
comandam a respiração e a circulação. Lesões morfológicas nos
órgãos de pessoas falecidas por resfriamento são escassas.
AÇÃO LOCAL DE ALTAS TEMPERATURAS. A ação
local do calor produz lesões denominadas queimaduras, cuja
gravidade depende da extensão e da profundidade da lesão. O
calor causa lesão por vários mecanismos: (a) liberação de hista-
mina dos mastócitos, a qual produz vasodilatação e aumento da
permeabilidade vascular (edema); (b) liberação de substância P
das terminações nervosas aferentes; (c) ativação das calicreínas
plasmática e tecidual, com liberação de bradicinina, que aumenta
a vasodilatação e o edema; (d) lesão direta da parede vascular,
que pode aumentar o edema, produzir hemorragia e levar à trom-
bose de pequenos vasos, resultando em isquemia e necrose; (e)
ação direta sobre as células, produzindo degeneração hidrópica
quando a temperatura ultrapassa 52°C. Isso se deve ao aumento
do consumo de ATP, que acelera as reações enzimáticas sem
que haja aumento proporcional do fornecimento de oxigênio
(hipóxia relativa). Se a temperatura se eleva acima de 55°C,
há morte celular em decorrência da desnaturação das proteínas
e de modificações profundas das atividades metabólicas. Tais
alterações induzem a liberação de vários mediadores que levam
a modificações vasculares (hiperemia) e à saída de plasma e de
células do leito vascular, iniciando a reação inflamatória que
promove o reparo do dano produzido.
As queimaduras são classificadas em: (a) queimadura de pri-
meiro grau, caracterizada por hiperemia, dor e edema moderado
na pele, mas sem necrose; (b) queimadura de segundo grau, na
qual ocorrem necrose da epiderme e bolhas dermoepidérmicas;
(c) queimadura de terceiro grau, em que há necrose da epiderme
e da derme, podendo atingir os tecidos mais profundos. Atual-
mente, as queimaduras de primeiro e segundo graus têm sido
denominadas queimaduras parciais da espessura da pele, e as
queimaduras de terceiro grau, queimaduras totais ou completas
da espessura da pele.
54 Patologia Geral
De modo semelhante ao que ocorre nos traumatismos graves,
queimaduras extensas podem levar ao estado de choque, que nes-
ses casos tem componentes neurogênico (dor intensa), hipovolê-
mico (perda do plasma na área queimada) e resposta inflamatória
sistêmica (liberação de grande quantidade de mediadores na área
atingida). Não é rara a infecção na área queimada, podendo ser
seguida de septicemia por causa da redução dos mecanismos
de defesa locais e sistêmicos, pois há diminuição da imunidade
celular, da capacidade de produzir anticorpos, dos níveis séricos
de complemento (por ativação excessiva da via alternativa), dos
níveis plasmáticos de fibronectina (proteína opsonizadora) e da
atividade dos macrófagos.
EFEITOS SISTÊMICOS DE ALTAS TEMPERATURAS.
Se o indivíduo é submetido a temperaturas elevadas (excesso
de sol, proximidade de caldeiras ou de fornos de fundição etc.),
pode haver elevação progressiva da temperatura corporal, o que
se denomina hipertermia. Quando a temperatura corporal atinge
ou ultrapassa 40°C, há vasodilatação periférica, fechamento das
anastomoses arteriovenulares, abertura dos capilares e seqüestro
de grande quantidade de sangue na periferia, iniciando o quadro
de insuficiência circulatória periférica (choque térmico clássi-
co). O estado de insuficiência circulatória se agrava quando há
sudorese profusa, que leva à redução do volume plasmático. Em
geral, o choque térmico é favorecido pelo uso de drogas que
inibem a sudorese (anticolinérgicos, (3-bloqueadores), diuréticos
e substâncias que aumentam a produção de calor (anfetaminas,
cocaína). A hipóxia decorrente da insuficiência circulatória causa
lesões no sistema nervoso, podendo o paciente apresentar menin-
gismo e convulsões, facilitados pelo abaixamento do limiar de
excitabilidade dos neurônios induzido pela alta temperatura. Se
a hipertermia decorre de exercício forçado em ambiente quente,
as conseqüências são ainda mais graves (choque térmico do
exercício físico): maiores são a desidratação e o desequilíbrio
eletrolítico, com instalação de hipocalemia e acidose lática (de-
vido à produção de ácido lático nos músculos exercitados). Pode
haver rabdomiólise com mioglobinúria e, às vezes, coagulação
intravascular disseminada, culminando com insuficiência de
múltiplos órgãos e morte.
A hipertermia maligna é doença de herança autossômica
dominante na qual a exposição a anestésicos e succinilcolina
dispara a liberação maciça de Ca'" no retículo sarcoplasmático
das fibras esqueléticas, causando tremores incontrolados e ex-
cessiva produção de calor, de lactato e de CO? (acidoselática e
respiratória), além de elevar os níveis séricos de K+ e de creati-
nofosfoquinase. O defeito genético é uma mutação no gene que
codifica uma proteína que interfere no controle do transporte do
Ca'" no retículo sarcoplasmático.
Corrente Elétrica
A eletricidade produz lesões quando a corrente elétrica passa
pelos tecidos completando o circuito entre dois condutores. Os
efeitos lesivos da corrente elétrica decorrem de dois mecanismos:
(1) disfunção elétrica dos tecidos, que ocorre especialmente no
miocárdio, músculos esqueléticos e tecido nervoso; (2) produção
de calor, de acordo com a resistência oferecida pelos tecidos.
Esses efeitos dependem de vários fatores, entre os quais: (a) tipo
de corrente; a alternada é mais lesiva do que a contínua (a corrente
de 60 ciclos usada no Brasil está na faixa de freqüência danosa
para o miocárdio e sistema nervoso); (b) quantidade de corrente
que passa pelo corpo, dependente da voltagem e da resistência.
A intensidade da corrente medida em ampêres é diretamente
proporcional à voltagem e inversamente proporcional à resis-
tência; (c) trajeto seguido pela corrente, pois corrente alternada
de pequena amperagem pode ser fatal se passa pelo encéfalo
ou pelo coração; (d) duração da agressão, visto que a liberação
de calor é tanto maior quanto maior o tempo de passagem da
corrente; (e) superfície de contato: se pequena, pode produzir
queimadura profunda, porém, se na mesma intensidade mas em
superfície grande, pode não lesar a pele. Uma criança que coloca
um fio desencapado na boca pode sofrer queimadura grave nos
lábios; se a mesma corrente atinge um indivíduo imerso em uma
banheira, produz morte sem que haja lesões por queimadura (a
pele molhada conduz melhor a eletricidade e oferece menor
resistência).
As descargas elétricas das tempestades (raios) formam cor-
rentes elétricas em várias direções, produzindo queimaduras de
forma arborescente mais ou menos típicas. Nesses casos, a morte
se dá por parada cardiorrespiratória. Quando a descarga é muito
intensa, há produção de grande quantidade de calor nos órgãos
internos, com vaporização da água e consecutiva ruptura das
vísceras, inclusive dos vasos sanguíneos.
Radiações
As radiações são emissões de energia que se propagam como
ondas eletromagnéticas ou como partículas. As radiações ele-
tromagnéticas são classificadas de acordo com o comprimento
de onda e com a freqüência, formando um espectro que-varia
de grandes comprimentos de onda e baixa freqüência (ondas
hertzianas ou ondas de rádio, microondas), até as de pequeno
comprimento de onda e alta freqüência, como os raios gama e
os raios X. A radiação ultravioleta, a luz visível e os raios infra-
vermelhos estão entre esses extremos. O poder de penetração
das radiações eletromagnéticas é inversamente proporcional ao
comprimento de onda; as mais penetrantes são os raios X e os
raios gama, tendo as radiações ultravioleta baixíssimo poder de
penetração.
As radiações particuladas originam-se artificialmente pela
aceleração de partículas subatôrnicas ou formam-se naturalmente
pela decomposição espontânea de elementos radioativos. As
radiações particuladas (partículas radioativas) mais importantes
são radiações alfa e beta, neutrinos, deutérios e mésons.
As radiações naturais são encontradas na atmosfera (raios
cósmicos, que contêm o espectro ultravioleta) ou na crosta
terrestre e originam-se de elementos naturalmente radioativos,
como urânio, tório, rádio, estrôncio, polônio, césio e tecnécio.
As radiações naturais representam uma radiação basal de cerca
de 102 rnREM e são responsáveis por 0,25-0,50% das doenças
genéticas na espécie humana.
As lesões produzidas por radiações ionizantes em humanos
decorrem de: (a) inalação ou ingestão de poeira ou alimentos
que contêm partículas radioativas, o que ocorre em trabalhadores!
de minas em que são abundantes os minerais radioativos, como
o rádio; (b) exposição a radiações com fins terapêuticos ou
diagnósticos; (c) contato acidental com radiações emanadas de
artefatos nucleares como reatores, aparelhos de radioterapia ou
de radiodiagnóstico; (d) bombas nucleares, de forma lamentável.
Como o efeito das radiações ionizantes é o mesmo, independen-
temente da fonte ou do tipo de radiação, serão discutidos apenas
os aspectos gerais dos mecanismos pelos quais as radiações
produzem lesões, sem a preocupação de estudar os aspectos
específicos das doenças por irradiação.
As radiações ionizantes lesam os tecidos por dois mecanismos
, ásicos: (1) ação direta sobre as macromoléculas, especialmente
proteínas, lipídeos, carboidratos e ácidos nucléicos, nas quais
podem produzir quebras, novas ligações e ionização de radicais,
alterando a função dessas moléculas; (2) ação indireta, produ-
zindo radicais livres a partir da ionização da água (radicais 0,*,
OH*, HP2)' -
F~TORES QUE INTERFEREM NAS LESÕES. As lesões
produzidas pelas radiações dependem de vários fatores, entre os
quais: (a) dose e tempo de exposição; doses repetidas são mais le-
sivas do que a mesma dose aplicada de uma só vez; (b) oxigenação
dos tecidos, pois, quanto maior a disponibilidade de O2, maior a
radiossensibilidade; (c) substâncias radiossensibilizantes, como os
análogos das bases orgânicas pirirnídicas, aumentam o poder lesivo
das radiações; (d) elementos que removem radicais livres, como a
cisteína e a cisteamina, exercem efeito radioprotetor; (e) diferentes
fases do ciclo celular tomam as células mais ou menos radiossen-
íveis: células em G2 ou em M são mais sensíveis do que as em G],
enquanto a menor sensibilidade é vista nas células no final da fase S.
Os tecidos com maior atividade mitótica são geralmente os
mais radiossensíveis e os primeiros a apresentar alterações após
radiações (no Quadro 3.8 estão listados alguns tecidos em ordem
de sensibilidade às radiações ionizantes). Como muitos cânceres
são formados por células com alta atividade mitótica, a radioterapia
é muito utilizada no seu tratamento. Todavia, a radiossensibilidade
dos tumores malignos é variada, havendo alguns mais e outros
menos radiossensíveis. Há cânceres radiossensíveis e cânceres
radiocuráveis; os últimos podem ser erradicados com a radiote-
rapia; os tumores radiossensíveis sofrem grande regressão após
radioterapia, mas esta não elimina todas as células cancerosas.
EFEITOS LOCAIS DAS RADIAÇÕES IONIZANTES.
Dependendo da dose e do tempo de irradiação, podem ser
observadas lesões agudas (imediatas), lesões crônicas e lesões
tardias. Na fase aguda, encontram-se: (1) lesões degenerativas,
que vão desde degeneração hidrópica até necrose. Se são célu-
las com grande atividade mitótica, há inibição da proliferação
e aparecimento de mitoses atípicas. Além disso, são freqüentes
células com núcleos pleomórficos resultantes de aneuploidia e
poliploidia. Células gigantes, com núcleos bizarros, são também
comuns. Tais aberrações nucleares podem trazer dificuldades ao
patologista que examina tecidos após irradiação para verificar a
Quadro 3.8 Radiossensibilidade dos tecidos
Níveis de
radiossensibilidade Tipo de tecido
Muito alta Linfóide, hematopoético (medula óssea),
gônadas (células da espermatogênese e
folículos ovarianos)
Epitélio gastrintestinal, folículos pilosos,
epitélio alveolar, epitélio tubular renal
Endotélio, epitélios glandulares (mama,
pâncreas, glândulas salivares), epitélio da
bexiga, cartilagem e osso em crescimento,
tecido nervoso encefálico
Osso e cartilagem maduros, nervos
periféricos
Alta
Média
Baixa
Etiopatogênese Geral das Lesões 55
possível persistência de células cancerosas, que também possuem
núcleos pleomórficos e aberrantes. O estudo citogenético de célu-
las irradiadas revela todos os tipos de aberrações cromossômicas
conhecidas: quebras, deleções, translocações, inversões etc. A
análise dos descendentes dessas células pode mostrar o apare-
cimento das mais variadas mutações; (2)alterações vasculares,
muito freqüentes. Há vasodilatação e tumefação e vacuolização
de células endoteliais, que podem sofrer necrose. Além do au-
mento da permeabilidade vascular (edema), pode haver ruptura
da parede, hemorragia, formação de trombos e lesões decorrentes
de obstrução do vaso. Na fase tardia, os vasos apresentam pro-
liferação endotelial e fibrose hialina da parede, com redução de
sua luz. Dilatações vasculares (telangiectasias) podem persistir
por longo tempo; (3) migração de fagócitos (PMN e macrófagos)
para a região irradiada, atraídos pelos fatores quimiotáticos gera-
dos a partir do fibrinogênio (peptídeos de fibrina), da proteólise
de células mortas e das proteínas inflamatórias de baixo peso
molecular secretadas pelo endotélio, plaquetas, monócitos e
fibroblastos estimulados pela irradiação. Os fagócitos removem
as células mortas e iniciam os estímulos para a cicatrização.
As úlceras de irradiação na pele são de difícil cicatrização
por causa da inibição da regeneração do epitélio e da prolifera-
ção endotelial e fibroblástica. No processo de cura, há intensa
deposição de colágeno com tendência à hialinização. Fibrose
intersticial difusa, maior do que a esperada por lesões induzidas
por irradiações repetidas, é encontrada nos pulmões e coração
após irradiações múltiplas.
IRRADIAÇÃO TOTAL DO CORPO. Irradiação total do corpo
pode produzir desde pequenas alterações funcionais até doença
aguda grave, seguida de morte, além de complicações tardias como
aumento da incidência de câncer e aceleração do envelhecimento.
As lesões aparecem primeiro nos órgãos formados por tecidos mais
radiossensíveis. O Quadro 3.9 apresenta as manifestações que apare-
cem após irradiação total do corpo por diferentes doses de radiação.
Quadro 3.9 Efeitos da irradiação total do corpo
Dose da radiação
(em Rad) Efeitos esperados
10-50
50-100
Não-detectá vei s
Vômitos e náuseas por um dia (20% dos
expostos), fadiga, leucopenia transitória
Vômitos e náuseas (> 50% dos expostos),
neutropenia acentuada
Vômitos e náuseas (em 100% dos expostos),
diarréia, enterorragia, perda do apetite,
morte de 20% dos expostos entre 2 e 6
semanas, pancitopenia grave (75% de
redução das células do sangue)
Mesmas manifestações gerais em 24 horas,
morte de 50% dos expostos em 30 dias.
Mesmas manifestações após 4 horas, morte
de 100% dos expostos em 3 meses
Mesmas manifestações gerais em 1 ou 2
horas, morte de 100% dos expostos em
alguns dias
Manifestações imediatas, morte em 100% dos
expostos em I semana
100-200
200-350
350-550
550-750
1.000
5.000
56 Patologia Geral
Pessoas que sobrevivem à irradiação total do corpo apre-
sentam, anos depois, sinais de envelhecimento acelerado.
Camundongos irradiados também têm redução significativa da
expectativa de vida. Não se sabe se isso decorre de possíveis
mutações em genes que controlam os processos do envelheci-
mento ou se é devido a alterações vasculares observadas após
a irradiação (proliferação endotelial e fibrose da parede), que
reduzem a nutrição dos tecidos.
IRRADIAÇÃO E CÂNCER. O papel das radiações ionizantes
na etiologia do câncer é inquestionável. Observações experi-
mentais e epidemiológicas mostram aumento da incidência de
diversos tipos de câncer, em tempos diversos, após determinadas
doses de radiação. O período de latência entre a irradiação e o
aparecimento do câncer é variável, e é menor para os tumores do
sistema hemolinfopoético (leucemias e linfomas). O mecanismo
de ação das radiações para produzir transformação maligna está
ligado à capacidade que elas têm de induzir mutações gênicas,
translocações ou deleções cromossômicas, podendo alterar,
qualitativa ou quantitativamente, genes relacionados a neoplasias
(oncogenes, genes supressores de tumor etc., como será descrito
·no Capo 8).
IRRADIAÇÃO DO CORPO NO PERÍODO PRÉ-NATAL
E DE CRESCIMENTO PÓS-NATAL. Se a irradiação ocorre
na fase de blástula e, portanto, antes da implantação do ovo, é pos-
sível que haja eliminação do embrião sem que a mãe perceba ter
ocorrido a sua formação. Irradiação no período embrionário pode
acarretar grande número de malformações, dependendo do estágio
de desenvolvimento do embrião, pois é nessa época que ocorre a
formação das estruturas básicas do corpo. Durante esse período, é
comum o abortamento após irradiação. Irradiação durante o período
fetal pode também determinar manifestações só observadas após o
nascimento: redução de células neuronais, levando a retardo mental;
depleção de células gonadais, causando disfunção reprodutiva; alte-
ração nas áreas de crescimento dos ossos, resultando em distúrbios
do crescimento pós-natal; e aumento na incidência de cânceres na
infância e adolescência, especialmente leucemias e linfomas.
Luz Solar
A luz solar contém um amplo espectro de radiações, que vão
desde pequenos comprimentos de onda (radiações cósmicas) até
comprimentos de onda ao nível das ondas hertzianas. Radiação
infravermelha produz calor, e em parte é responsável pelas quei-
maduras solares. No entanto, são as radiações ultravioleta as mais
importantes e potencialmente as mais lesivas. Além dos demais
efeitos descritos a seguir, os raios UV diminuem o número de
células de Langerhans da epiderme e reduzem a resposta imuni-
tária local e sistêmica, especialmente a imunidade celular.
Existem três faixas de ultravioleta: < 290 nm (UVC), entre
290-320 nm (UVA) e entre 320-400 nm (UVB). Os raios UVC
são absorvidos na camada de ozônio e não chegam à superfície da
Terra (a proteção da camada de ozônio tem, pois, grande impor-
tância para as pessoas). Os raios UVA e UVB são os responsáveis
pelas lesões provocadas pela luz solar, que podem ser agudas ou
crônicas. Entre as agudas, tem-se hipertermia (insolação, inter-
mação por choque térmico) e queimaduras. Estas se manifestam
por eritema, edema e, mais raramente, formação de bolhas; em
seguida, surgem descamação e hiperpigmentação.
Os efeitos crônicos são mais importantes. Os raios UVB têm
ação melanogênica, induzem pigmentação, são os responsáveis
principais pelos fenômenos de fotossensibilização, associam-se
a envelhecimento acelerado e provocam lesões proliferativas,
incluindo neoplasias. Agindo por período prolongado, os raios
UVB induzem enrugamento da pele, que se torna progressi-
vamente coriácea (como pele curtida), e, portanto, o chamado
envelhecimento cutâneo precoce. Isso se deve a degeneração e
fragmentação das fibras elásticas da derme e, conseqüentemente,
a modificações nas propriedades elásticas da pele (daí o enruga-
mento) e a telangiectasias. Os raios UVA causam degenerações
em células da epiderme e alterações em seu DNA, o que pode
provocar lesões proliferativas benignas (ceratose actínica) ou
de malignidade variável (epitelioma basocelular, carcinoma de
células escamosas e melanomas).
A relação entre radiação solar e câncer da pele parece inques-
tionável: os carcinomas são mais freqüentes nas partes da pele
expostas à luz solar e, nos lábios, são mais comuns no inferior
do que no superior. A ação carcinogênica dos raios UV se deve
à formação de dímeros de timina nas moléculas de DNA. Quase
sempre essa mutação é corrigida por produtos dos genes de reparo
do DNA; quando isso não ocorre, as mutações são transmitidas às
células-filhas e podem resultar no aparecimento de um câncer.
FOTOSSENSIBILIZAÇÃO. Reações de fotossensibilização
são as induzidas por substâncias que se depositam na pele e,
por absorverem raios UV, podem ser ativadas, originar radicais
livres e ter efeitos tóxicos sobre as células epidérmicas; com
isso, produzem eritema, edema e, às vezes, bolhas, exacerbando
assim os efeitos da luz. Essa seqüência constitui uma reação do
tipo fototóxica. Outras vezes, uma substância se deposita na
pele e, por ação dos raios UV, é ativada e forma radicais que
funcionam como haptenos, os quais se ligam a proteínas da
epidermee induzem uma resposta imunitária do tipo celular,
desencadeando reações semelhantes às da dermatite de contato.
Surge eczema, em geral dias após a exposição à droga e à luz
solar, período em que se está montando a resposta imunitária. O
quadro é de uma dermatite eczematosa, com vermelhidão, edema,
prurido e formação de bolhas. Trata-se de uma reação tipicamente
fotoalérgica. Há drogas que são eminentemente jototóxicas,
como os fenotiazínicos, os psoralenos e o metotrexato, e outras
predominantemente jotoalérgicas, como a quinidina e o quinino;
outras ainda podem ter os dois efeitos, como as sulfonamidas e os
ciclamatos. Quando o produto fotossensibilizador é de natureza
vegetal, fala-se emfitojotodermatose (comum após contato com
folhas de figo, sumo do limão etc.).
A fotossensibilização pode ocorrer em doenças sistêmicas,
como lúpus eritematoso, no qual a exposição aos raios UV
pode induzir atividade da doença. Nas portirias, os depósitos de
protoporfirinas na pele induzem lesões fototóxicas; na pelagra,
há exacerbação dos efeitos epidérmicos da radiação solar, com
aparecimento de eritema, edema e hiperpigmentação.
Som (Ruídos) )
Observações epidemiológicas indicam que uma pessoa sub-
metida a ruídos fortes (no ambiente de trabalho, em casa, nas
ruas) apresenta distúrbios de audição caracterizados por perda
progressiva da capacidade de distinguir sons de freqüência mais
alta. Admite-se que ruídos muito altos induzam lesões nas células
ciliadas do órgão de Corti, que são responsáveis pela acuidade
auditiva. É fato bem conhecido que indivíduos idosos da zona rural
(menos ruídos) têm audição mais conservada do que os idosos dos
grandes centros urbanos, onde o nível de ruídos é maior.
lTRA-SOM. o ultra-som, gerado pela transformação de
_ ergia elétrica em ondas sonoras com freqüência acima de
::. .000 Hz, é muito utilizado no diagnóstico por imagens (ultra-
nografia). Até o momento, não há relatos de efeitos deletérios
- orrentes da ultra-sonografia, inclusive na vida embrionária.
ultra-sonografia tem sido utilizada também no tratamento
-sioterápico de dores musculares espasmódicas e como método
lerador de cicatrização, com resultados discutíveis.
\
ndas de Rádio. Microondas. Campos
etromagnéticos em Redes de Alta Tensão
A ampla utilização do telefone celular possibilita que micro-
das sejam capturadas e emitidas junto ao crânio, tendo sido
'antada a hipótese de que pudessem chegar aos tecidos moles,
lusive ao sistema nervoso central, onde poderiam induzir
plasias. Estudos experimentais sobre os efeitos biológicos
sas ondas em células em cultura mostram que, além do
~feito térmico (transferência de energia), podem ser observadas
terações na expressão de alguns genes, com modificações no
_ 10 celular. No entanto, os estudos epidemiológicos feitos até o
mento, com amostras bem-controladas, em várias regiões do
undo, ainda não demonstraram aumento de risco para gliomas,
ningiomas ou tumores da parótida. Os poucos estudos que
straram aumento do risco para essas ou outras neoplasias
ão muito questionados quanto às amostras utilizadas. Alguns
estudos experimentais bem-conduzidos em roedores também não
straram relação entre efeitos das ondas de radiofreqüência
~ microondas ou campos eletromagnéticos estáticos e câncer.
efeito térmico dessas ondas (ablação por radiofreqüência) é
.:tilizado como terapêutica de tumores.
Agentes Biológicos como
Causa de Lesão
Os agentes biológicos incluem vírus, riquétsias, micoplasmas,
clamídias, bactérias, fungos, protozoários e helmintos. Todos eles
podem invadir o organismo e produzir doenças, conhecidas em
conjunto como doenças infecciosas. Também existem artrópo-
des que podem invadir a superfície do corpo (ectoparasitas) e
provocar lesões. Nesta seção, serão discutidos apenas os aspec-
os gerais de como um agente biológico produz lesão tecidual,
abordando-se os elementos comuns de agressão para cada grande
grupo de agentes infecciosos. Os textos de Parasitologia, de Mi-
robiologia e de Infectologia tratam das particularidades sobre
os mecanismos de agressão de cada agente infeccioso.
Um agente biológico pode produzir lesão por meio dos se-
guintes mecanismos: (1) ação direta, pela invasão das células, nas
quais prolifera e cuja morte pode causar. É o efeito citopático,
que pode ocorrer por infecção com muitos microrganismos,
especialmente vírus e alguns tipos de riquétsias, bactérias e pro-
tozoários; (2) substâncias tóxicas (toxinas) liberadas pelo agente
infeccioso. São as exotoxinas de bactérias, de micoplasmas e de
alguns protozoários; (3) componentes estruturais ou substâncias
armazenadas no interior do agente biológico e liberadas após sua
morte e desintegração. São as toxinas endógenas ou estruturais,
também chamadas endotoxinas; (4) ativação de componentes
do sistema proteolítico de contato de células fagocitárias e endo-
teliais, iniciando uma reação inflamatória no local da invasão.
Inflamação é a lesão mais freqüente nas doenças infecciosas e
será estudada no Capo 7; (5) indução de resposta imunitária aos
Etiopatogênese Geral das Lesões 57
diferentes antígenos do agente infeccioso (antígenos de superfí-
cie, de estrutura ou de excreção). A resposta imunitária humoral
ou celular, indiscutivelmente importante na defesa contra os
invasores, é um dos mecanismos básicos na patogênese das le-
sões por eles produzidas; (6) antígenos do agente invasor podem
aderir à superfície celular ou de outras estruturas teciduais, que se
tornam alvo da ação de anticorpos e da imunidade celular dirigida
aos epítopos desses antígenos; (7) antígenos do microrganismo
podem ter epítopos semelhantes a moléculas dos tecidos, e, nesse
caso, a resposta imunitária dirigida àqueles epítopos dirige-se
também contra componentes similares existentes nos tecidos; é
o fenômeno de auto-agressão. Todos esses mecanismos agem
com maior ou menor intensidade de acordo com a constituição
genética do organismo, já que é esta que condi ciona a existência
de receptores para diferentes toxinas e o tipo de resposta irnuni-
tária aos diferentes antígenos. Também de grande influência na
pato gênese das lesões são as condições biológicas do organismo
no momento da invasão pelo microrganismo (estado nutricional,
lesões preexistentes etc.).
Lesões Produzidas por Vírus
Para penetrarem nas células, os vírus se ligam a receptores
da superfície celular, razão pela qual há vírus espécie-específi-
cos e vírus célula-específicos. Muitos vírus utilizam receptores
celulares com funções específicas: o HIV usa a molécula CD4
dos linfócitos Te os receptores CXCR5, o vírus de Epstein-Barr
utiliza receptor para o C3b nos linfócitos B, o vírus da polio-
mielite se liga ao receptor colinérgico etc. Em geral, os vírus
penetram nas células por endocitose ou por fusão do envelope
com a membrana plasmática; raramente ocorre penetração direta
através da membrana. Como necessitam de digestão prévia do
seu envelope para penetrar nas células, muitos vírus precisam
ser previamente fagocitados ou devem encontrar nos tecidos en-
zimas capazes de digerir seu envoltório. Penetrando nas células,
o ácido nucléico viral é liberado e pode ou não se integrar ao
genoma celular. Independentemente de integração ao genoma, o
ácido nucléico viral entra em replicação e passa a comandar os
principais mecanismos de síntese da célula, agora dirigidos para a·
produção dos componentes do vírus. A montagem do vírus se faz
no citoplasma, onde seu ácido nucléico é envolto por proteínas
do capsídeo; sua saída pode se dar após a morte da célula ou por
eliminação ativa através da membrana (exocitose).
Uma doença viral se inicia com a entrada do vírus no organis-
mo, que se faz pelo tubo digestivo, vias respiratórias, inoculação
na pele, picada de artrópodes, mordida de animais ou soluções
de continuidade deixadas por pequenos traumatismos; nesse pro-
cesso, o vírus necessita venceras barreiras naturais existentes na
pele e mucosas. O encontro de receptores específicos nas células
epiteliais (no vírus da influenza, a molécula hemoaglutinante
existente no capsídeo adere a resíduos de ácido siálico do epitélio
respiratório) e a produção de enzimas como a neuraminidase são
alguns fatores que podem favorecer a invasão viral.
A disseminação do vírus se faz por via sanguínea, linfática
ou axônica. Alguns são lançados livres na circulação (vírus da
hepatite B), outros se disseminam em células do sangue (HIV em
linfócitos e macrófagos, citomegalovírus em monócitos). Outros
vírus, como o da raiva, penetram nas terminações nervosas no
local da inoculação e chegam ao sistema nervoso central através
de um fluxo axônico retrógrado; mecanismo semelhante é utiliza-
do pelo vírus do herpes, que, a partir das células ganglionares, se
dirige ao epitélio da pele através dos axônios das fibras nervosas.
A infecção de células distantes do sítio de inoculação depende
58 Patologia Geral
de receptores específicos ou de enzimas tecido-específicas que
influem no chamado tropismo tecidual dos vírus.
Chegando às células e nelas penetrando, o vírus pode pro-
duzir: (1) infecção abortiva, na qual o agente não consegue
se replicar nem causar lesão grave, mas pode se integrar ao
genoma celular e provocar transformação maligna tardiamente;
(2) infecção persistente, com síntese contínua e eliminação do
vírus, produzindo a chamada infecção lenta ou arrastada, com
lesões celulares cumulativas que demoram a ter expressão
clínica (são as viroses lentas); (3) infecção latente, em que
o vírus se incorpora ao genoma do hospedeiro e permanece
quiescente até ser estimulado a entrar em atividade; não causa
lesão celular imediata mas pode levar a transformação celular
mais tarde; (4) infecção lítica, na qual o vírus prolifera e causa
morte da célula hospedeira.
Além de Iise da célula hospedeira, o efeito citopático do vírus
pode se manifestar também pelo aparecimento de outros tipos
de lesão: (1) fusão de células formando sincícios, fenômeno
comum em certas infecções viróticas do sistema respiratório e
nas hepatites virais da infância. A fusão se dá por inserção de
. proteínas virais na superfície celular, possibilitando a fusão das
membranas citoplasrnáticas; (2) modificações no citoesqueleto
celular decorrentes de alterações nos microfilamentos e mi-
crotúbulos, que se refletem em modificações nos cílios, como
acontece em infecções respiratórias; (3) acúmulo de partículas
virais completas ou incompletas, formando corpúsculos de in-
clusão no citoplasma ou no núcleo. Tais corpúsculos são muito
importantes no diagnóstico morfológico de algumas viroses,
como raiva, infecção herpética, infecção pelo citomegalovírus
etc.; (4) vacuolização de células epiteliais, chamada coilocitose,
freqüente na infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV);
(5) indução de apoptose.
Os vírus produzem lesões também por mecanismos indire-
tos, entre os quais os imunitários são os mais importantes. Os
antígenos virais (proteínas do envelope ou do capsídeo) são
obrigatoriamente expressos na membrana plasmática da célula
hospedeira, já que são sintetizados pela mesma via de síntese dos
componentes das membranas celulares. Em geral, a infecção é
seguida da produção de interferons alfa e beta, que favorecem a
expressão de MHC I na célula infectada, aumentando a quanti-
dade de antígeno viral associado a essas moléculas na membrana
celular. Por outro lado, fragmentos de DNA ou RNA viral são
reconhecidos em receptores TLR no retículo endoplasmático,
capazes de ativar não só genes pró-inflamatórios como também
fatores de transcrição para genes de IFNa e IFN~. A lise das
células infectadas se faz por: (a) linfócitos T cito tóxicos que
reconhecem epítopos via MHC I; (b) linfócitos Thl estimulados
pelos antígenos virais liberam fatores citotóxicos (linfotoxina ou
TNF~) ou estimuladores de macrófagos, que, uma vez ativados,
também liberam fatores citotóxicos para a célula infectada; (c)
células NK matam células infectadas que reduziram ou anularam
a expressão de MHC I; (d) anticorpos lisam a célula infectada por
ativar o sistema complemento ou por promover citotoxicidade
mediada por células dependente de anticorpos (ADCC). Por tudo
isso, a célula pode ser lesada e morta mesmo que o vírus não
tenha efeito citopático. A destruição da célula infectada é indis-
pensável para a erradicação da infecção, já que os anticorpos só
podem neutralizar os vírus ou opsonizá-los se os encontrar livres
no interstício ou na circulação, o que acontece quando a célula
infectada é destruída. A Fig. 3.18 ilustra as principais interações
dos vírus com as células.
As infecções virais sempre evocam resposta imunitária ce-
lular. A inflamação subseqüente caracteriza-se por infiltrado de
leucócitos mononucleares (linfócitos e macrófagos), com pouca
participação de neutrófilos. Em muitas viroses, a lesão celular
depende essencialmente da agressão imunitária, como ocorre nas
hepatites B e C. Imunocomplexos podem se formar no local da
infecção, inclusive no interior da microcirculação, onde induzem
a formação de trombos que obstruem vasos. Imunocomplexos
são responsáveis às vezes pelo agravamento da lesão (na hepatite
fulminante pelo vírus B, esse é um possível mecanismo patoge-
nético da necrose maciça que ocorre na doença). A formação de
imunocomplexos circulantes pode levar ainda à sua deposição
nos tecidos, onde produzem lesões inflamatórias (na hepatite B,
alguns pacientes podem apresentar artrite, causada possivelmente
pela deposição de imunocomplexos nas articulações).
Lesões Produzidas por Bactérias
A capacidade das bactérias de produzir lesões, denominada
patogenicidade ou virulência, depende da expressão de genes
existentes no cromos somo bacteriano ou em um plasmídeo que
codificam os chamados fatores de virulência; estes caracterizam
as formas ou cepas virulentas das bactérias, os quais muitas
vezes agem por mecanismos ainda desconhecidos. Na maioria
das bactérias, os fatores de virulência estão relacionados a: (1)
facilitação da invasividade do microrganismo; (2) inibição de
fatores humorais inespecíficos de defesa; (3) inibição da res-
posta imunitária protetora; (4) resistência à ação de fagócitos;
(5) produção de toxinas.
A pele e as mucosas constituem importante barreira protetora
contra a invasão de bactérias. Nelas, há componentes mecânicos
(ceratina), químicos (secreção sebácea, secreções digestivas e
muco), imunitários (IgA secretora e tecido linfático associado a
mucosas ou à pele) e biológicos (microbiota residente normal).
Para penetrar na pele, as bactérias necessitam encontrar uma so-
lução de continuidade ou ser inoculadas, pois não há penetração
ativa. Entre os mecanismos utilizados para facilitar a invasão
bacteriana, tem-se: (1) produção de substâncias antibióticas
(bacteriocinas), que eliminam componentes da flora normal e
favorecem a competição para o microrganismo externo, espe-
cialmente a aderência sobre as células epiteliais; (2) liberação
de enzimas (proteases, glicosidases, hialuronidases, neuramini-
dases), que facilitam a passagem da bactéria através do muco
e glicocálice e sua disseminação no interstfcio; (3) moléculas
de adesão, que permitem à bactéria reconhecer estruturas na
superfície das células e a elas aderir. Essas moléculas ficam na
superfície das bactérias em componentes especiais denominados
fímbrias ou pilli. Nos estreptococos, que não possuem fímbrias,
o ácido teicóico da parede celular associado à proteína M forma
a estrutura de adesão que reconhece resíduos de carboidratos
na superfície de células epiteliais. O ácido teicóico é t'~mbém o
ligante para aderência à fibronectina. E. coli e gonococos aderem
às células utilizando fímbrias. A aderência é geralmentd bastante
específica, explicando o tropismo de determinadas bacÜrias para
certos locais. Muitas vezes, a produção de toxinase sua liberação
dependem do fenômeno da aderência. O vibrião do cólera, por
exemplo, desloca-se no muco com auxílio do flagelo e adere ao
epitélio pelas fímbrias localizadas na extremidade aflagelar. A
adesão é também importante para o contato da bactéria com a
célula, sem o que a toxina liberada não teria condições de agir.
O gene que controla a síntese da adesina nessa bactéria está
intimamente relacionado ao que controla a síntese da toxina
o
o
~ePlicação o
0008000Proteínas :IiJi!lMMf(Fvirais ~ Neoplasia
\: '\ Inclusões
Alterações
funcionais
J
B
I
~.v
~~~\~~~~~~l~*~p p~~~Li~ed~~r~
celula ~ -..
Efeitocitopático
direto do vírus
Etiopatogênese Geral das Lesões 59
A
o o
g
~o~
.~ .1
NKC '\. /
Efeitocitopático ~
da resposta ~
imunitária M<I>
c
Fig. 3.18 Mecanismos gerais de lesões celulares induzidas por vírus. A. Após penetração na célula, o vírus multiplica-se no citoplasma e antígenos
virais são expostos na membrana. B. A célula pode sofrer lise em decorrência da multiplicação do vírus. C. O vírus não mata a célula, mas os
antígenos virais, situados na membrana celular, são reconhecidos por anticorpos, que ativam o complemento (C') ou induzem citotoxicidade celular
mediada por anticorpos (ADCC), causando a morte da célula. Células NK (NKC) e linfócitos T citotóxicos (Te) reconhecem a célula infectada e
a matam. Macrófagos (M<t» estimulados pelo IFN')' produzem radicais livres e secretam enzimas que também agridem a célula contendo o vírus.
Os mecanismos imunitários podem matar a célula por necrose lítica (Iise) ou por indução de apoptose.
do cólera, e esses dois fatores (adesão e toxina) são os mais
importantes na virulência do vibrião colérico. Ao lado da adesão
específica, existe outra inespecífica, criada por moléculas que
conferem hidrofobicidade à superfície bacteriana; quanto mais
hidrofóbica é a superfície da bactéria, mais fácil a sua adesão à
superfície celular.
Muitos fatores favorecem a sobrevivência de bactérias nos
indivíduos infectados. Bactérias podem liberar proteases especí-
ficas que digerem IgA (p. ex., gonococo), como podem produzir
fatores que estimulam a coagulação ou a fibrinólise, agentes
que ativam o complemento via C3 ou via Cl, ou, ainda, fatores
que podem se ligar ao Fc dos anticorpos, como a proteína A do
estafilococo. Muitas bactérias liberam, em tempos sucessivos,
diferentes antígenos de superfície, o que pode reduzir a eficácia da
resposta imunitária; outras causam imunossupressão por agirem
sobre células T ou sobre fagócitos, alterando os mecanismos de
apresentação dos antígenos. Muitas outras não são facilmente
fagocitáveis e/ou digeríveis porque apresentam uma cápsula
polissacarídica, hidrofílica (p. ex., pneumococo); outras, como o
M. tuberculosis, inibem a fusão do fagossomo com o lisossomo;
outras bloqueiam a explosão respiratória do fagócito, evitando a
produção de radicais livres de O,; outras, ainda, produzem grande
quantidade de peroxidase, catalase e superóxido-dismutase, as
quais reduzem a H202 e radicais livres capazes de lisá-las; há
algumas, como o M. leprae, que sobrevivem dentro dos fagoli-
sossomos, resistindo a todos os fatores microbicidas aí existentes.
Muitas bactérias, portanto, podem resistir parcialmente aos efeitos
microbicidas dos fagócitos; contra elas, o organismo se defende
mediante a instalação de uma resposta imunitária para ativar os
fagócitos e para desenvolver mecanismos rnicrobicidas capazes de
destruí-Ias. Se a resposta não é adequada, a bactéria multiplica-se
e origina uma doença. A hanseníase, causada pelo M. leprae, é
um bom exemplo dessa situação; ela decorre da incapacidade do
organismo de montar uma resposta imunitária eficaz para tomar
os macrófagos capazes de matar a rnicobactéria. Isso indica que a
hanseníase é uma doença que depende da ação não só da bactéria
como também de fatores endógenos do hospedeiro, fato aliás
comum em muitas outras doenças infecciosas.
60 Patologia Geral
TOXINAS BACTERIANAS. Exotoxinas, produzidas por
bactérias Gram-positivas e Gram-negativas, são proteínas sin-
tetizadas e liberadas pelas bactérias durante a fase exponencial
de seu crescimento e que têm efeito citopático; endotoxinas,
lipopolissacarídeos (LPS) de bactérias Gram-negativas, são
liberadas após desintegração da bactéria.
As exotoxinas recebem nomes diversos de acordo com o alvo
que atingem (neurotoxina, enterotoxina), com o mecanismo de
ação (toxinas com atividade de ADP ribosiltransferase) ou com
o efeito biológico produzido (toxina dermonecrótica, toxina he-
molítica etc.). Uma exotoxina tem dois componentes estruturais
básicos: um com atividade enzimática, responsável pelo efeito
tóxico (componente A), e outro que se liga à célula-alvo (compo-
nente B). A atividade da toxina depende inicialmente da ligação
com a superfície da célula, o que se faz em geral em resíduos de
carboidratos de gangliosídeos da membrana (a toxina do cólera
se liga à GM\, a do tétano à GT\ e a botulínica à GDj). Depois,
a toxina é internalizada por endocitose.
As endotoxinas têm enorme importância em muitos processos
patológicos: (a) ativam os sistemas complemento, coagulação
sanguínea, fibrinólise e de cininas; (b) após reconhecimento
.em TLR, são potentes estimuladores da liberação de citocinas
inflamatórias, sobretudo TNFa e IL-l; (c) ativam linfócitos,
endotélio e células fagocitárias. Por isso mesmo, as endotoxinas
estão muito envolvidas na resposta inflamatória e, entre outros
efeitos, têm papel patogenético muito importante na gênese do
choque e da coagulação intravascular disseminada.
Muitas toxinas penetram nas células e causam morte celular
por inibirem a síntese protéica. A toxina diftérica, que é uma ADP
ribosil transferase, transfere ADP ribose do NAD para o fator de
elongação 11da síntese protéica; a toxina da Shigella dysenteriae
inibe ribossomos 60S por um efeito de RNA-N-glicosidase, se-
melhante ao da ricina. Toxinas com ação de fosfolipases agem
diretamente em membranas, digerindo fosfolipídeos; as hemo-
lisinas e leucocidinas produzidas por estreptococos e estafiloco-
cos pertencem a esse grupo. Outras toxinas também provocam
alterações moleculares que causam distúrbios funcionais graves,
mas geralmente sem levar a degenerações ou necrose. A toxina
do cólera tem efeito de ADP ribosil transferase para a proteína
Gs (subunidade beta), mantendo-a ativada, o que resulta em
estimulação persistente da adenilato ciclase e produção exage-
rada de AMPc; o excesso de AMPc ativa bombas eletrolíticas
do pólo luminal das células intestinais, induzindo a passagem
de grande quantidade de água e eletrólitos para o meio externo,
o que causa a diarréia aquosa tão característica da doença. A
toxina tetânica é capturada na junção mioneural e levada por
transporte axônico retrógrado até o neurônio motor, onde atua
na sinapse. Após atravessar a fenda sináptica, a toxina impede
a liberação de neurotransmissores na membrana pré-sináptica,
resultando daí a paralisia espástica. A toxina botulínica, que tem
atividade de ADP ribosil transferase sobre moléculas de actina
G, age na junção neuromuscular e impede a liberação da acetil-
colina, produzindo paralisia flácida. Há ainda toxinas de ação
mais complexa, como a toxina da Bordetella pertussis (causadora
da coqueluche), que tem ação de ADP ribosil transferase sobre
várias proteínas G envolvidas na transdução de sinais a partir
da membrana celular. O resultado é a inativação da proteína
Gs, com inibição da adenilato ciclase, ativação da fosfolipase
A2 e estimulação de canais iônicos. Disso resultam aumento da
sensibilidade à histamina (redução da atividade dos receptores
l3-adrenérgicos) e efeitos semelhantes aos da insulina. O efeito
promotor de linfocitose da toxina pertussis está relacionado à
sua ação no endotélio cubóide das vênulas pós-capilares dos lin-
fonodos, impedindo a reentrada de linfócitos da circulaçãopara
o interior do linfonodo. A B. pertussis produz ainda uma toxina
com ação de adenilato ciclase e outra causadora de ciliostase e
inibição da síntese de DNA no epitélio respiratório.
Do exposto, fica claro que, além das toxinas produtoras de
degeneração ou morte celular, existem outras que causam lesão
apenas ao nível molecular, sem que nenhuma alteração morfo-
lógica possa ser evidenciável ao ML ou ME; representam, pois,
bons exemplos para a compreensão do conceito de lesão a ser
discutido no Capo 4. Por outro lado, como muitas dessas toxinas
têm ação de ADP ribosil transferase sobre proteínas G, são muito
úteis em estudos sobre transdutores utilizados por determinado
receptor após estimulação de seu ligante. A Fig. 3.19 ilustra
alguns mecanismos de agressão por bactérias.
Outros Mecanismos. Além de atuarem por meio de toxinas,
as bactérias quase sempre induzem reação inflamatória, da qual
decorrem outras lesões teciduais. Bactérias iniciam a reação infla-
matória porque eliminam substâncias leucotáticas ou estimulam
outras células (monócitos, fibroblastos e células endoteliais) a
produzi-Ias. Os lipopolissacarideos e os proteoglicanos da parede
bacteriana são potentes indutores da síntese de IL-l, TNFa e
outras proteínas inflamatórias (quimiocinas) por aquelas células.
As bactérias podem ainda ativar o sistema do complemento, a
coagulação sanguínea e o sistema gerador de cininas, iniciando
a reação inflamatória.
Além de modular a reação inflamatória, a resposta imuni-
tária aos antígenos bacterianos pode também ser responsável
pelo aparecimento de lesões em órgãos distantes da infecção.
Imunocomplexos formados com antígenos bacterianos podem
circular e depositar-se em diversos tecidos, onde provocam lesões
inflamatórias (p. ex., glomerulonefrites). Por outro lado, bactérias
podem ter antígenos com epítopos semelhantes aos de componen-
tes teciduais, o que pode induzir uma agressão auto-imunitária.
É o que se encontra na doença reumática, na qual alguns tipos de
estreptococos l3-hemolíticos possuem glicoproteínas na parede
celular que induzem a formação de anticorpos que reagem de
forma cruzada com componentes do interstício e do coração,
iniciando uma reação inflamatória seguida de fibrose acentuada.
Estreptococos de outro subgrupo levam à produção de anticorpos
que reconhecem epítopos em glicoproteínas da membrana basal
dos capilares glomerulares, resultando em glomerulonefrite.
Algumas toxinas bacterianas, como as enterotoxinas dos
estafilococos, interagem com linfócitos e os estimulam ex-
cessivamente, porque atuam em receptores de células T sem
necessidade de serem endocitadas pela célula apresentadora de
antígenos. Dessa maneira, os linfócitos T são superestimulados
e produzem grande quantidade de IL-2, que é responsável pe-
las manifestações sistêmicas da intoxicação. Tais toxinas são
denominadas superantígenos e podem superestimular célula' T
auxiliares ou T supressoras.
Bactérias podem penetrar na circulação (bacteriemia) e indu-
zir síndromes graves em decorrência da ativação simultâne~ de
múltiplos mecanismos de defesa. No Capo 7 será discutida a sin-
drome da resposta inflamatória sistêmica com sinais de infecção
(sepse) e as suas complicações (sepse grave e choque séptico).
Outros Agentes Infecciosos
Nas agressões causadas por protozoários, fungos e muitos
helmintos, os mecanismos de produção das lesões são seme-
Etiopatogênese Geral das Lesões 61
Imuno-
Resposta complexos
auto-imunitária /Í
\
M~ni!eS~ações
sistérnlcos
Sistema
imunitário
/
Ag == aos
do organismo
t
Bactéria
Parede celular
Endotoxinas (LPS)
PePlidec
Exotoxinas ........---------, t
Alterações
funcionais
-- .•••.•••••...Quimiotáticos --'o.. ~
- - - ~ ,..-------,
PMN EnziCoagulação
0*,Fibrinólise
Complemento
--"- Alivadores--"-O~CitociCininógenos
Macrófagos <l> e ourruM
Endotélio
I
It
t
Ag
~
IL-2
~
LT
~
Inflamação
tSuper-
antígeno Necrose
mas
OH*
nas
ocinas
Resposta inflamatória sistêmica
Fig. 3.19 Mecanismos gerais de agressão por bactérias. Ag = antígenos; LPS = lipopolissacarídeos; LT = leucotrienos; PMN = polimorfonuclear
neutrófilo; M<I>= macrófago.
lhantes aos já descritos para os vírus e bactérias: ação direta do
parasita sobre os tecidos ou ação indireta por meio da resposta
imunitária. O leitor encontrará informações detalhadas dos me-
canismos patogenéticos das doenças infecciosas em tratados de
Microbiologia, Parasitologia e Infectologia.
Agentes Químicos como
Causa de Lesão
Os agentes químicos, quer sejam substâncias tóxicas, quer
sejam medicamentos, podem provocar lesões por dois meca-
nismos: (a) ação direta sobre células ou interstício, por meio
de transformações moleculares que resultam em degeneração
ou morte celular, alterações do interstício ou modificações no
genoma induzindo transformação maligna (efeito carcinogênico).
Quando atuam na vida intra-uterina, podem determinar erros
do desenvolvimento (efeito teratogênico); (b) ação indireta,
atuando como antígeno (o que é muito raro) ou como hapteno,
induzindo resposta imunitária humoral ou celular responsável
pelo aparecimento de lesões.
Quer seja um medicamento ou uma substância tóxica, o efeito
do agente químico sobre o organismo depende de vários fatores:
dose, vias de penetração e absorção, transporte, armazenamento,
metabolização e excreção; depende também de particularidades
do indivíduo: idade, sexo, estado de saúde, momento fisiológi-
co e constituição genética. Levando-se em conta todos esses
fatores, que são bem estudados nos textos de Farmacologia e
de Toxicologia, pode-se afirmar que os efeitos lesivos de um
agente químico (ou de um medicamento) podem ser previsíveis
ou imprevisíveis.
62 Patologia Geral
As lesões ou efeitos previsíveis têm algumas características
em comum: dependem da dose, são facilmente reprodutíveis
em animais de laboratório e os padrões de reação apresentam
as mesmas características em diferentes indivíduos. São fatores
importantes na gênese das lesões por agentes químicos de efeito
previsível: a idade (indivíduos muito jovens e velhos são mais
vulneráveis); a capacidade de metabolizar o agente, que pode
estar aumentada ou diminuída; a existência de doença concomi-
tante (insuficiência renal, por exemplo, pode reduzir a excreção);
e a presença de outros agentes químicos (ou drogas) associados,
que podem ter efeito potencializador ou inibido r. Os fatores
genéticos são, em geral, menos importantes, mas podem ter pa-
pel relevante, como no caso da deficiência de glicose-ô-fosfato
desidrogenase, que torna as pessoas mais sensíveis à hemólise
por ação de substâncias oxidantes.
As lesões ou efeitos imprevisíveis em geral não guardam
relação estreita com a dose, pois dependem mais de indução de
uma resposta imunitária; por isso, estão ligados mais aos fatores
genéticos que comandam essa resposta. A via de administração
pode ser importante, já que a imunogenicidade da substância
. depende, em parte, do modo de sua penetração no organismo.
Os padrões de reação variam de indivíduo para indivíduo, mas
uma característica importante é o fato de as reações serem mais
intensas e precoces em segundas exposições, embora, em alguns
casos, exposições repetidas possam induzir dessensibilização.
Um efeito imprevisível particular de um agente químico ou me-
dicamento é a idiossincrasia. Trata-se de condição na qual um
produto químico induz lesão de modo imprevisível, sem depender
da dose e sem estar relacionado a mecanismos de sensibilização
do sistema imunitário.
Mecanismos Gerais das Lesões Produzidas
por Agentes Químicos
As lesões produzidas por agentes químicos têm mecanismos
semelhantes quer o agente tenha entrado no organismo como um
medicamento, um tóxico ou um poluente contaminando alimentos,
a água ou o ar. Neste capítulo, serão discutidos os mecanismos
gerais de ação desubstâncias químicas independentemente de se
tratar do efeito adverso de um medicamento, de um tóxico ou de
um poluente ambiental, procurando-se utilizar exemplos das três
diferentes situações. Os efeitos dos agentes químicos dependem
de propriedades da substância e de fatores ligados ao organismo,
os quais devem ser interpretados em conjunto; esses fatores
interferem nos processos de absorção, transporte, distribuição,
armazenamento, biotransformação (metabolismo) e excreção dos
agentes químicos (tóxicos, poluentes ou fármacos) (Fig. 3.20).
Absorção. As substâncias químicas chegam ao organismo pelas vias
cutânea, mucosa (digestiva, respiratória ou urogenital) ou parenteral
(intradérmica, subcutânea, intramuscular ou intravenosa). A absorção
se faz através da membrana das células por difusão simples, por
transporte facilitado ou por transporte ativo.A difusão simples é mais
rápida quando a substância é lipossolúvel; moléculas pequenas (peso
molecular < 100 D) atravessam facilmente a membrana dissolvidas
na água. Bases e ácidos fracos difundem-se através das membranas
de acordo com o pH dos meios extra- e intracelular, pois a dissocia-
ção de ácidos ou bases é influenciada pela concentração de íons H+.
Quanto maior a concentração da forma não-dissociada do ácido ou da
base, maior é a absorção. O transporte facilitado (sem gasto energé-
tico) e o transporte ativo (com consumo de energia) têm os mesmos
mecanismos para as substâncias endógenas e são importantes para a
AGENTEQUíMICO
Absorção
Digestiva - cutânea - respiratória - parenteral
•Sangue --
~TeCidos
•Unfa
Metabolismo Lesões...s: Depósito
•Sangue•Excreção
------- Urina
Ar-------
expirado
~ ------- Saliva
~
Fig. 3.20 Eventos que podem ocorrer com um agente químico (tóxico,
fármaco ou poluente) após entrar em contato com o organismo.
absorção de agentes químicos nos tecidos (rim, cérebro, fígado etc.).
A absorção de uma substância é influenciada, portanto, por sua
natureza (peso molecular, estado físico-químico, solubilidade)
e pelas condições do local de contato com o organismo (a pele
mais hidratada ou lesada favorece a absorção cutânea; a presença
de alimentos no tubo digestivo e o estado da circulação entérica
influenciam a absorção intestinal). Substâncias gasosas e voláteis
são facilmente absorvidas pela via respiratória, tanto na mucosa
brônquica como no epitélio alveolar.
A eficiência da via de absorção varia de substância para
substância, embora seja muito rápida pela via respiratória e na
mucosa sublingual, de onde o agente químico cai rapidamente na
circulação. Já a pele absorve bem substâncias lipossolúveis, mas
é pouco eficaz na absorção de compostos hidrossolúveis.
Transporte e Distribuição. Uma vez absorvido, o agente químico
cai no interstício e daí alcança a circulação sanguínea, diretamente
ou passando antes pela circulação linfática. No sangue, a substância
se dissolve no plasma (quando hidrossolúvel) ou se conjuga com
proteínas plasmáticas (principalmente os íons orgânicos; os ânions
combinam com a albumina e os cátions, com as «-glicoproteínas
- ). A distribuição do agente químico aos tecidos depende do
o sanguíneo; por terem maior perfusão, encéfalo, coração,
gado e rins recebem a maior quantidade das substâncias. A saída
composto da circulação para o interstício se faz geralmente
10s poros interendoteliais, exceto no sistema nervoso central,
e as células endoteliais possuem junções íntimas e a bainha
prolongamentos gliais envolve a membrana basal (barreira
atoencefálica). A passagem de substâncias através da célula
otelial, inclusive por pinocitose, ocorre em proporções ainda
co conhecidas. Do interstício, o agente químico é absorvido
Ias células, através de suas membranas.
Armazenamento. Agentes químicos podem se depositar nos
idos e ficar armazenados por períodos variáveis, às vezes
nito longos. Depósito de determinada substância em um
ido se faz geralmente quando este é rico em solvente para
substância (o DDT se dissolve em lipídeos, depositando-se,
rtanto, no tecido adiposo) ou quando o agente químico é retido
r se precipitar (prata e mercúrio, nas membranas basais), por
bstituir ou se ligar a moléculas do tecido (depósitos de estrôncio
St] nos ossos, de arsênio nos pêlos e epiderme por ligação a
grupos SH da ceratina etc.).
Biotransformação. Os agentes químicos são geralmente metabo-
lizados no organismo antes de serem excretados. O metabolismo
substância pode inativá-la ou originar metabólitos de maior
ividade lesiva. Na evolução das espécies, os organismos desen-
'olveram sistemas enzimáticos capazes de metabolizar substân-
cias exógenas, especialmente as mais lipossolúveis, tornando-as
mais polares e, portanto, de mais fácil eliminação. Os sistemas
biotransformação evoluíram possivelmente como mecanis-
mos capazes de livrar os organismos dos produtos naturalmente
óxicos existentes sobretudo na alimentação.
Os sistemas enzimáticos responsáveis pela biotransformação
tão localizados no retículo endoplasmático liso (REL), notada-
mente no fígado e, em menor proporção, nos enterócitos, epitélio
brônquico e células renais. As reações químicas de biotransfor-
mação no REL pertencem a dois grupos: (a) reações de fase I,
que convertem agentes químicos apolares em metabólitos mais
polares por oxidação, redução ou hidrólise. O metabólito originado
pode ser inativo (como agente lesivo ou terapêutico), mas pode
também ser mais ativo do que o produto original; (b) reações
DROGA
DROGA (Fe"")
g~~:;A~Fe...c~:"o \
H,0 Oxidase t
DROGA (Fe++)
DROGA(~
O2
Etiopatogênese Geral das Lesões 63
de fase II, que conjugam as substâncias ou os seus metabólitos
com um produto endógeno e formam um complexo geralmente
solúvel em água e de fácil excreção. A conjugação se faz geral-
mente com ácido glicurônico, acetato, sulfato ou aminoácidos.
As reações de oxidação de fase I se fazem por ação de mono-
oxigenases (também chamadas de oxidases de função mista) que
exigem NADPH (agente redutor) e oxigênio molecular (agente
oxidante). Essas monooxigenases pertencem à farm1ia de isoenzi-
mas conhecidas como citocromo P450 (cit P450) e se localizam
na membrana do REL; neste se encontra também a citocromo
P450 redutase, que fica associada a uma flavoproteína e/ou ao
NADPH; o processo de oxidação se faz como demonstrado na
Fig. 3.21. Além do complexo do cito cromo P450, existem outras
oxidases nas células que atuam nos processos de biotransfor-
mação, como as hemeperoxidases, xantina-oxidases, álcool- e
aldeído-desidrogenases etc.
A capacidade de biotransformação de um organismo é variável
e influenciada por vários elementos: (a) fatores genéticos, já que
as isoenzimas do sistema cit P450 são codificadas por sistema
multigênico (responsável pelo polimorfismo das moléculas). São
conhecidas cerca de 10 farm1ias de genes dentro da superfamília
dos genes para cit P450, tendo cada uma das isoenzimas parti-
cularidades funcionais. Esse polimorfismo explica as diferenças
na capacidade de biotransformação de substâncias exógenas (é
possível que o comportamento variável dos indivíduos diante
da intoxicação crônica pelo etanol esteja relacionado à atividade
distinta do sistema cit P450); (b) as isoenzimas do sistema P450
podem ser induzidas, ou seja, sua síntese é aumentada por um
indutor. Algumas substâncias são indutoras inespecíficas, agindo
sobre grande parte do sistema ou em todo ele, como acontece
com os hidrocarbonetos aromáticos e o fenobarbital; outras
induzem especificamente um sistema (geralmente aquele que
as metaboliza), como acontece com o etanol, a rifampicina e o
clorfibrato. O fenobarbital é indutor potente do sistema P450
no fígado, enquanto os hidrocarbonetos aromáticos induzem
mais os sistemas de monooxigenases extra-hepáticos. Em geral,
as enzirnas de conjugação são também induzidas quando há esti-
mulação do sistema de monooxigenases,efeito bem evidente pelo
uso de fenobarbital. Inibição dos sistemas de biotransformação
também ocorre, mas o fenômeno é ainda pouco conhecido. !L-I,
IFN-y, TNFcx e IL-6 podem inibir a expressão dos genes do
sistema cit P450 nos hepatócitos, reduzindo assim a capacidade
Flavoproteína
reduzida
NADP,
Citocromo
P450
Redutase
NADH
Flavoproteína
oxidada
Fig. 3.21 Principais componentes do sistema das monooxigenases (cit P450) do retículo endoplasmático do fígado.
64 Patologia Geral
biotransfonnadora do sistema, o que explica, em parte, por que,
em algumas doenças parasitárias que comprometem o fígado,
ocorre alteração na capacidade de metabolizar drogas (p. ex., na
esquistossomose mansônica e na fasciolose experimentais).
Em fetos e recém-nascidos, o sistema de biotransfonnação é
imaturo e alcança a maturidade durante o primeiro ano de vida
(os sistemas de conjugação demoram mais a atingir os níveis de
atividade observados no adulto). Nos idosos, pouco se conhece
sobre o comportamento desses sistemas.
O agente químico pode, portanto, ter sua atividade reduzi-
da ou aumentada após biotransformação. Muitas substâncias
carcinogênicas adquirem efeito cancerígeno somente após
transformações no organismo, processo esse que gera produtos
polares nucleofílicos. Por outro lado, alguns medicamentos
também exercem efeitos terapêuticos através de seus metabó-
litos. Como o sistema de biotransformação do REL pode ser
induzido, a ação de um agente químico pode ser modificada
pela ação concomitante de outro: indivíduos que tomam feno-
barbital metabolizam o etanol mais rapidamente e apresentam
manifestações mais graves na intoxicação com o paration, já
que seu metabólito paraxona, gerado no REL, é mais tóxico.
Excreção. Os agentes químicos podem ser excretados na sua
forma nativa ou após biotransformação. A excreção se faz pelos
rins (na urina), pelo tubo digestivo e sistema biliar (fezes), por
via respiratória e através da pele. Muitas substâncias se deposi-
tam nos locais em que são eliminadas: o mercúrio e a prata nas
membranas basais do rim e do tubo digestivo, nitrocompostos
(anilinas) na bexiga, produzindo neoplasia etc.
FATORES INDIVIDUAIS E AÇÃO LESIVA DOS AGEN-
TES QUÍMICOS. OS efeitos lesivos dos agentes químicos
dependem também da constituição genética e do estado funcio-
nal do organismo no momento de contato com a substância. A
constituição genética é importante porque condiciona o padrão
de enzimas do indivíduo, influenciando decisivamente os meca-
nismos de biotransfonnação. Deficiência da enzima glicose-6-
fosfato desidrogenase (G6PD), por exemplo, torna o indivíduo
muito suscetível à intoxicação com a fava-do-mediterrâneo (que
tem inibidores da enzima) ou com drogas antimaláricas, como a
quinacrina e a primaquina. Há ainda indivíduos que têm menor
capacidade de acetilar (fenótipos acetiladores lentos), o que os
torna mais suscetíveis à ação tóxica de muitos agentes químicos,
como a isoniazida. Ao lado disso, manifestações alérgicas aos
agentes químicos são facilitadas nos indivíduos geneticamente
predispostos a desenvolver alergia (os alérgicos ou atópicos têm
alterações nos mecanismos de imunorregulação que favorecem
a síntese de IgE, facilitando as reações anafiláticas).
A idade é fator importante. Indivíduos mais jovens (lactentes e
crianças) são mais suscetíveis, em parte devido ao maior conteúdo
de água corporal em relação ao peso, o que aumenta a quantidade
do agente químico nos tecidos. Os mais idosos têm as atividades
funcionais das células reduzidas, o que os torna mais sensíveis a
qualquer tipo de agressão. Fetos e embriões são particularmente
sensíveis à ação de agentes químicos que interferem nos meca-
nismos de proliferação e diferenciação celulares.
O gênero pode influenciar na toxicidade. Mulheres durante
o período reprodutivo estão sob a influência de estrógenos,
que interferem, por mecanismos ainda pouco conhecidos, na
atividade funcional dos hepatócitos, inclusive nos processos de
biotransfonnação. Como as crianças, também apresentam maior
quantidade de água corporal em relação ao peso. Os efeitos
tóxicos do uso crônico do etanol são mais graves em mulheres
(possuem menor atividade da álcool desidrogenase gástrica), as
quais desenvolvem cirrose hepática em idade significativamente
menor do que homens. Na gravidez, a toxicidade se altera não
só pela maior concentração de progestágenos, mas também pela
maior retenção de água durante esse período.
A ação simultânea de outros agentes químicos pode alterar
profundamente a toxicidade de alguns deles. Há situações em
que uma substância interfere na biotransformação de outra: ao
induzir as enzimas do REL, o fenobarbital aumenta o metabo-
lismo de muitas substâncias exógenas, o que pode aumentar
ou diminuir a toxicidade delas. O risco de efeitos tóxicos da
isoniazida é muito aumentado em associação com a rifampicina,
que é indutora das enzimas do REL; nesse caso, há aumento da
hidrólise da isoniazida, o que eleva a concentração do metabólito
hidrazina responsável por manifestações semelhantes às do lúpus
eritematoso que podem ocorrer com o uso da droga.
Doenças preexistentes no momento da exposição ao agente
químico também influenciam na toxicidade. Doenças hepáticas
geralmente reduzem a capacidade de biotransformação, en-
quanto afecções renais dificultam a excreção de muitos agentes
químicos, o que favorece o aumento da sua concentração nos
tecidos.
POLUENTES AMBIENTAIS
A poluição do ambiente (contaminação ambiental com subs-
tâncias químicas decorrentes da atividade humana) tornou-se
importante causa de doenças nos tempos modernos em razão dos
processos de industrialização e de urbanização e da introdução de
defensivos na agricultura e pecuária. Os contaminantes ambien-
tais têm natureza química muito diversa e efeitos biológicos vari-
áveis, às vezes pouco conhecidos. Serão feitos aqui comentários
gerais sobre os mecanismos de ação lesiva dos agentes químicos
que contaminam o ar (gases e poeiras, poluição industrial e ur-
bana, solventes e vapores, poluição industrial em ambientes de
trabalho), os poluentes do solo e da água originados de efluentes
industriais (metais pesados) ou da atividade agropecuária (de-
fensivos agrícolas) e os contaminantes de alimentos.
Poluentes do Ar
Os poluentes do ar exercem efeitos nocivos especialmente so-
bre o sistema respiratório, alvo direto dos contaminantes inalados
com o ar inspirado. As vias respiratórias têm grande capacidade
de defesa contra poluentes do ar, possuindo um sistema eficiente
de remoção de partículas que penetram pela inspiração.
O primeiro mecanismo de retenção de partículas em suspensão
no ar é representado pelas vibrissas (pêlos do vestíbulo nasal),
que retêm partículas grosseiras (Fig. 3.22). Os cornetos nasais,
por formarem projeções na cavidade nasal, delineiam uma fenda
muito estreita para a passagem do ar, de modo que a maioria
das partículas em suspensão colide com a mucosa daquelas
estruturas, ficando retidas na camada de muco que as reveste; o
movimento dos cílios em direção ao meio externo, por sua vez,
favorece a remoção do material retido.
A mucosa respiratória, da traquéia aos bronquíolos, possui
células ciliadas, células caliciformes e células basais indiferen-
ciadas (células de reserva), estas as responsáveis pela proliferação
e reposição das duas primeiras, que descamam continuamente.
Glândulas submucosas na traquéia e brônquios, seromucosas, são
as principais responsáveis pela secreção do muco. Nos bronquí-
olos, existem ainda células epiteliais particulares, denominadas
Etiopatogênese Geral das Lesões 65
Fluxo de ar
@
•
Conchas nasais
AeV
Fluxo sanguíneo •
cc
==
@
Partículas < 1J..Lm
===
~==~~~e:: ML==== == Partículas entrele5J..Lm
®
M<f>
c
Fig. 3.22 Esquema das vias respiratórias mostrando as principais estruturas e os locais em que ficamretidas as partículas contidas no ar inspirado.
(1) Detalhe da mucos a das fossas nasais (GSM = glândula seromucosa; A = artéria; V = veia). As setas indicam a contracorrente do ar em relação
ao fluxo de sangue (mecanismo de aquecimento do ar); (2) mucos a da traquéia e brônquios (EC = epitélio ciliado; CC = célula caliciforme); (3)
detalhe da mucosa respiratória mostrando células ciliada (EC), caliciforme (CC), de reserva (CR) e neuroendócrina (CNE). Os cílios tocam a
camada espessa do muco (Me) e se deslocam na sua parte mais fluida (Mf); (4) mucosa bronquiolar (CB = célula bronquiolar ou de Clara; ML
= músculo liso); (5) detalhe de um alvéolo (M<I>= macrófago; PI e PII = pneumócitos dos tipos I e II; C = capilar).
células de Clara, que são prismáticas baixas e apresentam REL
desenvolvido, rico em sistemas enzimáticos de biotransformação.
As células ciliadas são cilíndricas, com 20 a 60 um de altura
e diâmetro de 4 a 7 um na parte apical, apresentando cerca de
250 cílios de 0,3 um de diâmetro e 4 a 6 um de altura; entre os
cílios, existem numerosas microvilosidades.
o muco é formado de água, mucina e outras glicoproteínas.
A mucina é uma glicoproteína de alto peso molecular secretada
principalmente pelas glândulas seromucosas e pelas células
caliciformes. Em condições normais, um adulto produz cerca
de 10 ml de muco por dia, valor que pode chegar a 200 ou
300 ml na bronquite crônica. A secreção mucosa forma uma
66 Patologia Geral
delgada camada descontínua, como ilhas isoladas, de maior
consistência, com cerca de 5 a 10 J-Lmde espessura, localizada
acima da extremidade dos cílios. Imediatamente abaixo, existe
uma camada muito fluida que envolve os cflios mas permite sua
dobra, deslocando a camada espessa suprajacente. A extremidade
ligeiramente dobrada dos cílios toca a camada de muco espessa
por baixo, deslocando-a durante o batimento ciliar (dobramento
dos cílios, em movimento semelhante ao de um chicote). Desse
modo, as ilhas flutuantes de muco são deslocadas em direção à
nasofaringe, juntamente com o material a elas aderido (poeiras,
bactérias, aerossóis etc.). A velocidade de deslocamento do muco
nas pessoas normais está em torno de 5 mm por minuto, e é muito
menor nas vias respiratórias inferiores (bronquíolos terminais).
A secreção de muco depende da síntese de glicoproteínas pelas
células mucosas e da secreção de eletrólitos pelas células serosas,
que controlam a excreção de água. A camada fluida periciliar
depende da excreção de água e eletrólitos pelas faces laterais das
células ciliadas. Há ainda excreção de cloro e absorção de sódio,
criando um gradiente de concentração necessário ao fluxo de água
para o exterior da célula. Há também influxo e efluxo de outros
eletrólitos, como potássio e cálcio, este último muito importante
na regulação da atividade motora dos cílios. Todo esse trânsito
de eletrólitos é controlado por bombas eletrolíticas específicas
eujas alterações modificam profundamente a qualidade do muco.
Exemplo dessas alterações ocorre na fibrose cística (mucovis-
cidose), na qual existe mutação em um gene que codifica uma
das proteínas da bomba de cloro nas células epiteliais exócrinas,
resultando na produção de muco mais espesso, de difícil elimi-
nação, que obstrui os canais excretores das glândulas exócrinas
e facilita infecções bacterianas pulmonares.
Toda a atividade do chamado aparelho mucociliar é controlada
pelo sistema nervoso autônomo e por mediadores liberados nos
tecidos, incluindo histamina, prostaglandinas, substância P e
outros neuropeptídeos, que podem aumentar ou diminuir a pro-
dução de muco, alterar sua qualidade ou modificar a velocidade
dos batimentos ciliares, visando a adaptar o sistema às agressões
geradas por gases e poeiras inalados.
Muitos poluentes do ar, especialmente a fumaça do cigarro,
agridem o aparelho mucociliar. Na fase inicial da agressão, a
irritação produzida por gases e partículas induz aumento na
secreção de muco e na velocidade dos batimentos ciliares.
Em seguida, aumenta a proliferação das células basais e surge
estímulo para diferenciação das células mucosas, que passam
a ocupar o lugar das células ciliadas no revestimento epitelial,
prejudicando a eliminação do muco e das partículas nele retidas.
Por outro lado, os efeitos lesivos dos poluentes acabam afetan-
do a diferenciação das células da camada basal, que passam a
originar células ciliadas com defeitos na maturação dos cílios,
tornando-os pouco eficientes na sua atividade motora. Essas
alterações progressivas reduzem a capacidade de eliminação
dos contaminantes do ar, favorecendo infecções respiratórias,
que são as doenças mais freqüentes em decorrência da exposição
prolongada ao ar poluído. Observações experimentais em animais
expostos ao ar poluído de grandes cidades têm confirmado essa
seqüência de eventos, que culmina com dano quase irreversível
ao aparelho mucociliar.
POLUENTES DO AR EM AMBIENTES ABERTOS. A
poluição do ar atmosférico em ambientes abertos ocorre sobre-
tudo pela emissão de gases e poeiras originados da queima de
combustíveis fósseis (petróleo e carvão de pedra) nos veículos
com motor a explosão (58%), na indústria (18%), nas usinas ter-
moelétricas (15%), nos sistemas de aquecimento doméstico (6%)
e na queima de lixo (3%). Tais cifras se referem à poluição nos
grandes centros urbanos de países do hemisfério norte; no Brasil,
a poluição do ar das grandes cidades é originada principalmente
dos veículos automotores e da atividade industrial. Cinco são
os principais poluentes originados da queima dos combustíveis
fósseis: monóxido de carbono (52%), óxido de enxofre (18%),
hidrocarbonetos e aldeídos deles originados (12%), material
particulado (10%) e óxido de nitrogênio (8%).
A fumaça e o dióxido de enxofre originados das chaminés
das fábricas que queimam carvão mineral, associados a umidade
elevada e baixas temperaturas, produzem uma poluição escura,
de tipo redutor. A fumaça causada pela emissão das descargas
de veículos automotores, rica em hidrocarbonetos e óxido de
nitrogênio, em áreas de grande iluminação solar, sofre oxidação
fotoquímica e forma massas de ar claro que produzem inversões
térmicas. É a poluição clara, também denominada poluição oxi-
dante ou fotoquímica.
A poluição redutora associa-se a doenças agudas na popula-
ção, especialmente no sistema respiratório, que podem levar à
morte sobretudo em pessoas idosas e pneumopatas crônicos. A
poluição oxidante é menos associada a doenças agudas, mas é
responsável pelo aumento de internações hospitalares por do-
enças respiratórias crônicas (bronquite crônica, rinite alérgica,
crises asmáticas), conjuntivite etc.
O efeito lesivo da poluição resulta da ação sinérgica dos po-
luentes existentes no ar, e é difícil separar o grau de participação
de cada um deles. A seguir será feita uma descrição resumida dos
efeitos isolados de cada um dos principais poluentes do ar.
O monóxido de carbono (CO) existe na atmosfera na con-
centração de 1 ppm (uma parte por milhão de partes do ar).
No tráfego pesado de veículos, pode atingir 115 ppm nas áreas
centrais das cidades, 75 ppm nas vias expressas e 23 ppm nas
áreas residenciais; em garagens subterrâneas e túneis, a con-
centração de CO pode atingir 100 pprn. A eliminação do CO da
atmosfera se faz pela reação com radicais hidroxil do ambiente,
originando CO,.
O CO não {irritante. Sua toxicidade está relacionada à alta
afinidade que tem pela hemoglobina, com a qual se combina
formando carboxiemoglobina, que se toma incapaz de transportar
oxigênio e inibe a dissociação da oxiemoglobina nos tecidos. A
conseqüência é hipóxia tecidual sistêmica, que provoca lesões
degenerativas, edema e hemorragias (em decorrência de lesão nas
células endoteliais). As lesões são mais intensas e freqüentes nos
órgãos mais sensíveis à hipóxia, como cérebro e coração; cefaléia,
sintoma comum na intoxicação aguda, está relacionadaao edema
cerebral que se instala. Exposição crônica a baixas concentrações
de CO lesa predominantemente o coração, parecendo aumentar
a gravidade da aterosclerose. O feto é particularmente sensível
aos efeitos do CO que atravessa a barreira placentária, podendo
sofrer lesões cerebrais graves nas intoxicações agudas da mãe.
Em mulheres fumantes, admite-se que, durante a gravidez, as
taxas circulantes de CO, embora baixas, sejam suficientes para
produzir alterações no desenvolvimento do sistema nervoso
central do feto.
O dióxido de enxofre (S02) age sobre as vias respiratórias
e produz broncoconstrição, reduzindo a função respiratória (5
ppm durante 10 minutos são suficientes para provocar aumento
da resistência ao fluxo de ar, facilmente perceptível). Pacientes
asmáticos são mais sensíveis, respondendo com broncoconstrição
em concentrações em tomo de 0,25 ppm. Na atmosfera, parte
do SO é convertida em ácido sulfúrico e sulfatos, os quais são
2
bém irritantes para a mucosa respiratória e produzem bronco-
_ nstrição. Os sulfatos formam partículas geralmente pequenas
~.na concentração de 0,25 mg/m", causam broncoconstrição.
O ozônio (03) se origina normalmente da ação dos raios ul-
:!âvioleta de menor comprimento de onda sobre o oxigênio nas
zamadas mais altas da atmosfera. Nas porções mais baixas da
osfera, o óxido nitroso da poluição absorve raios ultravioleta
~ é oxidado a óxido nítrico e oxigênio ativado, que reage com
oxigênio molecular (02) e também origina ozônio. Este, por
sua vez, reage com o óxido nítrico e produz óxido nitroso. Desse
o, no ar poluído aumentam as concentrações de ozônio e de
'xido nitroso.
O ozônio é irritante das vias respiratórias, podendo inclusive
causar edema pulmonar grave em camundongos expostos a
_ ppm. Nesses animais, observam-se descamação do epitélio
piratório e lesões degenerativas dos pneumócitos do tipo I,
que são progressivamente substituídos pelos do tipo lI. Expo-
-' •ão prolongada de camundongos e ratos a concentrações de
zônio pouco superiores a I ppm leva a fibrose peribronquiolar
~ intersticial e enfisema pulmonar. Exposição aguda em huma-
s a concentrações entre 0,25 e 0,75 ppm produz taquipnéia,
se, secura na garganta e sensação de opressão torácica. Os
mecanismos responsáveis pelas lesões produzidas pelo ozônio
tão relacionados à sua capacidade de gerar radicais livres,
pecialmente por se combinar com lipídeos insaturados das
membranas e com grupos SH das proteínas.
, O óxido nitroso (NO) tem efeitos semelhantes aos do ozônio.
E irritante e pode produzir edema pulmonar quando inalado em
grandes concentrações. Fazendeiros e trabalhadores que armaze-
nam forragens podem inalar grandes quantidades de N02 (gerado
pela atividade de bactérias) no momento de descarregar os silos,
quando apresentam manifestações respiratórias graves.
Hidrocarbonetos e aldeídos originados por ação oxidante da
uz solar, embora existentes em baixas concentrações, são irritantes
potentes contidos no ar poluído. Os mais abundantes são o formal-
deído e a acroleína, que são altamente irritantes e responsáveis pelo
odor da poluição fotoquímica e pela irritação ocular na população
exposta. O aldeído fórmico na concentração de 3 ppm produz tosse,
cefaléia e irritação dos olhos e das mucosas bucal e respiratória;
oncentrações acima de 4 ppm são geralmente insuportáveis
para a maioria das pessoas. Exposição crônica (2 anos, 6 a 15
ppm) produz câncer da mucosa nasal em camundongos e ratos.
Exposição ocupacional pode causar asma e bronquite crônica. A
acroleína é muito mais irritante do que o formaldeído, existindo
também na fumaça do cigarro. O limite máximo permitido é de
0,1 ppm, e na concentração de 1 ppm causa lacrimejamento.
As poeiras que contaminam o ar são de natureza mineral
ou orgânica; quando inaladas, podem produzir lesões pulmo-
nares denominadas pnenrnoconioses. A inalação de poeiras
e as pneumoconioses delas decorrentes são mais comuns em
determinados ambientes de trabalho, embora possam ocorrer (e
talvez se tornem mais freqüentes) nas populações que habitam
áreas urbanas próximas a grandes concentrações industriais. A
seguir, serão feitos comentários gerais sobre os mecanismos
pato genéticos das principais pneumoconioses.
Como já comentado, o sistema respiratório possui mecanis-
mos que permitem a eliminação de poeiras inaladas com o ar
inspirado. O aparecimento de lesão pulmonar por essas poeiras
depende de vários fatores, entre os quais: (a) quantidade de pó
retido nas vias respiratórias e nos alvéolos; (b) tamanho, densi-
dade e forma das partículas de poeira; (c) efeito concomitante
de outros poluentes do ar.
Etiopatogênese Geral das Lesões 67
A quantidade de partículas que chegam aos alvéolos e às vias
respiratórias terminais depende da concentração das partículas no
ar, da duração da exposição e da eficiência do aparelho mucociliar
em eliminá-Ias (Fig. 3.22). Partículas de poeira com mais de 10
u.m são retidas nas fossas nasais e nasofaringe; partículas entre
5 e 10 u.m aderem à superfície do epitélio da traquéia e dos brôn-
quios; só partículas entre 1 e 5 um chegam aos alvéolos e neles
podem permanecer; as menores que 1 urn geralmente são exala-
das. As partículas que ficam aderidas ao epitélio bronquioloalveo-
lar são fagocitadas pelos macrófagos alveolares, cujo número
aumenta à medida que aumenta a concentração de partículas no
ar inspirado. Os macrófagos podem digerir ou não as partículas
fagocitadas; podem também migrar para os septos alveolares e
alcançar os linfonodos do hilo; outros macrófagos carregados de
partículas fagocitadas são eliminados com o escarro, podendo ser
facilmente observados ao microscópio se a poeira for colorida
(p. ex., macrófagos carregados de carvão).
A densidade das partículas e a sua capacidade de sedimentação
(relação entre forma e massa) também influenciam a sua chegada
aos alvéolos. Partículas leves, pouco densas, ficam no centro
da corrente de ar inspirado e alcançam facilmente os alvéolos,
escapando de ficar aderidas ao muco das vias respiratórias; é o
que ocorre com as fibras de asbesto, que são finas e leves. A solu-
bilidade das partículas é também importante: partículas pequenas
e solúveis podem produzir lesões irritativas agudas, enquanto
partículas maiores, insolúveis, tendem a provocar lesões crôni-
cas. Outros poluentes do ar, especialmente os gases irritantes da
fumaça do cigarro ou da poluição industrial, ao produzirem lesão
do aparelho mucociliar, facilitam o acúmulo de mais partículas
inaladas. Se as partículas inaladas são inertes, como a poeira do
carvão vegetal, pode haver depósitos no interstício septal sem
desencadear reação inflamatória nem fibrose. No entanto, se os
depósitos são muito grandes ou se as partículas são irritantes,
pode se desenvolver uma reação inflamatória aguda ou crônica,
esta última geralmente seguida de fibrose. Além disso, algumas
poeiras têm efeito carcinogênico, como se verá a seguir.
POEIRAS INORGÂNICAS. PNEUMOCONIOSES. Traba-
lhadores de minas de carvão e os expostos à sílica estão sujeitos-a
desenvolver doença grave que se caracteriza por fibrose pulmonar
acentuada e difusa, capaz de levar à insuficiência respiratória e
ao cor pulmonale crônico. Nos dois casos, contudo, a doença só
se instala após longo tempo de exposição a alta concentração de
partículas, parecendo haver influência da constituição genética
no aparecimento e na evolução das lesões.
Não é raro que a fibrose pulmonar dos mineiros de carvão
e a silicose se acompanhem de artrite reumatóide, constituindo
a síndrome de Caplan; nesses casos, surgem nódulos fibróticos
no pulmão, fator reumatóide, anticorpos antinucleares e outros
auto-anticorpos na circulação. Essa associação, comum nessas
pneumoconioses, sugere mecanismos imunitários na patogê-
nese da fibrose. Tudo indica que os macrófagos que fagocitam
as partículas de carvão ou de sílica se tornammuito ativados e
liberam enzimas lisossômicas que lesam o interstício, estimu-
lando a fibrose. Ao lado disso, e mais importante, os macrófagos
ativados produzem citocinas que atraem e estimulam linfócitos
T; os linfócitos T auxiliares do tipo 1 (Thl) produzem IL-2, que
atrai outros linfócitos T e os estimula a produzir mais citocinas,
inclusive IL-2, IFN e substâncias quimiotáticas para macrófagos,
resultando em maior ativação e acúmulo dessas células no local.
Os linfócitos Th2 produzem fatores que estimulam os linfócitos
B. de modo pouco regulado (ativação policlonal), resultando
68 Patologia Geral
em elevação dos níveis séricos de imunoglobulinas G e M e
aparecimento de auto-anticorpos. A fibrose parece decorrer da
estimulação de fibroblastos por fatores de crescimento do tipo
PDGF, FGF e TGF(3 produzidos por macrófagos ativados e por
linfócitos T. Estimulação excessiva de fibroblastos explicaria a
fibrose intensa na presença de exsudato inflamatório relativa-
mente escasso. A hipótese de que os macrófagos carregados de
cristais de sílica morrem por ruptura de lisossomos e liberação
de hidrolases parece menos importante, pois macrófagos de pa-
cientes com silicose obtidos por lavado brônquico têm sobrevida
normal in vitro.
A associação freqüente dessas duas pneumoconioses com
a tuberculose é explicada pela reduzida função microbicida
dos macrófagos nas primeiras, que ficam sobrecarregados com
as partículas de carvão ou sílica. Associação com carcinoma
broncopulmonar não tem sido demonstrada. O aparecimento
de lesões pleurais e nos linfonodos do hilo pulmonar se explica
pela migração de macrófagos que fagocitaram partículas para os
linfáticos, daí alcançando os linfonodos ou a pleura.
Na beriliose, doença bem menos freqüente, parece que o
berílio age como hapteno e induz reação de natureza imunitária
nos pulmões, formando inflamação granulomatosa com células
epitelióides e células gigantes multinucleadas, mas sem necrose
caseosa. As células gigantes contêm cristais espiculados, birre-
fringentes e com cerca de 10 um, corpos laminados concêntricos
de Schauman e corpos asteróides semelhantes aos encontrados na
sarcoidose. A natureza imunitária dos granulomas é confirmada
pelo achado de células T circulantes sensibilizadas ao berílio.
Fibras de asbesto são utilizadas na indústria para fabricação
de vários produtos de amianto. Sua inalação pode produzir
não só fibrose pulmonar como também derrames e aderências
pleurais, mesoteliomas e carcinoma broncopulmonar. A asbes-
tose se instala como doença ocupacional após vários anos (em
geral mais de 10) de exposição ao ar contaminado com fibras
do mineral. As fibras serpentiformes (crisolita) são as mais
freqüentemente encontradas contaminando o ambiente nas
indústrias do amianto; são flexíveis, pouco densas e facilmente
se chocam contra a parede alveolar, onde aderem, passam para
o interstício e são fagocitadas pelos macrófagos septais. Ma-
crófagos ativados liberam quimiocinas que atraem neutrófilos
e outros macrófagos. Fibras fagocitadas podem ser digeridas,
mas muitos macrófagos carregados migram para o interstício e
para os linfáticos, chegando aos linfonodos e à pleura. Fibras
não-digeridas no interior de macrófagos são revestidas de he-
mossiderina e glicoproteínas, formando os chamados corpos
de asbesto. Finalmente, instala-se fibrose intersticial difusa,
mais intensa nos locais em que se encontram as fibras. Essa
fibrose, associada a reação inflamatória escassa, se desenvolve
possivelmente por mecanismos semelhantes aos da silicose:
liberação de fatores de crescimento (PDGF, FGF e TGF(3) por
macrófagos ativados após a ingestão das fibras. Também se
admite a possibilidade de fragmentos das fibras parcialmente
solubilizados exercerem ação estimuladora direta sobre os fi-
broblastos. Na asbestose, pode aparecer derrame pleural mesmo
na ausência de fibrose pulmonar ou neoplasias; seu mecanismo
pato genético é desconhecido.
A asbestose se associa freqüentemente a neoplasias ma-
lignas, sendo o carcinoma broncopulmonar e o mesotelioma
maligno as mais comuns. O risco de câncer pulmonar em não-
fumantes mas com asbestose é cinco vezes maior do que na
população em geral; em fumantes e expostos ao asbesto, o risco
é cerca de 50 vezes maior, indicando haver potencialização pelo
asbesto da ação cancerígena do fumo. Mesotelioma maligno
é uma neoplasia rara, mas inquestionavelmente relacionada
ao asbesto. Os mecanismos da carcinogênese pelo asbesto
são desconhecidos. Alguns admitem que o asbesto atue como
promotor, enquanto outros propõem que ele adsorva substâncias
carcinogênicas na sua superfície, aumentando a sua concen-
tração local. Um possível efeito de superfície, semelhante ao
exercido por substâncias inertes como o celofane (que induz
sarcomas ou histiocitomas quando implantado no subcutâneo
de camundongos), tem sido também admitido.
POEIRAS ORGÂNICAS. Poeiras orgânicas podem produzir
lesões pulmonares agudas, do tipo crises asmatiformes ou alve-
olites alérgicas extrínsecas, ou, mais raramente, pneumopatias
crônicas fibrosantes.
As poeiras que contêm fibras de algodão, cânhamo ou linho
produzem manifestações respiratórias freqüentes nos operários
das indústrias de fiação, caracterizadas por desconforto respi-
ratório e sensação de opressão torácica, condição denominada
bissinose. Tais manifestações são mais comuns no primeiro dia
de trabalho da semana (segunda-feira para os que folgam aos
domingos). Admite-se que sejam decorrentes da liberação de
histamina, induzida, ao que parece, por ação direta das partículas
fibrosas; no entanto, alguns defendem a possibilidade de sensibi-
lização com antígenos bacterianos ou micóticos contaminantes
das fibras.
Poeiras orgânicas contendo material protéico ou polissacarí-
dico podem sensibilizar o indivíduo (principalmente os geneti-
camente predispostos) e induzir alveolites alérgicas extrínsecas.
Estas se caracterizam por inflamação nos septos alveolares com
exsudato de linfócitos, macrófagos, eosinófilos e, às vezes,
células gigantes. Além de reação inflamatória intersticial, há
broncoconstrição, aumento da secreção de muco, febre e eosino-
filia circulante. Sua patogênese está ligada à resposta imunitária
a antígenos da poeira orgânica, que leva à ativação de células
Th2; com isso, há produção de citocinas ativadoras de linfócitos
B produtores de IgE e de linfocinas eosinotáticas e estimuladoras
da eosinopoese. Tais alveolites recebem o nome de pulmão do
profissional: pulmão do fazendeiro, que ocorre em trabalhadores
que inalam poeira de feno contendo fungos alergênicos (também
conhecida como febre do feno), pulmão dos tratadores de passa-
rinho, que inalam poeira de gaiolas rica em antígenos originados
dos excrementos dos pássaros etc.
Algumas poeiras contêm alérgenos que induzem crises as-
máticas (sem alveolite). É o que acontece com carpinteiros que
trabalham o cedro-vermelho, cujo pó é alergênico ..
POLUENTES DO AR EM AMBIENTES DE TRABALHO.
O estudo da contaminação dos ambientes de trabalho é de grande
interesse em Toxicologia Ocupacional, ramo da Saúde Ocupa-
cional que se dedica ao estudo dos efeitos lesivos dos contami-
nantes em locais de trabalho. Pelo conhecimento do efeito tóxico
da substância contaminante, os toxicologistas ocupacionais, com
base em estudos multidisciplinares, estabelecem a qual concen-
tração de um contaminante um trabalhador pode estar sujeito
sem que ocorram danos à sua saúde. Levando em conta o uso de
proteção adequada e o tempo de trabalho diário, os especialistas
sugerem os chamados limites máximos de exposição para cada
um dos possíveis contaminantes ambientais; a partir desses
dados, são elaboradas normas legais de proteção dos trabalha-
dores quanto à exposição a substâncias tóxicas no ambiente de
Quadro 3.10 Indicadores biológicos de exposição e
limites de tolerância para alguns poluentes e tóxicos
ambientaisLimite de
Agente Indicador biológico tolerância
.-\5 As na urina 100 fLg/l
Pb Pb no sangue 60 fLg/100 ml
Pb na urina 150 fLg/l
Ácido delta-arninolevulínico 15 fLg/I
na urina
Cr Cr na urina 40 fLg/I
Ho Hg na urina 50 fLg/It»
. i Ni na urina 60 fLg/I
Zn Zn na urina 120 fLg/I
Cianetos e nitrilos Tiocianato na urina 4 fLg/I
CO Carboxiemoglobina no 5%
sangue
Benzeno Fenol na urina 50 fLg/I
Tolueno Ácido hipúrico na urina 2 g/I
Xilol Ácido metil hipúrico na 2,5 g/I
urina
CCI4 Triclorocompostos na urina 20 fLg/I
Metanol Metanol na urina 5 fLg/100 ml
DDT DDTno soro 50 fLgllOOml
Dieldrin Dieldrin no sangue 15 fLg/100 ml
Lindano Lindano no sangue 2 fLg/lOOml
Organofosforados e Inibição da colinesterase do 50% de
carbamatos plasma atividade
trabalho. Além de estabelecerem os limites máximos permitidos
(limites de tolerância), comissões de especialistas padronizam os
métodos para avaliação da intoxicação, indicando onde e como
o tóxico ou seus metabólitos devem ser investigados. O Quadro
3.10 indica os limites máximos permitidos para alguns tóxicos
pesquisados em diferentes materiais biológicos.
Fumaça do Cigarro
A fumaça do cigarro inalada pelo hábito de fumar ou por
não-fumantes que estão em ambiente fechado com pessoas que
fumam representa uma das mais importantes causas evitáveis
de doenças na espécie humana. Tabagismo está relacionado
diretamente a aumento de risco para o carcinoma broncopul-
monar e para os cânceres da laringe, faringe, esôfago, boca e,
em menor intensidade, da bexiga e do pâncreas. Além disso, é a
principal causa de doença pulmonar obstrutiva crônica e um dos
mais importantes fatores de risco de aterosclerose e cardiopatia
isquêmica. Na gravidez, está relacionado a aumento do risco de
aborto, de prematuridade e de nascimento de crianças de baixo
peso. A influência do uso do cigarro na etiologia dessas doenças
relaciona-se com a intensidade e a duração do hábito, como bem
demonstram estudos epidemiológicos. A cessação do hábito de
fumar se acompanha de diminuição do risco para as doenças
citadas; a redução do risco é tanto maior quanto mais prolongado
é o período de tempo após o abandono do hábito.
Etiopatogênese Geral das Lesões 69
Quadro 3.11 Concentração de algumas substâncias
tóxicas existentes na fumaça do cigarro (em ppm,
partes por milhão) e limites máximos permitidos
para elas em ambientes de trabalho (em ppm)
Limite permitido
Concentração na no ambiente de
fumaça do cigarro trabalho
Componente (emppm) (emppm)
CO 42.000 39
CO2 92.000 3.900
Hidrocarbonetos 8.700 780
Acetileno 31.000 1.000
Formaldeído 30 1,6
Acetaldeído 3.200 78
Acroleína 150 0,1
Metanol 700 150
Acetona 1.100 780
Amônia 300 20
N02 250 4
H2S 40 8
HCN 1.600 8
A fumaça do cigarro contém, entre centenas de produtos,
radicais livres, CO, nicotina, acroleína, metais variados, ni-
trosamidas e vários hidrocarbonetos policíclicos aromáticos
considerados carcinogênicos (Quadro 3.11). O calor da fumaça,
a acroleína e a nicotina estão entre os principais agressores
para o aparelho mucociliar no fumante, pois os dois primeiros
são irritantes e a nicotina inibe os movimentos ciliares. Disso
resultam aumento da secreção mucosa (a nicotina estimula essa
secreção) e redução da eliminação do muco, que se acumula e
produz nos fumantes crônicos a chamada descarga brônquica
matinal, geralmente acompanhada de tosse. Produtos da fumaça
do cigarro reduzem a atividade microbicida e fagocitária dos.
macrófagos septais, favorecendo infecções pulmonares. Ou-
tra conseqüência importante é a doença pulmonar obstrutiva
crônica. A carcinogenicidade da fumaça do cigarro está ligada
principalmente aos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e
às nitrosamidas que contém. Admite-se ainda que a fumaça
do cigarro contenha radionuclídeos (como o plutônio), que,
embora em pequenas quantidades, parecem se acumular na
bexiga (local de excreção), aí induzindo carcinoma de células
transicionais.
Solventes Industriais
Os solventes orgânicos são muito empregados na indústria
para a fabricação de colas, vernizes e tintas, sendo utilizados
ainda como removedores em vários tipos de limpeza industrial
ou doméstica. Como são geralmente voláteis, tais solventes
podem contaminar o ar no local de trabalho, favorecendo sua
inalação pelos trabalhadores; podem também ser ingeridos aci-
dentalmente, e alguns, por produzirem euforia transitória, são
utilizados abusivamente como psicotrópico (é o caso do tolueno
usado na cola de sapateiro). As lesões provocadas pela exposição
aos diferentes solventes variam de acordo com a natureza destes,
que serão comentados a seguir.
70 Patologia Geral
Os hidrocarbonetos alifáticos, como o n-hexano e a 2-he-
xanona, são utilizados na fabricação de algumas colas. Intoxi-
cação aguda produz confusão mental e incoordenação motora,
enquanto exposição crônica resulta em neuropatia periférica.
Esses compostos são metabolizados no REL do fígado, e seus
metabólitos, especialmente a 2,5-hexadiona, são responsáveis
por lesões neuronais e dos nervos periféricos.
A gasolina e o querosene são destilados do petróleo que
contêm uma mistura de hidrocarbonetos alifáticos (alguns de
cadeia ramificada e insaturados) e aromáticos. Exposição aos
vapores desses combustíveis (também usados como sol ventes)
pode ocorrer quando são utilizados em ambientes fechados,
como na limpeza de grandes tanques. Ingestão acidental pode
ocorrer, principalmente em crianças. As manifestações clínicas
de intoxicação aguda incluem: incoordenação motora, excitação,
confusão mental, ataxia, delírio e coma, podendo levar à morte.
Quando ingeridos, podem ser facilmente aspirados por vômito
ou eructação, por terem baixa densidade; nesse caso, pneumonite
aspirativa é a lesão mais grave. Indivíduos intoxicados com ga-
solina ou querosene são hipersensíveis aos efeitos da adrenalina,
que, em doses mínimas, pode produzir arritmia ventricular grave.
A contaminação da água com gasolina representa certo risco
para a população, pois geralmente contém até 2% de benzeno,
substância que pode provocar leucemia.
Hidrocarbonetos halogenados são largamente utilizados como
solventes, inclusive como removedores. Alguns são produzidos
espontaneamente durante tratamento da água para uso domésti-
co a partir da reação do hipoclorito com produtos naturalmente
existentes na água; nesse grupo estão o clorofórmio, o bromo-
diclorometano, o dibromocJorometano e o bromofórrnio. Como
alguns são carcinogênicos em modelos experimentais e como se
demonstrou aumento de risco para câncer do cólon, reto e mama
em populações que usam água hiperclorada, a exposição a esses
hidrocarbonetos deve ser evitada (os filtros de carvão parecem
eficientes na sua remoção).
Dos hidrocarbonetos halogenados utilizados como solventes,
o tetracloreto de carbono é o mais comum. Pode ser absorvido
facilmente por via respiratória ou digestiva e é metabolizado no
REL, originando o radical livre CCL * (tricJorometil), um forte
reator. Seus vapores são irritantes para os olhos e mucosas. As
manifestações sistêmicas de intoxicação aguda se iniciam com
náuseas, vômitos, sensação de cabeça pesada e cefaléia; nos casos
graves, pode haver torpor e coma. Os sinais de agressão hepática
demoram de 8 a 48 horas para aparecer e estão relacionados
com hepatite tóxica de gravidade variada. Intoxicação crônica
pode levar à cirrose hepática, que pode também ser seqüela de
intoxicação aguda (cirrose pós-necrótica). A lesão hepática se
caracteriza por necrose centrolobular, esteatose microgoticular
e degeneração hidrópica nos hepatócitos mais afastados da veia
centrolobular. A lesão hepatocitária decorre da peroxidação dos
lipídeos das membranas celulares, que afeta precocemente o
retículo endoplasmático (interrompendo a síntese protéica) e as
mitocôndrias (levando à cessação da síntese de ATP). Esteatose
e degeneração hidrópica são devidas a agressãopor peroxidação
discreta e reversível. O tetracloroetileno e o tricloroetano produ-
zem lesões semelhantes às do tetracJoreto de carbono.
Dos hidrocarbonetos aromáticos, o benzeno e o tolueno são
os mais importantes. O benzeno é subproduto da destilação do
coque, e sua inalação pode trazer conseqüências sérias. Na in-
toxicação aguda, as manifestações são fraqueza, dor de cabeça,
náuseas, vômitos e sensação de peso no tórax; nos casos mais
graves, turvação da visão, tremores, salivação, taquipnéia, arrit-
mias cardíacas, paralisias e perda da consciência. Na intoxica-
ção crônica (principal problema ocupacional), a medula óssea
é o órgão mais atingido; há redução na atividade mitótica e na
maturação das células-tronco, levando a pancitopenia (manifes-
tada inicialmente como leucopenia, por ser a série branca a mais
sensível). Exposição prolongada está relacionada a aumento de
risco para leucemia. O tolueno, utilizado como um dos solventes
da cola de sapateiro, é mais tóxico para o sistema nervoso central,
produzindo certo estado de euforia antes de induzir depressão,
razão pela qual é utilizado como psicotrópico. Ao contrário do
benzeno, não lesa a medula óssea.
Os álcoois são também utilizados como sol ventes, mas é
nas bebidas alcoólicas que têm maior importância. O etanol
pode produzir dependência e lesões em vários órgãos, como
será visto adiante. Por serem lipossolúveis, os álcoois se dis-
solvem facilmente nas membranas dos neurônios. Com isso,
perturbam a relação das proteínas intra- e transmembranosas
com a camada lipídica, desorganizando o trânsito de eletrólitos
e, consecutivamente, o comportamento dessas células. Por essa
razão, as manifestações neurológicas são precoces e intensas na
intoxicação aguda com álcoois.
O metanol (álcool metílico ou álcool de madeira) é utilizado
como combustível e pode acidentalmente contaminar bebidas
alcoólicas (especialmente as procedentes de destilarias clan-
destinas). O metanol é metabolizado pelas mesmas enzimas
que metabolizam o etanol (álcool e aldeído desidrogenases).
gerando ácido fórmico, que é o metabólito responsável pelas
lesões mais graves. As manifestações da intoxicação aparecem
algumas horas após a ingestão e são representadas por cefaléia,
vertigens, vômitos, dor no epigástrio (necrose pancreática), fra-
queza muscular nas extremidades e perda progressiva da visão
decorrente de lesão das células ganglionares da retina. O exame
de fundo de olho revela hiperemia acentuada do disco óptico.
Há ainda acidose grave devido à presença de ácido fórmico na
circulação, o qual é responsável pela lesão retiniana. Quando o
metanol é ingerido juntamente com o etanol, seus efeitos lesivos
são menores, já que o etanol compete no metabolismo, reduzindo
a transformação do metanol em ácido fórmico (aliás, o etanol
é usado no tratamento das intoxicações agudas com metanol,
exatamente para evitar a geração de ácido fórmico).
O isopropanol ou álcool isopropilico, também usado como
solvente, pode provocar manifestações sistêrnicas semelhantes
às produzidas pelo etanol (embriaguez); no entanto, a gastrite é
muito mais grave e as manifestações são mais duradouras porque
ele é metabolizado mais lentamente.
Os glicóis, etileno glicol e propileno glicol, são usados
como anticongelantes em líquidos de radiadores de automó-
veis. Intoxicação aguda produz narcose, coma e morte. São
também nefrotóxicos, provocando necrose tubular aguda. São
metabolizados no REL, e seus produtos são os responsáveis pela
nefrotoxicidade.
Poluentes da Água e do Solo
METAIS PESADOS. Os metais pesados atingem o ambiente
através de efiuentes industriais, podendo contaminar a água e os
alimentos, assim expondo humanos e outros animais a intoxicação
crônica; são também contaminantes comuns em ambientes indus-
triais e de trabalho de alguns profissionais especializados, e têm
grande importância em saúde ocupacional. Dos metais pesados
de interesse na contaminação ambiental e na saúde ocupacional,
os mais importantes são chumbo, mercúrio, cádmio e arsênio.
o chumbo é contaminante do ambiente de distribuição uni-
ersal, e encontrado na água, alimentos e diversos locais de tra-
oalho. Pintores, operários em fábricas de tintas (as tintas são ricas
em chumbo) e trabalhadores na fabricação e reparo de baterias,
anipulação de solda e de ligas metálicas são os profissionais
mais expostos à intoxicação. No ambiente doméstico, crianças
~ adultos estão sujeitos à exposição não só através de alimentos
enlatados, devido à solda das latas) e água como também da
poeira de pinturas, especialmente nas habitações mais antigas. O
ar das grandes cidades é contaminado com o chumbo existente
na descarga dos automóveis, especialmente nos países em que
- usa gasolina aditivada com chumbo tetraetila. O chumbo é
absorvido pelas vias digestiva e respiratória; cai na circulação
e se distribui nos tecidos moles, sendo posteriormente levado
os ossos (85%), onde se deposita e de onde volta lentamente à
irculação e aos tecidos moles.
O mecanismo patogenético das lesões produzidas pelo
humbo relaciona-se à sua capacidade de se combinar com
proteínas, alterando-lhes a estrutura terciária e, portanto, sua
função. As principais lesões e manifestações de intoxicação pelo
humbo, denominadas saturnismo, são: (a) no sangue, anemia
om discreta hemólise e inclusões basófilas nos eritrócitos. O
humbo interfere na ação de enzimas que atuam na síntese das
porfirinas, havendo inibição da incorporação do ferro ao herne;
b) no sistema nervoso central, encefalopatia saturnínica, mais
omum em crianças. Estas, quando expostas precocemente,
apresentam retardo mental variável, cegueira, paresias, psico-
e, convulsões e, nos casos graves, coma e morte. Há edema
erebral acentuado, desmielinização na substância branca en-
cefálica e cerebelar, necrose de neurônios e proliferação glial
e do endotélio dos capilares corticais. Necrose de neurônios
relaciona-se com inibição de enzimas da cadeia respiratória. Em
adultos, a encefalopatia é menos freqüente, sendo mais comum
uma neuropatia desmielinizante periférica que compromete a
inervação de músculos muito utilizados, especialmente os do
punho, dedos e pernas (há paralisias e aparecimento de mão e
pé em gota); (c) no tubo gastrintestinal, a manifestação mais
importante é cólica abdominal intensa, com enrijecimento da
parede abdominal, simulando quadro de abdome agudo; (d) nos
rins, pode haver nefropatia tubular com proteinúria, hematúria
e cilindrúria, ou lesão intersticial crônica. Nesses casos, podem
er observadas inclusões nucleares formadas por complexos de
chumbo com proteínas, encontradas inclusive em células do
edimento urinário.
O mercúrio foi muito utilizado como medicamento no passa-
do; atualmente, tem largo emprego na fabricação de defensivos
agrícolas. Contaminação ambiental se dá a partir do uso de de-
fensivos mercuriais e de efluentes industriais, especialmente de
indústrias de álcalis e de equipamentos básicos para eletrônica.
Os mineradores de ouro usam mercúrio metálico no processo
de separação do metal em areias de aluvião, contaminando as
bacias hídricas.
Tanto o mercúrio álico (vapores) como os sais de mercúrio
(mono ou bivalentes) e o mercúrio orgânico (metilmercúrio)
podem produzir lesões no organismo. Sua absorção pode se dar
por via digestiva (10% do ingerido no caso de sais e 90% no
caso de mercúrio orgânico) ou respiratória; cai na circulação,
acumula-se nos eritrócitos e se distribui para os tecidos. A excre-
ção se faz pelas vias digestiva e renal. O mercúrio produz lesões
especialmente por se ligar a grupos SH de proteínas, formando
mercaptídeos; em menor intensidade, liga-se também a radicais
fosforil, carbonil, amida e amina.
Etiopatogênese Geral das Lesões 71
Os vapores de mercúrio (mercúrio metálico) podem provocar
intoxicação aguda caracterizada por fraqueza, gosto metálico
na boca, náuseas, vômitos, diarréia,dispnéia e tosse. Exposição
crônica provoca uma síndrome neurastênica acompanhada de
bócio, gengivite e salivação excessiva. Na intoxicação com
sais de mercúrio, aparecem lesões na boca e no tubo digestivo
devidas ao efeito corrosivo da substância, além de manifesta-
ções semelhantes às provocadas pelo mercúrio metálico. Lesões
renais podem aparecer na forma de necrose tubular aguda ou de
glomerulopatia membranoproliferativa, cuja patogênese é mal
conhecida, suspeitando-se da participação de imunocomplexos.
Na intoxicação crônica, pode aparecer a síndrome da acrodinia
(eritema das extremidades, tórax e face, fotofobia, anorexia,
taquicardia e diarréia ou constipação). Intoxicação com metil-
mercúrio se manifesta por alterações neurológicas que incluem
perda de visão e de audição, ataxia, paresias, disartria, neurastenia
e deterioração mental progressiva.
O arsênio é encontrado sob a forma de sais orgânicos (arsenato,
pentavalente, e arsenito, trivalente) ou de arsina (AsH), esta últi-
ma a mais tóxica, seguida pelos sais trivalentes. O ambiente pode
ser contaminado a partir de minerações de mercúrio, cobre, zinco
e estanho (em cujos minérios o arsênio é encontrado em concen-
trações variáveis) ou de indústrias de pesticidas e de equipamentos
eletrônicos (usam sais de arsênio). O mecanismo de ação lesiva
relaciona-se à capacidade do arsênio de se combinar a grupos
SH de proteínas e de desacoplar a fosforilação oxidativa (sais
pentavalentes). O arsênio é absorvido por via digestiva e tende a
se localizar inicialmente no fígado, coração e pulmões; progres-
sivamente, se acumula na ceratina (proteína rica em grupos SH),
depositando-se nos pêlos, unhas e epiderme; deposita-se também
nos ossos e dentes e pode atravessar a barreira placentária.
As principais lesões produzidas pela intoxicação com o arsê-
nio e suas manifestações são: (a) no sistema circulatório, causa
vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular moderados,
produzindo edema discreto, mas persistente. Por essa razão, o
indivíduo aumenta de peso, levando à falsa impressão de um
efeito tônico do arsênio. O edema é mais acentuado no coração,
onde produz alterações eletrocardiográficas típicas que persistem
por longo tempo após a intoxicação; (b) no tubo digestivo, há
hiperemia e edema da mucos a, com formação de bolhas subepite- •
liais que, ao se romperem, induzem transudação de líquidos para
a luz com diarréia líquida e hemorragia; (c) no fígado, produz
esteatose e necrose na região centrolobular, podendo levar à
cirrose; às vezes, são observados cilindros nos pequenos canais
biliares e pericolangite; (d) nos rins, há alteração na permeabi-
lidade glomerular, com proteinúria intensa; (e) na pele, ocorrem
vasodilatação (eritema), hiperceratose palmar e plantar e, às
vezes, formação de vesículas. Nas formas crônicas, observa-se
atrofia da epiderme, podendo se formar carcinoma epidermóide
ou basocelular; (f) no sistema nervoso, pode produzir focos de
necrose e de hemorragia; no entanto, a manifestação mais comum
é uma neuropatia periférica comprometendo as extremidades; (g)
por último, é importante salientar que indivíduos cronicamente
expostos ao arsênio têm risco aumentado de desenvolver carci-
nomas da pele, do pulmão e do fígado.
O cádmio, encontrado na natureza associado ao zinco e ao
chumbo, é utilizado na indústria de plásticos, tintas, baterias (de
níquel-cádmio) e ligas metálicas e nos processos de galvaniza-
ção. Existe também na fumaça resultante da queima do carvão
de pedra e na fumaça do cigarro (um fumante de 20 cigarros por
dia absorve 1mg de cádmio por ano). Cádmio só existe na forma
metálica, e é absorvido pelas vias digestiva (10% do ingerido)
72 Patologia Geral
e respiratória (40% do inalado); cai na circulação e se liga a
proteínas do plasma e aos eritrócitos, depositando-se no fígado
e rins, onde permanece por 20 a 30 anos (fica ligado a proteínas
de baixo peso molecular denominadas metalotioneínas, cuja
síntese é induzida pelo metal).
Intoxicação aguda pelo cádmio se faz geralmente pela inalação
de fumaças ou de pó contendo o metal. Seus principais efeitos são
irritação das vias respiratórias, podendo ocorrer edema pulmonar
grave. Na exposição crônica, pode haver fibrose peribrônquica e
enfisema pulmonar. Suspeita-se que a capacidade do cádmio de
inibir a a1-antitripsina esteja relacionada à patogênese do enfise-
ma. Nos rins, as lesões aparecem quando as concentrações atin-
gem 200 u.g/g; nessa situação, surgem lesão do epitélio tubular
e proteinúria. Lesões glomerulares só aparecem em exposições
muito intensas ao metal.
Pesticidas
Os pesticidas, que incluem um grande número de substâncias
utilizadas como inseticidas, herbicidas, raticidas, fumigantes e
fungicidas, são substâncias fabricadas com a finalidade de serem
tóxicas para as pragas (a toxicidade seletiva é o que se busca),
mas que inevitavelmente o são também para humanos. O uso
indiscriminado de inseticidas leva à contaminação da água e de
alimentos e expõe os trabalhadores rurais a sérios riscos.
INSETICIDAS. Os inseticidas mais utilizados são os organoclo-
rados (DDT e metoxiclor, os ciclodienos clorados do tipo aldrin,
dieldrin, heptaclor e clordano), os organofosforados (malation e
paration), os carbamatos (carbaril) e os piretróides.
O DDT (clorofenoetano, Fig. 3.23A) foi o inseticida mais
utilizado nos últimos anos, tendo seu uso sido proibido atual-
mente em muitos países. É lentamente degradado no ambiente,
razão pela qual tende a se acumular no ecossistema, especial-
mente através de cadeias alimentares. É lipossolúvel e facil-
mente absorvido pela via digestiva. Da circulação, se distribui
ao organismo, tendendo a se acumular no tecido adiposo, de
onde é lentamente eliminado. É metabolizado no REL do fí-
gado, sendo forte indutor do sistema de oxidases mistas. Age
no sistema nervoso central, alterando o transporte eletrolítico,
especialmente o de K+ e o de Na'. Manifestações de intoxi-
cação aguda são parestesias, irritabilidade, tonteira, tremores
e convulsões. Estudos epidemiológicos mostram aumento de
risco para leucemias, câncer do pulmão e do fígado em pessoas
submetidas a exposição crônica ao DDT. O metoxic1or (Fig.
3.23A), usado como substituto do DDT, é menos tóxico e parece
não ter efeito carcinogênico. Émetabolizado mais rapidamente
no REL e eliminado.
Os cic1odienos c1orados (Fig. 3.23B) são estimulantes do
sistema nervoso central e produzem manifestações semelhantes
às causadas pelo DDT, mas seus efeitos convulsivantes são
mais precoces (convulsão pode ser a primeira manifestação de
intoxicação). São absorvidos pelas vias digestiva e cutânea (ao
contrário do DDT). Como são lipossolúveis, acumulam-se no
tecido adiposo; são metabolizados lentamente e sofrem degrada-
ção demorada, tendendo a se acumular nos ecossistemas, como
o DDT. Experimentalmente, produzem carcinoma hepatocelular
em camundongos (sobretudo o aldrin, o dieldrin, o heptaclor e
o clordano).
Entre os ciclodienos clorados existem ainda o hexacloro-
benzeno (HCB ou BHC), o lindano, o toxafeno, o mirex e a
clordecona (Fig. 3.23B). O BHC é uma mistura de isômeros, dos
quais o isômero gama é o lindano, o que possui a maior atividade
inseticida. O BHC é muito usado para eliminar ectoparasitas.
As manifestações de intoxicação são semelhantes às do DDT.
Também é metabolizado no REL, sendo indutor do sistema; seu
metabolismo e excreção são mais rápidos do que os do DDT. O
toxafeno é uma mistura de cerca de 175 hidrocarbonetos policlo-
rados de 10 átomos de carbono, e a maioria é pouco conhecida.
Os efeitos são semelhantes aos produzidos pelos outros organo-
clorados. O mirex e a clordecona são muito utilizados, têm baixa
velocidade de degradação na natureza e tendem a se acumular
nas cadeias alimentares. As manifestações de intoxicação são
semelhantes às dos demais organoclorados. Atrofia testicular
tem sido descrita apósexposição crônica.
Dos inseticidas organofosforados, os mais utilizados são o
paration e o malation (Fig. 3.23C). O paration é pouco volátil e
estável em solução aquosa, sendo absorvido pelas vias digestiva
e cutânea. A toxicidade deve-se ao efeito anticolinesterásico de
um metabólito originado de sua biotransformação no REL, o
paraoxon. O malation é inibidor da colinesterase, mas, como é
rapidamente detoxificado pelo sistema de oxigenases de função
mista no fígado de mamíferos, é menos tóxico.
As manifestações clínicas da intoxicação com organofosfo-
rados estão relacionadas aos efeitos muscarínicos e nicotínicos
da acetilcolina. Na exposição a vapores e aerossóis que contêm
o inseticida, as manifestações oculares e respiratórias são mais
precoces: miose, dor ocular, congestão da conjuntiva, espasmo
ciliar e dor nos supercílios; no sistema respiratório, há congestão
das vias respiratórias superiores, broncoconstrição e aumento
da secreção brônquica. Se ocorre ingestão dessas substâncias,
as manifestações gastrintestinais são mais precoces: anorexia,
náuseas, vômitos e diarréia. Por absorção cutânea, sudorese loca-
lizada e fasciculação muscular regional podem ser as primeiras
manifestações. Outros efeitos independentes da via de absorção
são: salivação intensa, incontinência urinária e fecal, sudorese,
bradicardia e hipotensão arterial. Os efeitos nicotínicos se refle-
tem nas junções neuromusculares e produzem fraqueza e fadiga
musculares, paresias e paralisias. Confusão mental, ataxia, fala
arrastada, respiração de Cheyne-Stokes e perda de reflexos
devem-se aos efeitos no sistema nervoso central.
Entre os carbamatos, o mais utilizado é o carbaril e seus
similares. São inibidores da colinesterase, e as manifestações da
intoxicação são semelhantes às dos organofosforados.
Os piretróides (piretros, Fig. 3.23D) são inseticidas de origem
vegetal extraídos das flores do Chrysanthemum cincerariae-
folium. A atividade inseticida e tóxica deve-se a uma mistura de
compostos de estrutura semelhante, dos quais o mais ativo é a
piretrina I. Os piretróides são derivados sintéticos da piretrina
e largamente utilizados como inseticidas domésticos. O meca-
nismo de ação sobre as membranas dos neurônios é semelhante
ao do DDT (inibição de canais iônicos). A baixa toxicidade dos
piretróides para mamíferos se deve à sua rápida inativação após
biotransformação no REL. Por outro lado, têm propriedade aler-
gênica intensa, não observada em outros inseticidas. Dermatite de
contato e alergia respiratória são freqüentes nos manipuladores
de piretróides.
A rotenona (Fig. 3.23D) é outro inseticida de origem vegetal,
extraída de plantas dos gêneros Derris e Lonchocarpus. É utili-
zada no combate a ectoparasitas, mas casos de intoxicação são
raros. A substância, que provoca efeitos irritantes locais, inibe a
oxidação de NADH em NAD, alterando, portanto, diversas fases
dos processos de oxidação nas células.
A H
CI --o- r-o- CI
CCI,
DDT
CCI,
Metoxiclor
B
CI
CI
CI CI
CI
BHC
CI
Aldrin
CI
WCIO CH, CCI, I CI
CI CI
CI
Dieldrin
CI,---J.ya
~CI
CI CI
Heptaclor
CI;y$:CICCI, I
CI CI
CI CI
o Clordecona
Clordano
Etiopatogênese Geral das Lesões 73
c (CH,),N O'4p
C,H,O/ 'CN
a
i-G,H,O, ,&0pr
CH,/ \.. F
Tabun (a) e Sarin (b)
b
C,H.o,pf'S --o-
C,H,O/ .'0 O NO,
Paration
CH,o, ~S
p
/ \CH O S - CHCOOC,H,, I
CH,COOC,H,
Malation
CI
CI
D
AH'C•••••CH, AO CH2CH~CHCH==CH,H..... ••••.• coo IH,C\ =C, H H ./ CH,
R/ 'H
Piretrina I
CH,O
Rotenona
CH,
#
C
H 'CH,
Fig. 3.23 Estrutura química de alguns inseticidas. (A) DDT e metoxiclor; (B) ciclodienos clorados; (C) organofosforados; (D) de origem vegetal.
FUMIGANTES. São pesticidas utilizados na forma gasosa de-
vido à facilidade de penetração em frestas inacessíveis a outros
inseticidas (para matar formigas, tratar cereais armazenados etc.).
Os mais utilizados são o cianeto (ácido hidrociânico ou ácido
prússico), o brometo de metila, o dibromocloropropano, o dibro-
moetileno e a fosfina.
O cianeto é um dos tóxicos de ação mais rápida que se conhe-
ce. É inibidor da cadeia respiratória (tem alta afinidade pelo ferro
no estado férrico), levando a bloqueio da síntese de ATP em todas
as células; por isso, provoca morte em poucos minutos.
O brometo de metila é tóxico para o sistema nervoso central,
produzindo cefaléia, mal-estar, perturbações visuais, náuseas,
vômitos e convulsões.
O dibromocloropropano e o dibromoetileno (utilizados para
controlar nematóides no solo) são depressores do sistema nervoso
central, podendo causar desconforto gastrintestinal e edema pul-
74 Patologia Geral
monar após ingestão. Em ratos e camundongos, induzem câncer
gástrico. Esterilidade e oligospermia têm sido observadas em
homens cronicamente expostos.
A fosfina (usada como fumigante de grãos) é um gás liberado
lentamente a partir de tabletes de fosfito de alumínio na presença
de umidade do ar. Irritação brônquica grave e edema pulmonar
são as manifestações mais importantes após inalação.
RATICIDAS. Os mais freqüentemente usados são a warfarina, o
ftuoroacetato de sódio, a estricnina, o fósforo branco e amarelo,
o fosfito de zinco e o tálio. Todos são tóxicos para humanos.
A warfarina tem efeitos anticoagulantes e, se ingerida, pode
produzir manifestações hemorrágicas. O jluoroacetato de sódio
e ajluoroacetamida são poderosos inibidores do ciclo do ácido
cítrico, interrompendo a progressão do ciclo de Krebs. Os efeitos
são mais drásticos no sistema nervoso central e no coração, onde
as manifestações aparecem mais precocemente.
A estricnina é um alcalóide da noz-vômica (planta originária
da Índia) e tem sido utilizada como raticida (Fig. 3.24). Atua
no' sistema nervoso central bloqueando os circuitos inibidores,
favorecendo a excitação. Por essa razão, é um poderoso agente
convulsivante. Intoxicação em humanos manifesta-se inicial-
mente por rigidez (hipercontratura) dos músculos da face e do
pescoço, hiper-reflexia e convulsões.
Quando ingerido, o fósforo branco ou amarelo produz irri-
tação gastrintestinal acentuada, geralmente com sangramento
grave. A fração absorvida produz necrose hepática extensa,
periportal, podendo levar a necrose maciça do fígado.
Se ingerido, ofosfito de zinco libera no estômago, na presença
de HCI e água, a fosfina (PH3), que é forte irritante para o tubo
gastrintestinal.
A o-naftiltiouréia (Fig. 3.24) é usada como raticida devido à
alta sensibilidade de ratos e camundongos ao tóxico. Atua sobre
os capilares do pulmão, produzindo edema pulmonar agudo.
Na intoxicação aguda, o sulfato de tálio causa irritação
gastrintestinal grave, paralisia motora e morte por depressão
respiratória. Por exposição crônica, induz alopecia, lesão típica
nessa situação. Aparecem também manifestações neurológicas
como parestesias, paralisias e tremores, podendo haver o apare-
cimento de psicoses.
Estricnina
s
"NH-C-NH,00
a-naftiltiouréia
Fig. 3.24 Estrutura química da estricnina e da a-naftiltiouréia.
HERBICIDAS. A produção e o uso de herbicidas têm aumentado
muito nos últimos anos, e, embora grande parte seja de baixa toxi-
cidade, alguns são substâncias muito perigosas para humanos.
Os clorofenoxiderivados incluem o 2,4-D e o 2,4,5-T, cujas
fórmulas estão na Fig. 3.25. O agente laranja, muito usado na
guerra do Vietnã, é uma mistura de 2,4-D, 2,4,5- Te tetraclorodi-
benzodioxina (TCDD). Os acidentes de intoxicação humana são
raros, mas dermatite de contato (pela TCDD) é freqüentemente
relatada nos manipuladores do tóxico. Enquanto o 2,4-D e o
2,4,5-T são pouco metabolizados, sendo excretados in natura,
a TCDD é transformada no REL, onde é forte indutora de aril-
hidroxilases. Em animais de laboratório, TCDD é teratogênica
e carcinogênica.
Vários derivados de dinitrofenóis são usados como herbici-
das. O dinitro-ortocresol(DNOC) é responsável por intoxica-
ção humana. É um desacoplador da fosforilação oxidativa nas
mitocôndrias, produzindo quadro agudo de hipermetabolismo
e hipertermia (sudorese intensa, respiração rápida, taquicardia)
que evolui rapidamente para a morte (geralmente nas primeiras
24 horas após a ingestão).
O paraquat (derivado do bipiridil, Fig. 3.25) é o principal
representante e um dos mais importantes herbicidas do ponto
de vista toxicológico. Ingestão acidental ou suicida de paraquat
é seguida de manifestações respiratórias, hepáticas e renais. O
paraquat sofre oxidorredução que leva à formação de um ânion
superóxido, o qual gera oxigênio simples responsável pela pe-
roxidação de lipídeos das membranas celulares. Um dos órgãos
mais atingidos é o pulmão, o qual apresenta lesões no epitélio
alveolar e proliferação fibroblástica intersticial acentuada.
Outros herbicidas, como o profan e o barban (carbamatos),
monuron e diuron (derivados da uréia), triazinas e derivados de
anilinas (alaclor, propaclor e propanil) são pouco tóxicos para
mamíferos.
CI-oOCH,COOH
2,4-D
CI
C'*OCH'COOH
CI
2,4,5-T
CI~0'l'Ar'CI
c,~oMc,
TCDD
H3C-NO> <ON-CH3
Paraquat
Fig. 3.25 Estrutura química de alguns herbicidas.
[
H3
C 1' Metal
H,C/ N - ~ - S Cátion
Dimelildiliocarbamalo
S
Ii
CH,_NH_C <, Metal
I /' Cátion
CH -NH-C
a \\
S
Elilenodiliocarbamalo
Fig. 3.26 Estrutura química dos ditiocarbamatos.
GICIDAS. Entre os fungicidas estão os derivados do ditio-
carbamato, o pentaclorofenol e os formados por sais mercuriais.
ditiocarbamatos (Fig. 3.26) recebem nomes de acordo com
metal que possuem na molécula: ziram (zinco), ferban (ferro),
maneg (manganês) e naban (sódio). Não são muito tóxicos por via
_. têmica, mas com freqüência produzem dermatite de contato.
Experimentalmente, têm efeito carcinogênico e teratogênico. O
pentaclorofenol é utilizado como fungicida e como herbicida;
corno os clorofenólicos, produz desacoplamento da fosforila-
ção oxidativa, resultando em síndrome de hipermetabolismo e
.pertermia.
CONTAMINANTES~ENTARES
ontaminantes Naturais
Sobretudo nos países tropicais, os alimentos estão sujeitos a
ontaminação por diversos tipos de fungos durante o processo
de arrnazenamento, alguns dos quais liberam toxinas capazes
de produzir lesões no organismo. Várias doenças e lesões têm
sido associadas à ação de micotoxinas, especialmente aflato-
tinas, ocratoxinas, tricotecenos, zearalenonas e ergolinas. A
ontaminação de alimentos por fungos é facilitada por condições
especiais de umidade e de temperatura, que influenciam também
a produção das toxinas.
AFLATOXINAS. São derivados bis-furano cumarínicos (Fig.
3.27A) produzidos por fungos do gênero Aspergillus (A.flavus e
A.parasiticus), dos quais são encontradas quatro variantes que
ontaminam alimentos: aflatoxinas B 1 e B2 (fluorescência azul) e
afIatoxinas G1 e G2 (fíuorescência verde). Em vacas alimentadas
com ração contaminada com aflatoxinas B, e B2, aparecem no
leite os metabólitos conhecidos como aflatoxinas M, e M2 (M
de milk). Os alimentos mais freqüentemente contaminados são
cereais e sementes de leguminosas, sobretudo amendoim. As
aflatoxinas são encontradas nos alimentos in natura e em seus
derivados, como fubá, pasta de amendoim, farinha de soja e de
semente de algodão. Rações para animais, se não armazenadas
adequadamente, contaminam-se com facilidade. Tratamento
com calor pode inativar grande parte das aflatoxinas, bem como
a alcalinização que se faz na farinha de milho para produzir as
tortilhas.
A exposição de humanos às aflatoxinas varia de acordo com
a região geográfica e os hábitos alimentares. Na África é muito
intensa, mas no Brasil pouco se conhece a respeito. As aflatoxi-
nas são bem absorvidas pela via digestiva e se distribuem nos
tecidos, tendendo a se acumular especialmente no fígado e, em
menor escala, nos rins. São metabolizadas no REL e produzem
Etiopatogênese Geral das Lesões 75
vários metabólitos, inclusive epoxiderivados, que têm grande
afinidade pelo DNA, estando possivelmente relacionados à sua
carcinogenicidade. A excreção se faz pelos rins e fezes (bile).
Os efeitos lesivos das aflatoxinas foram observados ini-
cialmente em animais domésticos. Em 1960, 100.000 perus
morreram intoxicados na Inglaterra após ingestão de ração
contaminada. A necropsia desses animais mostrou hemorragias
múltiplas em vários órgãos e, no fígado, esteatose, necrose
centrolobular e proliferação biliar. Posteriormente, em patos e
porcos intoxicados por período mais longo, observou-se também
fibrose hepática. Estudos experimentais em diversas espécies
têm mostrado que a suscetibilidade aos efeitos das aflatoxinas é
variável. Em macacos (Macacafascicularis), foram encontradas
necrose hepática, proliferação biliar discreta e esteatose maciça,
esta última vista também no coração e nos rins; observaram-se
ainda edema cerebral e lesões degenerativas nos neurônios. A
carcinogenicidade das aflatoxinas tem sido demonstrada em
várias espécies (exceto camundongos), e o carcinoma hepato-
celular é o mais freqüente, embora tumores renais tenham sido
relatados. As aflatoxinas B, têm maior efeito carcinogênico.
Em humanos, os efeitos das aflatoxinas têm sido estudados com
base em observações clínicas e epidemiológicas. A incidência do
carcinoma hepatocelular (CHC) é maior em populações africanas
que ingerem grande quantidade de aflatoxinas com os alimentos,
havendo relação direta entre a ingestão e a incidência do tumor .
Nessas populações, a infecção pelo vírus B da hepatite também
é freqüente; a idade de aparecimento do CHC é menor do que
em populações em que o vírus B é endêmico mas os indivíduos
não estão expostos a altos níveis de aflatoxinas. Nessas regiões,
a dosagem de aflatoxinas em fragmentos de fígado demonstrou
a toxina em concentrações variáveis, maiores nos portadores de
CHC (de 17 a 1.190 u.g/g).
Observações em crianças com desnutrição protéica grave
(kwashiorkor) mostram níveis elevados de aflatoxinas e ocra-
toxinas no plasma e na urina, admitindo-se sua participação na
pato gênese das lesões viscerais observadas nesses pacientes.
São raros os relatos de casos agudos de aflatoxicose em huma-
nos, possivelmente por falta de diagnóstico adequado e pelo fato
de os médicos estarem pouco atentos a essa possibilidade.
OCRATOXINAS. São micotoxinas classificadas quimicamente
como policétidos (Fig. 3.27B). Somente as ocratoxinas do grupo
A e, em menor freqüência, as do grupo B têm sido encontradas
contaminando alimentos. São produzidas por vários fungos
dos gêneros Aspergillus (grupo Ochraceus) e Penicillium
(grupos Monoverticilliata, Asymmetrica lanata, Asymmetrica
fasciculata e Biverticiliata symmetrica). São absorvidas por via
digestiva, caem na circulação, ligam-se à albumina e passam
aos tecidos, onde se armazenam principalmente nos rins, fígado
e músculos. São metabolizadas no REL e excretadas na urina
e fezes (bile).
Em alguns animais, principalmente porcos e aves, demons-
trou-se que as ocratoxinas são responsáveis por nefropatia crô-
nica caracterizada por degeneração e atrofia do epitélio tubular
renal, fibrose intersticial no córtex e hialinização de gloméru-
los. Estudos experimentais em outras espécies têm confirmado
essas observações, além de demonstrarem efeitos teratogênicos
em ratos, camundongos e hamsters. Efeitos rnutagênicos não
foram detectados pelo teste de Ames, mas existem evidências de
efeitos carcinogênicos em camundongos (tumores renais). Em
humanos, ocratoxinas têm sido associadas à nefropatia crônica
Aflatoxina M, Aflatoxina M,
o
o o OH oo o
HO
X
Aflatoxina G, Aflatoxina G, Zearalenonas
o o OH
76 Patologia Geral
A o o
Aflatoxina B,
o o
Aflatoxina P,
o
Aflatoxina B,
Aflatoxicol
B COOR OH O
C"'C')'-N'-CO«9
~CH3
R'
Ocratoxinas
O C 16 10
~'-----T- R'
14
TricotecenosE O
11
R-C R'
I I
N
I
H
Ergolinas
Fig. 3.27 Estrutura química de alguns contaminantes alimentares. (A) Aflatoxinase alguns de seusmetabólitos; (B) ocratoxinas; (C) tricotecenos;
(D) zearalenonas; (E) ergolinas.
dos Bálcãs (observada em zonas rurais da Romênia, Bulgária e
antiga Iugoslávia), que apresenta as mesmas características da
nefropatia encontrada experimentalmente após intoxicação com
ocratoxinas. A doença é mais comum em mulheres, tem distri-
buição regional e está associada freqüentemente a carcinomas da
pelve renal e do ureter. Naquelas regiões, têm sido demonstradas
contaminação freqüente de alimentos com a ocratoxina A e a
presença da toxina no plasma das pessoas testadas.
TRICOTECENOS. São sesquiterpenóides produzidos por
fungos do gênero Fusarium (F tricintum, F sporotrichoides,
F graminearum e F poe), que produzem os tricotecenos A e B,
e dos gêneros Mycothecium e Stachybotris, que sintetizam os
tricotecenos dos grupos C e D (Fig. 3.27C). Esses fungos são
também contaminantes de cereais. Os tricotecenos são absorvi-
dos por via digestiva, mas não se acumulam de modo especial
em nenhum órgão. Metabolizados no REL e excretados pelas
fezes (bile) e urina, são poderosos inibidores da síntese protéica
e dos ácidos nucléicos e alteram as propriedades de transporte
da membrana plasmática.
Animais intoxicados com rações contaminadas apresentam
quadros variáveis: necrose do epitélio do esôfago e do estômago,
lesões hemorrágicas disseminadas e necrose focal no fígado,
variando de intensidade de acordo com a espécie. Inibição da
resposta imunitária (produção de anticorpos, rejeição de enxertos,
reações de hipersensibilidade retardada, resposta blastogênica de
ócitos a lectinas) e aumento da suscetibilidade a infecções
êm sido observados em animais tratados com tricotecenos.
Efeiros carcinogênicos não foram ainda demonstrados de forma
_ nsistente. Estudos epidemiológicos demonstram que na África
. Sul e em algumas regiões da China o aumento na incidência
. carcinoma do esôfago parece estar relacionado ao consumo
"e milho contaminado com fungos do gênero Fusarium. As
zoxinas possivelmente relacionadas com a carcinogênese são as
fumonisinas e o nivalenol ou algum de seus metabólitos.
Dois surtos agudos de intoxicação humana por tricotecenos
oram relatados, um na China e outro na Índia. As pessoas se
:ntoxicaram ingerindo alimentos mofados, e os sintomas come-
çaram entre 5 e 60 minutos após a ingestão: náuseas, vômitos,
r abdominal, diarréia, tonteiras e cefaléia. Não houve casos
fatais. No episódio da China, a análise do sangue demonstrou a
resença de tricotecenos do tipo B (toxina do tipo DON, de 0,32
92,8 mg/kg) e de zearalenona; no da Índia, de tricotecenos do
ipo A (toxina T2) e B (tipos DON e NIV).
A doença descrita anos atrás na Europa com o nome de
leucia tóxica alimentar é devida à ação de tricotecenos. Foi
encontrada em pessoas que ingeriram pão mofado contaminado
com Fusarium graminearum e se manifestou por hipoplasia da
medula óssea e leucopenia acentuada. Outra doença descrita no
Japão como toxicose por grãos crostosos, caracterizada por dor
abdominal, náuseas e vômitos, deveu-se à ingestão de alimentos
ontaminados com fungos Fusarium produtores de tricotecenos.
Ao lado disso, estudos em voluntários humanos mostraram que
ingestão do tricoteceno A (T) produz inibição da agregação
plaquetária. A tentativa do uso de tricotecenos A e B (tipo DAS)
como quimioterápico mostrou efeitos colaterais como náuseas,
vômitos, diarréia e manifestações neurológicas.
ZEARALENONAS. São lactonas do ácido fenólico (Fig. 3.27D)
produzidas também por fungos do gênero Fusarium (F. gramine-
arum, F. moniliforme, F. tricintum). As zearalenonas têm efeito
estrogênico, bem evidente em porcas, que, quando intoxicadas,
apresentam hipertrofia da vulva e das mamas, congestão e edema
do corpo uterino. Não existem informações sobre efeitos das
zearalenonas na espécie humana.
ERGOT. Ergot é palavra francesa que significa esporão do galo,
usada para indicar a estrutura formada por fungos do gênero ela-
viceps no centeio (esporão do centeio). As toxinas produzidas são
alcalóides denominados ergolinas (Fig. 3.27E), que são potentes
vasoconstritoras. Intoxicação com ergot é conhecida desde o
éculo XIX (ergotismo) e se manifesta como doença gangrenosa
ou convulsivante. Os últimos episódios de ergotismo na Europa
aconteceram no período de 1926-28; outros foram relatados mais
recentemente na Etiópia e na Índia.
ADITIVOS ALIMENTARES
O armazenamento de alimentos impõe a necessidade do uso de
conservantes de natureza variada. Além disso, o processamento
industrial inclui o tratamento com diversos compostos químicos
que deixam resíduos no produto final. Portanto, é necessário que
se conheçam bem os produtos utilizados, seu potencial tóxico e,
especialmente, as doses máximas permitidas de ingestão diária,
para que se possa prevenir danos à saúde dos consumidores. A
Organização Mundial da Saúde (OMS) reúne periodicamente
especialistas em química, toxicologia, nutrição e medicina, com
a finalidade de analisar os aditivos alimentares e de elaborar
Etiopatogênese Geral das Lesões 77
as recomendações de seu uso com segurança. Como foge aos
objetivos deste texto a descrição dos diferentes e numerosos
aditivos alimentares e seus possíveis efeitos, recomenda-se ao
leitor interessado no assunto a leitura das publicações da OMS,
Série Informes Técnicos, que tratam do assunto. Nesses textos,
estão listadas as substâncias utilizadas como conservantes,
edulcorantes, corantes, espessantes, aromatizantes, sol ventes
e extratores, com informações sobre a ingestão diária máxima
permitida (IDA) e os riscos potenciais de cada uma delas.
DROGAS DE USO ABUSIVO QUE PODEM
PROVOCAR DEPENDÊNCIA
No contexto das agressões por substâncias químicas, o uso
abusivo de drogas de efeito psicotrópico, ao lado dos efeitos dos
poluentes ambientais, é o que mais tem preocupado as autorida-
des de saúde nos últimos anos. Abuso de drogas pode produzir
lesões relacionadas diretamente ao efeito farmacológico da
droga, aos efeitos de contaminantes utilizados como diluentes
ou à introdução de agentes infecciosos, especialmente vírus de
transmissão parenteral (vírus das hepatites B, C e D, HIV, HTLV,
entre outros).
Os termos e expressões referentes ao assunto têm às vezes
significado controvertido ou ambíguo, razão pela qual serão aqui
discutidos resumidamente. Abuso de drogas é a expressão que
indica o uso, por auto-administração, de substâncias fora de seu
emprego médico e dos padrões socioculturais da sociedade. Vício
é a condição na qual o uso da droga é compulsivo; é um estado
de dependência, não necessariamente física, podendo significar
apenas dependência psicológica. Tolerância a uma substância
significa que, após uso repetido, doses maiores são necessárias
para se atingirem os efeitos da dose original; está relacionada
com a adaptação ao metabolismo da droga (aumento da ativida-
de das enzimas que a metabolizam, por indução das mesmas).
Dependência a uma droga se refere a uma síndrome na qual
o uso da substância é colocado como prioritário em relação a
comportamentos que já foram de alto valor para o indivíduo. De-
pendência física é a expressão utilizada para indicar alterações
fisiológicas que resultam em manifestações clínicas (síndrõme
da retirada) quando há suspensão do uso da droga (termo melhor
seria neuroadaptação). Os mecanismos da dependência física não
são bem conhecidos. No caso dos opióides, está relacionada a
aumento do número de receptores e/ou a alteração na capaci-
dade de geração dos mensageiros secundários: a morfina inibe
a proteína Gi, aumentando a atividade da adenilato ciclase e a
síntese de AMPc, que é responsável por parte das manifestações
da síndrome de retirada.
A dependência a uma droga é definida pela Sociedade Ame-
ricana de Psiquiatria pela presençade três ou mais dos seguintes
critérios: (1) uso da substância em número de vezes maior do que
o pretendido; (2) insucesso nas tentativas de reduzir ou retirar o
consumo da substância; (3) grande gasto de tempo na aquisição
e no uso da droga e na recuperação dos seus efeitos; (4) sintomas
freqüentes de intoxicação; (5) abandono de atividades sociais e
do trabalho em decorrência do uso da droga; (6) uso continuado,
apesar dos efeitos físicos e psíquicos adversos; (7) desenvolvi-
mento de tolerância à droga; (8) uso freqüente de medicamentos
que impedem as manifestações da droga de uso abusivo.
Etanol
O álcool etílico ou etanol é a droga mais utilizada por seres
humanos; seu consumo moderado é aceito pela sociedade, em-
78 Patologia Geral
bora se condene seu uso abusivo. Intoxicação alcoólica aguda
ou crônica é causa de numerosas doenças, muitas delas graves
e que, se não levam à morte, são geralmente incapacitantes para
o trabalho.
O etanol é bem absorvido pelas vias digestiva e respiratória,
distribuindo-se rapidamente por todos os tecidos. É metabolizado
principalmente no fígado e no tubo gastrintestinal. No fígado, o
metabolismo se faz por duas vias: (a) pela álcool desidrogenase
(ADH) do cito sol, que oxida o álcool a acetaldeído, o qual é
oxidado pela aldeído desidrogenase a acetato. Essas reações
consomem NAD e geram NADH; (b) pelo sistema microssômico
de oxidação do etanol (MEOS), que utiliza o citocromo P450IlEl
(cit P450 induzível pelo etanol). Se a oferta de álcool é moderada,
a primeira via metaboliza praticamente todo o etanol; a segunda
via age somente quando os níveis de etanol são mais elevados.
Na intoxicação aguda, a oxidação do etanol pelo MEOS inibe
o metabolismo de outros xenobióticos pelo sistema microssomal;
já na ingestão crônica, o sistema microssomal é induzido. Nesse
caso, se o indivíduo reduz ou cessa o uso de álcool, a capacidade
de metabolizar xenobióticos fica bastante aumentada; se continua
ingerindo etanol, a competição persiste e o metabolismo de outras
drogas pode ficar ou não aumentado. Essa ação do etanol sobre
o REL explica por que seu uso pode aumentar a toxicidade de
muitas substâncias, como o CCl4 e o acetaminofeno, ou reduzir
a atividade de outras, na fase aguda da intoxicação (aumentam
as concentrações de derivados morfínicos no cérebro, pois fica
inibida a metilação microssomal desses metabólitos). Além disso,
o efeito carcinogênico de muitas substâncias se torna aumentado
pela intoxicação crônica com o etanol, possivelmente pelo fato
de o REL amplificado aumentar a produção de metabólitos ativos
a partir dos carcinógenos ingeridos. Em alcoólatras crônicos,
é maior a ocorrência de câncer do fígado, esôfago, pulmões e
intestino grosso. O metabolismo dos esteróides endógenos tam-
bém é afetado: há aumento da degradação da testosterona e da
conversão para estrógenos e diminuição da síntese testicular de
andrógenos. O metabolismo energético como um todo também
se altera: o alcoólatra perde peso (ou não ganha, apesar de dieta
adequada) possivelmente porque há grande consumo de NADH
no MEOS, sem geração de compostos ricos em energia; com isso,
produz-se apenas liberação de calor, o que contribui somente
para o aumento do metabolismo.
O metabolismo do etanol no tubo digestivo, sobretudo no
estômago, leva à oxidação de 20% da quantidade ingerida, es-
pecialmente na ingestão discreta ou moderada, diminuindo sua
disponibilidade para os demais órgãos e tecidos. A capacidade de
metabolizar etanol no estômago é menor em mulheres (possuem
menos ADH gástrica do que os homens, o que explica em parte
a maior suscetibilidade do gênero feminino aos efeitos lesivos
do etanol) e está diminuída em alcoólatras crônicos.
Um dos órgãos mais lesados pelo uso crônico do etanol é o
fígado. Nele, a agressão direta do etanol envolve estresse oxida-
tivo, modificações da atividade de proteínas causadas pela adição
de acetaldeído e aldeídos derivados da oxidação de lipídeos e
formação de ésteres de aciletanol. O estresse oxidativo tem três
origens: (a) maior geração de radicais livres pelo metabolismo do
etanol pelo CYP2EI e por mitocôndrias lesadas; (b) aumento da
quantidade de NADH decorrente da oxidação do etanol e do ace-
taldeído; (c) redução de antioxidantes, como glutation (reduzido
especialmente nas mitocôndrias), carotenóides e vitamina E.
Radicais livres reagem com lipídeos de membranas e geram
malondialdeído e 4-hidroxinonenal, os quais, juntamente com o
acetaldeído, reagem e se ligam a proteínas, produzindo alterações
funcionais e morfológicas nos hepatócitos. Com isso, surgem
alterações nos proteassomos, diminuição da regeneração da
metionina, agressão ao retículo endoplasmático e favorecimento
da apoptose por modificação de moléculas que a inibem. As
mitocôndrias apresentam alterações na permeabilidade (ação
de ésteres de aciletanol) que favorecem a saída de citocromo c
(induz apoptose) e a produção de mais radicais livres, podendo
acarretar redução da síntese de ATP, o que favorece a necrose.
Há ainda aumento da atividade da sintetase do óxido nítrico,
que passa em maior quantidade para as mitocôndrias, onde
inibe a citocromo oxidase e facilita a geração de radicais livres
(peroxinitrito). Mitocôndrias gigantes e dismórficas aparecem
em cortes histológicos de rotina como glóbulos hialinos. As
principais alterações hepáticas no alcoolismo são esteatose,
apoptose, necrose, reação inflamatória e fibrose. As principais
formas anatomoclínicas da hepatopatia alcoólica são esteatose,
hepatite alcoólica e cirrose (Fig. 3.28).
A esteatose induzida pelo etanol é uma das primeiras lesões
a se desenvolver nos hepatócitos. A esteatose decorre de: (1)
aumento na síntese de ácidos graxos e triglicerídeos por: (a)
excesso de NADH originado da atividade da álcool e aldeído
desidrogenases; (b) aumento da expressão de enzimas lipogené-
ticas; (c) redução da atividade da adenosina monofosfato cinase
(AMPK), principal moduladora da atividade das enzimas envol-
vidas na lipogênese; (2) redução da excreção de lipoproteínas por
modificações na tubulina, alterada pela adição de acetaldeído e
malondialdeído; (3) diminuição da oxidação de ácidos graxos
por inibir receptores nucleares responsáveis pela indução das
enzimas que favorecem a lipoxidação (PPAR)' e LXR). Apop-
tose de hepatócitos, freqüente no etilismo, deve-se a aumento da
expressão de receptores Fas e de ligantes do Fas e alterações na
permeabilidade mitocondrial. Além disso, modificações em pro-
teínas intracelulares tornam o hepatócito mais sensível a outros
estímulos para apoptose, inclusive a induzida pelo TNFCl. Ne-
crose focal de hepatócitos induz inflamação (hepatite alcoólica),
com exsudato de neutrófilos e monócitos decorrente da liberação
de citocinas e quimiocinas por hepatócitos e células de Kupffer.
Estas estão ativadas pela maior absorção de toxinas devido ao
aumento da permeabilidade intestinal induzida pelo etanol. A
fibrose hepática, que pode progredir para cirrose, resulta da pro-
dução aumentada de matriz extracelular pelas células estreladas
ativadas por radicais livres, acetaldeído e citocinas liberadas por
células de Kupffer e células do exsudato inflamatório.
Além de produzir lesões hepáticas, o etanol ingerido por tem-
po prolongado provoca fenômenos degenerativos nos neurônios
do sistema nervoso central (encefalopatia crônica do alcoólatra,
acompanhada de hipotrofia do encéfalo), no coração (cardiopatia
alcoólica), nos músculos esqueléticos e no pâncreas (pancreatite
crônica calcificante). Como as células desses órgãos não pos-
suem desidrogenase alcoólica, admite-se que as degenerações
decorram da ação lesiva de ésteres etílicos formados pelo etanol
com ácidos graxos e do acetaldeído circulante originado do
metabolismo do etanol.
Os efeitos agudos do etanol (embriaguez) são devidos às
alterações que o álcool induz na membrana dos neurônios (modi-
ficaçõesda fluidez, alterando a posição das moléculas que atuam
no transporte iônico) e a um possível aumento do poder inibidor
do GABA (ácido gama-aminobutírico) nas sinapses.
O etanol possui efeitos teratogênicos bem-definidos, produzindo
a síndrome alcoólica fetal. Esta se caracteriza por redução no QI,
baixo peso ao nascimento e malforrnações faciais como fissuras pal-
pebrais pequenas, lábio superior hipotrófico, nariz e queixo pequenos.
~ 1 ETANOL r
•• ?Cais~.
j Ácidos graxos Sensibilização der-- insaturados hepatócitos a
A t Id 'd Malondialdeído outras agressõescea elo /
~ 4-hidroxinonenal (
.,nf) !J..../ Lesão
""~ c:J-I Apoptose ---- mitocondrial
Proteínasalteradas
aductos
~
Degeneração
hidrópica
~
Corpos de
Mallory
Etiopatogênese Geral das Lesões 79
l
Endotoxinas
l
Células de
( Kuppf9f
Citocinas~
~
Células
~ estreladas
Necrose
Inflamação
~
Regeneração --y-
CIRROSE
Fibrose
Fig. 3.28 Esquema resumindo os principais efeitos do etanol sobre os hepatócitos.
Drogas Usadas por Inalação
As mais utilizadas são o tolueno, o clorofórmio (solventes,
estudados neste capítulo na seção Poluentes do ar em ambien-
tes de trabalho) e o cloridrato de fenciclidina. Este último foi
sintetizado como anestésico e é muito empregado por usuários
jovens por meio de inalação ou ingestão. Tem efeitos depressivos,
alucinogênicos e estimulantes, produzindo como manifestações
graves de intoxicação: agitação, convulsões, delírio, redução
de funções sensoriais e motoras (causa importante de acidentes
automobilísticos). Parece não produzir dependência física ou
psíquica.
Drogas Estimulantes do Sistema
Nervoso Central
As mais usadas são a cocaína e as anfetaminas e seus deriva-
dos. A cocaína é uma das drogas de uso abusivo mais consumida.
É um alcalóide extraído de folhas de coca (Fig. 3.29), na forma
de cloridrato, um pó branco solúvel. As preparações habitual-
mente vendidas encontram-se contaminadas com talco, lactose e
outros pós brancos utilizados como "diluentes". A alcalinização
da cocaína e sua extração com solventes orgânicos originam um
preparado na forma de grânulos denominado crack, com efeitos
farmacológicos mais potentes (o termo crack - estalo - se
refere ao barulho que os grânulos produzem quando são aque-
cidos). A cocaína é utilizada por inalação (aspiração tipo rapé),
por injeção subcutânea ou intravenosa, por aspiração junto com
a fumaça de cigarro ou por ingestão.
Os efeitos da cocaína se relacionam à sua ação simpaticomi-
mética: dilatação pupilar, vasoconstrição arteriolar, taquicardia e
predisposição a arritmias e hipertensão arterial. Vasoconstrição
arteriolar pode produzir lesões degenerativas e necrose, espe-
cialmente na mucosa nasal e no coração, podendo, em usuários
crônicos, provocar quadro de miocardiopatia dilatada. Além
80 Patologia Geral
CH3
o H3C
H3CO" li \
<O>-Lo~ C"'----oC~"'-r"- NH,
CHPY-- CH3
MescalinaCocaína 12-delta-9-tetra-hidrocanabinol
2
-CH3
Psilocina
HO
Morfina
o-CH,_PH_NH,
CH3
Anfetamina
C,H, O
\ 11
N-C
I
C,H,
H
LSD
Fig. 3.29 Estrutura química de algumas drogas estimulantes do sistema nervoso.
disso, pode induzir infarto agudo do miocárdio em pacientes
com obstrução coronariana prévia. O usuário de cocaína (como
o de outras drogas injetáveis) apresenta freqüentemente lesões
cutâneas nos sítios habituais da injeção: cicatrizes, áreas de
hiperpigmentação, trombose venosa, fiebólitos, abscessos, ulce-
rações e linfadenite regional; granulomas do tipo corpo estranho
são encontrados nos linfonodos regionais e nos pulmões (talco,
trigo ou outro contaminante da droga). Além disso, tais usuários
têm maior risco de desenvolver endocardite infecciosa, muitas
vezes na valva tricúspide. Infecções secundárias por vírus de
transmissão parenteral são muito comuns (são pessoas de alto
risco para as viroses de transmissão parenteral).
As anfetaminas (utilizadas comumente como anorexígenos)
têm efeitos similares aos da cocaína (estimulante) e as mesmas
manifestações de intoxicação. Ao contrário da cocaína, as anfe-
taminas podem produzir lesão nos neurônios dopaminérgicos,
nos quais induz a síntese de 6-hidroxidopamina.
Opióides (heroína, morfina, Fig. 3.29) são largamente utili-
zados pelos usuários de drogas, muitos dos quais se tornam de-
pendentes em decorrência do uso terapêutico de algum derivado
(tratamento de dor) ou porque têm facilidade de contato com
eles (médicos e pessoal paramédico). Os preparados vendidos
habitualmente são de heroína e em geral contêm contaminantes,
como no caso da cocaína. Os efeitos da heroína e dos outros
opióides são euforia, alucinações, sonolência e sedação. Super-
dose pode produzir morte súbita devido a arritmias cardíacas,
edema pulmonar ou depressão respiratória aguda. Superdose é
freqüente porque o conteúdo em heroína dos preparados vendidos
varia de 2% a 90%, sendo difícil para o usuário calcular a dose
suportável. Como para a cocaína, os usuários podem apresentar
lesões sistêmicas ou nos locais de injeção devidas aos contami-
nantes e à introdução de agentes infecciosos. Um contaminante
comum dos preparados de heroína é a quinina, que pode causar
lesões renais e neurológicas, com perda de audição. Os opi-
óides induzem baixo grau de tolerância e dependência física,
mas as manifestações da síndrome de retirada são exuberantes.
A síndrome de abstinência dos opióides começa 8 a 12 horas
depois da última dose, com lacrirnejamento, rinorréia, bocejos
e sudorese; em seguida, aparece um período de cansaço e sono-
lência (o indivíduo dorme mais do que o normal e acorda com a
mesma sensação de cansaço); as pupilas se dilatam e aparecem
crises de piloereção, irritabilidade, tremores, náuseas e vômitos.
Manifestações psicológicas tardias são comuns.
A maconha, utilizada na forma de cigarros feitos com folhas
secas de Cannabis sativa, está entre as drogas de uso mais
popular. O princípio ativo da maconha é o delta-9-tetra-hidro-
canabinol (THC, Fig. 3.29). O haxixe, resina extraída das folhas
da maconha, é cinco a 10 vezes mais rico em THC do que as
folhas secas. Os efeitos da maconha sobre o organismo humano
são ainda discutidos; muitos decorrem de idiossincrasia e outros
dependem da presença de contaminantes, principalmente herbi-
cidas do tipo paraquat. No entanto, estudos experimentais in vivo
e in vitro têm demonstrado efeitos lesivos do THC. Em ratos e
camundongos surge depressão da resposta imunitária celular, o
que não é encontrado em humanos. Alterações cromossômicas
como quebras, deleções e translocações são observadas em
células somáticas em cultura. Em ratos e camundongos, o THC
induz oligosperrnia, baixa fertilidade e aumento da mortalidade
pós-natal da prole. Um estudo em mulheres usuárias de maco-
nha mostrou redução do tempo de gestação, recém-nascidos
de baixo peso e aumento da freqüência de malformações. O
sistema respiratório pode apresentar lesões decorrentes da ação
da fumaça (bronquite), mas sem relação comprovada com o
arcinoma broncopulmonar. Taquicardia e elevação da pressão
arterial têm sido observadas em usuários inveterados. No sistema
nervoso central, a maconha produz alterações nos mecanismos
de percepção e na coordenação motora que desaparecem quatro
a seis horas após o uso. A maconha parece não induzir tolerância
ou dependência.
Barbitüricos e drogas hipnossedativas (benzodiazepínicos
e derivados) são mais utilizados de modo abusivo do que os
opióides. É comum que usuários de opióides e alcoólatras
usem os hipnossedativos para diminuir os efeitos psicológicos
e as manifestações de abstinência. Os hipnossedativos induzem
tolerância e dependência física, cuja síndrome de abstinência
é caracterizada por agitação, irritabilidade, insônia, ansiedade
e. às vezes, delírio e convulsões. Uso crônico abusivo pode ser
sintomático por longo tempo. As manifestações que aparecemsão semelhantes às do alcoolismo crônico (fraqueza, alterações
no humor e no julgamento, fala arrastada, redução da memória
e da compreensão, labilidade emocional, entre outros).
Drogas psicodélicas são as que têm efeito alucinogênico,
psicotomimético e psicotogênico, mas que tipicamente produzem
alteração na percepção sensorial e sensações só experimentadas
em estados de sonho ou de exaltação. A mescalina (de um cacto
mexicano) e apsilocina (extraída de cogumelos), que pertencem
a esse grupo, foram muito usadas pelos índios mexicanos. Nos
tempos modernos, o ácido lisérgico (LSD, Fig. 3.29) tem sido
muito utilizado, inclusive entre estudantes universitários (que
têm acesso aos processos de síntese nos laboratórios de quími-
a). O uso do LSD geralmente não induz manifestações físicas
érias. Quando aparecem, se devem ao efeito simpaticomimético:
dilatação das pupilas, taquicardia, hipertensão, tremores, pilo-
ereção, aumento da temperatura corporal e fraqueza muscular.
As conseqüências mais graves do uso do LSD são manifestações
psicológicas: (a) síndrome de pânico após os efeitos alucinogê-
nicos; (b) desencadeamento de manifestações esquizofrênicas
que podem progredir como esquizofrenia instalada. No caso da
psilocina, os usuários do chá de cogumelo estão sujeitos a se
intoxicar com toxinas de fungos, principalmente amanitina (do
Amanitas phalloides). Essa substância inibe a RNA polimerase e
induz graves lesões no sistema nervoso central, manifestadas por
dor de cabeça e convulsões seguidas de coma e morte. Necrose
hepática centrolobular, necrose tubular aguda dos rins e mione-
crose são outras lesões produzidas pela amanitina. A muscarina
é outra toxina produzida por fungos do gênero Amanita; seus
efeitos são parassimpaticomiméticos: contração pupilar, sudo-
rese, bradicardia e diarréia.
Etiopatogênese Geral das Lesões 81
LEITURA COMPLEMENTAR
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