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® BuscaLegis.ccj.ufsc.br 
 
 
Processo e Hermenêutica: a produção do direito como compreensão 
 
 
Wálber Araujo Carneiro 
 
 
1. Direito e modernidade 2. Direito e pós-modernidade 3. 
Fenomenologia hermenêutica 4. Fenômeno e círculo 
hermenêutico 5. Formas de manifestação do fenômeno 
jurídico 6. O processo como fenômeno índice e a polêmica 
sobre a sua instrumentalidade 7. O papel da argumentação 
na produção ou compreensão da decisão 8. Conclusões 9. 
Bibliografia. 
 
 
O objetivo desse trabalho não é discutir as questões dogmáticas que giram em torno do processo, 
mesmo porque não seria eu a pessoa mais indicada para tanto. Pretendo aqui estabelecer uma 
relação entre a compreensão do direito e o processo jurisdicional, na medida em que o 
desenvolvimento da hermenêutica jurídica – na verdade, a sua aproximação da hermenêutica 
filosófica – traz novas questões a serem discutidas e, ao mesmo tempo, destrói algumas outras 
questões que, até então, eram tidas como verdades. 
 
Como costumo sempre alertar, toda e qualquer construção científica deve estar respaldada por 
uma concepção epistemológica sólida e coerente. Não é possível discutir erros e acertos em 
matéria de ciência, seja ela jurídica ou não, sem conhecer os pressupostos metodológicos 
utilizados. Até porque, muitas vezes, os erros e acertos decorrem, justamente, da concepção 
epistemológica adotada. 
 
Sendo assim, antes de verificar as aproximações entre o processo e a hermenêutica, faz-se 
necessário estabelecer o paradigma epistemológico sobre o qual a análise irá se dar, sob pena de 
confundir o leitor e estabelecer oposições que, muitas vezes, não existem. 
 
1. Direito e modernidade 
 
O paradigma dominante na comunidade jurídica é fruto da construção racionalista produzida na 
gênese da modernidade. Não quero dizer com isso que o desenvolvimento da metodologia 
jurídica desde o séc. XVIII até os dias atuais1 não tenha passado por mudanças, avanços e 
retrocessos, nem mesmo que haja uma unicidade ideológica e metodológica por trás de todas as 
construções vivenciadas até então. Quero dizer, apenas, que desde os estudos desenvolvidos pela 
Escola de Exegese e Pandectistas até as construções hermenêuticas de Dworkin, ainda somos 
 
1
 A chamada ciência do direito se manifesta antes mesmo do século XVIII, contudo, as correntes positivistas ou, 
genericamente, aquelas que negavam o jusnaturalismo racional ou qualquer outra forma de jusnaturalismo se 
mostram a partir da Escola de Exegese. 
vítimas de uma atitude cognoscitiva que possui a mesma base epistemológica: a filosofia da 
consciência2. 
 
A filosofia da consciência está diretamente relacionada com o projeto de modernidade e, 
conseqüentemente, com a crença de que a emancipação passava pelo domínio do mundo 
mediante uma racionalidade científica3. Os doentes, o conforto, o belo, o ético, agora não estavam 
mais entregues a Deus. Estavam entregues à razão. Se considerarmos o direito, o período pré-
revolucionário (Revolução Francesa) foi ainda marcado por uma racionalidade presente no plano 
ético, contudo, com a ascensão da burguesia ao poder, a racionalidade do direito foi confiada à 
lei, ignorando-se a existência de condutas válidas que fossem de encontro ao ordenamento 
jurídico. A racionalidade moral-prática (ética) foi deslocada para a racionalidade científica, 
passando esta a ser, portanto, uma das lógicas que embalam o pensamento moderno pós-
revolucionário. Deveria, assim, ser trabalhada mediante uma teoria do conhecimento que fosse a 
ela adequada. 
 
A transformação de tudo que seria conhecido em objeto foi a primeira premissa do conhecimento 
moderno. O objeto é necessariamente algo estranho ao homem e que para ser conhecido deve ser 
por ele apreendido, sendo a razão o elemento responsável pela reconstrução desse objeto na 
consciência humana, afinal, a concepção antropocentrista da época não admitiria que o ser 
estivesse fora do homem – como pensavam Platão e Parmênedes – mas dentro dele, na sua 
“consciência”4. 
 
Essa atitude cognoscitiva foi a base para o pensamento jurídico moderno. O direito, para ser 
conhecido, foi transformado em objeto, independente do fato de ser ele uma construção humana. 
Até mesmo aqueles que admitiam o direito como algo humano, partia de tal concepão, a exemplo 
de Carlos Cóssio (1964, p. 232) que o considerou um “objeto” advindo do “ego”, ou seja, um 
objeto egológico pela classificação ôntica de Husserl. 
 
Sendo o direito objeto, ele estava fora do homem como algo entificado e diverso de um outro 
ente: o fato. Fato e direito eram objetos dissociados e que deviam ser identificados separadamente 
e contrapostos mediante uma operação silogística. Desse modelo padrão, fruto direto da 
concepção moderna de conhecimento, nasce a base metodológica do direito: a subsunção5. 
Assim, a afirmação que fiz acima é comprovada, em especial, pela presença da subsunção como 
base de toda metodologia jurídica construída na modernidade. Dela decorrem uma série de 
postulados metodológicos: questões de fato ao lado de questões de direito dissociadas uma da 
outra; uma hermenêutica metódica que viabilizava adequações na norma jurídica (questões de 
 
2
 A filosofia da consciência congrega uma série de correntes filosóficas que vai de Descartes a Husserl, dos 
objetivstas aos idealistas, passando pelo historicismo de Hegel até a fenomenologia de Husserl, na medida em que 
toda cognição se dava mediante a estrutura sujeito-objeto. Em termos ontológicos, a marca da filosofia da 
consciência em relação manifestações humanas é a entificação para o estudo. 
3
 Vide Boaventura de Souza Santos e Ulrich Beck. 
4
 Muito embora a racionalidade seja uma marca da modernidade, a influência da ontologia (estudo do ser das coisas) 
proporcionou alguma evolução que, resumidamente, pode ser vista como a passagem de uma razão objetiva (a 
realidade era, por si só, racional), passando pela subjetiva (a racionalidade era fruto da reconstrução pela consciência 
humana), ambas correntes inatistas (que consideravam a racionalidade inata à natureza ou ao homem), até chegarmos 
a concepções mistas, como a kantiana, e as históricas, como em Hegel. Atualmente, ainda se fala em uma 
racionalidade comunicativa (Habermas). 
5
 Daí o silogismo-subsuntivo como método preponderante e vivo até hoje na metodologia jurídica, em especial na 
doutrina civilista. 
direito), permitindo um resultado extensivo ou restritivo, apenas para viabilizar a subsunção ao 
fato; da analogia, recurso utilizado para suprir lacunas e, ao mesmo tempo, manter a idéia de que 
há algo que pode se subsumir ao fato e assim por diante. 
 
As modificações metodológicas percebidas ao longo dos últimos séculos não quebraram essa base 
epistemológica (filosofia da consciência) e mantiveram o seu núcleo duro metodológico 
(subsunção). Mas o que moveu as adequações metodológicas e como elas se manifestaram? Creio 
que as modificações na metodologia jurídica – mantida a sua base epistemológica e o núcleo duro 
da subsunção – se deve ao aumento da complexidade social. Essa complexidade se deve a 
diversos fatores, dentre eles a evolução tecnológica proporcionada pelo avanço das ciências e, em 
especial, pelo pluralismo6. Aplicar o direito em uma sociedade simples e que possui um 
ordenamento jurídico imposto por um agente dominante implica em uma unicidade axiológica 
atendida pela técnica da subsunção. Ocorre que a necessidade de redimensionamento do projeto 
de modernidade exige concessões do agente que o incorporou – o capitalismo – dentre elas a 
abertura do sufrágio o que provocou o pluralismo7. Uma sociedade plural possui um ordenamento 
jurídico plural sob o ponto de vista axiológico, dificultando a aplicação do direito medianteum 
mero silogismo. 
 
Em busca de uma aplicação que se aproximasse da justiça, mas que, ao mesmo tempo, não 
negasse a idéia da segurança jurídica, a metodologia foi sendo modificada. Mantido o seu núcleo 
duro (a subsunção), as modificações eram percebidas em sede hermenêutica. A passagem da 
vontade do legislador para a vontade da lei reflete a necessidade de o direito se adequar ao tempo 
de sua aplicação, ou seja, ao momento da subsunção. A inclusão de novos métodos de 
interpretação, a necessidade do direito se adequar à nova sociedade que, aos poucos ia 
identificando os equívocos de um projeto (de modernidade) que hoje se mostra esgotado. O 
método histórico de interpretação, o sociológico, o sistemático e, em especial, o teleológico, 
escondiam o manto da criatividade necessária à correta compreensão do fenômeno jurídico. Era a 
forma encontrada para escamotear a liberdade do intérprete e, com isso, sustentar uma 
metodologia aparentemente segura. O método de interpretação não nos confere segurança alguma 
nem nos leva a lugar algum. Ele carrega uma verdade que traz consigo mesmo (GADAMER), 
sendo que essa verdade foi lá colocada pelo próprio intérprete. Achar que o método condiciona a 
interpretação é admitir que ao sairmos de férias escolhemos primeiro a estrada, sendo ela a 
responsável pela escolha do nosso destino. 
 
A normatividade dos princípios foi a última tentativa de adequação do modo moderno de ver o 
direito. Quando se percebeu que o “estica-e-puxa” das regras jurídicas não iriam atender aos 
anseios de uma sociedade que não se encontrava com o seu projeto emancipatório, a solução 
encontrada foi admitir, de uma vez por todas, que os valores deveriam ser abarcados pela 
metodologia jurídica, ainda que fosse para isso necessário admitir a atividade criativa do 
intérprete. Ocorre que a caminhada dos princípios à condição de norma não se deu de imediato. 
Primeiro ele foi considerado como um apêndice hermenêutico, visão defendida no Brasil por 
Gofredo Teles Jr, por exemplo. Depois, sob a forma de normas programáticas, passou a receber 
um tratamento dogmático que saiu da ineficácia à uma eficácia que não proporcionava direitos 
subjetivos8. Os princípios encontraram em Dworkin e Alexy os seus mais árduos defensores, 
 
6
 Uma sociedade plural é uma sociedade marcada pelo dicenso e não pelo consenso, inviabilizando a validade das 
teorias contratualistas e atingindo as bases da racionalidade universal. 
7
 Quanto ao pluralismo e hermenêutica, vide Marcelo Campos Galuppo. 
8
 Quanto ao desenvolvimento das teorias sobre norma programática, vide Paulo Roberto Lírio Pimenta. 
contudo, ainda que tenham sido ambos os responsáveis pela mais drástica adequação 
metodológica vivida na modernidade, convém lembrar que as alterações tinham como objeto uma 
metodologia paralela, voltada exclusivamente para os princípios, quando as regras – distintas 
logicamente dos princípios – continuavam sendo aplicadas mediante o silogismo subsuntivo9. As 
afirmações de que regras se excluem e princípios se conformam são o exemplo nítido dessa 
metodologia apartada para princípios e da manutenção da velha e boa subsunção para as regras. 
 
Portanto, sendo fiel ao que disse no início, ou seja, de que é necessário pensar a produção 
científica sempre tendo em mente o paradigma epistemológico sobre o qual ela se fundamenta, 
devo alertar ao leitor de que a filosofia da consciência, a racionalidade universal e o silogismo 
subsuntivo não servirão de base para o que será construído a seguir. Logo, antes da tentativa de 
estabelecer uma aproximação entre hermenêutica e processo, devemos nos situar no novo modelo 
proposto, até mesmo para verificar se supostas divergências não passam de reflexos da quebra 
paradigmática no plano semântico. 
 
2. Direito e pós-modernidade 
 
Se os trabalhos que visam decifrar o que a pós-modernidade representa não chegam a um 
consenso sobre a sua existência, não serei eu neste trabalho quem terá a pretensão de fazê-lo. 
Contudo, devo dizer apenas que a expressão utilizada ou, até mesmo, a superação da 
modernidade e a passagem para uma outra era, não são tão significativos se concluirmos que há 
uma crise, que nessa crise há novos problemas que são postos e que novas soluções são 
necessárias. 
 
Além disso, se demoramos séculos para concluir quando a modernidade começou e se quando 
concluímos já percebemos que ela estava em crise, seria muita audácia querer, em plena transição 
paradigmática, identificar algum marco cronológico. O fim da modernidade e o início da 
sociedade que vem depois da moderna, conforme defende Boaventura de Souza Santos, só será 
percebida depois que tal fato se der. Assim, o que vale agora é identificar os paradigmas sociais 
emergentes e, a partir deles, construir soluções adequadas. No que toca ao direito, não são 
possíveis soluções novas com base em velhos paradigmas. Os conflitos transidividuais; o 
reconhecimento do pluralismo; a nova roupagem da democracia; o respeito às minorias; o risco 
do desenvolvimento; as possibilidades da ciência e diversas questões emergentes exigem do 
direito uma resposta e ela não virá com a subsunção, com a analogia e com a interpretação 
extensiva. Ou seja, não será o art. 4º da LIC o responsável pela “salvação”! 
 
Mais uma vez, a construção de um paradigma epistemológico retoma as bases da teoria do 
conhecimento e da ontologia. A filosofia da consciência, marcada pelo conhecimento mediante a 
dicotomia sujeito–objeto é substituída pela filosofia da linguagem, que concebe o conhecimento 
necessariamente na cadeia comunicativa, ou seja, sujeito–sujeito. Mas, por que a linguagem passa 
a ser o elemento central da nova atitude cognoscitiva? Em primeiro lugar, ao contrário da 
modernidade que construiu o seu projeto em torno de si mesma10, a pós-modernidade parte de 
uma sociedade existente, sendo assim, a escolha da linguagem não foi arbitrária, foi imposta pela 
sociedade. Segundo Boaventura de Souza Santos (2003, p. 106): 
 
 
9
 O all or nothing como método de aplicação das regras proposto por Dworkin representa, no fundo, a manutenção 
do modelo subsuntivo para esses tipos de norma, ao contrário dos princípios que deveriam ser ponderados. 
10
 Vide nesse sentido Habermas em O discurso filosófico da modernidade. 
Quando o desejável era impossível foi entregue a Deus; quando o 
desejável se tornou possível foi entregue à ciência; hoje, que muito do 
possível é indesejável e algum do impossível é desejável temos que partir 
ao meio tanto Deus como a ciência. E no meio, no caroço ou no miolo, 
encontramo-nos, com ou sem surpresa, a nós próprios. 
 
Mas esse homem que se encontra no centro não é um homem transcendental que possui em sua 
mente uma razão capaz de “ler” o mundo como se nela existisse um “Windows-NT-
transcendental”, mas um homem inserido na sociedade, na cadeia comunicativa. A opção pela 
linguagem decorre do fato de ser ela a “matéria” de tudo aquilo que é humano. 
 
Pois bem, se conhecer o mundo é compreendê-lo através da linguagem, ou seja, daquilo que é 
dito sobre as coisas, o campo do conhecimento humano responsável por explicar o processo de 
conhecimento da linguagem passa a ter uma importância vital, até mesmo hipervalorizada, muitas 
vezes. Desde os estudos Schleiemacher no romantismo alemão se defende a idéia da 
hermenêutica como um saber responsável por esse processo de compreensão da linguagem. Daí 
para chegarmos na hermenêutica ontológica de Heidegger e na filosófica de Gadamer foi um salto 
de mais ou menos um século e que, só hoje, começa a ser sentido com força no direito. Afinal, 
como disse, a opção da metodologia jurídica foi promover adequações através de uma 
hermenêutica metódica. 
 
Assim, sendo o direito uma construção humana,ele não é, como afirma J.J. Calmon de Passos, 
nem matéria nem energia condensada: é linguagem. Como a linguagem deve ser compreendida, o 
direito, portanto, deve ser compreendido. Sendo assim, vamos a busca de como se dá o processo 
dessa compreensão. 
 
3. Fenomenologia hermenêutica 
 
Os conceitos de fenômeno e de fenomenologia não diferem apenas por não designarem a mesma 
coisa. Diferem, também, por força das diversas concepções gnosiológicas. Ernildo Stein (2001, p. 
140) enumera as cinco principais correntes do pensamento fenomenológico, quais sejam: a) 
fenomenologia descritiva; b) fenomenologia transcendental; c) fenomenologia psicológico-
descritiva; d) fenomenologia dos valores; e, finalmente, e) fenomenologia hermenêutica, onde se 
situaria o pensamento e obra de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer. Considerando os 
objetivos desse trabalho, ou seja, a compreensão do fenômeno processual e sua aproximação com 
a hermenêutica, aquela última corrente é a que merecerá destaque. 
 
A fenomenologia hermenêutica é um método. O curioso é que constitui um método de 
compreensão que nos leva, justamente, à conclusão de que inexistem métodos para que se 
compreenda o mundo-da-linguagem. Por essa razão, talvez estivesse mais próxima de um 
processo do que propriamente de um método, afinal, o estabelecimento de um método pressupõe 
outros possíveis e aceitáveis, o que é veementemente negado pelos hermeneutas. Se não há outro, 
a única forma de se estabelecer a compreensão não poderá será considerada um método, mas um 
processo inevitável. Em razão disso, estudar o processo hermenêutico acaba sendo uma atitude 
analítica. 
 
Para Stein (2001, p. 187): 
 
Emergindo da explicitação das tarefas da ontologia, a necessidade de 
uma ontologia fundamental, cujo tema é a analítica existencial do ser-aí, 
a ser realizada de tal modo que leve ao problema central da questão do 
sentido do ser, qual será o método a comandar essa empresa? Heidegger 
responde com o método fenomenológico concretizado na hermenêutica. 
A analítica do ser-aí será realizada por meio da descrição 
fenomenológica como explicitação. “O logos da fenomenologia do ser-aí 
tem o caráter de hermeneuein que anuncia à compreensão do ser, incluso 
no ser-aí, o sentido autêntico do ser em geral e as estruturas fundamentais 
de seu próprio ser”. 
 
A fenomenologia hermenêutica se mostra, assim, como um processo (método) no qual o ser se 
desvela. Esse desvelamento só é possível se algo se põe àquele que compreende, àquele que 
carrega o ser velado, ou seja, quando algo se mostra ao dasein11. Esse algo que se mostra ao 
dasein é o ente, aquilo que será nomeado, valorado, estigmatizado, enfim, humanizado. Esse ente, 
portanto, não entra no dasein, nem tampouco é reproduzido na consciência do sujeito do 
conhecimento. Esse ente apenas toca o sujeito provocando nele a compreensão, o desvelamento 
do ser. Vê-se, assim, que não há uma reprodução, mas um bombardeio ôntico no dasein que 
provoca uma reação no mundo da linguagem provocando compreensão. 
 
Lembremos da imagem daquela antiga propaganda da Sadia, quando um garoto de olhos 
vendados passa o dedo sobre uma série de objetos (entes) enfileirados e, um a um, anuncia a 
revelação do ser: - “esse não ‘é’ Sadia... esse não ‘é’ Sadia... Ah! Esse ‘é’ presunto Sadia!” O 
“ser” presunto e, mais ainda, o “ser-presunto-Sadia”, correspondem ao desvelamento do “ser” de 
um “ente” que proporciona esse desvelamento, muito embora ambos estejam em planos 
ontológicos diferenciados. Um mata a fome e está sujeito às leis de Lavosier, enquanto que o 
“ser” é humano, poderá ser criado, esquecido e não matará a fome de ninguém, mas pode 
representar sinal de status e corresponde a um modo de sedução do mercado. 
 
Mas a fenomenologia hermenêutica não se reduz à diferença ontológica entre “ente” e “ser”, mas 
em outros elementos que daí se desdobra. O primeiro diz respeito ao modo como o ente se 
mostra. Ele nunca se mostra sozinho, isolado e descontextualizado. O se mostrar do ente sempre 
vem acompanhado de um contexto, de uma situação. O ente, portanto, sempre se mostra em meio 
a um fenômeno que se abre na clareira do ser. Junto com um ente outros entes se mostram no 
fenômeno e, muito embora isso seja algo que, a princípio, dificultaria a compreensão, facilita na 
medida em que traz elementos que, associados, provocam o desvelamento do ser como verdade. 
 
Além disso, a diferença ontológica e a complexidade do fenômeno viabilizam e exigem um ir e 
vir do ente revelado ao desvelamento do ser. Como essa relação não se dá em um mesmo ponto – 
dentro da consciência – mas em pontos diferentes, esse ir e vir gera uma relação de circularidade, 
denominada de círculo hermenêutico. A compreensão do direito (o seu desvelamento) exige a 
depuração desses dois elementos constitutivos da fenomenologia hermenêutica: fenômeno e 
círculo hermenêutico. 
 
 
11
 Dasein é um termo da língua alemã decorrente de dois outros signos (da+sein). “Sein” significa ser, enquanto o 
“da”, estaria próximo da nossa preposição “aí”. O ser-aí (dasein) é o ser que se coloca em meio à linguagem, que a 
compreende por estar imerso no local onde as experiências comunicativas se dão. 
4. Fenômeno e círculo hermenêutico 
 
“A regra hermenêutica, segundo a qual devemos compreender o todo a partir do singular e o 
singular a partir do todo, provém da retórica antiga e foi transferido pela hermenêutica moderna 
da arte de falar para a arte de compreender” (GADAMER: 2002, p. 72). Na hermenêutica 
romântica, a exploração da idéia da circularidade na interpretação se deu especialmente em 
Friedrich Schleiemacher, diretamente influenciado por Friedrich Ast e Friedrich Schlegel. 
 
Para Grondin (1999, p. 120): 
 
A idéia do “Círculo Hermenêutico”, como ela será chamada mais tarde, 
obtém talvez sua primeira e ao mesmo tempo universal característica: “A 
lei básica de toda compreensão e conhecimento é a de encontrar, no 
particular, o espírito do todo e entender o particular através do todo.” 
Nesta “lei básica”, a hermenêutica posterior irá encontrar antes um 
problema universal, questionado, de que modo o todo pode ser obtido a 
partir do particular e se o pressentimento de um todo não irá antes 
prejudicar a concepção do particular. 
 
A busca pelo processo – ou método – que moveu a construção da fenomenologia hermenêutica 
constitui uma resposta às indagações originadas pela premissa da circularidade. Para a outra 
indagação, relativa ao pressentimento equivocado de todo, Gadamer também buscará repostas. 
 
Em Heidegger, o círculo hermenêutico toma uma outra feição. Considerando que a hermenêutica 
heideggeriana não está diretamente voltada para a compreensão de textos, mas para a faticidade, o 
círculo hermenêutico tomará a feição de uma hermenêutica existencial. Para ele, o círculo assume 
o que chamo de “módulo existencial do dasein”, ou seja, cada etapa de experiência vivida. A 
compreensão do mundo só é possível porque o ser encontra-se velado no dasein, enquanto que o 
desvelamento gera uma compreensão que se completa como um espécie de “módulo” existencial 
ou “etapas” de existência do dasein. Esse módulo existencial que se fecha com a compreensão 
passa a integrar um mundo de linguagem transformado e será, necessariamente, utilizado para 
novas compreensões, ou seja, para a formação de outro módulo existencial e assim 
sucessivamente na circularidade em forma de espiral. 
 
O círculo hermenêutico que estabelece a relação entre particular e todo, bem como o círculo 
heideggeriano que aponta a relação da pré-compreensão e a compreensão existencial não são, 
contudo, incompatíveis. Em verdade, são feições de um mesmo círculo que tem como máxima a 
relação da pré-compreensão com a compreensão. 
 
O fenômeno, por sua vez, é outroelemento central da analítica existencial do dasein. Podemos 
compreender o fenômeno em um “sentido vulgar”, sendo ele aquilo que se manifesta ou no 
sentido fenomenológico como aquilo que se manifesta a partir do ente, ou seja, do fenômeno no 
“sentido vulgar”. Haveria, assim, um fenômeno no plano do real, do fático, ou seja, no plano do 
ente, e o fenômeno que se manifesta no plano do “ser”, representando, segundo Stein, o objeto 
temático da fenomenologia hermenêutica (2002, p. 55). Sendo assim, um não existe sem o outro, 
na medida em que não há ser sem ente, nem ente sem ser, ou seja, não há fenômeno no sentido 
fenomenológico sem fenômeno no “sentido vulgar” e vice-versa. O fenômeno no sentido 
fenomenológico que se revela se mostra de um determinado modo a depender do meio no qual o 
ente se mostra, sendo esse meio, justamente, o que se chama de fenômeno em “sentido vulgar”. 
Por exemplo, uma arma de fogo se surgir para o dasein em meio a um fundo branco revelará, 
apenas, o “ser” revólver, pistola ou outro ser semelhante que esteja oculto na pré-compreensão do 
intérprete dessa situação fática. Se esta mesma arma de fogo surgir no coldre de um sujeito 
vestido com uma farda e um brasão, revelar-se-á o “ser” revólver de um policial. Se aparecer nas 
mãos de um sujeito encapuçado, ofegante e nervoso, creio que não seja necessário dizer que o 
“ser” revelado será o “roubo”. 
 
 
Logo, como já foi dito, o todo interfere na parte e a parte interfere no todo. Além disso, o 
resultado dessa interação que gerará a compreensão passa a ser agregado a uma pré-compreensão 
que se integrará ao mundo do ser, permitindo outras compreensões. Assim, o fechamento de um 
“módulo existencial”, perfeito pela compreensão, só foi possível por força da relação do 
particular com o todo e do todo com o particular. O círculo romântico, portanto, se encontra 
inserido no círculo existencial e dele é indissociável. O espiral não será composto por uma linha 
retilínea, mas por uma linha também em espiral. É como se enrolássemos ao longo do nosso 
antebraço, em forma de espiral, aquele cabo de telefone que se assemelha a uma mola (espiral). 
 
Será nessa interação entre círculos que perceberemos em Heidegger a distinção entre 
compreensão e interpretação. 
 
Na compreensão, a pre-sença projeta seu ser para possibilidades. Esse ser 
para possibilidades, constitutivo da compreensão, é um poder-ser que 
repercute sobre a pre-sença as possibilidades enquanto aberturas. O 
projetar da compreensão possui a possibilidade própria de se elaborar em 
formas. Chamamos de interpretação essa elaboração. Nela, a 
compreensão se apropria do que compreende. Na interpretação a 
compreensão se torna ela mesma e não outra coisa. A interpretação se 
funda existencialmente na compreensão e não vice-versa. Interpretar não 
é tomar conhecimento do que compreendeu, mas elaborar as 
possibilidades projetadas na compreensão. (HEIDEGGER: 2002, p. 204) 
 
A compreensão, portanto, é concebida por Heidegger como uma antecipação, ou seja, um projeto 
de todo. A interpretação representa a consecução desse projeto que, step by step, visava a própria 
compreensão. Esse projeto de todo, no entanto, na medida em que é um antecipar-se, pode se 
mostrar falho diante do desvelamento das partes ao longo do processo. É nesse sentido que 
Gadamer sustenta a possibilidade de revisão do projeto. 
 
Quem quiser compreender um texto deverá sempre realizar um projeto. 
Ele projeta de antemão um sentido do todo, tão logo se mostre um 
primeiro sentido no texto. Esse primeiro sentido somente se mostra 
porque lemos o texto já sempre com certas expectativas, na perspectiva 
de um determinado sentido. A compreensão daquilo que está no texto 
consiste na elaboração desse projeto prévio, que sofre uma constante 
revisão à medida que aprofunda e amplia o sentido do texto. 
(GADAMER: 2002, p. 75) 
 
E completa, visando resumir o pensamento heideggeriano sobre o tema: 
 
(...) o processo descrito por Heidegger de que cada revisão do projeto 
prévio pode lançar-se um outro projeto de sentido; que projetos 
conflitantes podem posicionar-se lado a lado na elaboração, até que se 
confirme de modo mais unívoco a unidade de sentido; que a 
interpretação começa por conceitos prévios substituídos depois por 
conceitos mais adequados. Em suma, esse constante projetar de novo é o 
que perfaz o movimento semântico de compreender e interpretar. 
(GADAMER: 2002, p. 75) 
 
Diante dessa interação dos círculos, é possível constatar que o fenômeno enquanto aquilo que se 
mostra só poderá ser compreendido em sua complexidade se o dasein se antecipar na 
compreensão de seu todo e, partindo da interpretação de elementos particulares, ir reformulando o 
projeto até o ponto fulminante da compreensão. Muito embora o círculo existencial conceba 
internamente esse ir e vir ao fenômeno, a compreensão, ainda que provisória, sempre estará 
presente como compreensão. Não há espaços, portanto, entre a compreensão antecipada e a 
compreensão, ou seja, entre a interpretação e a compreensão, na medida em que se constituem 
lados de uma mesma moeda. Quando reformulamos projetos e, conseqüentemente, construímos 
outra possibilidade de compreensão, a anterior permanecerá no desain, sendo apenas substituída. 
Daí Gadamer afirmar que a subtlitas intelligendi (compreensão), que a subtilitas explicandi 
(interpretação) e a subtilitas applicandi (aplicação) “perfazem o modo de realização da 
compreensão” (2003, p. 406). 
 
Assim, não se interpreta se não for para compreender. Não se compreende sem aplicar. Não se 
aplica sem compreender e não se compreende sem interpretar. Isso explica porque Eros Roberto 
Grau (2002, p. 76-78) afirma que não se interpreta o direito por diletantismo, mas apenas para 
aplicá-lo ao caso concreto. 
 
Diante dos conceitos até então trabalhados, é possível concluir que a compreensão se dá no 
interprete como uma reação provocada no mundo-da-linguagem. Essa compreensão é a 
compreensão de um ente que se mostra em um fenômeno. O dasein, visando a compreensão do 
todo, estabelece um projeto e, a partir daí, em um ir e vir ao fenômeno, obtém, mesmo que pela 
consecução de um projeto modificado no curso do processo, a compreensão dos entes. Essa 
descrição representa o processo ou, como prefere Heidegger, o método fenomenológico-
hermenêutico. 
 
Considerando a fenomenologia hermenêutica, cabe-nos a verificação de como esse processo se dá 
quando se trata do desvelamento do “ser” direito. Ou seja, como se dá a compreensão jurídica. 
 
5. Formas de manifestação do fenômeno jurídico 
 
Antes de iniciarmos a análise sobre as modalidades de compreensão jurídica, cabe uma reflexão. 
Como poderíamos pensar nessas formas se a compreensão do direito só se complementaria 
quando o ente que possui o condão de revelá-lo surgisse na clareira do dasein? A analítica 
pretendida nesse tópico do trabalho é, de fato, possível? Não estaríamos, com essa atitude 
analítica, negando as bases da própria fenomenologia hermenêutica? Somos, de fato, capazes de 
identificar, a priori, o ente que possui o condão de gerar compreensão jurídica? Essa constatação 
a priori não nos remeteria à idéia – negada pela fenomenologia não intencional – de que há uma 
essência própria em determinados entes ou que há estruturas prévias em nossa consciência que 
viabiliza o desvelar do direito? Não estaríamos, conseqüentemente, retomando as bases da 
ontologia platônica ou da ontologia kantiana? Não estaríamos admitindo a intencionalidade da 
consciência ou, quem sabe, uma razão transcendental que condicionasse de algum modo a nossa 
compreensão? 
 
A proposta analítica pretendida nesse tópico levanta esses questionamentos e, conseqüentemente, 
exige esclarecimentos prévios. Determinar que a compreensão do direito se dá quando 
determinados entes se mostram não é o mesmoque dizer que esses entes são o direito. Tal 
postura seria própria do conhecimento que se realiza mediante as concepções metafísicas da 
filosofia da consciência. Dizer que direito é isso ou aquilo é reduzi-lo à condição de ente, 
ignorando a diferença ontológica. Assim, a analítica pretendida toma por base a descrição do 
fenômeno tal qual ele ocorre, ou seja, não se trata de um a priori construído para, a partir de 
então, pensar o direito. Trata-se de uma constatação de como o processo de conhecimento do 
direito de fato se dá. Se de outra forma fosse diferente, essa analítica teria que se curvar a essas 
peculiaridades. 
 
A visão do fenômeno jurídico mediante a tríade dogmática: analítica, hermenêutica e 
argumentativa – que estruturou a clássica obra de Tércio Sampaio Ferraz Jr, Introdução ao Estudo 
do Direito e que também é sustentada por Calmon de Passos – podem conviver, desde que 
tenhamos a consciência de que a dimensão hermenêutica do direito é aquela que, de fato, se 
sobrepõe; de que qualquer analítica pretendida deve ser, necessariamente, uma analítica 
fenomenológica (ou, no máximo, semiótica) e de que a argumentação apenas auxilia a 
justificação do vetor de racionalidade desvelado na dimensão hermenêutica (STRECK: 2003, p. 
250), mas que jamais interfere no círculo hermenêutico, conforme veremos abaixo. 
 
Feitas tais observações, vamos a busca de uma analítica possível. 
 
Foi dito que o direito é linguagem e que, portanto, se revela enquanto sentido de um dado ente. Se 
nos defrontarmos com esse fenômeno e nos colocarmos diante dele o que veremos? Quais 
fenômenos terão o condão de desvelar o “ser” direito? Lembro-me de Prof. Marília Muricy dizer 
que enquanto Robson Crusoé não encontrou Sexta-feira na ilha em que passou a viver, ali não 
havia direito. E por quê? Em verdade, o direito só se desvela no dasein se, em sua clareira, surgir 
no fenômeno (“vulgar”) uma conduta humana que provoque, justamente, esse sentido de 
intersubjetividade. Aqui vale a ressalva de que não estou considerando que o direito é a conduta 
humana em interferência intersubjetiva, tal qual Cóssio, mesmo porque estaria negando a 
diferença ontológica, mas que o sentido da intersubjetividade e, mais ainda, da juridicidade só se 
mostra quando o ente conduta humana se mostra na clareira do ser-aí. 
 
Portanto, considerando a diferença ontológica e a máxima heideggeriana de que não há ser sem 
ente e de que o ser é sempre o ser de um ente, não há “ser” direito sem este ente que também 
nominamos como conduta humana. Mas essa conclusão não é um a priori transcendental, é fruto 
de uma analítica existencial do dasein cumulada com a atividade empírica-existencial. É o que 
hoje é percebido. Amanhã, pode ser diferente, basta que a cadeia comunicativa passe a atribuir 
sentido diverso a esses fenômenos. 
 
Sendo tal análise verdadeira, a compreensão do direito – que, na concepção hermenêutica, 
coincide com a sua produção e aplicação – só se dá quando estamos diante da conduta humana. A 
lógica poderia nos auxiliar – somente auxiliar! – para que cheguemos também a conclusão de que 
se o fenômeno não trouxer a conduta não há compreensão do direito. Não é bem assim. 
 
Vimos que o desvelamento do ser só é possível por força da pré-compreensão do dasein, que será 
sempre e necessariamente um ser-aí. Essa vivencia, por si só, viabilizaria a compreensão do 
direito, afinal, conseguiríamos perceber as tradições de nossa comunidade, o que é certo e o que é 
errado da mesma forma que compreendemos o que é belo e o que é feio. Não seria inviável 
pensar a dimensão ética de nossa sociedade do mesmo modo que pensamos a dimensão estética. 
Até o Código de Hamurabi não era assim? 
 
Acontece que a complexidade da sociedade, a presença de um poder político concentrado em 
determinada instituição, seja para exercê-lo em seu próprio nome ou para exercê-lo em nome de 
representados, e a sobre-estimação da segurança jurídica exigiram um processo de compreensão 
do direito otimizado. Essa otimização foi conseguida por um recurso que não representa a 
compreensão do direito, mas tão somente acelera e confere maior uniformidade no desvelamento 
do “ser” direito: o direito positivado, escrito. Quero dizer com isso que o modo originário da 
compreensão do fenômeno jurídico se dá – como até hoje ocorre – quando percebemos o direito 
através do costume. A pre-sença (aqui a tradução de dasein é bem vinda) percebe o costume e, 
por força dele, compreende a dimensão ética de um determinado fenômeno. O que hoje 
subjugamos em nome da segurança jurídica e reduzimos a algumas formas de relação jurídica – o 
chamado costume como fonte do direito – é, de fato, a representação nítida da hermenêutica 
jurídico-ontológica. 
 
Como estariam, portanto, integrados nesse contexto aqueles compêndio de dispositivos editados 
anualmente pela Editora Saraiva, pela Atlas, RT, dentre outras? Como devemos enxergar os 
dispositivos criados pelos agentes normativos institucionalizados no processo fenomenológico? 
Afinal, eles não são condutas, ou seja, aquele ente que no fenômeno tem a potencialidade de 
provocar no dasein o desvelamento do “ser” direito. Para enfrentar essa questão temos que 
regressar à teoria fenomenológica. 
 
Convém lembrar que a hermenêutica, desde suas manifestações metódicas, passando pela 
romântica e, até mesmo, filosófica gadameriana, sempre enxergou os textos (a Bíblia, os textos 
normativos, a prosa) como um elemento central da compreensão. Portanto, os textos, sejam eles 
quais forem, são, em si mesmos, fenômenos. Logo, a idéia de que a compreensão do todo 
interfere na compreensão da parte não só deve ser aplicada ao fenômeno textual como foi ela 
própria – a idéia de círculo hermenêutico – fruto dos estudos de sua interpretação. Vê-se que não 
há dificuldades para ter os textos como fenômenos. 
 
Mas eles, muito embora sejam em si mesmos fenômenos, não bastam em si. A compreensão do 
fenômeno textual sempre nos remeterá a uma situação de vida concreta. Ao ler um romance, 
damos azas à imaginação – aliás, é essa a principal virtude da obra literária – e recriamos em 
nossa mente as curvas de Lívia, as ondas que enfrentam a bravura de Guma. Cada um de nós 
reconstruímos os nossos personagens ao nosso modo, ou seja reconstruímos um mundo que está 
ao nosso alcance. 
 
Com os dispositivos legais acontece o mesmo. Eles devem ser vistos como um fenômeno em si 
mesmos e compreendidos no seu todo. O elemento sistemático que a hermenêutica metódica 
construiu como método de intepretação sistemático nada mais é que a inexorável presença da 
circularidade hermenêutica construída constatada no período romântico e incorporada por 
Heidegger e Gadamer. O próprio Larenz, que já se utiliza dos recursos gadamerianos, admite esse 
relação quando trata dos “métodos” de interpretação (1997, p. 457). Mas qual a realidade ôntica a 
qual seremos levados pelos dispositivos? Seremos levados àquela realidade ôntica que, uma vez 
mostrada em meio ao fenômeno, possibilitará o desvelamento do “ser” direito. Portanto, quando 
nos deparamos com um texto legal e o interpretamos, estamos, em verdade, interpretando a 
própria conduta. Para isso, sempre criamos uma imagem da contuta, assim como sempre criamos 
uma imagem para os personagens e ambientes dos nossos romances literários. Isso quer dizer que, 
ao lermos um texto normativo, mediatamente, estamos diante de um caso concreto, do fato 
compreendido como jurídico. Ou seja, no final das contas, sempre estamos diante da 
compreensão do caso concreto, do fato. 
 
Ao fenômeno que possui essa característica, deu-se o nome de fenômeno índice. Segundo Stein 
(2001, p. 164): 
 
Heidegger procura distinguir (...) o fenômeno-índice ou o puro 
fenômeno. O fenômeno índice pode ter quatro sentidos. Primeiro ele é o 
anúncio daquilo que não se manifesta. Todos os sintomas,símbolos, 
indicações e apresentações possuem a estrutura fundamental formal do 
fenômeno-índice nesse primeiro sentido. Em segundo lugar é o anúncio 
enquanto ele próprio é um fenômeno – aquilo que, na sua manifestação, 
indica o que não se manifesta. Em terceiro lugar fenômeno-índice pode 
ser usado para designar o sentido autentico do fenômeno, entendido 
como manifestação de si. Em quarto lugar, fenômeno-índice pode ter o 
sentido de puro fenômeno. Isto acontece quando o anuncio fenomenal, 
que, na manifestação de si, indica o não-manifesto, é alguma coisa que 
surge ou emana do não manifesto de tal maneira que o não-manifesto é 
pensado enquanto aquilo que é essencialmente incapaz de manifestar-se. 
 
A norma jurídica – elemento central da teoria do direito e muitas vezes confundida com o próprio 
direito – ao meu ver, nada mais é do que o resultado da compreensão do fenômeno índice. Daí 
haver, necessariamente, uma relação entre o texto e a norma. Para Lênio Streck (2003, p. 249) 
“não há separação/ruptura entre texto e norma; há sim, uma diferença ontológica entre eles”. A 
norma jurídica é a compreensão fictícia do fenômeno real. É aquilo cuja a compreensão nos 
prepara para compreender fenômenos que ocorrem na realidade, em determinado dia, local e hora. 
Fenomenologicamente falando, não há diferença entre a ficção das obras de Jorge Amado e a 
ficção dos dispositivos de autoria do legislador. A diferença está na imagem que eles produzem o 
no grau de institucionalização que eles encerram. Esse grau de institucionalização é percebido 
enquanto ser decorrente da dimensão fenomenológica em si mesmo que os dispositivos encerram. 
Lembro-me agora de que no viaduto que liga o Campo Grande ao Vale do Canela em Salvador – 
Ba, há uma seta pintada no chão indicando que quem vai descendo o viaduto estaria, 
teoricamente, na contra-mão. Ocorre que a seta é mal pintada, torta e apagada. Ela enquanto 
fenômeno em si mesma não proporciona o desvelamento do ser direito relativo à ilicitude de 
descer o viaduto de carro, tendo em vista que ela não revela a institucionalização necessária à 
compreensão da norma jurídica. Não posso negar, contudo, que o surgimento da seta na clareira 
do ser em meio ao fenômeno que traz consigo as ruas, os carros, o viaduto provoca no motorista e 
intérprete uma reação assustadora. Mas esse susto só se justifica por força do primeiro projeto de 
compreensão de todo instaurado, uma vez que a atividade interpretativa em como consecução 
desse projeto logo se vê frustrada em face do não desvelamento do ser institucionalização. Outro 
projeto de todo é estabelecido, o círculo se fecha no módulo existencial da compreensão e o 
motorista segue tranqüilo e certo de que não está na contra-mão. 
 
Chegamos então à conclusão que o direito se desvela na compreensão de um ente que também 
compreendemos como conduta humana e que essa compreensão é possível porque a nossa 
vivência nos permite elementos pré-compreensivos que permitem avaliar a dimensão ética dos 
fenômenos e porque essa dimensão nos é antecipada mediante a edição de fenômenos índices que 
constroem uma ficção do verdadeiro fenômeno que pode ser compreendido como jurídico. Mas 
algumas outras questões surgem. A norma jurídica, decorrente da compreensão do fenômeno 
índice, é anterior à ocorrência do fenômeno concreto. Nem sempre estamos diante do fenômeno 
concreto para compreendê-lo. Como então podemos compreender fenômenos que já ocorreram no 
tempo, em um determinado lugar e em determinada hora? 
 
Se o fenômeno que deve ser compreendido não pode se mostrar na clareira do dasein porque ele 
já aconteceu, temos que, mais uma vez, nos valer do fenômeno índice. Dessa vez, não faremos 
para nos preparar para a compreensão futura, faremos para viabilizar uma compreensão de algo 
que já ocorreu. Eis que surge o processo. 
 
6. Processo como fenômeno índice e a polêmica sobre a sua instrumentalidade 
 
O processo é um meio para viabilizar a compreensão de um fenômeno que ocorreu no tempo e no 
espaço. Como o juiz, o escrivão, os oficiais de justiça não se colocavam no local do surgimento 
do fenômeno a ser compreendido, a única forma de viabilizar a compreensão é mediante o 
processo. Em face dessa afirmação, poderíamos chegar a uma conclusão que gera polêmica, 
principalmente, quando contrapomos o posicionamento de Prof. Calmon de Passos e a maioria da 
doutrina processualística brasileira: a de que o processo é um instrumento. Neste caso, um 
instrumento a serviço da compreensão do fenômeno que de fato ocorreu. 
 
Em primeiro lugar, vale lembrar que a constatação quanto à dimensão instrumental do processo 
foi concebida aqui em face de um paradigma epistemológico diverso daquele sobre o qual se 
constrói a meta-linguagem processual clássica. Em segundo lugar, fenomenologicamente, o 
processo tem, de fato, uma dimensão instrumental. Na verdade, tudo tem uma dimensão 
instrumental. As nossas mães, por exemplo, enquanto entes dotados de uma determinada 
capacidade biológica acabam sendo um instrumento de reprodução responsável pela nossa 
criação, no entanto, creio que ninguém queira reduzir a imagem dos nossos genitores à sua 
inexorável dimensão instrumental. 
 
Sendo assim, para que esse problema – que considero preliminar – seja trabalhado de forma 
responsável, até mesmo para que não se reduza o valor da opinião de muitos processualistas, é 
necessário compreender a dimensão instrumental do processo mediante a base epistemológica da 
filosofia da consciência e, em seguida, estabelecer uma concepção hermenêutica sobre o tema. 
 
Se a nossa atitude cognitiva em relação ao direito se dá mediante a estrutura sujeito-objeto, 
negamos a diferença ontológica (ser e ente em planos distintos) e atribuímos ao direito à condição 
de objeto. Esse objeto, para a metodologia clássica do direito (ainda dominante no Brasil, como 
afirma Lenio Streck em Hermenêutica e(m) crise) poderia ser trabalhada isoladamente, 
independentemente do outros objetos que também integrariam o jurídico. A dimensão fática, que 
na concepção hermenêutica assume a feição de fenômeno, também é trabalhada isoladamente. 
Esses dois objetos, o fato e a norma, deveriam mediante a operação silogística-subsuntiva se 
agregarem, afinal, aplicar o direito era aplicar a norma geral legislada ao caso concreto. A 
instrumentalidade do processo vista por aqueles que ainda se utilizam do método silogístico-
subsuntivo se justifica na medida em que será o processo um meio para que tal operação se 
concretize. De fato, diante desse paradigma, pensar o contrário seria dar ao processo uma 
magnitude e importância que ele não tem. Essa magnitude acabaria interferindo na dogmática 
instrumental e justificaria formalismos exacerbados e acabaria transferindo a lide para as questões 
processuais e, ao invés de pacificar, acabar gerando mais conflitos. A construção doutrinária da 
instrumentalidade do processo está diretamente associada à tentativa de deslegitimar o 
formalismo processual, o que representa, enquanto fim, uma postura correta e da qual corroboro. 
 
Adeptos da concepção instrumentalista, para Ada, Cintra e Dinamarco (1997, p. 41): 
 
A jurisdição desempenha uma função instrumental perante a ordem 
jurídica substancial (para que esta se imponha em casos concretos), – 
assim também toda a atividade jurídica exercida pelo Estado (legislação e 
jurisdição, consideradas globalmente) visa a um objetivo maior, que é a 
pacificação social. É antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre 
pessoas fazendo justiça, que o Estado legisla, julga e executa. (...) O 
processo é, nesse quadro, um instrumento a serviço da paz social. 
 
Correto. O problema é que ressaltar a dimensão instrumental do processo e reduzí-lo a um 
instrumento, ainda que compreensível nos moldes epistemológicos acima expostos, mascara uma 
realidade que, diantedo novo paradigma proposto, não pode ser camuflada, muito pelo contrário. 
Ademais, sobrelevar a dimensão instrumental do processo é reduzir, conseqüentemente, um de 
seus agentes – o juiz – a um instrumento e escamotear o poder político por ele exercido e a 
necessidade de legitimação desse exercício. Um juiz instrumento é um juiz operário que não 
adiciona nada à “ordem substancial” e que, por conseguinte, apenas aplica o resultado do 
exercício do poder legislativo. Isso não é uma verdade. 
 
Cabe agora a análise da dimensão instrumental do processo em face do processo fenomenológico 
hermenêutico. Em primeiro lugar, temos que atribuir ao termo instrumento um maior rigor 
semântico, sob pena de gerar mais uma vez gerar discussões que, em verdade, são fruto das 
premissas e não dos objetivos galgados. Mais uma vez Heidegger é quem nos auxiliará: 
 
Designamos o ente que vem ao encontro na ocupação com o termo instrumento. No modo de 
lidar por aí, encontram-se instrumentos de escrever, de mediação, de costura, carros, ferramentas. 
Trata-se pois, de expor o modo de ser do instrumento. Essa exposição acontece seguindo-se o fio 
condutor de uma delimitação prévia daquilo que faz de um instrumento, instrumento, ou seja, da 
instrumentalidade. 
Rigorosamente, o instrumento nunca “é”. O instrumento só pode ser o que é num todo que 
sempre pertence a seu ser. Em sua essência, o instrumento é “algo para ... ” 
 
Como já disse, essa forma de ser “algo para ...” não é assumida pelo processo e por diversos outro 
seres – inclusive a nossa mãe! Mesmo porque, para cada ente, nós que não estamos presos à 
criação mediante a transformação, podemos atribuir uma série de seres. No direito, sempre houve 
uma tendência, cuja explicação transcende as questões de ordem metodológicas e acaba 
assumindo uma relação que só a teoria freudiana poderia dar conta, em estabelecer aos seus entes 
a famigerada “natureza jurídica”. Essa busca desenfreada pela “natureza jurídica” dos chamados 
“institutos” jurídicos representa a mais clássica atitude metafísica, que reporta não só à teoria do 
conhecimento moderno, encontrando também uma relação direta com à metafísica de Parmênides 
e Platão. A busca da essência! 
 
A morte da metafísica impede a busca pela “essência” fundante das coisas. A manifestação de 
sentido provocada pelos entes jamais será única nem jamais será uma preponderante. Assim, 
reduzir o processo à sua dimensão instrumental constitui uma atitude reducionista; coerente em 
um paradigma que merece ser substituído para a melhor compreensão do direito e que tem como 
finalidade objetivos dignos, mas que gera conseqüências impróprias para o desenvolvimento da 
nossa “prudência”. 
 
Portanto, se pensarmos sob o paradigma da filosofia da linguagem e, conseqüentemente, pelo 
método/processo fenomenológico, a forma de ser de fenômeno índice do processo acaba 
conferindo a ele, como a tudo que nos cerca, uma dimensão instrumental, no caso de “ser para 
compreender o caso concreto”. Essa dimensão se mostra em especial pela prova que deve ser 
compreendida enquanto fenômeno – quebrando a idéia de que os fatos não são interpretados 
quando na verdade somente eles são interpretados – mas que a sua compreensão nos leva, em 
última instância, a um fenômeno que ocorreu no tempo e no espaço. 
 
Mas o processo não é só prova e descrição fática. O processo é muito mais. O processo é 
atividade de criação do direito, afinal, não há uma “ordem substantiva” pronta e acabada 
aguardando para ser aplicada ao caso concreto mediante a operação de subsunção. O processo é o 
auditório onde se constrói, na expressão de Eros Grau, à norma de decisão. Ela representa a 
própria compreensão do fenômeno concreto. Além disso, o processo é, em si mesmo, fenômeno e 
deve ser compreendido como tal. Portanto, a compreensão do caso concreto representa, em 
verdade, a compreensão do próprio processo. Neste momento ele é em si mesmo e não um “ser 
para ...”. Segundo J.J. Calmon de Passos (2003, p. 24): 
 
Sem o processo, não há produto e só enquanto há processo há produto. A 
excelência do processo é algo que diz, necessariamente, com a excelência 
do produto e o produto só adquire entificação enquanto é processo, um 
querer dirigido para o criar o produto e mantê-lo sendo. Destarte, se o 
Direito é apenas depois de produzido, o produzir tem caráter integrativo, 
antes que instrumental e se faz tão substancial quanto o próprio dizer o 
Direito, pois que o produto é, aqui, indissociável do processo de sua 
produção, que sobre ele influi em termos de resultado. O produto 
também é processo, um permanente fazer, nunca um definitivamente 
feito. 
 
Essa posição ainda pode ser constatada se considerarmos que a descrição fenomenológica que o 
processo proporciona na sua forma de “ser para ...” nem sempre é suficiente para a compreensão 
do caso concreto. Se assim fosse, não teríamos que utilizar técnicas como a distribuição de ônus 
da prova e das chamadas presunções, em especial as absolutas. Esses recursos servem, 
justamente, para compor o fenômeno e viabilizar a consecução de um projeto de compreensão, 
caso contrário, esse projeto não poderia ser viabilizado enquanto compreensão jurídica, 
provocando algumas compreensões (enquanto ente ele sempre provoca compreensões) 
incompletas que não resultaria em normas de decisão. A proibição do “non liquet” se insere neste 
contexto. 
 
È no processo, portanto, que o juiz cria e que as partes tem a oportunidade de tentar condicionar 
essa criação. Se o juiz é processo e se a norma de decisão é processo e se o processo é algo que 
deve ser, também, compreendido em si, ele não pode ser reduzido à condição de instrumento. O 
juiz que julga um caso e que se vale do processo para tanto exerce um poder ou, como diria 
Dworkin, acaba de contar uma estória. Ocorre que o detentor do poder para “contar estórias” são 
aqueles agentes políticos que, de fato, o detém (Todo poder emana do povo, que o exerce por 
meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos dessa Constituição – Parágrafo Único 
do art 1º da CF de 1988). Assim, reduzir o processo à sua dimensão instrumental, identificando aí 
a sua “natureza jurídica”, além de escamotear o exercício de um poder político pelo juiz – e 
desviar a discussão sobre a necessidade de um controle social sobre o Judiciário – constitui uma 
impropriedade se pensarmos nos moldes da fenomenologia hermenêutica. 
 
A negação da instrumentalidade do processo, ou melhor, a não redução do fenômeno à sua 
dimensão instrumental não significa que tenhamos que sustentar o formalismo e afastar a idéia de 
que ele está a serviço da compreensão de um fenômeno que ocorreu no tempo e no espaço, idéia 
que moveu a “terceira onda instrumentalista”. Também não significa que a resolução de conflitos, 
principalmente quando envolvem o Estado e os direitos sociais, não levará em conta os valores 
extraídos da Constituição, na linha procedimentalista de Ely e Habermas, por exemplo. Não são 
idéias incompatíveis. As relações jurídicas processuais devem ser compreendidas mediante o 
método/processo hermenêutico-fenomenológico e indo-à-presença-do-fenômeno-da-Constituição, 
como diria Lenio Streck. Isso implica na construção de um núcleo duro constitucionalizado, na 
ponderação de princípios, na idéia de que dispositivos são, apenas, os entes que provocam uma 
compreensão. 
 
Assim, a quebra paradigmática, o abandono do método do silogismo-subsuntivo e a emergência 
da fenomenologia hermenêutica enquanto método de compreensão do fenômeno jurídico serão os 
verdadeiros responsáveis pela libertação das amarras estruturantes da filosofia da consciência. A 
idéia da instrumentalidade é, ao meu ver, mais uma adaptação ao antigo (e preponderante) 
modelo, que visa solucionar problemas que exigem quebras paradigmáticas e não mais 
adaptações. Ou seja, a intençãoé boa, o meio, na minha opinião, equivocado. 
 
Pelo exposto, se há a partir do processo uma produção de linguagem na medida em que a norma 
de decisão não representa algo velho, mas algo novo que foi produzido a partir da norma geral e 
se essa norma de decisão nada mais é que a compreensão do fenômeno processual, é possível 
concluir que no processo se produz direito e que essa produção nada mais é do que a 
compreensão de um fenômeno que damos o nome do direito. O processo enquanto ente (autos) 
proporciona o desvelamento do ser direito. Esse novo direito que surge da compreensão do 
processo representa a norma de decisão que só é compreendida porque um ente correspondente e 
também integrante dos autos é construído: aquilo que normalmente chamamos de sentença. 
Portanto, a produção e a compreensão do direito se confundem. A hermenêutica e o processo 
estão mais próximos do que poderíamos imaginar. 
 
7. O papel da argumentação na produção ou compreensão da decisão 
 
Se uma das razões de ter sustentado a impossibilidade de redução do fenômeno processual à 
condição de instrumento é a de ser o processo um auditório voltado para a construção (ou 
compreensão) da norma de decisão, não podemos deixar de, por fim, analisar qual o verdadeiro 
papel da argumentação nesse processo. 
 
Não podemos perder de vista a gênese e o desenvolvimento das teorias da argumentação e sua 
aplicação na teoria do direito, uma vez que as teorias da argumentação possui uma aplicação 
muito mais ampla e, em especial, na política. Segundo Margarida Lacombe (2003, p. 137): 
 
O que se discute é a racionalidade deste novo saber concreto que trabalha 
valores, conferindo algum nível de objetividade às decisões judiciais, de 
forma a submetê-las a uma instância de conhecimento e controle. 
Essa discussão, na verdade, remonta a Aristóteles, quando este procura 
diferençar apoditicidade (ciência) de dialética. A primeira corresponde às 
descobertas científicas e matemáticas, demonstráveis pela experiência e 
pela lógica, e a segunda refere-se às relações humanas compostas 
contraditorialemente, como é natural da vida em sociedade. O direito, 
como produto da ética e da moral, insere-se nesse segundo plano 
metodológico, que procura resultados na razão prática. E a necessidade 
do uso das palavras bem como a força da linguagem nos lançam ao 
campo da retórica, outrora bastante desenvolvida pelos gregos. 
Com as obras de Viehweg e Perelman, retoma-se a discussão, e com elas 
podemos reconhecer a dimensão pós-positivista de matriz tópico-retórica. 
 
Quando vamos à obra de Viehweg, por exemplo, percebemos que o que está em jogo é a 
impossibilidade de se aplicar o raciocínio sistêmico ao direito, sugerindo ele a tópica. Instala-se, 
aí, a contraposição entre o modo de construção probelmático (tópico) e o modo de produção 
sistemático do direito. Autores como Juarez Freitas (2002, p. 151) defendem a convivência entre 
as duas formas de estruturar o raciocínio jurídico, tendo em vista que o pensamento sistemático 
criticado por Viehweg (1979, p. 33-44) é aquele que se estrutura a partir de raciocínios lógico-
dedutivos. Evidentemente, a evolução do pensamento sistemático, a exemplo daquele descrito por 
José Amando Jr. (2004, p. 217) abre possibilidades para a convivência do raciocínio problemático 
com o sistemático. Sistema hoje não é mais visto como uma cadeia de deduções lógicas. 
 
Em face de sua gênese, não podemos, portanto, deixar de ver a argumentação como um recurso 
metodológico que se contrapõe ao raciocínio lógico dedutivo. Se neste modo de estruturar o 
raciocíncio as nossas conclusões são obtidas a partir de dados (juízos) pré-ofertados, não há 
participação criativa do dedutor, ou seja, não adição de sentido por parte do dedutor. Desse modo, 
os próprios juízos pré-conferidos ao dedutor sustentam a validade da conclusão. A construção do 
raciocínio assume a forma de uma pirâmide, sendo o seu topo algo se sustenta facilmente na sua 
base e sendo as deduções cada degrau em direção ao seu vértice. No raciocínio problemático, os 
juízos pré-ofertados (que poderíamos chamar de topoi) não sustentam uma conclusão por meio de 
reducionismos dedutivos. A imagem a ser construída neste caso é a de uma pirâmide cujo vértice 
não estivesse sobre a projeção espacial de sua base, ou seja, o ponto conclusivo se afasta dessa 
projeção pelo fato de que houve uma adição de sentido. Sendo assim, já que a base é insuficiente 
para sustentar o vértice, algo deve ser criado para a sua sustentação, restando esse papel a 
argumentação. 
 
Sinteticamente, a argumentação foi vista na sua gênese como um recurso para sustentar a validade 
(verdade) de uma conclusão que não era obtida por raciocínios lógico dedutivos. A questão hoje 
colocada pela hermenêutica, no entanto, é a seguinte: o que vem primeiro? A conclusão que 
depende dessa estrutura argumentativa para se sustentar ou a construção argumentativa 
propriamente dita? Lenio Streck nos provoca com a seguinte indagação: compreendemos porque 
argumentamos e, nesse processo, chegamos a uma decisão ou argumentamos porque já 
compreendemos? Ou seja, como a fenomenologia hermenêutica vê a argumentação? 
Conseqüentemente, qual o verdadeiro papel da argumentação lançada pelas partes integrantes do 
processo? A essas perguntas, segue a tentativa de resposta. 
 
A nossa compreensão se dá como um acontecer da nossa pré-compreensão. No clássico exemplo 
do Mundo de Sofia, a indiferença de uma criança ao ver o pai flutuando à sua frente se deve ao 
fato de que ela desconhece as implicações da lei da gravidade. A sua pré-compreensão sobre a 
atração que a matéria exerce sobre a matéria geraria uma compreensão de perplexidade. A nossa 
compreensão, portanto, dá-se na justa medida do acontecer da nossa pré-compreensão. Vimos, 
contudo, que em face da complexidade dos fenômenos, sempre haverá uma interação entre a 
compreensão do todo e a compreensão do particular, logo, sempre haverá uma antecipação de 
sentido de todo, denominada por Gadamer como um projeto de todo, podendo esse projeto ser 
revisado em face das incompatibilidades geradas pela compreensão das partes. Ocorre que essa 
antecipação sempre ocorrerá, logo, a nossa compreensão é, ainda que provisória, sempre uma 
antecipação. Isso quer dizer que essa antecipação – responsável por uma compreensão de todo 
ainda que provisória – já é fruto de uma pré-compreensão e que, como o próprio prefixo termo 
nos indica, algo que já se encontra em nossa consciência. Se a nossa compreensão é condicionada 
por algo que já se encontra em nossa consciência (pré-compreensão), qual o papel da 
argumentação? Quer dizer, se compreendemos sempre e no limite daquilo que temos, qual o 
papel desse elemento novo? 
 
Segundo Lenio Streck, esse contexto nega a máxima de que o juiz compreende e, em seguida, 
busca na argumentação a base para sustentar a sua compreensão (2003, p. 227). Na imagem 
construída a pouco, não colocamos o vértice da nossa pirâmide (torna, desengonçada, com o seu 
vértice ao lado da projeção de sua base) para, depois, preencher o espaço entre a base e esse 
vértice. Compreendemos um fenômeno jurídico como um ilícito, por exemplo, porque já 
carregamos em nós a pré-compreensão que, no movimento automático de antecipação de todo, se 
revela. Chegamos, portanto, à conclusão de que não há espaço para a argumentação no círculo 
hermenêutico. 
 
Mas essa conclusão representaria a morte da argumentação na construção ou compreensão do 
direito? Isso representaria a inutilidade da fundamentação das decisões e a impossibilidade de se 
convencer um juiz? De nada valeria as páginas e páginas de argumentos lançados nas iniciais, 
contestações e, para piorar, nas razões finais? Creio que a resposta seja negativa e mereça duas 
linhas de abordagem. Uma em relação à fundamentação das decisões, hoje tida como um meio delegitimação democrática do poder político exercido pelo magistrado, e outra em relação ao 
desenvolvimento retórico das partes no processo. 
 
Quanto à fundamentação das decisões, o próprio Lenio Streck (2003, p. 250) nos responde: 
 
(...) a partir da idéia de que o compreender não depende de 
procedimentos ou da instituição de uma instância pela qual se faria uma 
“supervisão epistemológica” a ser realizada pelas teorias do (e sobre o) 
discurso jurídico de cariz procedimental (nos seus diversos matizes, que, 
nesse sentido, colocam-se como “guardiões da (ou de uma dada) 
racionalidade instrumental”, é razoável afirmar que uma teoria da 
argumentação pode ser válida somente naquilo que ela pode servir de 
auxílio na justificação/explicitação do nível de racionalidade 
compreensiva (estruturante do sentido, o “como” hermenêutico) que 
desde sempre já se operou no processo interpretativo. 
 
Portanto, no que toca à fundamentação de uma decisão, os argumentos lançados pelo juiz nada 
mais são do que a reconstituição de um caminho já percorrido na antecipação de sentido da 
compreensão. É a reconstituição do caminho percorrido no círculo hermenêutico em face do 
projeto definitivo de compreensão. A fundamentação de uma decisão, portanto, não constitutiva 
da sua racionalidade, mas a recriação da razoabilidade revelada. Ela, para o juiz que julgou e 
compreendeu, não possui nenhuma valia. Contudo, para terceiros, seja na sua função 
intraprocessual ou na sua função extraprocessual de legitimação, a fundamentação é fundamental 
 
O segundo aspecto, que diz respeito a argumentação trazida pelas partes, está diretamente 
relacionado à relação da argumentação em face de terceiros, afinal, o juiz é para o réu e autor, um 
terceiro. Porém, de nada valeria o juiz perceber a linha de racionalidade utilizada pelas partes se a 
sua compreensão se dá como a antecipação de sua compreensão, afinal, busca-se, neste caso, não 
a justificação, mas o convencimento. Ele é, de fato, possível? Se possível, como ocorreria? 
 
A própria fenomenologia hermenêutica, ao meu ver, explica e dimensiona os limites da 
argumentação enquanto técnica de convencimento. A argumentação é, também, um fenômeno, 
logo, deverá ser compreendida pelo juiz mediante o processo de cognição já apontado. Essa é, 
certamente, a razão de Perelman afirmar que a argumentação lançada para um auditório científico 
tem possibilidades reduzidas, afinal, na linha de um provérbio popular, “para bom entendedor 
meia palavra basta”. Fenomenologicamente, um “bom entendedor possui elementos pré-
compreensivos que facilitam e viabilizam a compreensão do argumento do outro”, mas também 
identifica facilmente os seus equívocos. Por essa razão Perelman também sustenta que o nível de 
complexidade do discurso deve ser alinhado em face do auditório. Desse modo, enquanto 
fenômeno, o argumento será compreendido. 
 
A compreensão das partes, portanto, não buscará alterar a compreensão do juiz mediante uma 
interrupção do círculo hermenêutico, viabilizando a constituição de uma racionalidade. Apenas 
tentará modificar o juiz – o que é conseguido pela simples compreensão dos argumentos – para 
que seja viável outras compreensões. Não se apaga da mente de um juiz a compreensão obtida a 
partir da leitura da inicial. No máximo, um juiz modificado pela compreensão da argumentação 
poderá ter novos elementos pré-compreensivos que viabilize o desvelamento de um ser diferente 
daquele que antes se desvelou. Isso não altera o círculo hermenêutico rompendo e alterando a 
antecipação de sentido, mas apenas viabiliza outros círculos. 
 
Portanto, a argumentar é tentar transformar o intérprete através da compreensão da argumentação. 
É tentar estabelecer no intérprete uma carga pré-compreensiva capaz de desvelar o ser que você 
quer ver desvelado. É, em última instância, tentar torná-lo um igual. Isso demonstra que a 
argumentação não é incompatível com a fenomenologia hermenêutica, afinal, serão com as armas 
da própria hermenêutica que o auditório será “convencido”. Para Ouvídio Baptista, “a 
argumentação exerce, no processo judicial, uma função complementar da interpretação. Tanto 
mais se argumenta, melhor hermeneuticamente se compreende” (2005. P. 267). 
 
Vale lembrar, apenas, que em relação ao advogado algumas peculiaridades merecem ser 
abordadas. Ao ouvir do seu cliente a narração dos fatos (fenômeno índice) ele compreenderá. 
Ocorre que essa compreensão não é, necessariamente, a mais interessante para o seu cliente. 
Nestes casos, o advogado terá que construir a racionalidade buscando o fim pretendido pelo seu 
cliente. Aqui sim, veremos a manifestação da lógica do razoável, ou seja, algo voltado para 
sustentar uma conclusão pronta. Não que a compreensão se dê dessa forma, mas porque o próprio 
cliente já trouxe ao advogado a compreensão pronta. Evidentemente, que a construção desse 
caminho deve ser razoável, sob pena de o advogado estar cometendo um desvio ético. Aquele 
desvio que o Código de Ética prevê como sendo “advogar contra literal dispositivo de lei” e que 
os concursos e exames da OAB tanto cobram. Esse mesmo, impossível de ser cometido se 
considerarmos que não existe literalidade e que, ainda que existisse, a ponderação de valores na 
construção da norma de decisão poderia servir de excludente. Esse que é fruto da concepção 
entificada do direito e que chega a ser ridículo sob o ponto de vista da fenomenologia 
hermenêutica. Respiremos, contemos até dez e continuemos na luta em busca da quebra 
paradigmática que revele as impropriedades do pensamento que não só é dominante mas que 
também domina. 
 
8. Conclusões 
 
Muito embora as idéias trazidas no texto já tenham sido acompanhadas de suas respectivas 
conclusões, convém, apenas, sintetiza-las. 
 
1. A modernidade construiu um modelo cognitivo que transformava a atividade criativa do 
homem em objeto. Tal concepção tem relação direta com tentativa de domínio do mundo 
mediante uma racionalidade científica distanciada (daí a transformação do humano em 
objeto) dos valores que, à época, eram um entrave ao suposto desenvolvimento. 
2. A metodologia jurídica construída na/para a modernidade, viável em face da unicidade 
axiológica do ordenamento jurídico e simplicidade das relações sociais tomou por base o 
paradigma epistemológico da filosofia da consciência, pautada na atitude cognitiva 
sujeito-objeto. Esse método é representado, basicamente pela operação silogística-
subsuntiva que, por recursos lógicos, viabiliza a aplicação da norma geral ao caso 
concreto. 
3. O aumento da complexidade da sociedade e o pluralismo axiológico manifestado no 
direito positivo exigiu modificações no modelo metodológico do direito, em especial 
representado pela proliferação de métodos instrumentais de interpretação e pela evolução 
da teoria dos princípios. 
4. O acentuamento da crise e a transição percebida nos paradimas sociais na 
contemporaneidade exige respostas que não mais podem ser conferidas mediante 
adequações metodológicas, mas por rupturas paradigmáticas no campo epistemológico. 
Daí a superação da filosofia da consciência, pautada na atitude gnoseológica sujeito-
objeto, e a emergência da filosofia da linguagem, pautada na cognição sujeito-sujeito. 
Uma vez substituído o paradigma, a substituição do método de aplicação do direito 
também deve ser substituído. Morre a subsunção e nasce a compreensão. 
5. Diante do novo paradigma e do novo método, têm-se, por força da diferença ontológica, a 
compreensão direito a partir do fenômeno que traz consigo o ente também compreendido 
como conduta humana. Como a sociedade necessita otimizar a compreensão jurídica dos 
fenômenos, utiliza-se de um fenômeno índice (ente dispositivo) que, uma vez 
compreendido, gera a norma jurídica. Ela, resultado da compreensão do fenômeno índice, 
condiciona a compreensão do fenômenoconcreto. 
6. Como o fenômeno concreto – cuja compreensão é condicionada e otimizada – ocorre no 
tempo e no espaço e, quase sempre, necessitamos compreendê-los em um momento 
posterior a esse acontecimento, valemo-nos de um outro fenômeno índice: o processo. 
7. O fato de o processo viabilizar a compreensão de um fenômeno concreto dá a ele uma 
dimensão instrumental. Contudo, o reducionismo do processo à condição de “ser para ...” 
corresponde a uma atitude metafísica incompatível com o novo modelo paradigmático 
proposto. Não obstante, a idéia da instrumentalidade não foi construída a partir da idéia de 
processo como fenômeno índice, mas da idéia de que o processo viabiliza, logo 
instrumentaliza, a aplicação da norma geral ao caso concreto, pensamento também 
incompatível com a concepção hermenêutica. 
8. As razões sócio-políticas que levaram a teoria do processo à concepção instrumental não 
são incompatíveis com a idéia do processo como elemento que se confunde com a própria 
produção do direito – na medida em que a sua compreensão é a compreensão do direito. 
Defender que ele está a serviço da pacificação social e de que ele não deve gerar conflitos 
nem atrapalhar deturpar a compreensão do fenômeno concreto através de um formalismo 
exacerbado pode, no paradigma da linguagem, ser atingido sem que se dê o reducionismo 
metafísico. 
9. A dimensão instrumental do processo, manifestado em especial na prova, vem 
acompanhado com a presença de agentes criativos e de um resultado também criativo, o 
que demonstra que o processo adiciona algo ao mundo da linguagem e, 
conseqüentemente, possui uma dimensão que está longe de ser instrumental. O 
reducionismo metafísico acaba camuflando a criatividade do juiz ao decidir e, 
conseqüentemente, legitima o discurso de que o Judiciário é apenas aplica o resultado do 
exercício do poder legislativo e que, portanto, não necessita de um controle social que 
proporcione legitimidade democrática ao exercício da magistratura. 
10. Se o direito se desvela no “dasein” enquanto ser da conduta, a produção do direito 
representa a sua compreensão. Produzir direito é, em verdade, compreendê-lo, afinal, toda 
produção de linguagem parte da compreensão de um ente. 
11. A compreensão é uma antecipação viabilizada por um projeto de todo e tem como 
“matéria prima” a pré-compreensão já presente no intérprete. Isso impede que a 
argumentação interfira no círculo hermenêutico e que abra possibilidades ao resultado 
final. Quando o ente se revela, compreendemos dentro das nossas possibilidades pré-
compreensivas. 
12. A argumentação deve ser vista como uma reconstrução de um caminho já percorrido na 
sua dimensão de fundamento e como um fenômeno que, uma vez compreendido, pode 
transformar o intérprete. Essa transformação não altera o resultado do círculo 
hermenêutico, mas apenas viabiliza outros círculos e, conseqüentemente, outras 
compreensões. 
 
São essas, portanto, as doze assertivas trabalhadas nesse texto, estando certo de que as 
implicações do processo com a hermenêutica trazem muitas outras questões que, apenas pelo 
escopo do trabalho, não foram aqui tratadas. O aspecto da fundamentação enquanto um vazio, um 
buraco negro é, por exemplo, uma delas. Mas fica para uma outra oportunidade. 
 
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 Acesso em: 16 nov. 2006.

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