Logo Passei Direto

A maior rede de estudos do Brasil

Grátis
40 pág.
#Revista Le Monde Diplomatique   Edição 134   (Setembro 2018)

Pré-visualização | Página 5 de 41

Na linguagem do povo
POR SILVIO CACCIA BAVA
A
s eleições deste ano buscam 
sensibilizar um eleitorado no 
qual 49% dos que têm mais de 
25 anos ainda não completaram 
o ciclo do Ensino Fundamental (IB-
GE); no qual 95 milhões de brasileiros 
têm renda de até R$ 14 por dia (46%) e 
41 milhões, renda entre R$ 14 e R$ 21 
por dia (20%); no qual 13,7 milhões de 
desempregados se somam aos mi-
lhões que perderam as esperanças de 
encontrar uma vaga. 
Buscar mantê-los na ignorância, 
doutriná-los por meio da televisão, 
controlá-los pela violência parece 
ser a alternativa adotada pelos do-
nos do poder para tentar submetê-
-los à sua vontade. Segundo eles, as 
questões sociais não cabem no orça-
mento público e os pobres têm de fi-
car no seu lugar. 
O ciclo de eleições da primeira dé-
cada do século XXI na América Latina 
mostrou que os pobres não são igno-
rantes, não estão sujeitos a todo tipo 
de manipulações e não querem ficar 
no lugar subalterno destinado a eles 
pelas elites. Eles querem superar o fos-
so da desigualdade. 
As manifestações populares dizem 
hoje que eles também não querem as 
políticas de austeridade que lhes são 
impostas para garantir os ganhos do 
1% mais rico. Mas, na atualidade, uma 
parte desses mesmos pobres pende 
para defender seus algozes, iludida por 
uma santa campanha contra a corrup-
ção que é extremamente seletiva e se 
concentra em atacar o PT, sobretudo 
Lula, que lidera com folga todas as pes-
quisas eleitorais. 
O golpe de 2016, que derrubou a 
presidenta Dilma, os péssimos resulta-
dos do governo Temer, a espoliação das 
maiorias promovida por iniciativas de 
entidades empresariais como a Fiesp e 
a CNI (especialmente a reforma traba-
lhista e a Emenda Constitucional n. 95, 
que congela por vinte anos os gastos 
sociais), o desrespeito aos direitos con-
sagrados em nossa Constituição, tudo 
isso gera o descrédito com a política e 
com os políticos, colocando perigosa-
mente todos no mesmo saco.
Para estudiosos dos processos elei-
torais, a abstenção, somada aos votos 
brancos e nulos, pode superar os 40% 
do eleitorado nestas eleições1, sinal de 
que esse sistema político já não dá 
conta de processar os conflitos de inte-
resse em nossa sociedade. Some-se a 
isso o impedimento legal, que contra-
diz a Constituição da República, de 
um candidato com mais de 39% da 
preferência eleitoral, e temos uma si-
tuação inédita.2 
Nesse cenário, o conjunto dos par-
tidos da direita abraça um programa 
único: o da implantação do ultralibe-
ralismo econômico. Todos defendem o 
corte nas políticas sociais, o rebaixa-
mento dos salários, a precarização do 
trabalho, a violência como solução pa-
ra a criminalidade, as privatizações, 
entre outras coisas. E encobrem seus 
propósitos com discursos em prol de 
uma falsa retomada do desenvolvi-
mento e de um Estado mais eficiente, 
como se não tivéssemos um registro 
histórico de que a desigualdade avan-
ça com o baixo crescimento da econo-
mia e a extinção do Estado social.
Já aqueles que se organizam para a 
defesa da democracia e dos direitos que 
estão sendo suprimidos não encontram 
uma linguagem capaz de sensibilizar a 
maioria do povo e são ignorados pelos 
grandes meios de comunicação. 
O que significa, para aqueles que 
suam a camisa no dia a dia para garan-
tir seu sustento e o de sua família, a 
discussão sobre desenvolvimento sus-
tentável, taxa de câmbio, juros, refor-
ma tributária etc.? 
Buscar o engajamento da popula-
ção em um processo eleitoral significa 
mobilizar suas expectativas e deman-
das e estabelecer compromissos que 
venham abordar os problemas do coti-
diano e propor como enfrentá-los. 
O sucesso da campanha de Bernie 
Sanders para a presidência dos Estados 
Unidos se deveu à sua linguagem clara 
e direta e ao seu compromisso com os 
interesses das maiorias. Sua platafor-
ma tinha como carro-chefe dobrar o 
salário mínimo e garantir educação 
pública, gratuita e de qualidade, em to-
dos os níveis. Tais propostas atendem a 
todos. Embora não tenha ganho a dis-
puta pela candidatura do Partido De-
mocrata, Sanders conseguiu encantar 
uma parcela importante do eleitorado, 
especialmente a juventude.
Forma e conteúdo se combinam 
numa estratégia eleitoral. As propos-
tas claras e objetivas precisam ser 
apresentadas na linguagem do povo. E 
aqui está um desafio para as organiza-
ções de esquerda, melhor dizendo, pa-
ra as organizações que defendem a de-
mocracia e os direitos humanos, o que 
abarca um arco mais amplo de organi-
zações, seja do sistema político, seja da 
sociedade civil. 
Mas se falar a linguagem do povo já 
é um passo gigantesco de aproxima-
ção com as maiorias, é importante 
lembrar que a ação e as identidades 
políticas se constroem graças aos cole-
tivos que se mobilizam e, assim, criam 
seus afetos políticos3. Casos recentes 
exemplares foram as caravanas pro-
movidas por Lula pelo país e os comí-
cios realizados ao longo da caravana; 
as marchas e ocupações do MST; a 
Marcha das Mulheres Negras; as inú-
meras manifestações e passeatas em 
defesa de direitos; os acampamentos 
do Levante Popular da Juventude. 
Para as grandes maiorias empobre-
cidas, o que interessa são suas condi-
ções de vida e a possibilidade de sonhar 
com uma vida melhor. Garantir seu em-
prego e seus direitos trabalhistas; au-
mentar o salário mínimo; garantir saú-
de e educação pública, gratuita e de 
qualidade para todos; garantir a quali-
dade de vida dos aposentados pela via 
da Previdência; baixar o preço do boti-
jão de gás. Esses são alguns elementos 
centrais para atender e mobilizar as 
maiorias. Tudo ao contrário do que reza 
a cartilha da austeridade e do liberalis-
mo arcaico preconizada no programa 
único da direita. 
1 Lejeune Mirhan, sociólogo, escritor, pesquisador, 
professor e analista internacional. Presidiu o Sindi-
cato dos Sociólogos do Estado de São Paulo e a 
Federação Nacional dos Sociólogos. 
2 Pesquisa Datafolha, divulgada em 22 ago. 2018.
3 Antonio Negri e Michael Hardt, Declaração: isto 
não é um manifesto, N-1 Edições, São Paulo, 
2014, p.31.
©
 C
la
ud
iu
s
6 Le Monde Diplomatique Brasil SETEMBRO 2018
DIMINUIR TRIBUTOS OU REFORMAR A DISTRIBUIÇÃO DOS IMPOSTOS
O que interessa ao povo brasileiro?
Para resolver os problemas do país devem-se cortar tributos e diminuir ainda mais os investimentos 
estatais ou fazer uma reforma tributária estrutural que leve o Estado a aumentar a arrecadação, 
principalmente sobre o 1% mais rico da população?
POR ODILON GUEDES*
A 
eleição para presidente coloca 
um tema fundamental para o 
debate: a reforma tributária. O 
Brasil possui uma das estrutu-
ras tributárias mais injustas, em que 
a população de baixa renda e a classe 
média pagam, proporcionalmente, 
mais tributos que o 1% mais rico. Isso 
ocorre porque a maior parte dos tri-
butos é indireta e recai sobre o con-
sumo, atingindo da mesma forma 
quem ganha dois, trinta ou trezentos 
salários mínimos.
Apesar disso, as forças conservado-
ras que disputam a eleição afirmam que 
um dos principais problemas do Brasil é 
o alto percentual da carga tributária em 
relação ao PIB; e que a solução é abaixá-
-lo. Pelos dados que apresentamos a se-
guir ficará evidente que o Estado brasi-
leiro arrecada por cidadão muito menos 
que os demais países analisados. De-
monstraremos também que o Brasil vi-
ve uma situação social muito pior que 
esses países, o que significa que são ne-
cessários muito mais recursos para in-
vestir em educação, saúde, segurança 
pública e outras áreas. Em resumo, a 
questão a ser analisada não é o percen-
tual da carga tributária em relação ao 
PIB, e sim quanto o governo dispõe para 
investir por cidadão.
Pelos dados da Tabela 1 observamos 
que, apesar de a carga tributária dos 
países, com exceção
Página123456789...41