Na linguagem do povo POR SILVIO CACCIA BAVA A s eleições deste ano buscam sensibilizar um eleitorado no qual 49% dos que têm mais de 25 anos ainda não completaram o ciclo do Ensino Fundamental (IB- GE); no qual 95 milhões de brasileiros têm renda de até R$ 14 por dia (46%) e 41 milhões, renda entre R$ 14 e R$ 21 por dia (20%); no qual 13,7 milhões de desempregados se somam aos mi- lhões que perderam as esperanças de encontrar uma vaga. Buscar mantê-los na ignorância, doutriná-los por meio da televisão, controlá-los pela violência parece ser a alternativa adotada pelos do- nos do poder para tentar submetê- -los à sua vontade. Segundo eles, as questões sociais não cabem no orça- mento público e os pobres têm de fi- car no seu lugar. O ciclo de eleições da primeira dé- cada do século XXI na América Latina mostrou que os pobres não são igno- rantes, não estão sujeitos a todo tipo de manipulações e não querem ficar no lugar subalterno destinado a eles pelas elites. Eles querem superar o fos- so da desigualdade. As manifestações populares dizem hoje que eles também não querem as políticas de austeridade que lhes são impostas para garantir os ganhos do 1% mais rico. Mas, na atualidade, uma parte desses mesmos pobres pende para defender seus algozes, iludida por uma santa campanha contra a corrup- ção que é extremamente seletiva e se concentra em atacar o PT, sobretudo Lula, que lidera com folga todas as pes- quisas eleitorais. O golpe de 2016, que derrubou a presidenta Dilma, os péssimos resulta- dos do governo Temer, a espoliação das maiorias promovida por iniciativas de entidades empresariais como a Fiesp e a CNI (especialmente a reforma traba- lhista e a Emenda Constitucional n. 95, que congela por vinte anos os gastos sociais), o desrespeito aos direitos con- sagrados em nossa Constituição, tudo isso gera o descrédito com a política e com os políticos, colocando perigosa- mente todos no mesmo saco. Para estudiosos dos processos elei- torais, a abstenção, somada aos votos brancos e nulos, pode superar os 40% do eleitorado nestas eleições1, sinal de que esse sistema político já não dá conta de processar os conflitos de inte- resse em nossa sociedade. Some-se a isso o impedimento legal, que contra- diz a Constituição da República, de um candidato com mais de 39% da preferência eleitoral, e temos uma si- tuação inédita.2 Nesse cenário, o conjunto dos par- tidos da direita abraça um programa único: o da implantação do ultralibe- ralismo econômico. Todos defendem o corte nas políticas sociais, o rebaixa- mento dos salários, a precarização do trabalho, a violência como solução pa- ra a criminalidade, as privatizações, entre outras coisas. E encobrem seus propósitos com discursos em prol de uma falsa retomada do desenvolvi- mento e de um Estado mais eficiente, como se não tivéssemos um registro histórico de que a desigualdade avan- ça com o baixo crescimento da econo- mia e a extinção do Estado social. Já aqueles que se organizam para a defesa da democracia e dos direitos que estão sendo suprimidos não encontram uma linguagem capaz de sensibilizar a maioria do povo e são ignorados pelos grandes meios de comunicação. O que significa, para aqueles que suam a camisa no dia a dia para garan- tir seu sustento e o de sua família, a discussão sobre desenvolvimento sus- tentável, taxa de câmbio, juros, refor- ma tributária etc.? Buscar o engajamento da popula- ção em um processo eleitoral significa mobilizar suas expectativas e deman- das e estabelecer compromissos que venham abordar os problemas do coti- diano e propor como enfrentá-los. O sucesso da campanha de Bernie Sanders para a presidência dos Estados Unidos se deveu à sua linguagem clara e direta e ao seu compromisso com os interesses das maiorias. Sua platafor- ma tinha como carro-chefe dobrar o salário mínimo e garantir educação pública, gratuita e de qualidade, em to- dos os níveis. Tais propostas atendem a todos. Embora não tenha ganho a dis- puta pela candidatura do Partido De- mocrata, Sanders conseguiu encantar uma parcela importante do eleitorado, especialmente a juventude. Forma e conteúdo se combinam numa estratégia eleitoral. As propos- tas claras e objetivas precisam ser apresentadas na linguagem do povo. E aqui está um desafio para as organiza- ções de esquerda, melhor dizendo, pa- ra as organizações que defendem a de- mocracia e os direitos humanos, o que abarca um arco mais amplo de organi- zações, seja do sistema político, seja da sociedade civil. Mas se falar a linguagem do povo já é um passo gigantesco de aproxima- ção com as maiorias, é importante lembrar que a ação e as identidades políticas se constroem graças aos cole- tivos que se mobilizam e, assim, criam seus afetos políticos3. Casos recentes exemplares foram as caravanas pro- movidas por Lula pelo país e os comí- cios realizados ao longo da caravana; as marchas e ocupações do MST; a Marcha das Mulheres Negras; as inú- meras manifestações e passeatas em defesa de direitos; os acampamentos do Levante Popular da Juventude. Para as grandes maiorias empobre- cidas, o que interessa são suas condi- ções de vida e a possibilidade de sonhar com uma vida melhor. Garantir seu em- prego e seus direitos trabalhistas; au- mentar o salário mínimo; garantir saú- de e educação pública, gratuita e de qualidade para todos; garantir a quali- dade de vida dos aposentados pela via da Previdência; baixar o preço do boti- jão de gás. Esses são alguns elementos centrais para atender e mobilizar as maiorias. Tudo ao contrário do que reza a cartilha da austeridade e do liberalis- mo arcaico preconizada no programa único da direita. 1 Lejeune Mirhan, sociólogo, escritor, pesquisador, professor e analista internacional. Presidiu o Sindi- cato dos Sociólogos do Estado de São Paulo e a Federação Nacional dos Sociólogos. 2 Pesquisa Datafolha, divulgada em 22 ago. 2018. 3 Antonio Negri e Michael Hardt, Declaração: isto não é um manifesto, N-1 Edições, São Paulo, 2014, p.31. © C la ud iu s 6 Le Monde Diplomatique Brasil SETEMBRO 2018 DIMINUIR TRIBUTOS OU REFORMAR A DISTRIBUIÇÃO DOS IMPOSTOS O que interessa ao povo brasileiro? Para resolver os problemas do país devem-se cortar tributos e diminuir ainda mais os investimentos estatais ou fazer uma reforma tributária estrutural que leve o Estado a aumentar a arrecadação, principalmente sobre o 1% mais rico da população? POR ODILON GUEDES* A eleição para presidente coloca um tema fundamental para o debate: a reforma tributária. O Brasil possui uma das estrutu- ras tributárias mais injustas, em que a população de baixa renda e a classe média pagam, proporcionalmente, mais tributos que o 1% mais rico. Isso ocorre porque a maior parte dos tri- butos é indireta e recai sobre o con- sumo, atingindo da mesma forma quem ganha dois, trinta ou trezentos salários mínimos. Apesar disso, as forças conservado- ras que disputam a eleição afirmam que um dos principais problemas do Brasil é o alto percentual da carga tributária em relação ao PIB; e que a solução é abaixá- -lo. Pelos dados que apresentamos a se- guir ficará evidente que o Estado brasi- leiro arrecada por cidadão muito menos que os demais países analisados. De- monstraremos também que o Brasil vi- ve uma situação social muito pior que esses países, o que significa que são ne- cessários muito mais recursos para in- vestir em educação, saúde, segurança pública e outras áreas. Em resumo, a questão a ser analisada não é o percen- tual da carga tributária em relação ao PIB, e sim quanto o governo dispõe para investir por cidadão. Pelos dados da Tabela 1 observamos que, apesar de a carga tributária dos países, com exceção