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instituto da lesão a luz do código civil

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Programa de Pós-Graduação em Direito 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O INSTITUTO DA LESÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DA 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 
 
 
 
 
 
 
Andressa Silmara Alves Carvalho Rios 
 
 
 
 
 
 
 
BELO HORIZONTE 
2009 
 
 
Andressa Silmara Alves Carvalho Rios 
 
 
 
 
 
 
 
O INSTITUTO DA LESÃO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 E DA 
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA 
 
 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Direito da Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais, 
como requisito parcial para obtenção do 
título de Mestre em Direito. 
 
Orientador: Leonardo Macedo Poli 
 
 
 
 
 
BELO HORIZONTE 
2009 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FICHA CATALOGRÁFICA 
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 
 
 
 Rios, Andressa Silmara Alves Carvalho 
R586i O instituto da lesão à luz do Código Civil de 2002 e da Constituição da 
República / Andressa Silmara Alves Carvalho Rios. Belo Horizonte, 2009. 
 115f. 
 
 Orientador: Leonardo Macedo Poli 
 Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas 
 Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 
 
 1. Lesão (Direito). 2. Negócio jurídico. 3. Contratos. 4. Código Civil (2002). 
5. Constituição (1988). 6. Rescisão. I. Poli, Leonardo Macedo. II. Pontifícia 
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito. 
III. Título. 
 
 CDU: 347.449 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS 
Programa de Pós-Graduação em Direito 
 
 
Dissertação intitulada: “O instituto da lesão à luz do Código Civil de 2002 e da 
Constituição da República”, de autoria de Andressa Silmara Alves Carvalho Rios, 
aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: 
 
 
 
 
__________________________________________________________________ 
 Leonardo Macedo Poli (Orientador) – PUC Minas 
 
 
 
___________________________________________________________________ 
Walsir Edson Rodrigues Júnior – PUC Minas 
 
 
 
___________________________________________________________________ 
Giordano Bruno Soares Roberto - UFMG 
 
 
 
___________________________________________________________________ 
Bruno Torquato de Oliveira Naves - PUC Minas (Suplente) 
 
 
BELO HORIZONTE, 16 de JUNHO DE 2009. 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
Acima de tudo, agradeço a Deus por mais esta conquista e por se fazer presente em 
cada minuto dos meus dias. Sem fé, os obstáculos são maiores e mais difíceis de 
serem ultrapassados. 
 
Agradeço ao Rafael e aos meus pequenos, Lucca e Enzo, pelo amor e apoio 
incondicional e por compreenderem minha constante ausência, quando todas as 
forças se voltaram para a conclusão desta empreitada. Vocês são a razão da minha 
vida! 
 
A minha mãe e meus irmãos, Igor e Anelise, pelo carinho e presença constante. Aos 
meus sogros, Ângela e Fernando, por me acolherem como filha e por sempre 
acreditarem em meu potencial. 
 
Por fim, os meus sinceros agradecimentos a todos os professores e colegas da 
PUC, que me auxiliaram no crescimento profissional e pessoal, especialmente ao 
meu orientador Leonardo Poli, pelos ensinamentos, compreensão e palavras de 
incentivo. 
 
 RESUMO 
 
 
O instituto da lesão, originário no Direito Romano e com previsão nas principais 
codificações civis em todo o mundo, não foi recepcionado pelo Código Civil de 1916, 
já que, à época de sua promulgação, as relações contratuais eram regidas por 
princípios rígidos como o da autonomia da vontade. Com a promulgação do novo 
Código Civil brasileiro, temos o retorno do instituto como defeito autônomo do 
negócio jurídico, capaz de provocar a sua anulação. Cabe agora analisar a forma 
pela qual a lesão foi positivada para interpretá-la e aplicá-la à luz da normativa 
constitucional, de modo a ampliar a efetivação dos princípios superiores que a 
inspiram. É fundamental afastar a perspectiva patrimonialista e individualista, tão 
cara ao direito civil tradicional. Foi este movimento humanizante que permitiu ao 
Direito retomar o antigo instituto, porém não sem uma imprescindível remodelagem. 
Portanto, o principal objetivo do presente trabalho, dentre outros mais específicos, foi 
discutir a lesão, diante das mudanças de paradigmas e de princípios que vêm 
ocorrendo desde a promulgação do Código Civil de 1916 até os nossos dias, 
proporcionando uma visão social do contrato. O estudo do instituto revela-se 
fascinante à medida que nos propomos a alcançar conclusões acerca dos mais 
variados e conturbados aspectos que o circundam, contribuindo para a formação 
das bases dogmáticas deste novo defeito do negócio jurídico. Pretendemos 
demonstrar, ainda, a viabilidade da revisão do contrato viciado por lesão além da 
hipótese restrita prevista no parágrafo 2° do artig o 157, tendo em vista o sistema do 
Código e, sobretudo, os princípios insculpidos na Constituição da República. 
 
LESÃO. NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO. CÓDIGO CIVIL. CONSTITUIÇÃO. 
PRINCÍPIOS. EQUIVALÊNCIA. PRESTAÇÕES. DEFEITOS. REVISÃO. 
 
 
ABSTRACT 
 
 
The injury institute, originated in Roman law and included in the main civil codes all 
over the world, was not approved by the Civil Code of 1916, since, at the time of its 
promulgation, the contractual relations were ruled by rigid principles such as the 
autonomy of will. With the promulgation of the new Brazilian Civil Code, we have the 
return of the institute as a defect of the autonomous legal transaction, able to cause 
its cancellation. Now, it is necessary to exam the way in which injury was posited in 
order to interpret it and apply it in the light of constitutional norms, so it is possible to 
broaden the effects of the higher principles that inspired it. It is essential to avert the 
patrimonialistic and individualistic perspective, so dear to the civil law tradition. It was 
this humanizing movement that allowed to resume the old law institute, but not 
without a vital remodeling. Therefore, the main objective of this work, among other 
more specific, was to discuss the injury, given the changes in the paradigms and 
principles that have occurred since the enactment of the Civil Code of 1916 to this 
day, offering a vision of the social contract. The study of this institute appears to be 
fascinating as we propose to reach conclusions about the most diverse, troubled 
aspects about it, contributing to the formation of the dogmatic foundations of this new 
defect in the legal transaction. We also want to demonstrate the feasibility of 
amending the contract vitiated by injury beyond the narrow circumstances provided in 
paragraph 2 of Article 157, in view of the system code, and above all, of the 
principles in the Federal Constitution of the Republic. 
 
 
INJURY. LEGAL TRANSACTIONS. CONTRACT. CIVIL CODE. CONSTITUTION. 
PRINCIPLES. EQUIVALENCE. BENEFITS. DEFECTS. REVIEW. 
 
SUMÁRIO 
 
 
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 8 
 
2 O DIREITO CIVIL SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL........................ 13 
 
3 BREVE TRAJETÓRIA DO DIREITO CONTRATUAL........................................18 
3.1 A concepção clássica do contrato e seus princípios 
tradicionais........................................................................................................... 18 
3.2 A crise da concepção clássica: as transformações da realidade 
contratual.............................................................................................................. 20 
3.3 A evolução do contrato: o surgimento de uma nova teoria 
contratual ............................................................................................................. 24 
3.3.1 A função social do contrato...................................................................... 25 
3.3.2 Boa-fé objetiva............................................................................................. 28 
3.3.3 Justiça contratual........................................................................................ 32 
3.3.4 Equilíbrio contratual.................................................................................... 34 
3.3.5 Autonomia privada...................................................................................... 36 
 
4 HISTÓRICO DA LESÃO.................................................................................... 38 
4.1 A lesão no Direito Romano........................................................................... 39 
4.2 O ressurgimento da lesão na Idade Média.................................................. 43 
4.3 A lesão no Direito Estrangeiro..................................................................... 45 
4.3.1 França.......................................................................................................... 45 
4.3.2 Alemanha..................................................................................................... 46 
4.3.3 Itália.............................................................................................................. 47 
4.3.4 Portugal........................................................................................................ 48 
4.3.5 Argentina...................................................................................................... 50 
 
5 A LESÃO NO DIREITO PÁTRIO........................................................................ 52 
5.1 As Ordenações do reino e o direito anterior ao Código 
Civil de 1916.......................................................................................................... 52 
5.2 Promulgação do Código Civil de 1916 e a abolição da lesão.................... 54 
5.3 A fragmentação: Legislação brasileira posterior ao Código..................... 55 
5.4 O advento do Código Civil de 2002.............................................................. 64 
 
6 ESBOÇO DE UMA TEORIA GERAL DA LESÃO À LUZ DO CÓDIGO 
CIVIL DE 2002 E DA CONSTITUIÇÃO................................................................. 66 
6.1 Conceito......................................................................................................... 66 
6.2 Elementos essenciais caracterizadores da lesão...................................... 68 
6.2.1 Elemento objetivo para caracterização da lesão: manifesta 
desproporção patrimonial................................................................................... 69 
6.2.2 Elemento subjetivo para caracterização da lesão: 
premente necessidade ou inexperiência do lesado......................................... 74 
6.3 O dolo de aproveitamento: elemento necessário ou não à 
caracterização da lesão?.................................................................................... 78 
6.4 Natureza jurídica do instituto....................................................................... 83 
 
6.5 Momento de aferição da Lesão.................................................................... 86 
6.6 O âmbito de aplicação da Lesão.................................................................. 88 
6.6.1 A lesão nos contratos aleatórios.............................................................. 88 
6.6.2 A lesão nas hastas públicas e nos leilões judiciais................................ 91 
6.7 A anulabilidade do contrato pelo reconhecimento da existência 
de lesão e as consequências daí decorrentes................................................ 92 
6.8 Renúncia antecipada à alegação de lesão................................................. 95 
6.9 Ampliação da possibilidade de revisão dos contratos viciados 
por lesão para além de 2002............................................................................... 95 
 
7 CONCLUSÃO................................................................................................... 100 
 
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 104 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
 
O Código Civil de 2002 trouxe ao ordenamento jurídico pátrio o instituto da 
lesão. Não se trata de uma figura nova, uma vez que já existiu no Direito brasileiro. 
Apesar da incerteza quanto ao exato momento de seu surgimento, sabe-se, 
entretanto, que sua origem é romana. Segundo as pesquisas históricas já 
realizadas, o mais provável é que tenha se originado com o Corpus Júris Civilis de 
Justiniano, que fazia referência a dois fragmentos de Diocleciano e Maximiliano, 
conhecidos respectivamente como Leis Segunda e Oitava. Controverte-se, porém, 
sobre a autenticidade desses textos. 
Como instrumento de flexibilização do Direito Civil, a versão romana do 
instituto, difundida como laesio enormis, permitia ao vendedor pleitear o 
desfazimento do contrato de compra e venda, se recebera pelo bem menos da 
metade do justo preço. Admitia-se, dessa forma, que um contrato formalmente 
perfeito fosse desfeito em virtude de sua desconformidade com a justiça. Trata-se de 
um vício com conotação nitidamente objetiva, caracterizada pela desproporção entre 
o valor da coisa e o preço pago pelo adquirente, distanciando-se de requisitos 
subjetivos, não obstante seu objetivo fosse o de proteger o contratante mais fraco 
contra o poderio da contraparte. 
 Adormecida durante longo período, a lesão renasce na Idade Média, pelos 
trabalhos realizados na Escola de Bolonha, integrando-se aos vícios de 
consentimento e ganhando uma nova subespécie, a laesio enormissima, 
caracterizada quando a desproporção atingisse dois terços do preço justo, 
acarretando a inexistência do pacto e não a sua rescisão. Tal evolução se deve, em 
grande parte, as ideias de Santo Ambrósio, Santo Agostinho, Santo Tomás de 
Aquino, dentre outros. Além da moral e da equidade que deveriam nortear as 
avenças, agora se fazia presente o espírito cristão na forma de caridade. Foi 
desenvolvida a doutrina do justo preço, que proibia obter-se, em um contrato, 
proveito excessivo em prejuízo do outro contratante. 
 A Idade Moderna foi marcada pelas ideias iluministas, muitas delas no sentido 
de privilegiar o ser humano, enaltecendo profundamente o espírito individualista 
dentro do Direito. Nessa época, o princípio da autonomia da vontade no contrato foi 
 
tido como dogma inafastável, bem como o princípio da igualdade entre as partes, 
não obstante, na maioria das vezes, esse se tratar de igualdade meramente formal. 
 A lesão passou então a ser severamente criticada e vista como um instituto 
antipático e arcaico, uma vez que preconizava a proteção de uma das partes no 
contrato, o que, dentro das ideias da época, atacava a faculdade da livre disposição 
contratual. Além disso, os teóricos viam a lesão como um instituto que poderia 
abalar a segurança das relações jurídicas em geral, na medida em que poderia 
ocorrer a anulação do contrato, ainda querealizado sob a observância de todos os 
requisitos legais formais. 
 No ordenamento jurídico brasileiro, a lesão encontrava previsão nas 
Ordenações do Reino, delimitando os conceitos de lesão enorme e enormíssima. 
Tais ordenações permaneceram em vigor durante muitos anos após a proclamação 
da independência, aplicáveis não só aos contratos de compra e venda, mas também 
a outros negócios, sendo revogadas aos poucos. 
 Sucede que os ideais do liberalismo não demoraram a se instalar em solo 
pátrio. O individualismo se impregnava entre os juristas repelindo a lesão. No Código 
Comercial de 1850, a figura não encontrou lugar, não havendo a possibilidade de 
anulação por lesão nas compras e vendas entre comerciantes. Os projetos de 
Código Civil, em sua maioria, também não agasalharam a lesão ou quando o faziam 
eram em hipóteses bastante restritas. Dessa forma, a lesão, que era disciplinada 
pela codificação filipina, foi banida do Direito positivo pelo Código Civil de 1916, o 
qual, fiel às convicções do autor de seu anteprojeto, absorveu os ideais europeus e 
excluiu a figura do diploma oitocentista. 
 Após o advento do Código Civil de 1916, nascido velho, a Europa 
convulsionou-se sob a primeira Grande Guerra, de cujo ventre surgiram profundas 
mudanças econômicas e sociais, com amplos reflexos nas concepções jurídicas. 
Com a evolução do capitalismo, da industrialização crescente e a criação de grandes 
grupos empresariais, agravou-se a desigualdade econômica. Consequentemente, o 
contrato, com as vestes de um ato emanado de vontades livres e iguais, continha 
muitas vezes uma desproporcionalidade de prestações ou defeitos em tal grau que 
ofendia gravemente aquele ideal de justiça que é a última ratio da própria ordem 
pública. As sucessivas crises que o mundo passou a sofrer acabaram por debilitar os 
outrora sólidos e rígidos princípios liberais. Com efeito, percebeu-se a necessidade 
de, ao menos em termos legislativos, garantir-se proteção às partes menos 
 
favorecidas economicamente nos contratos. Por isso mesmo, logo após a sua 
entrada em vigor a codificação começava a perder espaço para uma legislação 
especial que visava a responder exigências de cunho social que o texto de 1916 não 
estava apto a suprir. 
 Com isso, iniciou-se a edição de uma legislação que procurava estabelecer tal 
proteção. Vários diplomas legislativos surgiram, destacando-se a Lei da Usura 
(Decreto n. 22.626⁄ 33), que limitou a cobrança de juros, e as Leis de Economia 
Popular. Quanto às últimas, a doutrina que admitia a existência da lesão no Direito 
brasileiro entendia que o instituto já se fazia presente novamente com essas normas, 
mais precisamente no artigo 4°, "b", da Lei n. 1521 ⁄ 51. Entretanto, não se tratava 
mais da lesão enorme, mas sim da lesão usurária. 
 Após a ocorrência das duas guerras mundiais, o Código, gradativamente, 
perde lugar para legislações esparsas, deixando de exercer a posição centralizadora 
do ordenamento privado. A herança deixada pelos conflitos ocorridos na primeira 
metade do século XX, além das desigualdades geradas pelo liberalismo, reflete no 
surgimento de uma consciência mundial pela necessidade de respeito aos direitos 
humanos. 
 Com a promulgação da Constituição da República de 1988, diploma de cunho 
solidarista, despatrimonializado e hábil a provocar uma reviravolta no Direito Civil, 
surge a concepção de que a pessoa deve prevalecer sobre interesses meramente 
patrimoniais. À luz da Carta Magna é buscada a funcionalização dos institutos do 
Direito Privado, os quais se tornaram instrumentos da realização do projeto 
constitucional, devendo ser aplicados após juízos de valor espelhados na tábua 
axiológica constitucional. 
 Nesse contexto, modifica-se substancialmente a teoria contratual clássica, na 
qual imperavam princípios individualistas, como a liberdade contratual, 
obrigatoriedade dos efeitos e relatividade, surgindo novos pilares, reconhecidos 
como sociais, dos quais se destacam a função social do contrato, a boa-fé objetiva e 
o equilíbrio contratual, que mitigam e acabam por relativizar a influência daqueles. O 
indivíduo tem sua esfera de liberdade diminuída, através de uma autonomia que 
passa a ser privada, já que a ordem jurídica contemporânea não tutela atos 
contrários aos valores constitucionais. 
 É nessa perspectiva, a partir de uma nova visão das relações contratuais, que 
ocorre o ressurgimento da lesão no ordenamento jurídico pátrio. Percebe-se que em 
 
todas as épocas e em todos os povos, o anseio pela realização da justiça, tem sido 
uma constante inspiradora da construção doutrinária e informativa do Direito 
Positivo. 
 O Código Civil de 2002, ao reinserir na sistemática do Direito Privado, em 
caráter geral, o vício da lesão, inserido entre os defeitos do negócio jurídico, está 
sintonizado com os rumos claramente traçados pelo direito comparado e com a 
própria evolução sinalizada pelo direito brasileiro, em que a pessoa humana exsurge 
como valor fundamental. 
 Diante disso, justifica-se o desenvolvimento do estudo da lesão, à luz do 
ordenamento civil-constitucional brasileiro, buscando prestar uma singela 
contribuição para a construção das bases dogmáticas do instituto, inserido como 
novo defeito do negócio jurídico. Compreendê-lo significa decifrar parte do enigma 
que circunda os paradigmas jurídicos contemporâneos, sobretudo no tocante à 
teoria dos contratos. 
 Iniciamos o presente trabalho com uma breve abordagem acerca do Direito 
Civil na perspectiva constitucional, para em seguida traçar a evolução da Teoria 
Contratual, destacando os seus novos princípios informadores, que se reúnem aos 
princípios tradicionais, relativizando-os para tornar o contrato um instituto mais de 
acordo com a ordem civil-constitucional, fundada na dignidade da pessoa humana e 
numa visão despatrimonializada e solidarista. 
O histórico da lesão é abordado adiante, oportunidade em que se busca 
traçar a linha evolutiva do instituto, desde o Direito Romano, passando pela Idade 
Média, pelo Direito Comparado, bem como pelo seu ingresso no ordenamento 
brasileiro e o seu desaparecimento, com a edição do Código Civil de 1916. O 
ressurgimento da lesão também será abordado, refazendo-se de forma concisa e 
breve o trajeto percorrido a partir do Decreto-lei n°869 ⁄ 33 até o Código Civil de 
2002, passando pelo Código de Defesa do Consumidor. 
 O sexto capítulo volta-se a uma análise da lesão, à luz do Código Civil e da 
Constituição da República. Depois da tentativa conceitual, procuramos revelar os 
seus elementos essenciais, requisito objetivo e subjetivo para a sua caracterização, 
apresentando nossa posição de que o aproveitamento não integra o conteúdo do 
defeito na ordem jurídica vigente. 
 Em seguida será examinada a natureza jurídica do instituto, o momento de 
aferição e o âmbito de aplicação do defeito, enfrentando-se a questão da sua 
 
incidência nos contratos aleatórios, nos leilões judiciais e nas hastas públicas. Este 
capítulo prolonga-se com a análise da sanção preferencial atribuída pelo texto legal 
ao negócio lesionário, qual seja, a invalidade, com o exame das consequências da 
anulabilidade e da renúncia antecipada à alegação de lesão. 
 O derradeiro capítulo volta-se à defesa da tese de que o contrato viciado por 
lesão pode ser revisto, por iniciativa do prejudicado, superando-se a hipótese restrita 
e insuficiente de revisão prevista no § 2° do artig o 157 do Código Civil de 2002. 
 
2 O DIREITO CIVIL SOB A PERSPECTIVA CONSTITUCIONAL 
 
 O direito civil construído sob as bases de um individualismo exacerbado, 
baseado em princípios que se pretendiam completos e imutáveis não resistiu às 
mudanças sociais que gradativamente se operaram mundialmente a partir do final do 
século XIX e início do século XX. Verificou-se que a manutenção de um sistema 
jurídico centrado emconceituações e em valores fechados seria incapaz de 
solucionar satisfatoriamente as questões que lhe eram postas. 
 
O perfil individualista contido nos códigos oitocentistas fundado nos 
princípios orientadores do Estado Liberal acabou enfraquecido ante a nova 
realidade surgida no início do século XX. Diante de tal contexto, as 
Constituições passaram a contemplar em seu texto disposições que 
objetivavam edificar novos paradigmas jurídicos afetos à sociedade 
contemporânea. Daí o surgimento de conteúdos constitucionais alusivos a 
direitos fundamentais, à função social da propriedade, à dignidade humana, 
à formação de uma sociedade justa e solidária calcada na igualdade real ou 
substancial, à pacífica convivência entre a prática de estratégias que 
buscam a erradicação da pobreza e os valores da livre iniciativa, estes 
últimos tão caros aos pressupostos liberais. (GOMES, 2004, p.91) 
 
 No Brasil, a promulgação da Constituição de 1988 vem representar a 
consolidação de uma profunda mudança no que tange aos fundamentos e princípios 
que orientavam o Direito Privado até então vigente. Institutos jurídicos clássicos 
como o contrato, a propriedade e família passam a ser interpretados e valorados de 
acordo com um texto constitucional que tem como epicentro a pessoa humana e a 
preservação de sua dignidade. Conforme bem pontuado pelo professor Gustavo 
Tepedino, altera-se a ordem jurídica vigente, o que demonstra, pelo menos em tese, 
efetivo abandono ao modelo liberal em favor de um modelo de Estado Social 
intervencionista. (TEPEDINO, 1999, p. 203). 
 A passagem do liberalismo para a construção de um Estado Social traz 
consigo diversas e significativas mudanças na realidade social e consequentemente 
na ciência jurídica como um todo. O interesse individual antes preservado a qualquer 
custo, instituído como verdade universal, perde espaço para a valorização do 
interesse coletivo, através de uma ótica solidarista e humanizante. 
 É diante dessa perspectiva que vem a lume uma nova ordem jurídica, 
preocupada e direcionada à valorização de interesses existenciais, onde o Estado 
intervêm para assegurar que as relações intersubjetivas se pautem por uma 
igualdade material e não meramente formal. Esse desiderato não poderia ser 
 
alcançado através da aplicação estanque de postulados afeitos ao Direito Privado, 
mas sim através da conjugação, do diálogo e da interação entre o público e o 
privado. 
A interpretação do direito público e do direito privado caracteriza a 
sociedade contemporânea, significando uma alteração profunda nas 
relações entre o cidadão e o Estado. O dirigismo contratual antes aludido, 
bem como as instâncias de controle social instituídas em uma sociedade 
cada vez mais participativa, alteram o comportamento do Estado em relação 
ao cidadão, redefinindo os espaços do público e do privado, a tudo isso 
devendo se acrescentar a natureza híbrida dos novos temas e institutos 
vindos a lume com a sociedade tecnológica. Daí a inevitável alteração dos 
confins entre o direito público e o direito privado, de tal sorte que a distinção 
deixa de ser qualitativa e passa a ser meramente quantitativa, nem sempre 
se podendo definir qual exatamente é o território do direito público e qual o 
território do direito privado. (TEPEDINO, 2004, p.19). 
 
 O Código Civil brasileiro então vigente, elaborado sob os auspícios de ideais 
liberais, de cunho eminentemente individualista e patrimonialista, acaba perdendo 
espaço como diploma centralizador de todos os temas relacionados ao Direito 
Privado. A segurança que se almejava com a positivação de um Código unificador 
apto a solucionar todas as questões privadas sucumbe à realidade social e às 
inúmeras transformações operadas em uma nova ordem mundial globalizada. 
Surgem, assim, diversas leis especiais1 destinadas a regular matérias não 
contempladas pelo sistema codificado. “O grande código, até então auto-suficiente, 
já não tinha todas as respostas, tornando decisiva a tarefa do intérprete e a busca 
de normas alternativas de orientação do ordenamento”. (EHRHARDT JUNIOR, 
2008, p.23). 
Com o abandono da antiga dicotomia entre a esfera normativa pública e 
privada surge o fenômeno que ficou conhecido como a “constitucionalização do 
direito privado” 2, caracterizado primordialmente pela alteração do centro das 
relações privadas para o interior do corpo constitucional. Verifica-se que, 
gradativamente, temas e institutos antes contemplados apenas pelo Código Civil 
passam a ser objeto de princípios constitucionais e a integrar o cenário 
constitucional. Seguindo a mesma linha evolutiva “o próprio direito civil, através da 
legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta 
 
1
 Segundo explica o professor Gustavo Tepedino, as novas leis que surgem no Brasil a partir dos 
anos 30, são chamadas de leis especiais em razão de sua técnica, objeto e finalidade de 
especialização, em relação ao corpo codificado. (2006, p.29) 
2
 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 1. O texto que 
primeiro utilizou-se desta expressão, no Brasil, é de Gustavo Tepedino - “Premissas Metodológicas 
para aConstitucionalização do Direito Civil” (12/03/1992). 
 
tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os riscos 
dela decorrentes”. (TEPEDINO, 2006, p.29) 
As relações de Direito Privado passam a ser iluminadas por feixes luminosos 
que despontam do texto constitucional e dos princípios por ele açambarcados, seja 
explicita ou implicitamente. De acordo com a percuciente análise de Vicente Ráo, tal 
fenômeno se consolida em razão da necessidade de que indivíduos menos 
favorecidos fossem protegidos da concentração progressiva de homens de capitais, 
culminando em problemas patrimoniais e sociais de crescente interesse coletivo, 
onde a ascendente padronização dos meios materiais de vida transformou um 
problema individual em problema coletivo. (RÁO, 1999, p.226). 
A compreensão da necessidade de uma mudança que coibisse a violência 
perpetrada ao longo das duas grandes guerras foi essencial para que as 
Constituições nascidas ao longo do século XX apreendessem a tutela dos direitos 
fundamentais. A pessoa humana passa a ocupar a posição de valor supremo e a 
receber um tratamento especial nos diplomas constitucionais classificados como 
“analíticos”, por disciplinarem matérias que outrora seriam tratadas apenas pelo 
legislador ordinário. (CAVALIERI FILHO, 2002, p.197-203). 
 A reconstrução do direito privado à luz de regras e princípios constitucionais 
dá azo à superação do individualismo e do patrimonialismo antes reinantes. Nas 
objetivas e lúcidas palavras de Pietro Perlingieri a “pessoa prevalece sobre qualquer 
valor patrimonial” 3, dando vida a um direito civil contemporâneo personalizado e ao 
mesmo tempo despatrimonializado. (PERLINGIERI, 2002, p.33). 
 Nesse sentido é a lição de Francisco Amaral, ao apontar a personalização 
como um dos fenômenos que caracteriza o Direito Privado atual: 
 
...personalização do direito civil, no sentido da crescente importância da vida 
e da dignidade humana, elevados à categoria de direitos e de princípio 
fundamental da Constituição, donde o reconhecimento de um novo e 
importante ramo jurídico, o dos direitos da personalidade, direitos 
fundamentais ou humanos, que 'constituem o núcleo das Constituições dos 
sistemas jurídicos contemporâneos'. (AMARAL, 2006, p.76). 
 
 
 
3
 “Se evidencia que no ordenamento se operou uma opção, que, lentamente, se vai concretizando, 
entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade 
fim a sim mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, comvalores)”. 
 
 A reconstrução do Direito Privado é coroada com a promulgação da Carta 
Magna de 1988, que estabelece como princípio fundamental da República 
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, além de fixar como objetivos 
fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, através da 
erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais4. 
 Confiram-se alguns comentários de Antonia Espíndola Longoni Klee: 
 
O texto constitucional empreendeu radical transformação no direito civil, 
elegendo a dignidade da pessoa humana como valor central do 
ordenamento, que funcionalizou as relações jurídicas patrimoniais. A 
Constituição, elemento unificador do sistema, está situada no vértice do 
ordenamento jurídico e, portanto, às suas normas devem se subsumir as 
demais, num movimento harmonizador, que espelha o fundamento de 
validade da legislação infraconstitucional. Nas palavras de Tepedino ''é 
urgente procurar soluções interpretativas que ampliem a proteção da 
pessoa humana, atribuindo-se a máxima efetividade social aos princípios 
constitucionais e aos Tratados internacionais que ampliam o leque de 
garantias fundamentais da pessoa humana'. (KLEE, 2008, p.85) 
 
 Conforme alerta o professor Gustavo Tepedino, é importante ficar claro que a 
sistemática de um direito civil constitucionalizado não pode ser analisada como “um 
mero deslocamento topográfico”. Outros panoramas ou efeitos diretos desta 
constitucionalização devem ser pontuados, quais sejam: a “eficácia horizontal dos 
direitos e garantias individuais” estabelecidos na Lei Maior, que demandam do 
legislador ordinário “produção legislativa compatível com o projeto constitucional”. O 
referido autor também assevera a necessidade do reconhecimento de “efeitos no 
plano interpretativo, reclamando uma leitura civil constitucional conforme o texto 
constitucional”. (TEPEDINO, 2000, p.5-21). 
 Uma das mais importantes conseqüências advindas do processo de 
constitucionalização do Direito Privado é a incorporação dos direitos e garantias 
fundamentais como ponto crucial a ser observado pelos particulares nas relações 
mantidas entre si, nas quais, em certa medida, não haveria espaço de interferência 
do Estado. (BARATA, 2009, p.187). 
Percebe-se uma clara mudança de rumos quanto a lógica do sistema. 
Definitivamente, não há mais como se falar em Direito Civil sem que se busque 
 
4
 CF/88. “Art.1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e 
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como 
fundamentos: III. A dignidade da pessoa humana.; Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da 
República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; III. Erradicar a 
pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. 
 
amparo na Constituição Federal e em seus princípios. "Ao menos 
momentaneamente parece inexistir outro caminho a ser trilhado que não o da 
aferição constitucional das regras civis". (NALIN, 1998, p. 181). A integração entre 
as esferas do direito público e do direito privado parece, cada vez mais, 
indissociável. É um caminho sem volta a ser trilhado pelos operadores do direito. 
A leitura constitucional e principiológica dos contratos e dos negócios jurídicos 
como um todo, afastada do voluntarismo jurídico e voltada para o solidarismo, faz 
parte de um esforço para mudar o foco das atenções do direito privado, do 
patrimônio em direção à pessoa, sua dignidade e seu desenvolvimento. 
 
Nutrindo-se desta força normativa atribuída aos princípios constitucionais, a 
adoção da perspectiva civil-constitucional impõe ao interprete a tarefa de 
reordenar valorativamente o direito civil, preenchendo as formas 
conceituais e as categorias lógicas desta área do Direito com o conteúdo 
axiológico estampado na Constituição. (NEGREIROS, 2002, p.56). 
 
Este é o campo fértil em que vem a lume o Código Civil de 2002 e que 
fornecerá as bases para o desenvolvimento e estruturação do presente trabalho, 
através do qual se pretende desenvolver uma releitura do instituto da lesão sob a 
perspectiva civil-constitucional, a fim de adequá-lo à nova ordem instituída. 
 
3 BREVE TRAJETÓRIA DO DIREITO CONTRATUAL 
 
 
Dentre as espécies de negócios jurídicos, o contrato sobressai como a mais 
importante, por ser aquela cujo uso é de longe o mais difundido, além de ser a que 
constitui instrumento para promover a circulação de riquezas. 
O contrato é, sem dúvida, o negócio que mais de perto interessa ao objeto 
desta dissertação, uma vez que é precisamente nele, ─ o negócio bilateral por 
excelência – que se poderá notar a lesão. Sobram razões, portanto, para que nos 
detenhamos um pouco no seu estudo, notadamente na breve abordagem de sua 
concepção tradicional, para em seguida desenvolver a identificação de suas 
transformações, da sua conformação atual e dos novos princípios que o informam, 
de conotação nitidamente social. 
 
 
3.1 A concepção clássica do contrato e seus princípios tradicionais 
 
 
 Desnecessária a afirmação de que o contrato é um dos institutos jurídicos 
mais importantes da sociedade contemporânea. Não obstante seja presença 
constante no atual cenário jurídico-social, o contrato não é filho da modernidade. 
 O fenômeno contratual vem sendo analisado ao longo dos tempos, muito 
embora não seja possível afirmar, com certeza, o exato momento de seu 
surgimento. Os estudos relativos aos contratos sugerem que a elaboração de seu 
conceito se deu ao longo dos tempos, lastreado na expectativa social. 
 Por razões de ordem meramente práticas, lastreadas na efetiva influência 
exercida sobre a forma ocidental de pensar o direito, o presente estudo terá início 
pelo Direito Romano, ordenamento que deu início à estruturação do instituto. Apesar 
de não existir entre os romanos um instituto jurídico que englobasse as diversas 
operações econômicas, já se mostrava presente a idéia de convenção, da qual eram 
espécies os pactos e os contratos. 
 Em matéria de contratos o ordenamento jurídico romano exigia que as 
formas fossem obedecidas ainda que não retratassem exatamente a vontade das 
 
partes, fato que distancia o contrato romano de sua atual concepção na 
contemporaneidade. (VENOSA, 2003, p.329). 
 
Entendia o romano não ser possível contrato sem a existência de elemento 
material, uma exteriorização da forma, fundamental na gênese da própria 
obligatio. Primitivamente, eram as categorias de contratos verbis, re ou 
litteris, conforme o elemento forma se ostentasse por palavras 
sacramentadas, ou pela entrega efetiva do objeto ou pela inscrição no 
codex. Somente mais tarde, com a atribuição de ação a quatro pactos de 
utilização freqüente (venda, locação, mandato e sociedade), surgiu a 
categoria dos contratos que se celebravam consensu, isto é, pelo acordo 
puro das vontades. Somente aqueles quatro contratos consensuais eram 
reconhecidos como tais. Nos demais, prevalecia sobre a vontade 
materialidade de sua declaração, que haveria de obedecer rigidamente ao 
ritual sagrado: a inscrição material no livro do credor (contratos litteris), a 
traditio efetiva da coisa (contratos re), a troca de expressões estritamente 
obrigatórias (contratos verbis) de que a policitatio era o mais freqüente 
exemplo. (PEREIRA, 2000, p.51). 
 
 Consoante destacado por Caio Mário em suas Instituições de Direito Civil, 
característica típica dos contratos no direito romano era a rigidez no que toca à 
observância das formas. O abrandamento quanto ao formalismo só ocorre na 
história dos romanos justamente quando se passa a admitir alguns contratos 
consensuais, como a compra e venda. 
 Registre-se, por oportuno, que foi nos idosda Idade Média que se firmou a 
conceituação de contrato como acordo de vontades desapegado ao formalismo tão 
caro ao direito romano. A postura de valorização do consenso em prejuízo da forma 
foi, sem dúvida, influenciada pelo direito canônico, o qual se abeberava da teologia 
cristã para buscar fundamentos que justificassem a imperiosidade de se dar 
cumprimento à promessa firmada, sob pena de incorrer na prática de um pecado. 
 Interessante notar que, a teoria da vontade baseada na razão, não atrelada 
ou subordinada a uma imperiosa vontade superior, só vem a ser realmente 
desenvolvida pelo trabalho dos enciclopedistas5, que precederam a Revolução 
Francesa. Foi através do pensamento de tais filósofos que a autonomia da vontade 
foi agregada à obrigatoriedade das convenções. (WALD, 2002, p.182). 
 Esses enciclopedistas lutavam exatamente contra um regime histórico 
antiquado, e, para tanto, usaram armas como o Iluminismo, que representou uma 
ruptura com os rígidos padrões morais ou religiosos, no sentido de influenciar uma 
 
5
 Denominação dada aos filósofos do século XVIII, como Montesquieu, Diderot, Voltaire etc. (SIDOU, J.M. 
Othon). Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, 
p.312. 
 
nova atitude perante a vida. O racionalismo iluminista, no seu apogeu, acabou com 
uma tradição de injustiças, desmascarando a superstição das bruxas, abolindo a 
tortura e erguendo bem alto o estandarte da humanidade. (SANTIAGO, 2006, 
p.110). 
 Foi com o advento do Estado liberal, individualista e intolerante às 
intervenções estatais que o regime absolutista instaurado pelas monarquias declina 
vertiginosamente. Consolidado o liberalismo, o século XIX apresenta-se como o 
momento mais propício para o desenvolvimento da clássica e tradicional teoria 
contratual, que tem a autonomia da vontade como dogma supremo. (SANTIAGO, 
2006, p. 110). 
 O Código de Napoleão, nascido em 1804, foi filho legítimo da Revolução 
Francesa de 1789, trazendo em sua gênese as marcas e traços dos ideais 
filosóficos, políticos e econômicos que nortearam o aludido movimento. Os 
sustentáculos do Code podem ser referenciados como a intangibilidade dos 
contratos e o poder absoluto da propriedade privada. (SANTOS, 2002, p.28). 
 Em razão de ser o primeiro diploma a servir de modelo para a codificação da 
modernidade, o Código Civil Francês exerceu grande influência sobre os diplomas 
civilísticos que vieram a ser editados nos países do ocidente. A ampla liberdade de 
atuação negocial abre caminho para o surgimento do regime capitalista de 
produção, onde o contrato, em sua concepção mais clássica, ocupa a posição de 
principal mecanismo de circulação de riquezas, não podendo ser alvo da ingerência 
do Estado. 
 Consagra-se assim, o princípio da autonomia da vontade, e, também os 
postulados da obrigatoriedade, conhecido como pacta sunt servanda, da relatividade 
dos efeitos dos contratos e do consensualismo, todos integrando o cerne da teoria 
contratual clássica, como pilares máximos de sua estrutura. 
 
 
3.2 A crise da concepção clássica: as transformações da realidade contratual 
 
 
 Nessa etapa do presente trabalho será estudado o processo de crise da 
concepção tradicional e de renovação da teoria contratual. Cabe indagar: como se 
caracteriza a crise da concepção clássica? Quais os principais fatores que 
influenciaram a transformação da teoria contratual? 
 
 Os fatos sociais, os institutos jurídicos, as pessoas e o próprio Direito não 
conseguem se manter imunes ao transcurso do tempo e à constante mutação dos 
fenômenos sociais que se instauram na vida em coletividade. Os contratos não 
escaparam dos efeitos destas alterações sociais ocorridas principalmente a partir do 
século XX. A multiplicidade de relações jurídicas advindas da concentração 
populacional nos centros urbanos e a inviabilidade prática em se manter um rito 
contratual individualizado sinalizam a necessidade de serem readequados os 
fundamentos basilares que sustentavam a teoria contratual clássica. 
 O rápido avanço do capitalismo, que buscava o lucro a qualquer custo, 
demonstrou que o sistema até então vigente era incapaz de proteger e tutelar os 
indivíduos. Nesse diapasão, o contrato, que no sistema liberal era considerado 
expressão de liberdade e de cidadania, se transformou em mecanismo de opressão, 
de injustiças e de desigualdade, culminando com um sentimento geral de 
insatisfação pelas classes menos favorecidas da sociedade. 
 O aludido contexto social e as mazelas dele decorrentes, onde não eram 
garantidas sequer condições mínimas de uma vida com dignidade, denunciam a 
falência do modelo liberal de Estado, com reflexos diretos e incontestáveis nas 
relações contratuais que se firmavam. Chama-se a atenção para o fato de que vários 
países europeus encontravam-se destruídos após o término da primeira grande 
Guerra, o que também contribuiu para uma reflexão acerca da efetividade dos 
institutos jurídicos e dos modelos políticos apregoados pelo liberalismo. 
 O início da ascensão do modelo de Estado Contemporâneo, disposto a 
intervir nos campos político, econômico e social é marcado pelo surgimento de duas 
Constituições referenciadas como marco histórico. A primeira delas no México, no 
ano de 1917 e a segunda, conhecida mundialmente como Constituição de Weimar, 
no ano de 1919. A crença de que a igualdade formal entre os indivíduos assegurava 
o equilíbrio entre as partes contratantes acabou desacreditada, fazendo com que o 
Estado interviesse para limitar a liberdade de contratar e, sobretudo a liberdade de 
determinar o conteúdo da relação contratual. Nesse cenário é que o contrato assiste 
ao declínio de seus fundamentos antes basilares, quais sejam: a autonomia da 
vontade e a ampla e irrestrita liberdade contratual. 
 Diante desse contexto é possível afirmar que as idéias e valores proclamados 
pela burguesia não conseguiram preservar as vestes com as quais desfilaram 
durante o transcorrer do século XIX. Não só o capitalismo foi alvo de mudanças, 
 
como também o foi à sociedade como um todo. Os negócios jurídicos entabulados 
por indivíduos livres e formalmente iguais são substituídos por uma sociedade de 
consumo, com técnicas contratuais de massa, que suprimem a liberdade contratual 
deixando ao consumidor apenas a alternativa de adquirir ou não os bens, produtos e 
serviços a que são expostos. 
 
A rapidez na celebração dos contratos, exigida pela economia de consumo, 
e a necessidade de criar negócios homogêneos a serem celebrados com 
grande número de pessoas fazem com que não haja tempo para uma 
discussão detalhada das cláusulas contratuais, e consequentemente a parte 
mais forte no negócio acaba por impor à outra parte as condições 
consideradas essenciais para a contratação. Isso gera a padronização das 
cláusulas contratuais. 
 
Por outro lado, o hipossuficiente econômico permanece anônimo nesses 
negócios, pois não há interesse na identificação do indivíduo senão nos 
casos de inadimplemento. Toda a estratégia dos negócios é dirigida para 
uma massa de pessoas e não para o indivíduo em si. Como ressalta Enzo 
Roppo, para servir o sistema da produção e da distribuição de massa, o 
contrato deve tornar-se autônomo da esfera psicológica e subjetiva do seu 
autor. Essa circunstância é responsável pelo fenômeno da 
despersonalização dos contratantes. (SANTIAGO, 2006, p. 43). 
 
 
 Como observa o professor César Fiúza, o surgimento dos contratos de 
massa, dos contratos de adesão, dos contratos de comércio eletrônico e das 
cláusulas gerais levam os juristas à um estado de perplexidade. As contratações não 
ocorrem como antes. "O modelo tradicional de contrato estava morrendo para ceder 
lugar às novas". (FIUZA, 2003, p.26). 
 A antigaliberdade contratual e liberdade de contratar são mitigadas na 
medida em que a intensa globalização e a velocidade das relações não permitem 
discussões, negociações e ponderações envolvendo o conteúdo das disposições 
contratuais. Os sujeitos, especialmente os consumidores, se quiserem desfrutar dos 
bens e serviços existentes no mercado devem aderir a contratos e a cláusulas 
uniformes, unilateralmente predeterminadas, que coloca os contratantes em clara 
posição de inferioridade. 
 
 
 Diante desse quadro, em função da diversidade de relações jurídicas surgidas 
da concentração de pessoas nas cidades e, especialmente pela impossibilidade de 
contratação, quanto ao conteúdo, na sua forma individualizada, verifica-se a 
 
imperiosa necessidade de revisão dos principais fundamentos e postulados da 
Teoria Contratual Clássica que não poderiam permanecer acorrentados aos ideais e 
dogmas liberais. 
 Exatamente por isso, os princípios da autonomia da vontade e 
obrigatoriedade dos pactos perdem parte do seu prestígio, atingidos que foram em 
suas bases. Vários princípios clássicos, tidos como intocáveis, foram relativizados, 
revistos, relidos, para que pudessem se adequar à nova realidade econômica e 
social já instaurada no mundo dos fatos. 
 
Como se pode concluir, a mesma Revolução Industrial que gerou a 
principiologia clássica, que aprisionou o fenômeno contratual nas fronteiras 
da vontade, este mesma Revolução trouxe a massificação, a concentração 
e, como conseqüência, as novas formas de contratar, o que gerou, junto 
com o surgimento do Estado Social, também subproduto da Revolução 
Industrial, uma checagem integral na principiologia do Direito dos Contratos. 
Estes passam a ser encarados não mais sob o prisma do liberalismo, como 
fenômenos da vontade, mas antes como fenômenos econômico-sociais, 
oriundos das mais diversas necessidades humanas. A vontade, que era 
fonte, passou a ser veio condutor. (FIÚZA, 2003, p. 27). 
 
 Vale notar que os interesses egoísticos das partes não se afiguram mais 
como os únicos relevantes para a ordem jurídica, a qual passa a exigir que certos 
aspectos de interesse social e econômico sejam observados, em conformidade com 
as imposições que advêm de um Estado que intervêm nas relações entre os 
particulares. Nas claras palavras de César Fiuza "nasce a teoria preceptiva" através 
da qual "as obrigações oriundas dos contratos valem não apenas porque as partes 
as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente 
gerada, por suas conseqüências econômicas e sociais". (FIUZA, 2003, p. 27). 
 Portanto, dentro dessa nova perspectiva, poder-se-ia afirmar que no Estado 
Democrático de Direito, a segurança jurídica se funda nos princípios e garantias 
constitucionais, como a dignidade da pessoa humana. A autonomia da vontade, 
antigo sustentáculo do direito contratual, cede lugar à autonomia privada, limitada 
por normas que visam proteger o ser humano, este sim, verdadeiro pilar de 
sustentação da ordem jurídica e para onde se voltam todas as atenções. 
 . 
 
 
 
 
 
3.3 A evolução do contrato: o surgimento de uma nova teoria contratual 
 
 
 
 Foi a partir da crise enfrentada no final do século XIX e das transformações 
econômicas instauradas durante o século XX que se construiu a real convicção de 
que os princípios contratuais clássicos, com sua conotação absoluta, seriam 
incapazes de solucionar as mazelas e conflitos instaurados pelo liberalismo voraz. 
Conforme bem pontuado por Junqueira Azevedo, podemos verificar a ocorrência de 
uma"acomodação das camadas fundamentais do direito contratual", numa "época de 
hipercomplexidade", em que novos elementos são incorporados sem eliminar 
totalmente os anteriores. 
 O mesmo doutrinador ainda pontua que foram herdados do século XIX três 
princípios do direito dos contratos, todos baseados no dogma da autonomia da 
vontade, quais sejam, o da liberdade contratual, o da obrigatoriedade dos efeitos do 
contrato (pacta sunt servanda) e do da relatividade dos efeitos contratuais. A estes 
postulados clássicos se unem três outros princípios, frutos dos tempos modernos, 
quais sejam, o equilíbrio econômico do contrato, a função social e a boa-fé objetiva. 
(AZEVEDO, 1998, p. 115-115). Sobreleva destacar que esta nova matriz 
principiológica não suprime os antigos princípios liberais, cuidando apenas de impor 
limitações claras a seu conteúdo e alcance. 
 A professora Teresa Negreiros ensina que na concepção civil-constitucional, a 
liberdade contratual assume novos traçados, segundo os quais a livre determinação 
do conteúdo do contrato submete-se à observância das regras e dos princípios 
constitucionais, fato que, em última análise, leva a "conceber o contrato como um 
instrumento a serviço da pessoa", tendo em vista que "o direito dos contratos não 
está à parte do projeto social" contemplado pelo Texto Constitucional. Trata-se de 
"dar um sentido constitucional [...] à evolução histórica do conceito de contrato", que 
vai de encontro à concepção tradicional. (NEGREIROS, 2002, p.106-109). 
 A alteração quanto ao sentido e alcance dos princípios contratuais clássicos é 
reflexo direto e imediato de uma nova visão que se instaura acerca do Direito 
Privado. Abandona-se uma interpretação fechada e nitidamente patrimonial dos 
institutos que o compõem, passando a imperar uma conotação mais socializante. 
Reconhece-se que os bens que integram o mundo material não podem ser 
 
superiores e nem mais importantes que a dignidade e a proteção da pessoa 
humana. 
É dentro desse contexto que surgem os princípios da Função Social do 
contrato, da Boa-fé objetiva, do Equilíbrio Contratual (equivalência material), da 
Justiça Contratual e da Autonomia Privada. O contrato, negócio jurídico bilateral por 
excelência, deve ser revisto à luz desta nova principiologia civil-constitucional que se 
apresenta. 
 Também é imperioso que o atual interprete do Direito Privado tenha em 
mente que os princípios contratuais devem ser utilizados como verdadeira fonte do 
direito e não como mero comando integrativo ou supletivo. O antigo sistema 
fechado, largamente utilizado pelas codificações oitocentistas encontra-se 
ultrapassado. Foi substituído por um sistema aberto, dotado de mobilidade e que 
adota conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais no objetivo de atingir 
uma operabilidade. 
 
 
3.3.1 A função social do contrato 
 
 
 Pretendendo-se traçar os rumos da aplicação do instituto da lesão conforme a 
ordem constitucional e os novos princípios contratuais abraçados pelo Código Civil 
de 2002, faz-se imprescindível delinear os contornos da chamada função social do 
contrato, definindo as conseqüências de sua efetivação no campo negocial. 
 Encontrando fundamento nos princípios constitucionais da solidariedade, da 
dignidade da pessoa humana, função social da propriedade6 e livre iniciativa, o 
princípio em comento é um dos responsáveis pela necessária releitura que se impõe 
aos princípios contratuais clássicos como o da força obrigatória e o da autonomia da 
vontade, visando a preservação dos interesses coletivos e não apenas dos 
interesses meramente individualistas e egoísticos dos contratantes. A liberdade 
 
6
 
Segundo os ensinamentos da professora paulista Giselda Hironaka, apesar da Carta Magna de 1988 
não ter previsto de forma expressa o princípio da função social dos contratos, cuidou o legislador 
constituinte de posicionar-se taxativamente acerca da função social da propriedade, sendo que a 
primeira decorre justamente da segunda. São as palavras da professora: "a qualidade de função 
social, não a possui apenas a propriedade, senão também projeta-se ela sobre outros institutos do 
Direito Privado". (HIRONAKA, 1988, p. 145).antes ampla e irrestrita cede lugar a uma autonomia que deve adequar-se aos 
parâmetros constitucionais, aos direitos fundamentais, ao equilíbrio contratual e à 
justiça contratual. 
A aparente dicotomia existente entre a função social e a liberdade de 
contratar é pontuada por Teresa Negreiros, para quem o princípio em estudo 
redefine os alcances dos antigos postulados contratuais, "constituindo-se em um 
condicionamento adicional imposto à liberdade contratual" e, na mesma esteira, em 
"elemento de qualificação que varia conforme a concreta correlação de interesses 
em causa", tornando o contrato um "instrumento de realização do projeto 
constitucional". (NEGREIROS, 2002, p.207-209). 
Segundo as lições de Antonio Junqueira Azevedo, a função social do contrato 
"é preceito destinado a integrar os contratos numa ordem social harmônica, visando 
impedir tanto àqueles que prejudiquem a coletividade quanto os que prejudiquem 
ilicitamente pessoas determinadas". (AZEVEDO, 1998, p. 117). 
Flávio Tartuce oferta o seu conceito do princípio nos seguintes moldes: 
 
(...) entendemos ser a função social dos contratos verdadeiro princípio geral 
do ordenamento jurídico, abstraído das normas, do trabalho doutrinário, da 
jurisprudência, dos aspectos sociais, políticos e econômicos da sociedade. 
A função social do contrato é um preceito básico, explícito no Código atual, 
verdadeira fonte secundária do direito pátrio, pelo qual o art. 4°, do LICC 
prevê. 
Em reforço, a função social do contrato é princípio que interessa à 
coletividade, constituindo tanto o art. 421 quanto o 2.035, parágrafo único, 
ambos do novo CC, normas de ordem pública, inafastáveis por convenções 
ou disposição contratual. (TARTUCE, 2005, p.138). 
 
 
 De acordo com a sistemática jurídica em vigor, não se pode admitir a 
existência de uma faculdade jurídica desprovida de uma respectiva função social. Os 
direitos possuem funções sociais a serem materializadas7. Os interesses do 
contratante credor em que haja o cumprimento da prestação assumida pelo devedor 
não podem legitimar uma contratação que seja prejudicial ao bem comum. Nesse 
ângulo, "além dos interesses do credor, e transcendendo mesmo os interesses 
conjuntos do credor e do devedor, estão valores maiores na sociedade, que não 
podem ser afetados". (NORONHA, 2003, p. 27). 
 
 
7
 Nesse sentido, veja-se Fernando Noronha. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: 
autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 83. 
 
Assim como ocorre com a função social da propriedade, a atribuição de uma 
função social ao contrato insere-se no movimento da funcionalização dos 
direitos subjetivos: atualmente admite-se que os poderes do titular de um 
direito subjetivo estão condicionados pela respectiva função. (...) Portanto, o 
direito subjetivo de contratar e a forma de seu exercício também são 
afetados pela funcionalização, que indica a atribuição de um poder que se 
desdobra como dever, posto concedido para a satisfação de interesses não 
meramente próprios ou individuais, podendo atingir também a esfera dos 
interesses alheios. (MARTINS-COSTA, 2002, p. 158). 
 
No esteio da Constituição Federal e do Código Civil, Tepedino acentua que "a 
função social torna-se razão determinante e elemento diferenciador da liberdade de 
contratar, na medida em que esta só se justifica na persecução dos fundamentos e 
objetivos da República". Daí, conclui, a nota essencial do princípio em estudo recai 
sobre a imposição aos particulares de atender, em suas relações privadas, "a 
interesses extracontratuais socialmente relevantes, dignos de tutela jurídica, que se 
relacionem com o contrato ou são por ele atingidos", tais como aqueles referentes 
ao meio ambiente, aos consumidores, à livre concorrência etc. (TEPEDINO, 2002, p. 
122). Nessa perspectiva, a proteção jurídica outorgada pelo Direito se efetivará se a 
liberdade de contratar não se compatibilizar aos limites impostos pelo princípio da 
função social do contrato. 
A positivação do princípio da função social em território brasileiro denota clara 
preocupação de que os institutos antes açambarcados apenas pelo Direito Privado, 
como é o caso do contrato, além de promover a circulação de riquezas, sejam 
mecanismos de concretização da dignidade da pessoa humana, prestando-se à 
árdua tarefa de contribuir para a redução das desigualdades existentes em nossa 
sociedade. 
 A função social do contrato, real elo entre o direito contratual e os princípios 
constitucionais, garantindo a humanização dos pactos e a estabilidade das relações 
contratuais está em perfeita consonância com o instituto da lesão, previsto como um 
mecanismo de imposição da consciência social, em benefício de um equilíbrio entre 
a distribuição das riquezas acumuladas pelos seres humanos. "Em uma avença não 
aleatória, na qual uma parte se expõe ao risco de sofrer perdas irreparáveis ou ao 
enriquecimento sem trabalho, há manifesta inutilidade social" (RIPERT, 2002, p.65), 
contrária aos ditames da justiça social. 
 
 
 
 
3.3.2 Boa-fé objetiva 
 
 
 Antes mesmo da aprovação do Código Civil de 2002, a doutrina brasileira já 
se posicionava favorável à adoção do princípio da boa-fé objetiva como postulado 
integrante do ordenamento jurídico pátrio. Após a edição do atual Código, vários 
estudiosos voltaram-se à pesquisa acerca dos meandros que envolvem o princípio 
em questão, o qual encontra previsão expressa no artigo 422, com o seguinte 
comando: 
 
"Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, 
como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé." 
 
 
 Interessante observar que antes mesmo do advento do Código Civil de 2002, 
o ordenamento jurídico pátrio já fazia referência a boa-fé como critério interpretativo, 
especificamente contemplada nas letras do artigo 131, Código Comercial brasileiro. 
Sucede que o referido dispositivo permaneceu sem emprego prático "por falta de 
inspiração da doutrina e nenhuma aplicação pelos tribunais". (AGUIAR JÚNIOR, 
1995, p. 21). Foi com o advento da legislação consumerista que a boa-fé conquistou 
a atenção dos juristas pátrios. O Código de Defesa do Consumidor, salienta Cláudia 
Lima Marques, "trouxe como grande contribuição a exegese das relações 
contratuais no Brasil a positivação do princípio da boa-fé objetiva". (MARQUES, 
1999, p.185). 
 Contudo, alguns doutrinadores, como Martins Costa, defendem que, mesmo 
antes do Código de Defesa do Consumidor, o princípio da boa-fé já encontrava 
abrigo no campo legislativo brasileiro, assumindo a condição de princípio positivado, 
decorrente do princípio maior da solidariedade social. (2000, p. 409). 
 Conceituar a boa-fé8 em seus diversos significados é tarefa árdua e complexa 
que escapa aos objetivos do presente trabalho, onde será traçado o perfil geral do 
 
8
 Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva são fenômenos distintos que não se confundem. A boa-fé subjetiva "diz 
respeito a estado psíquico, anímico, relacionado com o conhecimento de certa circunstância, a consciência de 
certo fato ou a convicção de um dado modo de agir. Refere-se, normalmente, ao campo dos direitos reais. A boa-
fé objetiva, lado outro, manifesta uma regra de conduta, um padrão ou standard imposto pelo Direito a pessoas 
que se encontram em situação de contato social qualificado, típico das relações contratuais. Daí Mário Júlio de 
Almeida Costa invocar a distinção entre o principio da boa-fé (objetiva) e o estado ou situação de boa-fé 
(subjetiva) ". (COSTA, 2000, p. 102). 
 
 
aludido princípio, em conformidade com a concepção proclamada pela doutrina 
atual, sem a pretensão de esgotamento ou detalhamento mais acurado do tema.Cláudia Lima Marques assim define boa-fé objetiva: 
 
Significa uma atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no outro, 
no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, 
suas expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem 
abuso, sem causar lesão ou vantagens excessivas, cooperando para atingir 
o bom fim das obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a 
realização dos interesses das partes. (MARQUES, 1999, p. 106). 
 
 O princípio da boa-fé objetiva impõe aos contratantes muito mais que o 
simples cumprimento da prestação ou obrigação principal entre eles entabulada. 
Cria deveres que, embora não estejam expressamente relacionados no contrato, 
decorrem implicitamente dele, recebendo a alcunha de deveres anexos, satelitários, 
secundários, laterais ou instrumentais. Tais deveres devem ser respeitados para um 
bom e adequado cumprimento dos objetivos contratuais, tendo por base a lealdade 
e a honestidade exigidas em quaisquer relações. 
 Os principais deveres anexos são o de informação, probidade, cooperação, 
cuidado, proteção, sigilo, transparência, oportunidade de conhecimento do conteúdo 
do contrato e dever de prestar contas. 
 É importante destacar que os deveres decorrentes da boa-fé são múltiplos e 
possuem diferenças entre si. Por isso mesmo, não são identificáveis em abstrato. 
Dessa forma, o que se pode fazer é relacionar uma série deles, especialmente 
aqueles que mais comumente se fazem presentes na prática negocial, mas não de 
forma taxativa. Somente em concreto é possível cominar a uma pessoa 
determinada, envolvida numa certa relação obrigacional, algum ou alguns deveres 
que a boa-fé impõe, uma vez que eles decorrem das circunstâncias específicas de 
cada relação. 
 
Todo e qualquer contratante, por certo, deverá agir de forma a manter 
indene a contraparte, prestar-lhe todas as informações relevantes acerca do 
negócio e colaborar para que o contrato atinja o seu objetivo 
socioeconômico. Mas exatamente que medidas deverão ser tomadas para 
proteger o outro contratante, que informações são relevantes e devem ser 
fornecidas e quais podem ser omitidas, que atos deverão ser praticados a 
fim de que a avença possa cumprir adequadamente a sua finalidade, tudo 
isso só se pode identificar em cada caso concreto, à luz de suas 
peculiaridades. Assim, em cada situação, a boa-fé obrigará as partes a 
 
certos deveres, que naquele caso se tornam necessários para atingir a 
finalidade a que o princípio se dirige: incorporar às relações obrigacionais 
imperativos ético-jurídicos que revelam os fundamentos axiológicos do 
ordenamento constitucional. (CARDOSO, 2008, p. 102). 
 
 
São apontadas como funções principais atinentes a boa-fé objetiva a de 
interpretação, integração e limitação de direitos, também conhecida como função 
controladora, sendo todas elas sobremaneira importantes para a construção de uma 
teoria contratual sedimentada em bases constitucionais. 
 Relativamente à função interpretativa, o princípio da boa-fé objetiva será de 
suma relevância quando o intérprete se deparar com uma divergência acerca do 
conteúdo de cláusulas contratuais ambíguas, contraditórias ou obscuras, 
determinando que os pactos sejam considerados de acordo com o seu objetivo 
aparente, a não ser que o destinatário conheça a verdadeira intenção do declarante. 
(FIÚZA, 2003, p.313). 
 
Diante de duas interpretações possíveis para uma mesma estipulação 
contratual, deve o intérprete privilegiar, como determina o artigo 85 do 
Código Civil, aquela que estiver mais de acordo com a verdadeira intenção 
das partes. A interpretação que deve prevalecer, no entanto, é aquela que 
exprima a intenção das partes, que esteja de acordo com a exigência de 
atuação segundo a boa-fé. (PEREIRA, 2001, p.80). 
 
 A função interpretativa do princípio em estudo resta contemplada em dois 
dispositivos do Código Civil atualmente em vigor. O primeiro deles é o já citado 
artigo 422 e o segundo é artigo 113, que contém a seguinte redação: "Os negócios 
jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua 
celebração". Através da conjugação dos dois comandos legais buscar-se-á impedir 
que o contrato atinja finalidade contrária àquela que, razoavelmente, em face de 
seus objetivos econômicos e sociais, seria razoável esperar. 
 Por sua vez, a segunda função do princípio da boa-fé objetiva é a de 
integração. Situações ocorrem em que, além da estipulação de cláusulas ambíguas 
e contraditórias, os negociantes se omitem na previsão de alguma cláusula atinente 
ao contrato. É aí que se faz presente a função integrativa, incumbindo-se de 
acrescentar o que foi esquecido pelas partes, inteirando a vontade por elas 
manifestada, em observância a um critério objetivo deduzido das exigências da boa-
fé, para que seja suprida a eventual falha contratual. 
 
 A última função a ser apresentada é a de limitação de direitos, também 
conhecida como função controladora do exercício de direitos subjetivos. Intimamente 
relacionada às limitações impostas pela liberdade contratual, pela autonomia privada 
e pela teoria do abuso de direito, impede que o indivíduo exceda os limites 
necessários ao exercício de suas prerrogativas, invocando arbitrariamente uma 
posição jurídica favorável, sob pena de agir ilicitamente. (FIÚZA, 2003, p. 313). 
 A função limitadora de direitos, tal como apresentada, aproxima a boa-fé 
objetiva à figura conhecida como abuso de direito, determinando que os contratantes 
adotem uma conduta coerente, proba, honesta e leal, abstendo-se de ao longo da 
relação contratual, adotar um posicionamento ou uma postura contraditória à que 
vinha sendo apresentada, com o intuito de se locupletar. Nos termos do disposto no 
artigo 187 do Código Civil brasileiro: "Também comete ato ilícito o titular de um 
direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim 
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". 
Discorrendo sobre as funções da boa-fé, o professor Gustavo Tepedino 
leciona que: 
 
O princípio da boa-fé funciona como o elo entre o direito contratual e os 
princípios constitucionais. Atribuem-se-lhe, do ponto de vista técnico, três 
funções principais: (i) função interpretativa dos contratos; (ii) função 
restritiva do exercício abusivo de direitos; e (iii) função criadora de deveres 
anexos à prestação principal, nas fases pré-negocial, negocial e pós-
negocial. 
 
(...) Pode-se afirmar, portanto, que, seja em sua função interpretativa, seja 
na criação de deveres anexos, ou na restrição de condutas abusivas, a boa-
fé objetiva diz sempre respeito à preservação do conteúdo econômico do 
negócio. Tais deveres não servem a tutelar o interesse privado e individual 
de cada um dos contratantes, mas o interesse mútuo que se extrai 
objetivamente da avença. (TEPEDINO, 2006, p.252). 
 
Ventilada a acepção, o conteúdo e o alcance inerentes ao princípio da boa-fé 
objetiva, conclui-se que, à luz das belas palavras do professor Nelson Rosenvald, "a 
boa-fé se assemelha a uma janela que se abre para deveres de conduta, modelo de 
comportamento e uma gama de valores que radicam imediatamente no princípio da 
solidariedade e, mediatamente, no princípio da dignidade da pessoa humana". 
(2005, p. 167). 
 
 
 
 
3.3.3 Justiça contratual 
 
 
 No Livro V da Ética a Nicômaco, Aristóteles estabelece o que parece ter sido 
o primeiro estudo analítico da ideia de justiça. O filósofo parte do conceito de justiça 
como virtude, definindo-a como a "disposição de caráter que torna as pessoas 
propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e a desejar o que é 
justo". (PERELMAN, 1996, p.68). Nessa perspectiva, a justiça vincula-se ao respeito 
à lei, cujo objetivo pressuposto consiste na realização do bem comum,através da 
imposição de comportamentos normalmente reveladores de outras virtudes, tais 
como a coragem, a temperança, a tranquilidade. Daí porque a justiça assim 
considerada constitui a virtude completa ou a maior das virtudes. A justiça e a virtude 
em si mesma confundem-se. (ARISTÓTELES, 2002, p.1030). 
 A justiça neste sentido amplo é aquela a que Aristóteles chamou de justiça 
total. Há, contudo, um sentido diverso, mais restrito, do termo: a justiça particular. 
Tanto uma quanto a outra se relacionam intimamente com a ideia de alteridade. 
Entretanto, se, naquele caso, a noção de alteridade era ampla, no sentido de que a 
ação dirige-se a toda a comunidade, a justiça particular diz respeito ao outro, 
singularmente considerado, nas relações levadas a efeito no seio da sociedade. A 
justiça particular traz a ideia de igualdade, equilíbrio; relaciona-se com um "ponto 
intermediário", que consiste na equidade. O justo significa, portanto, manter o 
equilíbrio, de forma que a situação de cada contratante antes e depois da transação 
seja a mesma. É preciso que cada uma das partes tenha uma quantidade igual 
antes e depois da transação. (Aristóteles, 2002, p.1.131 – 1.132). A necessidade de 
equivalência entre as prestações já era, portanto, apontada por Aristóteles como 
condição para a realização da justiça nas relações privadas. 
 Não se pode olvidar que a finalidade do instituto da lesão, de coibir a 
proliferação de disparidades, mantendo a equidade e a comutatividade entre as 
prestações avençadas num determinado negócio, tem íntima ligação com o princípio 
da justiça contratual, o qual, por sua vez, estabelece uma distribuição igualitária de 
encargos e benefícios aos contratantes. Aliás, o entrelaçamento vivente entre os 
problemas da lesão e da própria justiça é de tal maneira vigoroso que cabe atestar, 
com Caio Mário da Silva Pereira, que "equacionar o primeiro é deduzir a fórmula do 
segundo". (PEREIRA, 2001a, p. IX). 
 
 O objetivo primordial do ordenamento, ao censurar a lesão nos negócios 
jurídicos, consiste em evitar que o indivíduo que se encontra em situação de 
inferioridade, seja em razão de sua inexperiência, seja em virtude da sua premente 
necessidade de contratar, sofra prejuízo assumindo prestação manifestamente 
desproporcional à obrigação devida pelo contratante mais forte. O Direito busca 
promover, dessa forma, a equivalência entre as obrigações recíprocas, por uma 
questão de justiça. À luz dos valores e dos princípios estabelecidos no ápice da 
ordem jurídica, é injusto que o contratante débil seja compelido a honrar a obrigação 
assumida em negócio que se mostra claramente desequilibrado. Por isso a lei 
possibilita-lhe desvincular-se do pactuado. 
 A instauração de uma nova ordem, que no Brasil foi consolidada pela Carta 
Constitucional de 1988, importou a modificação dos vetores que dirigem a ciência do 
Direito, através da elevação ao vértice da pirâmide normativa de valores diversos 
daqueles que orientavam o ordenamento anterior. Nesse contexto, alterou-se de tal 
modo a concepção de justiça nas relações privadas que a força vinculante dos 
contratos passou a submeter-se a princípios de feição social. 
 
O princípio da Justiça Contratual funda-se na equidade, que cumpre imperar 
nas relações jurídicas sociais. Não basta ater-se à observância da igualdade 
de oportunidades das partes no momento da contratação; é imprescindível, 
também, que o contrato corresponda à sua finalidade maior, e sirva como 
um instrumento equilibrado de comunhão dos interesses de seus partícipes. 
Impende, destarte, seja respeitado o preceito da justiça material, que resta 
efetivamente concretizada no caso dado, quando nos contratos de natureza 
onerosa, houver um verdadeiro senso de comutatividade. (GODINHO, 2008, 
p. 39). 
 
A importância conferida à justiça contratual revela a nítida intenção do Direito 
de coibir eventuais disparidades obrigacionais convencionadas contratualmente. A 
partir da fixação de parâmetros genéricos de equilíbrio social, é natural que ocorra a 
previsão de diversos institutos que, em respeito à tabua axiológica vigente, 
contenham seu espírito voltado à concreção da justiça material. Ilustram a incidência 
do princípio nas relações jurídicas concretas, não só a figura da lesão, mas também 
a figura do estado de perigo, que, uma vez caracterizadas, impõem o reajuste das 
prestações a medidas dignas da equivalência que se espera encontrar em um 
acordo de vontades. 
Aristóteles já afirmava que a justiça acompanha a igualdade e o equilíbrio, 
relacionando-se com um ponto intermediário, que consiste na equidade. No âmbito 
 
do contrato, pode-se afirmar que a equidade refere-se ao equilíbrio da relação 
negocial, vale dizer, a equidade impõe o equilíbrio entre as obrigações recíprocas 
assumidas no negócio. Nesse sentido, Cláudia Lima Marques afirma que o princípio 
da equidade contratual corresponde ao "equilíbrio de direitos e deveres nos 
contratos, para alcançar a justiça contratual". (MARQUES, 1999, p. 741). 
 
 
3.3.4 Equilíbrio contratual 
 
 
 Dentro de uma nova ordem contratual, o princípio do equilíbrio contratual 
denota visível importância e estreita correlação com o instituto da lesão contratual, 
na medida em que a principal finalidade de tal figura é assegurar a equivalência e o 
equilíbrio entre as prestações decorrentes do contrato. 
 O prestígio atribuído ao princípio pacta sunt servanda, é preciso que se diga, 
foi determinante para uma tímida evolução da noção de equivalência material dos 
contratos, uma vez que a base ética das contratações fulcrada a partir, ainda, dos 
ideais individualistas pautava-se, como já se sabe, na noção de segurança jurídica. 
Assim, uma vez realizado o contrato, não havia de se perquirir se era ele justo ou 
não, ou estudar uma consequência concreta para a hipótese de não o ser. Ou seja, 
se as partes eram "livres" e "iguais", então a presunção era a de que essa liberdade 
e essa igualdade eram geradoras da própria justiça contratual, afinal o contrato é 
obra dos próprios "contratantes livres e iguais". 
 Desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, até 
a chegada do Código Civil de 2002, que entrou em vigor em 2003, o mundo dos 
contratos passou por profundas reflexões, entre as quais a necessária observância 
de um contrato equilibrado, que não esteja a serviço da parte mais forte seja na 
relação de consumo seja na relação civil ou empresarial. Vale ressaltar que o 
princípio da equivalência material ou do equilíbrio econômico do contrato encontra-
se perfilado ao lado de outros dois princípios sociais, quais sejam, o da função social 
e o da boa-fé que já foram objeto de análise. 
 A busca do equilíbrio das prestações entre as partes pactuantes mostra-se 
em consonância com a proteção da dignidade da pessoa humana e com os demais 
princípios insculpidos na Carta Magna de 1988. Exige-se, na atualidade, a presença 
 
de uma justiça substancial, ou material, nas relações privadas e não a mera 
igualdade de direito que escondia atrás de si muitas desigualdades de fato. 
 
Talvez uma das maiores características do contrato, na atualidade, seja o 
crescimento do princípio da equivalência material das prestações, que 
perpassa todos os fundamentos constitucionais a ele aplicáveis. Esse 
princípio preserva a equação e o justo equilíbrio contratual, seja para manter 
a proporcionalidade inicial dos direitos e obrigações, seja para corrigir os 
desequilíbrios supervenientes, pouco importando que as mudanças de 
circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa não é mais a 
exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi assinado ou 
celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva para 
uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível 
objetivamente, segundo as regras da experiência

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