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A psiquiatria da infância é uma especia- lidade bastante recente, tendo atingido status acadêmico em 1938, com a primei- ra cátedra na Universidade de Paris regi- da pelo Prof. Georges Heuyer. Sua ativida- de engloba fenômenos com características biológicas, psicológicas e sociais1 de tal for- ma imbricados que são impossíveis a linea- ridade direta e a compreensibilidade linear de todos os quadros por ela estudados da forma como vem sendo exercida nos últi- mos tempos. Metodologicamente, a psiquiatria da infância tem características das ciências naturais, com busca de pensamento causal, com base analítico-dedutiva, sendo mui- tos de seus dados fornecidos pelas neuroci- ências, a partir de um conhecimento cada vez maior dos mecanismos de neurotrans- missão e das estruturas cerebrais, compre- endendo-se cada vez melhor as patologias psiquiátricas na infância e na adolescência, em que pesem os riscos de uma neurologi- zação excessiva que a descaracteriza. Ao mesmo tempo, a psiquiatria da in- fância é profundamente marcada pela psi- cologia do desenvolvimento, valendo-se de um pensamento analógico que se refletirá na compreensão diagnóstica da patologia na criança, bem como nos modelos psico- terápicos de base compreensiva, pedagógi- cos e educacionais. Por fim, considerando-se o filho- te humano um ser extremamente frágil, que demanda proteção e cuidados cons- tantes, o estudo e a abordagem das famí- lias (e suas influências) são fundamentais no entendimento do desenvolvimento e do crescimento da criança, valorizando as in- ter-relações vividas, básicas na formação da matriz de identidade social, sem a qual se torna impossível o trabalho com um ser heterônomo e dependente, como a criança em seu processo de desenvolvimento. Portanto, para o exercício dessa mo- dalidade de psiquiatria, tornam-se fun- damentais conhecimentos básicos de pe- diatria, psiquiatria, neurologia e genética, 1 AVALIAÇÃO DA CRIANÇA: DIFICULDADES E CONTRADIÇÕES 14 >> FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR. (ORG.) Mais do que uma psicopatologia do desenvolvimento que transfere quadros clínicos descritos no adulto diretamente para a criança, trata-se de uma psicopatologia que se vale do entendimento que os modelos de desenvolvimento fornecem para que se compreendam patologias e patoplastias totalmente diversas daquelas do adulto. bem como de psicologia do desenvolvi- mento, pedagogia e estudos sociais ligados à família. Essa formação é muito diversa daquelas que propõem a simples transpo- sição das patologias do adulto para a crian- ça, de maneira similar à do adulto, linear e simplista, pois a criança não corresponde a um ser passível de generalização e, muito menos, de estudos transversais encarados de forma absoluta, sendo (antes de mais nada) um ser em desenvolvimento, no qual as alterações biológicas e ambientais inter- ferem de maneira intensa, pois modificam sua curva de desenvolvimento, que irá se constituir de modo peculiar no que se refe- re ao estilo de funcionamento futuro. Cabe ao profissional dedicado à psiquiatria da infância e da adolescência a compreen são de como as forças maturacionais de origem biológica, no contato com a experiência, produzem comportamentos, habilidades e motivações, não sendo suficiente apenas o estudo da doença na forma como é conhe- cida no indivíduo adulto. Assim, uma psiquiatria da infância e da adolescência não é uma psiquiatria do desenvolvimento reducionista, que estuda os mesmos transtornos mentais ocorrendo nas diferentes etapas do desenvolvimento. É uma psiquiatria durante o processo de desenvolvimento, com todas as suas conse- quências, pois só assim se têm as condições para a compreensão da criança, com suas características particulares e sua expressão peculiar da doença. O contrário disso, como vem sendo proposto nos últimos anos no País, é a re- dução à visão de um adulto miniaturizado, de forma similar ao que se fazia em pedia- tria (há alguns séculos). Infelizmente, es- sa visão só pode ser compreendida a par- tir da frase de Millôr Fernandes,2 quando diz que [...] pensar dói, cansa e só traz aborre- cimentos. Melhor é não pensar. Mas pensar não é facultativo. Se o cérebro, a mínima parte dele que seja, deixa de estar alerta por um momento, pene- tram lá, como parasitas difíceis de er- radicar, ideias vindas da imprensa, do rádio, da televisão, da propaganda ge- ral, dos produtos em série, do consumo degenerado, dos doutores em lei, arte, literatura, ciência, política, sociologia. Infelizmente, os últimos anos têm si- do ricos em relação a essa distorção obser- vada no atendimento infantil, uma vez que [...] quando um grupo de pessoas per- nósticas e incompetentes, chamadas professores, ensina a um indivíduo sem gosto e vocação, uma série de noções tolas ou, no máximo, discutíveis, con- segue formar, no fim de uma dezena de anos, essa coisa ao mesmo tempo ridícula e monstruosa que se chama um homem culto.2 PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA << 15 Essa distorção “culta”, estimulada pela própria universidade, simplesmen- te esqueceu que a psiquiatria da infância e da adolescência tem como foco o estu- do psicopatológico da criança como indi- víduo único e irreproduzível, que caminha de maneira própria e constante para sua autonomia, e como tal deve ser estudado. Entretanto, a criança e o adolescente não devem ser apenas estudados, mas tam- bém (e principalmente) cuidados e prote- gidos, pois representam aquilo que se pre- tende para a espécie humana. Contudo, o descuido com o qual se estruturam os mo- delos de atendimento – fazendo descaso do processo diagnóstico, simplificando-o e linearizando-o, o que acarreta projetos terapêuticos pífios e com pouca eficácia, que rendem psicopatologias “resistentes” ao tratamento aventado – mostra o quan- to a criança e o adolescente são desconsi- derados. A procedência do paciente já é muito diversa da do adulto, uma vez que ele che- ga ao médico a partir do encaminhamento escolar ou familiar com duas queixas bá- sicas: déficit no aprendizado ou alterações na conduta, nenhuma delas apontando, obrigatoriamente, para a presença de psi- copatologia infantil. A partir dessa demanda, familiar ou escolar, começa-se a pensar um processo diagnóstico que encaminhará o pensamen- to do clínico. Não se deve esquecer que esse pro- cesso tem, como preocupação básica, o bem-estar da criança, muito mais que seu desempenho, geralmente visto de manei- ra pragmática por muitas famílias e profis- sionais da saúde ou da educação. O profis- sional deve, portanto, procurar observar e compreender as formas pelas quais a crian- ça e o adolescente reagem às pressões (as- sociadamente ou não a processos psico- patológicos), considerando uma noção de saúde que envolve, mais que a mera au- sência de doença, um estado de bem-es- tar biopsicossocial, para o qual confluem elementos físicos, familiares, sociais, pes- soais, administrativos, escolares e outros e que desembocam, de maneira geral, naqui- lo que, grosso modo, se pode agrupar sob a denominação genérica de “qualidade de vida da criança”. Sem o devido cuidado, esquece-se de que o conceito de qualidade de vida vigen- te na sociedade atual não é proveniente da filosofia, da teologia ou da ética, mas da sociologia e da economia, a partir da ideia de liberdade que coloca o homem de ma- neira antropocêntrica e o considera capaz de mudar a si mesmo e, em consequência, a própria sociedade.3 Dentro desse tipo de visão, pensar a criança passa a ser difícil e pouco adequado. Tomando-se a criança como um ser em desenvolvimento, com características únicas, essas considerações são importan- tes, uma vez que ela, por sua autonomia restrita, tem condiçõespiores e limitadas de escolha em função de sua dependência do grupo familiar, que, sobretudo na figura Quando muito, a procedência do paciente aponta para o quanto a criança “incomoda” o adulto, o que não se constitui, obrigatoriamente, em um transtorno psiquiátrico. 16 >> FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR. (ORG.) da mãe, se torna habitualmente quem per- cebe e determina qualquer suposto desvio nesse estado de bem-estar. Depois, a esco- la passa também a desempenhar esse papel juntamente com a família. Por essas inter-relações de importân- cia, a doença mental na infância e na ado- lescência deve ser visualizada a partir dos diferentes fatores envolvidos, que, por sua complexidade, devem ser considerados de maneiras distintas. Tem-se, então: Fatores predisponentes: vulnerabilidade biológica, características de personalidade, primeiras experiências, respostas ao estres- se e influências socioculturais – difíceis de serem avaliados isoladamente, dependen- do do crescimento e do desenvolvimento da criança. Fatores precipitantes: acontecimentos es- tressantes e estímulos que ocasionam res- postas emocionais desprazerosas. Por sua importância no universo infantil, a escola tem papel fundamental na detecção e ma- nipulação desses eventos. Fatores perpetuadores: estressores per- manentes, elementos temperamentais li- gados a ansiedade, estímulos reforçado- res de condutas inadequadas e influências QUADRO 1.1 Algoritmo diagnóstico a partir do encaminhamento da criança Transtorno da aprendizagem ou alteração na conduta Problemas da criança Problemas da família Problemas da escola Alterações do desenvolvimento Disfuncionais Tipo de programas Retardo mental Verificar: Adequação de serviços T. específicos separação Presença de educador TDAH trabalho Recursos materiais Personalidade borderline valores T. afetivos afeto Esquizofrenia educação T. de ansiedade negligência T. da conduta maus-tratos T. sensoriais Outras condições T = transtorno(s); TDAH = transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. É impossível pensar a criança somente em relação aos fatores biológicos, uma vez que, em sendo sua própria epistemologista, ela se constrói a partir de seu “equipamento” mas também do “investimento” que a família e a escola lhe proporcionam de maneira direta. PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA << 17 familiares. A escola tem um papel funda- mental, e esses estressores devem ser ava- liados antes do tratamento médico, pois as condições de vida da criança podem justificar medidas de cunho social e judi- cial antes da instauração de um tratamen- to médico propriamente dito, um vez que é impossível tratar de uma criança em si- tuação de carência extrema, negligência, abandono ou abuso sem que essas situa- ções sejam primeiramente solucionadas. Assim, além do tratamento, o cuidado sig- nifica busca de proteção, aspecto ético fundamental para o exercício da psiquia- tria da infância. Fatores protetores: atributos temperamen- tais de adaptabilidade, relações intrafami- liares adequadas, rede de irmãos e suporte comunitário positivo. A escola pode forne- cer parte desse suporte comunitário, po- dendo se constituir em ambiente favorece- dor do crescimento e do desenvolvimento da criança e do adolescente. Assim, ao iniciar o exame da criança, não se deve perder de vista que fazem par- te do exercício profissional: 1. escutar a criança e a família sobre o comportamento apresentado, contex- tualizando-o; 2. evitar ver todas as manifestações como decorrentes da hereditariedade ou da carga biológica, assim como evitar desmerecê-las por meio das célebres frases “não é nada” ou “é normal”; 3. não dramatizar as situações quando os sintomas apresentam recorrência; 4. procurar resolver as dificuldades pri- meiramente no próprio ambiente da criança antes de recorrer a programas de atenção secundária ou hospitais; 5. evitar as ameaças ou os julgamentos depreciativos para a criança, animando- -a a falar sobre seus comportamentos. Essencialmente, é a partir disso que se procura aventar uma hipótese psicopa- tológica, sua gravidade e alterações na di- nâmica familiar, para que só então se es- truturem as intervenções terapêuticas especializadas, quer de caráter psicofar- O projeto terapêutico é mais que a mera prescrição de medicamentos. Ele envolve todos os elementos presentes na vida da criança, valendo-se, inclusive, daqueles que aqui são chamados de fatores de proteção. Um psiquiatra da infância se vale de todos esses recursos. Não esqueça que uma hipótese diagnóstica é multiaxial e que o diagnóstico sindrômico se constitui somente em um de seus eixos. Não simplifique de maneira a empobrecer o diagnóstico e a terapêutica, fazendo esta, muitas vezes, se tornar ineficaz pelo simples erro ou pela simplificação diagnóstica. 18 >> FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR. (ORG.) macoterápico, quer de cunho psicoterá- pico ou de reabilitação (nas mais diversas modalidades). Não se deve esquecer que essa hipó- tese etiológica precisa ser sempre aventa- da a partir de um diagnóstico multiaxial que estabelece eixos diferentes, no mais das vezes esquecidos no cotidiano profis- sional, limitando-o a um mero diagnóstico descritivo, fato bem diferente do propos- to pelos próprios modelos classificatórios em vigência. Um diagnóstico meramen- te descritivo, baseado apenas na observa- ção isolada de um profissional específico, é restrito, muitas vezes de pouca utilidade e passível de erros terapêuticos frequen- tes. Assim, é preciso ter sempre em men- te que fazer um diagnóstico em crianças é difícil e que este deve ser realizado de maneira cuidadosa, e não de forma super- ficial e genérica, como se tem observado nos últimos tempos. Assim, o profissional da psiquiatria da infância deve saber e considerar que essa área reúne em seu seio uma série de fenôme- nos que englobam quadros biológicos e orgâ- nicos, bem como alterações psíquicas hetero- gêneas e problemas individuais ou coletivos de saúde mental. Pela abrangência de um diagnósti- co em sua elaboração, é muito importan- te a colaboração entre diferentes áreas do conhecimento, sendo o psiquiatra infan- til alguém que, por sua formação específi- ca, é capaz de diagnosticar precocemente um grande número de problemas de saú- de mental, bem como de encontrá-los em nosso meio, carente de recursos humanos e materiais. Assim, é ele quem constrói a in- terface entre a abordagem biológica (deri- vada das ciências naturais) e a abordagem humanística nas inter-relações com suas disciplinas. Esse diagnóstico será, portan- to, de fundamental importância na estru- turação de um projeto terapêutico e, mais ainda, no estabelecimento de perspectivas de evolução e de prognóstico, uma vez que mesmo alterações discretas de desenvolvi- mento podem ocasionar reações que alte- rarão, futuramente, de maneira marcante, a conduta da criança envolvida, conforme pode ser observado nas trajetórias apre- sentadas na Figura 1.1. Dessa forma, a simples transposição da nosografia e da nosologia do adulto pa- ra a criança, como se vem fazendo de ma- neira sistemática nos últimos anos, é, além de uma simplificação ingênua da área, um problema de grande magnitude, uma vez que delega o cuidado das gerações futu- ras a quem não tem embasamento para tal. Isso é, no mínimo, irresponsável. Observe bem que, na maioria das vezes, os diagnósticos vêm sendo dados de maneira simplista, puramente descritiva, e atendo-se somente a um dos eixos propostos. Isso é uma simplificação incompatível com a psiquiatria da infância. PSIQUIATRIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA << 19 FIGURA 1.1 Possíveis evoluções de dificuldadesadaptativas precoces. Trajetória 1 TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO E DA APRENDIZAGEM Associados ou não a crítica e a rejeição do meio familiar TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO (hiperatividade, agressão, delinquência) Associados ou não a baixa autoestima e a sintomas de ansiedade e depressão DIFICULDADES PRECOCES DE ADAPTAÇÃO Atrasos no desenvolvimento Dificuldades fonológicas Anomalias neurológicas Precariedade Negligência Trajetória 2 TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO (hiperatividade, agressão, delinquência) Associados ou não a baixa autoestima e a sintomas de ansiedade e depressão TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO E DA APRENDIZAGEM Associados ou não a crítica e a rejeição do meio familiar DIFICULDADES PRECOCES DE ADAPTAÇÃO Atrasos no desenvolvimento Dificuldades fonológicas Anomalias neurológicas Precariedade Negligência Trajetória 3 TRANSTORNOS DO COMPORTAMENTO (hiperatividade, agressão, delinquência) Associados ou não a baixa autoestima e sintomas de ansiedade e depressão TRANSTORNOS DA COMUNICAÇÃO E DA APRENDIZAGEM Associados ou não a crítica e a rejeição do meio familiar DIFICULDADES PRECOCES DE ADAPTAÇÃO Atrasos no desenvolvimento Dificuldades fonológicas Anomalias neurológicas Precariedade Negligência 20 >> FRANCISCO B. ASSUMPÇÃO JR. (ORG.) REFERÊNCIAS 1. Fernandes FA. Fundamentos de la psiquia- tría actual. Madrid: Paz Montalvo; 1979. 2. Fernandes M. O livro vermelho dos pen- samentos de Millôr. Porto Alegre: L&PM; 2005. 3. García Guillén DM. Ética de la calidad de vida. Cuad Progr Reg Bioét. 1996;2:43-59. LEITURAS COMPLEMENTARES American Psychiatric Association. Manual diagnós- tico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV- -TR. 4. ed. Porto Alegre: Artmed; 2002. American Psychiatry Association. Intellectual disability (intellectual developmental disorder) [Internet]. Arlington: APA; c2013 [capturado em 15 jun. 2013]. Disponível em: http://www.dsm5.org/. Andrade A, Martins R. Funcionalidade fami- liar e qualidade de vida dos idosos. Millenium. 2011;40:185-99. Assumpção Jr FB, Carvalho LN. Realidade do diagnóstico em psiquiatria infantil no brasil. J Bras Psiq. 1999;48(10):449-52. Assumpção Jr FB. Autismo infantil: diagnóstico e tratamento. Psiq Biol. 1999;7(3):127-32. Bercherie P. 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Assim sendo, não se deve perder de vista que o Manual diagnóstico e estatístico de transtor- nos mentais (DSM-5), da American Psychiatric Association,3 corresponde a uma classificação dos transtornos mentais com critérios associados utilizada para facilitar de maneira confiável esse diag- nóstico. Entretanto, o próprio DSM-5, logo em seu início, informa que, como a descrição comple- ta dos processos patológicos não é possível em muitos transtornos mentais, é importante enfati- zar que o que é fornecido é a uma descrição de como esses transtornos mentais se expressam e podem ser reconhecidos por clínicos treinados. Isso, na melhor das hipóteses, significa que o Ma- nual corresponde a um guia e não a um livro de psiquiatria, uso cada vez mais frequente em nos- so meio. Assim, um clínico treinado dele se vale para ser mais bem compreendido, por diferentes pares, em seu discurso acadêmico ou para estruturar modelos de pesquisa de variados tipos ou, mesmo, para recorrer a modelos terapêuticos e clínicos dentro de uma proposta de medicina ba- seada em evidências. Entretanto, não corresponde a um tratado psiquiátrico que, como um livro de receitas culinárias, deve ser seguido de maneira mecanicista e linear para que o “bolo diag- nóstico e terapêutico” seja bem estruturado. Para tanto, demanda-se formação e conhecimento clínico de psicopatologia, o que vai muito além do mero conhecimento nosográfico e descritivo, uma vez que envolve outras variáveis e modelos de compreensão, uma vez que, como refere Jas- pers,4 diagnosticar é a tentativa de compreensão do homem que se encontra no mundo, em meio a outros homens, sendo somente a partir desse mundo que se pode ser compreendido, sempre em mutação constante. Procura-se, então, o conhecimento de si e dos fenômenos, das suas con- dições e das suas potencialidades. Assim, torna-se fundamental pensar que nosografia (do grego nosos + graphein) correspon- de à distribuição metódica das doenças, segundo as suas classes, ordens, gêneros e espécies, ao passo que a nosologia (do grego nósos, doença + logos, tratado, razão explicativa) é a parte da medicina ou o ramo da patologia que trata das enfermidades em geral e as classifica do ponto de vista explicativo (i. e., de sua etiopatogenia), o que, em psiquiatria, envolve ainda aspectos tri- dimensionais de base biológica, psicológica e social. Dessa forma, apesar de todas as expecta- tivas que cercavam o advento do DSM-5, imaginando-o capaz de incorporar aspectos referen- tes a modelos genéticos, fenotípicos, comportamentais, mecanismos de ação e outros,5 ele sim- plesmente alterou alguns aspectos descritivos, continuando a ser um modelo nosológico. É as- sim que deve ser visto, com suas possibilidades e seus limites, e não, como quer a mídia popular, como a “bíbliados psiquiatras”, representação da verdade ou da cientificidade. Trata-se, sim, de um modelo classificatório. Referências 1. Regier DA, Narrow WE, Kuhl EA, Kupfer DJ. DMS-5: evolución conceptual. Bunenos Aires: Panamericana; 2012. 2. Miranda Sá Jr LS. O diagnóstico psiquiátrico e a CID 10 [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Gama Filho; 1992. 3. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Washington: APA; 2013. 4. Jaspers J. Escritos psicopatológicos. Madrid: Gredos; 1977. 5. Barlow DH, Durand VM. Psicopatologia: uma abordagem integrada. São Paulo: Cengage Le- arning; 2008.
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