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1 Universidade do Estado de Minas Gerais Programa de Pós-Graduação em Design (PPGD) MESTRADO EM DESIGN DESIGN CÊNICO – OS CONCEITOS DO DESIGN NO DESENVOLVIMENTO DE ESPETÁCULOS TEATRAIS Yuri Simon da Silveira Belo Horizonte 2017 2 YURI SIMON DA SILVEIRA DESIGN CÊNICO – OS CONCEITOS DO DESIGN NO DESENVOLVIMENTO DE ESPETÁCULOS TEATRAIS Dissertação apresentada o Programa de Pós Graduação Stricto-Sensu em Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, como pré-requisito para a obtenção de grau de Mestre em Design, Inovação e Sustentabilidade na linha de pesquisa: Design, Cultura e Sociedade. Orientadora: Profª. Drª. Marcelina das Graças de Almeida (UEMG) Coorientador: Prof. Dr. Edson José Carpintero Rezende (UEMG) Belo Horizonte 2017 S587d Silveira, Yuri Simon da. Design cênico : os conceitos do design no desenvolvimento de espetáculos teatrais [manuscrito] / Yuri Simon da Silveira. - 2017. 176 f. il. color. fotos. ; 31 cm. Orientadora: Marcelina das Graças de Almeida Coorientador: Edson José Carpintero Rezende Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Design. Bibliografia: f. 152-160 1. Desenho (Projetos) – Filosofia – História. 2. Artes Cênicas. 3. Designer – Aspectos sociológicos. 4- Abordagem interdisciplinar do conhecimento. 5. Teatro. I. Almeida, Marcelina das Graças. II. Rezende, Edson José Carpintero. III. Universidade do Estado de Minas Gerais. Escola de Design. IV. Título. CDU: 7.05: 792.021 Ficha Catalográfica: Cileia Gomes Faleiro Ferreira CRB 236/6 3 Dedico esse trabalho aos meus pais: Otto Gramigna da Silveira (in memoriam) e Astrid Simon da Silveira. Aos meus irmãos: Leopoldo, Marco, Ulisses, e Otto. Ao meu mestre no teatro: Ítalo Mudado (in memoriam). 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a todos que acreditaram e auxiliaram na conclusão de mais esse trabalho: - Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da Escola de Design da UEMG pela oportunidade oferecida, à coordenação e todos os professores do programa, e aos colegas da turma do mestrado de 2015, pelo compartilhamento de saberes; - A minha orientadora, Professora Dra. Marcelina das Graças de Almeida, por acreditar em meu projeto, me dando confiança, apoio, atenção e conselhos com sabedoria e tranquilidade; - Ao meu coorientador, Professor Dr. Edson José Carpintero Rezende, por incentivar constantemente que eu buscasse melhorar minha qualificação acadêmica; - A Professora Dra. Wânia Maria de Araújo e ao Professor Dr. José Márcio Pinto de Moura Barros por participarem da minha banca de qualificação e de dissertação, pelas preciosas observações e sugestões; - Aos funcionários do Programa de Pós-Graduação Janaina e Rodrigo, pelo empenho em solucionar os problemas burocráticos; - Aos professores parceiros da Escola de Design e aos companheiros do Centro de Extensão que sempre me deram apoio, em especial à Giselle, pela dedicada confiança e orientações, Cristiane, que me incentivou a escrever sobre o que gosto, e Johelma pelas sugestões e críticas; - Ao Programa Minas Raízes, que me possibilitou aprender muito sobre produção artesanal, identidade, território e resgate cultural, em especial as amigas e professoras Maria Flávia (Flor), Ana, Andreia e Heloisa; - Aos meus alunos da Escola de Design, que me proporcionam constante aprendizado como professor, em especial as minhas bolsistas nos projetos de iniciação científica em design cênico: Letícia e Morena; - Ao amigo de coração e sócio em inúmeros projetos de teatro Heleno, que me ensinou muito sobre metodologia de projeto; - A toda equipe de “A Mandioca Brava”, atores e cocriadores do espetáculo: Anderson, Athos, Pablo, Paulo, Ricardo, Sarah, Silvia e Marko (também produtor que me convidou a dirigir esse espetáculo), e aos companheiros teatrais de longa data presentes também nessa montagem: Leonardo, Alexandre e Iolene. 5 “Para o espírito científico todo conhecimento é resposta para uma pergunta. Se não há pergunta não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.” (tradução livre para Gaston Bachelard) “Procuro me acalmar, mas quando vejo to dizendo pra mim mesmo: Olha que você vai se arrepender! Por outro lado, o pior que pode me acontecer é morrer e ir para o inferno. Mas no inferno tem tanta gente boa, por que ficar com vergonha de ir pra lá também? Encare seu destino, não fuja, não se curve, não seja covarde.” (tradução e adaptação livre de “A Mandrágora” de Nicolau Maquiavel em “A Mandioca Brava”). 6 RESUMO Existe hoje no mercado uma ampla e diversificada possibilidade de atuação profissional de design e suas competências são amplamente discutidas em fóruns e congressos. O termo design cênico, compreendido como uma área de atuação que desenvolve projetos relacionados aos elementos visuais e sonoros da cena, começa a se tornar mais popular e as relações projetuais do design com aquelas oriundas do universo das artes cênicas tem recebido maior atenção no meio acadêmico. Essa dissertação se propôs a pesquisar as convergências existentes entre os conceitos de desenvolvimento de projetos de design em relação àqueles relacionados à produção de um espetáculo teatral e estabelecer as interfaces conceituais de ambos universos, que se aproximam tanto no desenvolvimento projetual como nos processos criativos, compartilhando características tangencialmente semelhantes na realização de ações integradas e complexas. Teve também como objetivo compreender a relação do design, em suas várias acepções projetuais, com o universo teatral como um o ato projetual, tanto no decorrer da história, como na contemporaneidade. Buscou assim ser mais uma contribuição aos demais pesquisadores na reflexão sobre essas relações convergentes relacionadas a complexidade de um projeto de design e o da montagem de uma montagem cênica, continuando a estabelecer um diálogo propositivo entre ambos os segmentos profissionais. A utilização dos princípios e fundamentos conceituais do design e suas respectivas ferramentas podem ser uma maneira bastante adequada de se entender, exercer e explicar o processo de criação, montagem e execução de um projeto do universo teatral. A formação interdisciplinar do designer, que possibilita a ele uma pluralidade de campos de atuação, sua relação com as inovações tecnológicas, socioculturais e territoriais, seu caráter mediador e sua perspectiva de projeto abrangente e sistêmico, também pode ser identificada como características e habilidades requisitadas pelos profissionais que atuam no universo das artes cênicas. A metodologia adotada compreende ainda um estudo de caso de caráter exploratório, analisando a produção do espetáculo mineiro “A Mandioca Brava”, montagem teatral inspiradana clássica obra de Nicolau Maquiavel “A Mandrágora”, que teve como resultado projetual uma unidade de estilo perceptível relacionada à linguagem textual, com foco em questões de design e território principalmente na valorização da identidade, realizando uma verdadeira imersão na cultura popular de Minas Gerais. Um espetáculo que foi desenvolvido em um processo participativo e integrado de cocriação, composto por uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de segmentos distintos e diversas áreas do conhecimento, com uma ampla variedade de formações em diferentes expertises: design, administração, comunicação, marketing, pedagogia, línguas, moda, música, artes e teatro. Palavras-chave: Design. Teatro. Design cênico. Identidade. Interdisciplinaridade. 7 ABSTRACT There is a wide and diversified possibility of professional design work today, and its competences are widely discussed in forums and congresses. The term scenic design, understood as an area of activity that develops projects related to the visual and sound elements of the scene, begins to become more popular and the design design relationships with those from the universe of the performing arts has received more attention in the academic environment . This dissertation proposed to investigate the existing convergences between the concepts of development of design projects in relation to those related to the production of a theatrical spectacle and to establish the conceptual interfaces of both universes, which approach both in the design development and in the creative processes, sharing Tangentially similar characteristics in the performance of integrated and complex actions. He also aimed to understand the relationship of design, in its various design meanings, with the theatrical universe as a project act, both in the course of history and contemporaneousness. It sought to be a further contribution to the other researchers in the reflection on these convergent relations related to the complexity of a design project and the assembly of a scenic assembly, continuing to establish a propositional dialogue between both professional segments. The use of the principles and conceptual foundations of design and its respective tools can be a very adequate way of understanding, exercising and explaining the process of creation, assembly and execution of a project of the theatrical universe. The interdisciplinary formation of the designer, which allows him a plurality of fields of action, his relation with technological, socio-cultural and territorial innovations, his mediating character and his perspective of comprehensive and systemic design, can also be identified as characteristics and skills required by Professionals who work in the universe of the performing arts. The methodology adopted also includes an exploratory case study, analyzing the production of the Minas Gerais spectacle "A Mandioca Brava", a theatrical production inspired by the classic work of Nicolau Machiavelli "A Mandrágora", which resulted in a perceived style unit related To textual language, focusing on issues of design and territory mainly in the valorization of identity, performing a real immersion in the popular culture of Minas Gerais. A show that was developed in a participative and integrated process of co-creation, composed of a multidisciplinary team, formed by professionals from different segments and different areas of knowledge, with a wide variety of backgrounds in different expertises: design, administration, communication, Pedagogy, languages, fashion, music, arts and theater. Keywords: Design. Theater. Scenic design. Identity. Interdisciplinarity. 8 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 01 - Tricotomia dos signos ........................................................................... 027 Figura 02 - Signos e seus sistemas ........................................................................ 031 Figura 03 - Quadro de referencia 1 ......................................................................... 033 Figura 04 - Quadro de referencia 2 ......................................................................... 034 Figura 05 - Máscara de calcário .............................................................................. 051 Figura 06 - Selo Grego de 1966 representando Tespis em sua carroça ................ 052 Figura 07 - Croquis do teatro grego rudimentar e do tradicional ............................ 054 Figura 08 - Croquis dos periactos ........................................................................... 056 Figura 09 - Croquis do skené com três portas e o mechane .................................. 057 Figura 10 - Croquis do dos ekiclemas ..................................................................... 058 Figura 11 - Croquis dos Kablematas ...................................................................... 058 Figura 12 - Representação em 3D do Teatro de Pompeu ..................................... 061 Figura 13 - A estrutura de um grande anfiteatro ..................................................... 063 Figura 14 - Coliseu inundado para nau-machiae .................................................... 064 Figura 15 - Mosaico restaurado com cena de entretenimento romano ................... 065 Figura 16 - Atores representando nos arredores da cidade ................................... 066 Figura 17 - Crucificação parodiada ......................................................................... 067 Figura 18 - Pintura do século XX mostrando um trovador ...................................... 067 Figura 19 - Personagens da comédia dell'arte ........................................................ 068 Figura 20 - Reconstrução conjectural de cenário em Igreja .................................... 069 Figura 21 - Reconstrução conjectural de espetáculos em praças .......................... 070 Figura 22 - Pintura desfile de carros, palcos sucessivos ........................................ 071 Figura 23 - Reconstrução conjectural de palcos simultâneos ................................. 072 Figura 24 - Pintura palcos simultâneos ................................................................... 072 Figura 25 - Propostas de painéis para cenas trágica, cômica e satírica ................. 076 Figura 26 - Palco e plateia do teatro de all’Antiqua ................................................ 076 Figura 27 - Teatro Olímpico em Vicenza ................................................................. 077 Figura 28 - Scaenae frons do Teatro Olímpico ....................................................... 078 Figura 29 - Origem do palco elisabetano ................................................................ 079 Figura 30 - Desenho conjetural de um teatro Elisabetano ...................................... 080 Figura 31 - Globe Theatre - Londres ....................................................................... 081 Figura 32 - Grupo Galpão no The Globe Festival ................................................... 081 Figura 33 - Corral de Comedias de Almagro .......................................................... 083 Figura 34 - Le ballet Comique de la Reine .............................................................. 085 Figura 35 - Propostas de equipamentos cênicos .................................................... 088 Figura 36 - Drottningholm Theatre - maquinaria ..................................................... 090 Figura 37 - Drottningholm Theatre - cenários ......................................................... 090 Figura 38 - Teatro di San Carlo, 1737 ..................................................................... 091 Figura 39 - Equipamento de iluminação à gás - limelight .......................................093 Figura 40 - substituição iluminação à gás pela elétrica .......................................... 093 Figura 41 - Teatro - Bayreuth Festspielhaus de Wagner ....................................... 094 9 Figura 42 - Júlio Cesar Meiningen Ensemble - Londres ......................................... 095 Figura 43 - Montagem de O Submundo, de Gorky ................................................. 096 Figura 44 - Estudo de figurinos para O Submundo, de Gorky ................................ 097 Figura 45 - Montagem de Boule de suif, de Oscar Méténier .................................. 098 Figura 46 - Cenário para Orfeu, de Gluck théâtre Hellerau .................................... 100 Figura 47 - Cenários construtivistas ........................................................................ 102 Figura 48 - Montagem de Die Dreigroschenoper – Cologne .................................. 104 Figura 49 - Montagem de The Threepenny Opera ................................................. 105 Figura 50 - The Constant Prince – cena e projeto .................................................. 107 Figura 51 - Kordian – cena e projeto ....................................................................... 107 Figura 52 - Montagem de 1789 do Théâtre du Soleil .............................................. 110 Figura 53 - Linha do tempo teatro: espaço e tecnologias ....................................... 114 Figura 54 - Montagem de Avarento - Teatro Marília ............................................... 117 Figura 55 - Planta baixa da cenografia ................................................................... 122 Figura 56 - Croquis dos figurinos masculinos ......................................................... 124 Figura 57 - Croquis dos figurinos femininos ........................................................... 124 Figura 58 - Mapa de iluminação básica .................................................................. 125 Figura 59 - Mapa de iluminação rua ........................................................................ 126 Figura 60 - Método simplificado por Heleno Polisseni ............................................ 130 Figura 61 - Composições corporais em cena ......................................................... 135 Figura 62 - Cerâmicas e maquiagens aplicadas ..................................................... 136 Figura 63 - Cenas musicadas do espetáculo .......................................................... 138 Figura 64 - Cifra e letra da canção “O chá da mandioca brava” ............................. 138 Figura 65 - Rider de som ......................................................................................... 139 Figura 66 - Materiais para os figurinos .................................................................... 141 Figura 67 - Detalhes dos adereços e dos figurinos ................................................. 141 Figura 68 - Detalhamento projetual do cenário ....................................................... 142 Figura 69 - Detalhes dos elementos cenográficos .................................................. 143 Figura 70 - Utilização da iluminação na cenografia ................................................ 144 Figura 71 - Abertura do espetáculo ......................................................................... 145 Figura 72 - Encerramento do espetáculo ................................................................ 147 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 011 1 O PROJETO TEATRAL E O PROJETO DE DESIGN ........................................... 020 1.1 O espetáculo teatral como projeto visual ....................................................... 021 1.2 Signos no design e os elementos ou signos teatrais ..................................... 026 1.3 Competências do design ............................................................................... 032 1.4 Sistema - métodos e ferramentas .................................................................. 038 1.5 A importância da análise territorial ................................................................. 042 2 A TRANSFORMAÇÃO DO PROJETO TEATRAL NA HISTÓRIA ........................ 048 2.1 O projeto teatral no mundo antigo ................................................................ 050 2.1.1 Prototeatro ............................................................................................ 050 2.1.2 Grécia .................................................................................................. 052 2.1.3 Roma ................................................................................................... 060 2.2 O projeto teatral na Idade Media ................................................................... 065 2.2.1 O mimo e as manifestações populares ............................................... 065 2.2.2 O projeto teatral é absorvido pela Igreja ............................................. 068 2.3 O projeto teatral na Idade Moderna .............................................................. 073 2.3.1 Renascimento e Barroco ..................................................................... 073 2.3.2 As casas de ópera e a supremacia do palco italiano .......................... 086 2.4 O projeto teatral contemporâneo - novas tecnologias .................................. 092 2.4.1 Revolução industrial ............................................................................ 092 2.1.2 Vanguardas artísticas ......................................................................... 099 2.1.3 Atualiadade .......................................................................................... 109 3 A MANDIOCA BRAVA ........................................................................................... 115 3.1 A gênese do espetáculo ................................................................................ 116 3.2 O processo de construção ............................................................................ 119 3.3 Reflexões sobre o projeto do espetáculo – entrevistas e análises ................ 126 3.3.1 Método colaborativo e sistêmico .......................................................... 127 3.3.2 Dramaturgia .......................................................................................... 132 3.3.3 Linguagem corporal ............................................................................. 134 3.3.4 Trilha sonora .........................................................................................137 3.3.5 Projeto visual ........................................................................................ 140 3.4 Reflexões e observações finais das entrevistas ............................................ 144 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 148 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 152 APÊNDICES .............................................................................................................. 161 Apêndice 1 Roteiro das entrevistas ..................................................................... 161 Apêndice 2 Termo de consentimento livre e esclarecido .................................... 163 Apêndice 3 Termo de cessão de direitos sobre depoimento oral ........................ 164 ANEXOS ................................................................................................................... 165 Anexo 1 Parecer do comitê de ética .................................................................... 165 Anexo 2 Cartaz do espetáculo............................................................................. 169 Anexo 3 Outras peças de divulgação .................................................................. 170 Anexo 4 Arquivos digitais .................................................................................... 176 11 INTRODUÇÃO O papel do profissional de design na sociedade contemporânea tem sido assunto recorrente em fóruns e congressos. As suas diversas possibilidades de atuação a partir de seu aprendizado generalista ou pluralista, e suas ações transversais, são elementos que podem permitir ao designer desenvolver uma atividade projetual com caráter transdisciplinar1. Os princípios e fundamentos do design e suas respectivas ferramentas projetuais podem ser uma maneira bastante adequada de reflexão para entender, exercer e explicar o processo de criação, montagem e execução de um projeto também no universo teatral. A Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) ao realizar em 2013 o Primeiro Seminário de Design Cênico2, definiu essa área de atuação como aquela que trabalha os elementos visuais e sonoros da cena, desenvolvendo projetos nos campos da cenografia, iluminação cênica, figurino, maquiagem cênica, sonoplastia, direção de arte e arquitetura cênica. Nesse ano de 2017 o Seminário encontra-se em sua segunda edição e conta com a colaboração do o Grupo de Trabalho Poéticas Espaciais, Visuais e Sonoras da Associação Brasileira de Pesquisadores em Artes Cênicas (ABRACE3) e de professores e pesquisadores das Universidades: UNESPAR – Universidade Estadual do Paraná, UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro, UNIRIO - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. No universo do design a área definida como design cênico adquire um significado bastante amplo e pode ser percebida tanto nas atividades comerciais como na identidade visual corporativa, na museologia (apresentação dos acervos de museus), decoração especial para eventos comemorativos em lojas ou empresas, festas, vitrines, desfiles de moda, ou na ambientação de mostras, estandes e feiras, como também em atividades relacionadas diretamente ao entretenimento, como as 1 CETRANS – Centro de Educação Transdisciplinar/ Educação e Transdisciplinaridade II / Carta da Transdisciplinaridade - Artigo 3: A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001297/129707POR.pdf> Acesso em 26 de fev de 2017. 2 Seminário de Design Cênico: elementos visuais e sonoros da cena. Disponível em: <http://www.seminariodesigncenico.utfpr.edu.br/> Acesso em 26 de fev de 2017. 3 Portal da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas. Disponível em: < http://portalabrace.org/c2/> Acesso em 03 de mar de 2017. 12 artes cênicas (teatro, dança, ópera, circo, dentre outras.), cinema, televisão, shows, ou em artes plásticas (performances e exposições). De forma a concentrar O estudo, diante dessa ampla possibilidade de atuação no campo do design cênico, esta dissertação faz o seu recorte em uma área ainda pouco explorada pelos designers: as artes cênicas, mais particularmente o teatro, e o desenvolvimento de um espetáculo teatral4. Podendo assim contribuir para o desenvolvimento do conteúdo científico dessa área de conhecimento que possui demandas contínuas por atualizações. Auxiliando aos demais pesquisadores na melhor compreensão das relações convergentes entre o projeto de design e a complexidade de uma montagem teatral ou projeto teatral, estabelecendo assim mais um diálogo entre ambos os segmentos. Dois universos que compartilham temas tangenciais e que podem realizar ações integradas na composição de um projeto complexo e plural, se aproximando tanto em processos projetuais como criativos. Embora o termo design cênico comece a se tornar mais popular para aqueles que trabalham ou desenvolvem pesquisa no campo das artes cênicas no Brasil, tendo o país participado de todas as edições da Prague Quadrennial of Performance Design5 segundo Serroni (2013), percebe-se que ainda são poucos os profissionais do teatro no Brasil que conseguem estabelecer uma conexão de suas atividades com o estudo de design, suas ferramentas, métodos e processos. Pode-se constatar que isto também acontece de forma semelhante no campo do ensino e pesquisa do design, onde as propostas de pesquisas acadêmicas que inter-relacionem o universo do design aos processos e ferramentas utilizados pela prática teatral somente há pouco tempo começaram a se tornar conhecidos. Observa-se que para um leigo ou mesmo para um designer com poucos conhecimentos nos processos de criação cênica, a montagem de um espetáculo teatral parece estar condicionada apenas ao universo da arte. Ainda são poucos aqueles que compreendem o espetáculo teatral como uma relação da arte com os conhecimentos técnicos e projetuais. Os projetos de cenografia, figurino, iluminação, 4 Nos parâmetros dessa pesquisa, a utilização da palavra espetáculo pode ser compreendida no envolvimento imersivo do espectador/visitante em um ambiente de expressão artística ou cultural onde exista a aplicação de uma proposta de visualidade significante. 5 A Prague Quadrennial ou PQ, é um encontro internacional que acontece de quatro em quatro anos sobre Performance Design, Design Cênico, Cenografia e Arquitetura Teatral na cidade de Praga na República Checa desde 1967. Disponível em: <http://www.pq.cz/en/about-pq/what-is-pq> Acesso em 25 de mar. de 2017. 13 maquiagem, trilha sonora e demais elementos criativos/projetuais das artes cênicas, são percebidos de maneira distinta, como criações individualizadas, principalmente quando um desses elementos, que faz parte de um todo, se destaca dos demais por uma questão estética. Geralmente eles não são compreendidos e configurados como um conjunto de atividades criativas interligadas entre si. Realmente os espetáculos possuem, em sua maioria, projetistas específicos para cada uma dessas áreas, mas esses profissionais trabalham como uma equipe unificada. Cada setor de criação é imbuído de demandas criativas convergentes, propostas pelo grupo responsável pela produção do espetáculo ou por um encenador6, em um processo sistêmico e integrado cujo objetivo é transpor para o palco uma história, por meio de uma linguagem coerente, significativa e unificada, semelhante ao processo de desenvolvimento de um projeto de design. A formação interdisciplinar7 do designer, com múltiplas disciplinas em diversas áreas do conhecimento, sua relação com inovações socioculturais e tecnológicas, seu caráter mediador e sua perspectiva de projeto abrangente e sistêmica pode possibilitar uma ampliação do seu campo de atuação para diversos setores, entre eles as artes cênicas. Essa formação possui características pedagógicas próprias, com conhecimentos que transitam pelos campos da arte, da comunicação, da gestão de projetos, da ciência da informação e da tecnologia, e proporcionam competências amplas e transdisciplinares que estão em transformação desde as experiências pioneiras da Bauhaus8. A percepção sistêmica do designer pode possibilitar uma atuação em todas as fases do processode montagem de um espetáculo teatral, podendo também organizar cada uma das etapas de produção, como por exemplo: a viabilidade de realização de um projeto, as escolhas de materiais, os levantamentos de custos, a adequação de um projeto as realidades onde ele está sendo desenvolvido, e até 6 Definição de encenador segundo o Dicionário de Teatro de Patrice Pavis: “Pessoa encarregada de montar uma peça, assumindo a responsabilidade estética e organizacional do espetáculo, escolhendo os atores, interpretando o texto, utilizando as possibilidades cênicas à sua disposição.” (PAVIS, 1999 p. 128) 7 CETRANS – Centro de Educação Transdisciplinar/ Educação e Transdisciplinaridade - A interdisciplinaridade diz respeito à transferência de métodos de uma disciplina para outra. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001275/127511por.pdf> Acesso em 26 de fev de 2017. 8 A Escola Bauhaus original foi fundada em 1919 em Weimar na Alemanha por Walter Gropius como um novo modelo de Escola de Design. Disponível em: <http://www.bauhaus-dessau.de/the-bauhaus- building-by-walter-gropius.html> Acesso em 02 de nov. de 2015. 14 mesmo aos estudos de etnografia, antropologia visual, morfologia, ergonomia e usabilidade, que são recorrentes a qualquer projeto de design. No Brasil ainda são poucos os profissionais de renome no meio teatral advindos dos cursos de design. Os projetos de cenografia, iluminação, figurino, entre outros são, em grande maioria, elaborados por profissionais de formação variada, muitos deles vindos das escolas de artes ou arquitetura. Em muitos casos, principalmente em grupos de teatro amadores ou aqueles mais modestos, que possuem poucos recursos, as criações são realizadas de maneira intuitiva por integrantes do próprio grupo de teatro que às vezes têm pouco domínio de áreas técnicas e projetuais. É importante ressaltar, porém que, existe por todo Brasil diversas escolas de ensino superior e técnico que formam profissionais nas diversas áreas do teatro como também cursos de especialização ou pós-graduação Stricto Sensu. Nessas escolas se formam atores, diretores teatrais, produtores culturais, que recebem noções básicas de todos os campos do conhecimento relacionados ao universo teatral. Existem também escolas que possuem uma formação mais específica nas áreas técnico-criativas das artes cênicas, como a cenografia e o figurino, também chamado de indumentária. O contexto pesquisado remete exatamente a pluralidade de possibilidades de atuação do designer e às diversas correspondências entre os segmentos de característica projetual do espetáculo teatral. A formação de um profissional que atue nas áreas técnico/criativas do espetáculo de teatro necessita de habilidades que possibilite a ele transitar livremente entre os setores do conhecimento advindos do meio artístico, como também daqueles que atendam as necessidades técnicas e produtivas. A metodologia utilizada no desenvolvimento dessa dissertação foi o estudo de caso, que se caracterizou por levantamentos bibliográficos por meio de amplo material, como artigos e livros, nacionais e estrangeiros, dissertações e teses existentes que abordassem conhecimentos tanto sobre o universo do design como sobre o fazer teatral e os conceitos convergentes, que proporcionou o desenvolvimento prévio de proposições teóricas que conduziram a coleta e a posterior análise de dados. A coleta dos dados foi obtida por meio da exploração de fontes primárias documentais (jornais, fotos e vídeos) e orais (entrevistas) delimitadas ao objeto de estudo, “A Mandioca Brava” espetáculo pesquisado, com o objetivo de desenvolver 15 uma análise de caráter qualitativo sobre o assunto, como reconhece Gil (1991) sobre a necessidade dessas etapas em uma pesquisa de caráter exploratório. Para Yin (2005) os estudos de caso, em suas várias modalidades, consistem em um modelo que não se resume à exploração e permite ao investigador elencar elementos que lhe permitam diagnosticar um caso. Esse tipo de investigação enfrenta uma situação tecnicamente única, em que haverá muito mais variáveis de interesse do que pontos de dados; baseando-se em várias fontes de evidências, com os dados precisando convergir em uma triangulação, que no caso dessa dissertação ocorreu por meio do referencial teórico coletado em relação aos dados obtidos na coleta de fontes primárias documentais e entrevistas. A importância do estudo de caso como método de pesquisa em ciências humanas e sociais, e nesse caso em ciências sociais aplicadas, segundo Yin (2005), se deve ao fato de permitir que o pesquisador possa se aprofundar no fenômeno estudado, destacando-se em seu caráter de investigação empírica de fenômenos contemporâneos e fornecendo a ele uma visão holística sobre os acontecimentos. Necessitando que o pesquisador tenha uma atitude entusiástica em relação à investigação de forma a conseguir bons resultados dentro de um estudo de caso transmitindo amplamente os resultados obtidos. A proximidade do autor com o tema proposto e com o objeto de estudo poderia pressupor uma falta de distanciamento e objetividade necessários para uma reflexão mais isenta e imparcial nas análises dos dados pretendidos. Contudo cabe aqui estabelecer um paralelo com o pensamento de Velho (1978) sobre neutralidade e imparcialidade na pesquisa qualitativa. “A observação participante, a entrevista aberta, o contato direto, pessoal, com o universo investigado constituem sua marca registrada” (VELHO, 1978, p.123). Esclarece ainda que é necessária uma imersão dentro do universo pesquisado, e que a questão de distância merece um entendimento mais detalhado, pois estar familiarizado ou imerso em um determinado universo da pesquisa não significa necessariamente que o pesquisador conhece o ponto de vista e visão de mundo dos outros atores envolvidos, acrescentando que o processo de descoberta e análise do que é familiar envolve dificuldades distintas daquelas realizadas do que é distante. Isso mostra não a feliz coincidência ou a mágica do encontro entre pesquisador e objeto com que tenha afinidade, mas sim o caráter de interpretação e a dimensão de subjetividade envolvidos nesse tipo de trabalho. A “realidade” (familiar ou exótica) sempre é filtrada por determinado ponto de vista do observador, ela é percebida de maneira 16 diferenciada. [...] Esse movimento de relativizar as noções de distância e objetividade, se de um lado nos torna mais modestos quanto à construção de nosso conhecimento em geral, por outro lado permite-nos observar o familiar e estuda-los sem paranoias sobre a impossibilidade de resultados imparciais, neutros. [...] O estudo do familiar oferece vantagens em termos de possibilidades de rever e enriquecer os resultados das pesquisas. (VELHO, 2017, p.129-131) Para Yin (2001) é necessário que os estudos de caso individual sejam selecionados com rigor científico como em um laboratório para que não se cometa o erro de generalizações dos resultados do estudo. Ou seja, cada “caso é um caso” e deve ser tratado como tal. “Sob tais circunstâncias, o método de generalização é a generalização analítica, no qual se utiliza uma teoria previamente desenvolvida como modelo com o qual se devem comparar os resultados empíricos do estudo de caso” (YIN, 2005, p. 55). Embora seja fundamental definir limites, unidades de análise, critérios e fundamentos lógicos, para a realização de projetos de pesquisa, não se deve perder de vista a possibilidade de flexibilização do estudo. Velho (2017) não desmerece o rigor científico da pesquisa, mas relativiza as noções de distânciae objetividade, afirmando que sempre haverá uma dimensão mais ou menos ideológica e interpretativa dos dados. A familiaridade representa certa apreensão da realidade. Ao estudar o que está próximo o investigador se expõe ao confronto com outros pesquisadores, com leigos e até com o pensamento daqueles que são investigados, que podem discordar das interpretações dadas pelo investigador. É preciso que o pesquisador seja capaz de confrontar intelectual e emocionalmente diferentes versões e interpretações dos fatos e situações, no processo de estranhar o familiar. Ainda segundo Yin (2005), é fundamental que o investigador reflita sobre as habilidades para a realização de estudos de caso, como experiência prévia, sagacidade para fazer boas perguntas, capacidade de não se deixar levar por seus preconceitos e ideologias, flexibilidade para se adequar às situações adversas, dentre outras. Após a estruturação dos conceitos da pesquisa pelos pressupostos teóricos obtidos por meio da pesquisa bibliográfica o estudo de caso do espetáculo “A Mandioca Brava” se desenvolveu incialmente com a coleta de dados relativos ao objeto de estudo. O espetáculo foi registrado por meio de fotografias e filmagens, material de divulgação, reportagens de jornal, televisão, blogs e portais de mídia, além de anotações em caderno de processo, croquis e sketchs de cenário e figurino que serviram de guia para elaboração e execução do espetáculo e que contribuiu 17 para que essa dissertação obtivesse uma consistente fonte de informação. As informações obtidas com a coleta de dados tiveram como objetivo levantar questionamentos que servissem para orientar as perguntas utilizadas nas entrevistas e foram utilizadas no desenvolvimento das análises, bem como ilustrar os passos do processo de trabalho utilizados na montagem do espetáculo. Foram convidados todos os integrantes da ficha técnica envolvidos na montagem do espetáculo “A Mandioca Brava” que tivessem relação com o processo de criação da montagem. As entrevistas ocorreram de forma presencial, individual e/ou coletivas, foram gravadas, transcritas e posteriormente analisadas. Cada entrevista foi elaborada de acordo com o perfil do entrevistado seguindo as funções que cada um deles cumpriu no desenvolvimento da montagem. As entrevistas individuais ocorreram com todos os membros: o produtor do espetáculo (também ator na montagem), os outros seis atores, a preparadora corporal, o cenógrafo, o figurinista (também maquiador) e o compositor (também preparador musical). A entrevista coletiva ocorreu em dois dias distintos: no primeiro dia foi reunido todos os atores, o produtor e o compositor, tendo como tema abordado o trabalho colaborativo do grupo na construção do espetáculo, e no segundo dia reuniu parte dos atores e o compositor, focando a entrevista na construção musical do espetáculo, mas retomando em alguns momentos o tema do encontro anterior. Todos os entrevistados assinaram o termo de consentimento e livre esclarecimento apresentado no apêndice dessa dissertação, que foi submetido ao Comitê de Ética da UEMG por meio da Plataforma Brasil e aprovado, bem como a cessão de direitos de depoimento oral. Os entrevistados receberam todos os esclarecimentos sobre a pesquisa em todas as fases que ela se encontrava. Foram informados que os dados obtidos eram confidenciais e de responsabilidade dos profissionais que trabalharam na pesquisa e foram utilizados apenas para esse fim. A participação na pesquisa foi voluntária e houve um enorme interesse na participação por todos entrevistados. Embora fosse esclarecido que todo participante tinha a liberdade de recusar a responder alguma pergunta ou abandonar a pesquisa, nenhum deles o fez, evidenciando sua satisfação na participação. Polpart (2008) alerta que a pesquisa com análise qualitativa de entrevistas tem uma dualidade que tem de ser observada, pois por um lado aproxima das realidades sociais como uma porta de acesso, por outro elas não se deixam 18 apreender facilmente a partir das múltiplas interpretações produzidas pelos discursos. No entanto, o autor esclarece que nos quesitos epistemológicos, observando determinadas precauções como deixar o entrevistado seguro de que suas falas serão consideradas válidas, e estabelecendo um clima de confiança entre o entrevistador e o entrevistado, as entrevistas podem constituir um dos meios mais eficientes a fim de se obter o sentido de seus relatos. Como cocriadores artísticos do espetáculo, juntamente com o autor dessa dissertação, os entrevistados puderam compartilhar por meio de depoimentos, as experiências vividas no processo de trabalho, contribuindo para que a pesquisa contivesse, por meio de pontos de vista distintos do pesquisador, uma reflexão mais rica e detalhada de toda construção do espetáculo. O texto dessa dissertação encontra-se estruturado da seguinte forma: No capítulo 1, a partir dos pressupostos teóricos obtidos na pesquisa literária, pretendeu-se realizar uma reflexão sobre como o conhecimento em design pode ser utilizado na execução de uma produção cênica, analisando também as interfaces existentes entre design e artes cênicas na produção de um espetáculo teatral. Refletir sobre os processos de criação utilizados em um projeto teatral e os pontos de interseção correlacionados ao projeto de design. A partir dessas análises pôde-se conceituar o design em suas várias acepções contemporâneas como também a sua possível relação com as artes cênicas, articulando assim os campos de conhecimento convergentes e as conexões semelhantes a ambos universos. Além disso, como pode ser visto no capítulo 2, sentiu-se a necessidade de refletir com bastante profundidade sobre como o projeto teatral sofreu transformações no percurso da história, realizando uma análise diacrônica do desenvolvimento dos projetos teatrais em cada período, sua relação com o público, com o espaço físico e social e com a cultura de seu tempo. Compreendendo também como os conhecimentos advindos de diversas áreas de conhecimento, por meio de seus profissionais, trabalharam de forma conjunta e sistematizada com os profissionais do meio teatral, tornando-se de grande importância para a organização do projeto de um espetáculo. Percebendo como as inovações tecnológicas foram fundamentais no desenvolvimento das montagens cênicas, sendo elas transformadas e ressignificadas no decorrer do tempo, influenciando ainda mais as relações do espetáculo com espectador. 19 Compondo o capítulo 3, foi selecionado como objeto de estudo para análise e desenvolvimento deste trabalho o espetáculo teatral “A Mandioca Brava”, inspirado em um texto original renascentista e com produção da Spetáculo Casa de Artes. O autor dessa dissertação, foi um dos realizadores do espetáculo atuando como diretor/encenador e iluminador, coordenando uma equipe multidisciplinar de criação, que contou com a atuação de designers e não designers em parceria. Esse espetáculo foi selecionado entre os diversos já realizados pelo autor por alguns parâmetros que interessavam o pesquisador. Além de ter sido ele sua realização mais recente, o espetáculo possuía como atributo a diversidade de profissionais envolvidos na equipe de montagem, o que possibilitou atender a alguns critérios que são considerados essenciais para a realização de uma abrangente discussão sobre a utilização do pensamento do design na construção de uma produção cênica como: a característica sistêmica do projeto, trabalho colaborativo e a cocriação artística. A montagem possui seu processo de trabalho de criação pautado no desenvolvimento participativo e integrado entreos profissionais, com uma ampla variedade de formações em diferentes expertises: design, administração, comunicação, marketing, pedagogia, línguas, moda, música, artes e teatro. Outros parâmetros que influenciaram na escolha desse espetáculo como objeto de estudo em relação a outros foram: À percepção, ofertada por essa montagem, da utilização de características estéticas visuais e sonoras coesas e bem definidas, que foram alguns dos critérios utilizados para análise das entrevistas: cenografia, iluminação, figurino, maquiagem e caracterização. Possuir uma unidade de estilo perceptível relacionada à linguagem textual, com foco em questões de design e território principalmente a valorização da identidade e da cultura mineira. A montagem realiza uma imersão no universo da cultura regional, propondo amineirar9 um texto clássico da literatura, buscando referências visuais no artesanato, referências espaciais na arquitetura, referências de linguagem nas particularidades encontradas nas expressões idiomáticas do sotaque mineiro, e referências corporais e sonoras nas manifestações culturais que permeiam todo o Estado de Minas Gerais. 9 Amineirar - Dicionário Priberam da Língua Portuguesa: verbo - Dar aspecto de mineiro (natural do estado de Minas Gerais) a... Disponível em: <http://dicionario.priberam.pt/amineirar> acesso em: 17 de jun 2017. 20 1 O ESPETÁCULO TEATRAL E O PROJETO DE DESIGN Para Flusser (2013) o ato projetual ou ato de projetar é também um dos muitos significados de como a palavra design pode ser compreendida. Mas seu significado é amplo, refletindo também nas habilidades e competências que são desenvolvidas pelo profissional dessa área. Em inglês, a palavra design funciona como substantivo e também como verbo (circunstância que caracteriza muito bem o espírito da língua inglesa). Como substantivo significa, entre outras coisas, propósito, plano, intenção, meta, forma, estrutura básica. [...] Na situação de verbo – to design – significa, entre outras coisas, tramar algo, simular, projetar, esquematizar, configurar, proceder de modo estratégico (FLUSSER, 2013, p. 181). Scapin Junior (2001) relaciona então o pensamento de Flusser, na origem semântica que a palavra “design” possui e suas diversas significações, ao fazer teatral, estabelecendo relações significativas entre o pensamento de projetar no universo das artes cênicas como um pensamento de projeto no design. Na análise de um projeto de montagem cênica, é admitida hoje uma pluralidade de métodos que proporcionam um alargamento dos paradigmas referentes à representação, relacionados à visualidade, a audição, ao ritmo e à sinestesia, por isso para Pavis (2003) a análise de espetáculos é um tema que ainda necessita maior discussão. Um espetáculo possui uma complexidade além daquela percebida pelo espectador que, por não conseguir identificar toda logística por trás da construção do projeto teatral, cria uma opinião pessoal da experiência gerada da relação palco-receptor. É necessário, portanto compreender os conceitos aplicados à cena teatral por parte do encenador e sua equipe de criação e os elementos que compõem o espetáculo e a sua percepção, estabelecendo uma relação maior do receptor com a montagem cênica. Não é necessário que o espectador tenha conhecimento de todos os detalhes do planejamento estabelecido pelo autor do texto teatral, pela dramaturgia para que se possa efetuar uma avaliação do espetáculo cênico, mas sim ter a consciência de uma vivência na experiência cênica proposta pelo ato projetual da encenação teatral. De acordo com Scapin Junior (2001) o olhar do espectador tende a eleger elementos preferenciais na cena, que auxiliem ao entendimento do espetáculo, transmissores de informações e portadores de significados, fazendo alusão ao olhar 21 da plateia que identifica ou percebe os significados que foram propostos pelos criadores do espetáculo ao traduzir, por meio da visualidade ou plasticidade do projeto cênico, as mensagens embutidas no texto, estabelecendo entre o emissor e o receptor da mensagem, uma cumplicidade. 1.1 O espetáculo teatral como projeto visual Para Roubine (1998), o espetáculo teatral é composto por uma visualidade cênica unificada que tem origem como decorrência do trabalho conjunto de seus criadores sob a orientação do encenador e desenvolve um pensamento sobre a forma de estabelecer essa unidade estética no espetáculo teatral. Afirma que a encenação teatral aparece como uma convergência para um mesmo propósito de elementos autônomos, como a interpretação proposta pelo ator, pela sonoplastia e o trabalho visual encontrado na cenografia, na iluminação e na caracterização. Mas para que essa justaposição de elementos possua uma unidade orgânica e estética é necessário impor aos criadores uma vontade soberana estabelecida na figura do encenador e na sua intencionalidade criadora. Pode-se então defender na construção cênica, como também recorda Pavis (2003), a abrangência de toda a configuração plástica e estética da cena, da visual a sonora, bem como todos os demais estímulos ao qual o espectador pode ser submetido, e também aqueles estímulos que possam despertar através da memória, sensações que auxiliem na compreensão da cena. Pallottini (1989) ressalta a visualidade como importante meio de comunicação entre o espetáculo e o espectador, já que a cenografia, a iluminação e a caracterização são a primeira impressão proposta pela cena no processo de comunicação. Em primeiro lugar, é bom que se note: o primeiro meio de apreensão que tem o espectador, a sua primeira forma de atingir essa criatura que é o personagem, é a visual. O personagem se mostra, assim, inicialmente, sob o seu aspecto, digamos, físico (PALLOTTINI, 1989, p. 64). É importante introduzir o conceito apresentado por Pavis (2001) de cenografia como “grafia da cena”, caracterizando a linguagem visual como imprescindível no entendimento de design cênico. O termo grafia também é citado por Dondis (2007) como forma de expressão do artista, de linguagem. Sob sua perspectiva “[...] a linguagem ocupou uma posição única no aprendizado humano. Tem funcionado como meio de armazenar e transmitir informações, veículo para intercâmbio de 22 ideias e meio para que a mente humana seja capaz de conceituar” (DONDIS, 2007, p.14). Os conceitos de sintaxe e linguagem da imagem podem ser utilizados para orientar a relação entre o espetáculo teatral e o design na medida em que compreendem a mensagem visual contida na linguagem da cena, as técnicas envolvidas e as funções práticas, simbólicas, estéticas e poéticas do espetáculo teatral (DONDIS, 2007). Abrantes (2001, p.14) acrescenta; “transpor os aspectos da obra, do histórico, do diretor, do circunstancial do grupo em favor do estético é função permanente da criação teatral. É função poética, é produção de sentidos, de metalinguagem. O fazer artístico é sempre atitude de investigação”. Também para Flusser (2013) o olhar observa e cria significações para a imagem, pois ele estabelece um rumo para as percepções de quem observa. Para Scapin Junior (2011) as questões projetuais são condutoras da criação cênica. O design fará interfaces com diversas áreas do conhecimento pelo seu caráter projetual, ou seja, toda atividade que exige planejamento para certo fim é um processo de design: O ato projetual, imbuído pelos processos de criação e de direção de um espetáculo de artes cênicas, demonstra ser a linha norteadora para a elaboração detalhada do espetáculo. É a partir dele que se estabelecem os critériospara a configuração das equipes de profissionais que atuarão no projeto, assim como as primeiras expressões artísticas adequadas às características necessárias para o início de uma articulação farsesca, que caminhará para a formação da trama e possibilitará que a história seja contada de forma lúdica, criativa, envolvente e surpreendente (SCAPIN JUNIOR, 2011, p 118). Tudella (2012, p.2) afirma que “Aplicar o termo design na cena implica um processo criativo, incluindo questões de estilo, afirmações poéticas, e pode sugerir inventividade”. Lupton e Phillips (2008) acreditam no poder agregador dos princípios do design para um reencontro com a forma e o pensamento visual no processo de criação. Johnson (2011) acrescenta que o design mostra-se no casamento da forma e conteúdo forma e matéria, pois abrange tudo o que informa os sentidos, e em termos de teatro geralmente significa todos os aspectos construtivos de uma produção cênica, abrangendo diversos elementos como o cenário, a caracterização, a iluminação e a sonoplastia. Percebe-se então que para se compreender todo o processo de realização de uma montagem teatral como um sistema integrado, como projeto, é necessário refletir sobre como os elementos da criação do projeto teatral se comunicam com o espectador e qual a mensagem proposta pelo criador/projetista na concepção de um espetáculo. 23 Ubersfeld (2005) aponta para um elemento que tem função primordial na compreensão da encenação teatral no decorrer da história: o espaço cênico, com suas transformações e novas conceituações, já que ele se comporta como um canal de mediação em um processo de comunicação, agindo como elemento organizador da percepção nas experiências compartilhadas entre o espectador e o espetáculo, tanto individualmente como coletivamente, e reconhece que ele é a base em um processo comunicacional. Palladino (2001) descreve ainda sobre a importância da relação entre o espaço e a cena através da história relatando que as características cênicas do espaço estão relacionadas à sua época, as configurações socioculturais de uma determinada população que compõe o público do espetáculo, citando como um dos exemplos a diferença do olhar do espectador no teatro grego para o olhar do espectador no teatro romano e em diversas outras épocas da história. Já no período contemporâneo, com a enorme possibilidade de ocupação espacial, Hamburger (2014) relaciona o espaço diretamente com outro elemento imprescindível na criação cênica: a iluminação e o jogo de claro e escuro que proporciona a condução do olhar do espectador, estabelecendo uma relação de atividade conjunta e indissociável. No teatro, a luz edita o lugar, dirigindo o olhar às cenas. Atmosferas de claro-escuro desvendam o desenho do espaço, remodelando as relações entre os elementos que o compõem, seja no palco italiano, arena ou no site specific. A cada instante o ambiente é reconformado em quadros de tridimensionalidade presente, seja por obra da matéria, seja pela ação da luz ou dos corpos (HAMBURGUER, 2014, p. 26). Para Luciani (2013) na passagem do século XIX para o XX a iluminação ganha avanços tecnológicos que possibilitaram ao espetáculo teatral explorar novas possibilidades comunicativas a partir da utilização da iluminação cênica e sua função simbólica. A autora estabelece uma analogia entre o trabalho de iluminação teatral e o projeto de design ao observar que o caráter informativo e comunicacional presentes em um espetáculo permite que o design penetre também nesse universo, compreendendo que o caráter utilitário ou técnico de um projeto não reduz, de forma alguma, seu valor artístico ou estético. Pois é possível equilibrar a abordagem subjetiva e objetiva de um projeto no desenvolvimento de uma linguagem para a cena, proporcionando um caráter sensorial e ao mesmo tempo informativo. Outro elemento visual ligado ao espaço cênico é o projeto cenográfico desenvolvido para um espetáculo. Para Del Nero (2010) os aspectos gerais relacionados com a cenografia teatral e sua história têm ligações com o 24 desenvolvimento da linguagem da dramaturgia, trazendo fatos relevantes sobre tecnologia e arte contextualizadas pelo ambiente que envolve o mundo cenográfico. Enfatiza que no seu papel o profissional de cenografia deve apresentar um perfil multidisciplinar. A descrição da evolução de técnicas, tecnologias e interações espaciais da cenografia dá uma visão holística de como funciona a mente de um cenógrafo e de como o cenário irá servir de base semântica para o espetáculo. Mantovani (1989) afirma que a cenografia está presente em todos os meios de entretenimento: cinema, ópera, balé, teatro, televisão, videoclipes e shows. Mas ele é um elemento que faz parte do espetáculo como um conjunto de elementos articulados em um mesmo propósito, indissociável com o resultado final da montagem cênica. O trabalho é interdisciplinar, aspecto fundamental da área de design. “[...] um espetáculo é composto por vários elementos organizados e orquestrados de tal forma que o espectador possa apreciá-los no seu conjunto. Pode-se dizer que todo e qualquer tipo de espetáculo é o resultado de um trabalho coletivo” (MANTOVANI, 1989, p. 5). Ratto (1999) considera que para a montagem do espetáculo há que se considerar não apenas os aspectos artísticos, mas também os aspectos técnicos e econômicos do projeto cenográfico. Um projeto cenográfico não se fundamenta somente sobre uma correta interpretação. Teatro é também uma pequena indústria na qual a escolha dos materiais, seus custos e, enfim, um orçamento geral impõe um determinado comportamento criativo (RATTO, 1999, p.122). Esse pensamento aproxima o cenógrafo das expectativas de atuação de um designer, pois deve pensar também no desenvolvimento do projeto cenográfico, em questões sistêmicas ao projeto do espetáculo como um todo, adequação espacial e custos relacionados a uma produção teatral. Di Benedetto (2012) acrescenta que por convenção desenvolveu-se a ideia de que o cenógrafo (set-designer) lidera o processo de criação visual, já que muitas vezes é por meio dele que os espectadores têm o primeiro contato com a proposta cênica quando entram em um teatro. Este primeiro olhar para a produção pode definir o seu tom, revelar o tempo ou local no espaço, configurar o estilo básico, estabelecer o humor e a atmosfera, e introduzir o conceito da produção. Pode sugerir muito sobre o tipo de pessoas que vão habitar este mundo de palco antes de encontrá-los. Para Johnson (2011) e Brewster e Shafer (2011) o designer cênico é a pessoa que cria e organiza os aspectos visuais ou auditivos de um espetáculo em 25 um processo de colaboração com o diretor e os outros criadores para o desenvolvimento de um conceito de produção que integre atores, texto e ambiente. Outro elemento cênico constituinte da visualidade da cena é o figurino, pois de acordo com Abrantes (2001) cada peça de vestuário dialoga com a cena através de seus aspectos estéticos, de sua plasticidade, auxiliando a contextualizar no tempo e no espaço a cena sugerida, tornando possível caracterizar a identidade dos personagens. O figurino oferece referências históricas e culturais para o espetáculo, afirmando que recorre frequentemente aos estudos da história da indumentária no desenvolvimento de seus projetos, mas ressalta que o figurino não pode ser mais relevante que os demais elementos teatrais, afirmando que ele é um recurso importante na composição da personagem, permitindo que ela seja projetada na encenação, auxiliando o ator na sua composição. Para Muniz (2004), o figurino pode representar a realidade no teatro mesmo queseja a mais abstrata e imaginária. O figurinista deve se preocupar para que sua criação, não provoque conflito com os demais elementos de construção do espetáculo (por falha de pesquisa histórica e conceitual) distorcendo o perfil psicológico do personagem, resultando em significados deturpados da cena por meio da utilização de símbolos equivocados, já que o figurino auxilia o espectador na compreensão do espetáculo criando laços entre eles. Abrantes (2001) acrescenta ainda que o figurino tem que trabalhar junto com os demais elementos cênicos em favor do espetáculo, pois representa um elemento artístico integrado a todo projeto cênico em comunicação com a luz, com o cenário, com a música e com a proposta de encenação. Reflete que a indumentária utilizada pelo ator, sua caracterização, manipula símbolos artísticos e elementos gráficos redimensionando arquétipos mitos e crenças, recriando o mundo em cena. Brewster e Shafer (2011) alertam para as questões de estilo e unidade dos elementos que compõem o espetáculo teatral. Há a necessidade de um trabalho conjunto em relação à concepção de um espetáculo, como um sistema integrado, que pode ter muitas linguagens, realista ou não, mas que deve seguir um estilo próprio e integrado. Os profissionais devem atuar em harmonia para que o espetáculo que está sendo encenado não perca o sentido para o espectador, e cita como exemplo um espetáculo que possui cenários, figurinos e iluminação expressionistas e uma atuação naturalista, considerando que isso não faz o menor sentido e só provoca a desorientação do espectador. 26 Kowzan (2003) apresenta o conceito de que tudo no espetáculo teatral é signo (cenografia, iluminação, caracterização, sonoplastia, etc.), e que a arte teatral é aquela entre todas as artes ou mesmo todos os domínios da atividade humana, onde o signo se manifesta com maior riqueza, densidade e variedade. É importante então ter conhecimento de como esses elementos cênicos se comportam no processo de comunicação, podendo então ser denominados como: signos teatrais. 1.2. Signos no design e os elementos ou signos teatrais Viégas (2004) e Niemeyer (2003) esclarecem que nos projetos de design o signo possui um caráter de representação, sempre representa alguma coisa para alguém em um determinado contexto, bastando algo estar em evidência para gerar algum efeito em nossa mente, é inerente, muitas vezes nem mesmo é consciente e proposital no projeto desenvolvido, basta algo, ou um objeto encontrar um receptor que um significado será gerado, esse é o efeito da natureza do signo, e segundo Peirce “[...] estar em lugar de, isto é, estar numa tal relação com um outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como se fosse esse outro” (PEIRCE, 1977, p.61). Löbach (2001) apresenta a ideia de que design é um projeto ou um plano para solução de um problema determinado e que o produto de design consistiria na materialização de uma ideia para que, com a ajuda dos meios correspondentes a categoria do projeto permitisse a transmissão de seus significados aos usuários. O projeto de design teria então uma função simbólica, quando a espiritualidade do homem é estimulada pela sua percepção a esse projeto, ao estabelecer ligações coma as suas experiências e sensações anteriores. A função simbólica do objeto possibilita ao homem por meio de sua capacidade cognitiva e perceptiva fazer associações com suas experiências passadas. A função simbólica significante resultaria dos aspectos estéticos do objeto. A função estética está na relação entre usuário-produto, no que se diz respeito aos processos sensoriais. Bonsiepe (2011) esclarece que o design possui uma função como ferramenta cognitiva, acrescentando que partindo da diferença semiótica entre sintaxe e semântica, as técnicas retóricas podem ser caracterizadas como uma estratégia de comunicação sedutora para um projeto de design. Elas podem ser traduzidas mediante operações com o conteúdo do signo, seu significado, sua semântica. 27 Bürdek (2006) destaca que muitas vezes o projeto de design pode conter vários significados, cita como exemplo a criação de um trono, que nada mais é que uma cadeira ou produto, objeto para se sentar. Mas os significados propostos para aquele objeto devem conter alguns elementos plásticos que determinam outros significados, que passam a representar algo além do que simplesmente um assento. Elementos que são decodificáveis e transferíveis à observação daquele que interpreta a mensagem. Esses elementos acrescentados são diferentes daqueles transmitidos por um produto padrão de uso, apenas com função de assento. Isso levanta um questionamento sobre a finalidade dos significantes que podemos acrescentar a um projeto de design. Acrescenta ainda que o design está presente em todas as atividades cotidianas do ser humano: trabalho, lazer, educação, saúde, esporte, transporte, em suma, em ambientes públicos e privados, uma vez que tudo é fruto de configuração realizadas de forma consciente ou inconsciente. Gomes Filho (2006) afirma que na análise simplificada e transposta, o projeto de um produto, é considerado como um objeto portador de signos, e configura em um gráfico (FIGURA 01) onde demonstra o esquema tricotômico dos signos no design. Figura 01 – Tricotomia dos signos Fonte: (GOMES FILHO, 2006, p. 115) 28 Essas são as três dimensões semióticas do produto também discutidas por Niemeyer (2003), a dimensão sintática, a dimensão semântica e a dimensão pragmática, que esclarece ainda serem elas amplamente dependentes umas das outras. Na realidade a decomposição da estrutura do signo e o estabelecimento de relações diferenciadas são apenas procedimentos didáticos, pois existe uma interdependência das relações sígnicas no objeto. “[...] as funções do produto em uso não podem ser explicadas somente tendo por base as suas propriedades técnicas. Não se pode compreender a pragmática de um produto se todas as suas outras dimensões não forem consideradas” (NIEMEYER, 2003, p.45). Em semelhança ao universo do projeto de um produto no design, Bogatyrev (2003) afirma que tudo no teatro é signo de signo, embora algumas vezes elementos possam ser utilizados como signo de objeto. O autor cita o exemplo de uma cena onde um homem faminto come um pedaço de pão. O pão nesse caso pode simplesmente ser signo do objeto que está matando a fome do homem. No entanto, essa significação direta é a menos explorada pela maioria dos encenadores contemporâneos. O que geralmente ocorre é a utilização do conceito de signo de signo, já que em sua maioria os objetos não são elementos verdadeiros. Eles são objetos fabricados para se parecerem com o objeto real, ou seja, um adereço de cena, e podem transmitir diversos significados simultâneos. Um exemplo da presença simbólica de um objeto em cena: a utilização de um anel, que tanto pode ser o símbolo de um casamento, como de uma lembrança remota, ou pode ganhar significado de herança ou condição social. Uma diversidade de possibilidades que poderão ser reveladas no decorrer da trama. Além disso, mesmo que o anel possua uma pedra de brilhante verdadeiro como na realidade, o público irá identificar naquele objeto a condição de signo de signo, de algo fabricado para a cena, não se importando com o valor real do objeto, principalmente porque, em sua maioria, nem acreditaria que a produção do espetáculo ousaria colocar em cena um brilhante verdadeiro. A indumentária teatral e a casa-cenário são muitas vezes, signos que remetem a um dos signos contidos no trajeou na casa da personagem introduzida na peça. Repito: signo de signo, e não signo de objeto. [...] Em cena não se utilizam somente trajes, cenários e acessórios, que sejam apenas signo ou um conjunto de vários signos e não objetos sui generis; utilizam-se também objetos reais. Entretanto, os espectadores não olham essas coisas reais como coisas reais, mas somente como signos de signo ou signos de objeto (BOGATYREV, 2003, p. 71-72). 29 Portanto, um traje ou um acessório utilizado pelo ator pode conter significados distintos ou simultâneos no decorrer do espetáculo, pode significar a regionalidade, a condição financeira, a profissão daquela personagem ou mesmo o pertencimento a um mesmo grupo social. Os objetos têm múltiplas funções no espetáculo, tanto as funcionais que participam da ação dramática como as sígnicas que caracterizam o personagem. Kowzan (2003) também aborda esse contexto ao dizer que todo signo no teatro é artificial, considerando a distinção entre signos naturais ou artificiais. “os signos naturais são aqueles que nascem e existem sem participação da vontade, [...] são emitidos involuntariamente” (KOWZAN, 2003, p. 101). Essa categoria estaria relacionada aos fenômenos da natureza (chuva, vento, raios e trovão). A localização onde o espetáculo está sendo realizado, quando fora do edifício teatral (em um parque, na praça de uma cidade ou numa Igreja), ou as características físicas do ator (sexo, raça ou alguma deficiência) são incontroláveis, e têm significados para aqueles que assistem a montagem teatral, mas não propriamente na dramaturgia do espetáculo. Como os elementos utilizados na encenação teatral são pensados por aqueles que participam da sua construção percebe-se então serem signos artificiais, criados pela equipe para significar algo ao espectador. A palavra dita em cena, pensada como signo, pode sofrer interferência da entonação em sua pronuncia, e revelar outros significados. Um objeto qualquer pode representar ou significar coisas distintas, dependendo da forma como é manipulado pelo ator, ou ainda à referência dada a esse objeto pela dramaturgia. Honzl (2003) esclarece que tudo que é construído em cena são realidades que representam outras realidades, passando por todas as áreas referentes ao desempenho do ator. As criações visuais, sonoras e dramatúrgicas, o trabalho do encenador na elaboração e orquestração de todas as realidades da cena, são um conjunto de signos. Aborda ainda as questões relacionadas ao estilo ou questões estilísticas da cena, principalmente quando essa foge ao real, abordando características visuais não realistas. Uma ogiva gótica representava toda uma Igreja, [...] um chão verde significava um campo de batalha, [...] armas inglesas sobre uma cortina de seda bastavam para designar uma cena numa sala do palácio. [...] Assim, uma parte representava um todo; mas uma parte podia significar ao mesmo tempo vários todos. [...] O cenário indicativo de uma direção estilizada buscava sempre, tanto quanto possível, meios unívocos (HONZL, 2003, p. 130-131). 30 Ou mesmo quando se lidava com elementos abstratos para compor uma cenografia ou figurino, eles também poderiam promover um significado a partir da manipulação do ator ou pela concepção cênica de um encenador. O construtivismo excluiu de cena todos os signos pintados ou coloridos. [...] Frequentemente, porém, a simples forma da construção não bastava para criar signos. [...] Que elementos da estrutura cênica, pois, a não ser a cor e a forma, podem assim preencher uma função significante, se não forem nem cor, nem forma? [...] A função significante do cenário e dos elementos é determinada somente pelos gestos dos atores ou pela utilização que fazem deles; e mesmo então, essa função não seria unívoca (HONZL, 2003, p. 131 - 132). Essa característica visual abstrata que se podia perceber, não era considerada uma abstração para os encenadores e criadores que elaboravam esses espetáculos, pois tinham uma função totalmente concreta para a cena, como afirma Honz (2003). Elas não eram determinadas pela sua forma nem pela sua coloração, mas sim pelo modo como era manuseado pelo ato. Assim, qualquer objeto poderia se tornar um signo de signo. Um pedaço de madeira qualquer poderia significar uma espada, um caixote de madeira um banco ou mesmo uma cama e um gesto vazio de objetos concretos, o dedo em riste apontado em uma direção específica poderia significar uma arma. Além do contexto estilístico todas as montagens teatrais possuem elementos construtivos distintos que podem ser denominados signos teatrais e seus sistemas como informa Kowzan (2003) que apresenta de forma simplificada esses signos ou elementos construtivos do espetáculo em um esquema (FIGURA 02) agrupando-os de forma que fique compreensível em termos de pertencimento, domínio e influência. Estabelece-se uma distinção que diz respeito à percepção sensorial dos signos auditivo-visuais, relacionando o acontecimento de determinado signo ao espaço, ao tempo ou a ambos. O autor subdivide esses elementos em dois grandes conjuntos de signos: os primeiros são os signos auditivos, que podem pertencer ao universo do ator como a palavra e a entonação, ou pertencer à concepção da encenação teatral como a música e a sonoplastia; os segundos são os signos visuais, que podem se subdividir em três possibilidades: aqueles pertencentes unicamente ao universo do ator como a expressão facial, o gesto e a movimentação; aqueles pertencentes à aparência externa do ator como o figurino ou indumentária, a maquiagem e o penteado; e aqueles que pertencem ao espaço cênico que são os acessórios, os cenários e a iluminação. 31 Figura 02 – Signos e seus Sistemas Fonte: (KOWZAN, 2003, p. 117) Embora Kowzan (2003) apresente esta tentativa de sistematizar os fenômenos semiológicos de um espetáculo teatral, ele alerta para o fato de uma possível intercambiabilidade entre eles, onde essas características de montagem, encaixe ou substituição entre os elementos pode ocorrer sem o prejuízo da identificação por parte do espectador. O autor cita como um dos exemplos desta intercambiabilidade dos signos a característica da palavra ter maior força em cena. Quando o ator diz em cena a palavra “cama” em uma determinada frase do texto, e em sua movimentação em cena se desvia de um objeto imaginário, ou se deitar no chão, a plateia pode imaginar a existência do objeto, mesmo sem a existência real dele. Outros exemplos da intercambiabilidade dos signos podem ser observados quando a presença mais marcante de um determinado elemento possibilita a percepção de substituição deste elemento por outro: a luz quando focalizada em um determinado local, limitando o espaço visível pelo público, pode substituir a existência física das paredes de um cenário; o gesto do ator pode remeter o espectador a uma espacialidade invisível, como acontece na mímica. A sonoplastia, com sons de pássaros ou de tempestades transmitem a percepção de um espaço visual que não é apresentado de forma concreta na cena. A partir do quadro 32 apresentado com os elementos teatrais, e suas associações por pertencimento, domínio e influência, percebe-se que cada um dos signos pode possuir um significado ou uma somatória de significados segundo sua função e uso dado a ele pelo profissional responsável por desenvolvê-lo e apresentá-lo na cena. 1.3 Competências do design Como estabelece Löbach (2001), o profissional de design pode ser considerado como um produtor de ideias, além de possuir capacidade criativa possui grande sua capacidade intelectual, já que, em seu desenvolvimento projetual,
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