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2010 GeomorfoloGia Prof. Arildo João de Souza Prof.ª Rosimar Bizello Müller Copyright © UNIASSELVI 2010 Elaboração: Prof. Arildo João de Souza Prof.ª Rosimar Bizello Müller Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. 551.4 S7293g Souza, Arildo João de. Geomorfologia/ Arildo João de Souza [e] Rosimar Bizello Müller. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial:Grupo UNIASSELVI, 2010.x ; 265. p.: il Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-304-4 1. Geomorfologia 2. Geologia – Ciências da Terra I. Centro Universitário Leonardo da Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título III apresentação A Geografia é uma ciência tão fascinante quanto dinâmica ao nos proporcionar o conhecimento, desde a estrutura do núcleo da Terra e seu funcionamento, até o topo da atmosfera, passando pelos vários ecossistemas e naturalmente a origem das variadas formas da superfície rochosa do planeta, objeto de estudo desta disciplina. Originado das palavras gregas geo (Terra), morfo (forma) e logia (estudo), a Geomorfologia é, portanto, o estudo das formas da Terra ou do relevo terrestre. Todo conhecimento científico necessita de uma base conceitual, construída pelos primeiros desbravadores do conhecimento, sobre o funcionamento de nosso planeta, e, porque não dizer, de nossa única casa. Abordaremos os fundamentos conceituais, ou seja, origem e evolução do conhecimento das formas do relevo terrestre, ressaltando os principais ícones mundiais e nacionais deste importante conhecimento. Afinal, vivemos na superfície da Terra e dependemos do equilíbrio entre as forças naturais envolvidas para continuar sustentando a vida. Sabemos que a crosta terrestre é formada por grandes blocos rochosos que flutuam sobre o manto, chocando-se uns com os outros, criando cordilheiras na costa oeste de um continente e fossas abissais na costa leste, por exemplo, alterando constantemente a superfície do planeta. Estudaremos, portanto, as forças internas ou endógenas e as forças externas que atuaram e atuam para criar as mais belas formas de relevo, sejam elas continentais, costeiras ou submarinas, muitas musas de grandes poetas, mas que também escondem riquezas e os segredos da história geológica da Terra. Estudaremos também a degradação ambiental provocada pela civilização que mudou a face do planeta e ameaça o futuro da espécie humana. Por último, estudaremos as diferentes técnicas de recuperação ambiental, empregadas para restaurar a vitalidade de áreas que se tornaram estéreis. É importante salientar que as informações apresentadas neste caderno são abordadas de forma sintética e resumida, portanto, não significam um fim em si mesmas, mas a abertura de muitas portas, através das quais você deve entrar e se aprofundar, procurando realizar a leitura e estudo de outros autores. Bom estudo. Arildo João de Souza e Rosimar Bizello Müller IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA V VI VII sumário UNIDADE 1 - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA .................................. 1 TÓPICO 1 - GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO ......... 3 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 3 2 DEFINIÇÃO E NATUREZA DA GEOMORFOLOGIA ............................................................ 3 3 A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO ............................................. 4 4 SISTEMAS EM GEOMORFOLOGIA .......................................................................................... 7 4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DOS SISTEMAS .... 8 4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS EM GEOMORFOLOGIA ................................ 9 4.3 O SISTEMA GEOMORFOLÓGICO ................................................................................... 9 5 TEORIAS E MODELOS GEOMORFOLÓGICOS ...................................................................... 10 6 O MODELO DE WILLIAM MORRIS DAVIS: CICLO GEOGRÁFICO E PENEPLANO ... 11 6.1 MODELO DE WALTHER PENCK ..................................................................................... 14 6.2 O MODELO DE LESTER CHARLES KING: PEDIPLANAÇÃO ............................. 16 6.3 O MODELO DE JOHN T. HACK: A TEORIA DO EQUILÍBRIO DINÂMICO .. 19 6.4 SÍNTESE DOS MODELOS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA ............ 20 7 CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS GEOMORFOLÓGICAS .................................................... 21 8 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA E SUA APLICABILIDADE .. 23 9 A GEOMORFOLOGIA NO CONTEXTO DA GEOGRAFIA ................................................... 26 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 27 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 29 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 31 TÓPICO 2 - PROCESSOS MORFOGENÉTICOS ATUANTES NA FORMAÇÃO E DESGASTE DO RELEVO ................................................................................................................... 33 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 33 2 O PAPEL DOS PROCESSOS ENDÓGENOS NA FORMAÇÃO DO RELEVO .................... 34 2.1 A ATUAÇÃO DOS FENÔMENOS MAGMÁTICOS ..................................................... 35 2.2 A ATUAÇÃO DOS FENÔMENOS METAMÓRFICOS ................................................ 36 2.3 A ATUAÇÃO DO TECTONISMO ....................................................................................... 36 2.3.1 A atuação da orogênese e epirogênese ............................................................................. 37 2.3.2 A atuação dos falhamentos e dobramentos .....................................................................38 2.3.3 A tectônica de placas e a evolução do relevo ................................................................... 40 3 PROCESSOS EXÓGENOS E SEUS EFEITOS NO RELEVO .................................................... 40 3.1 EROSÃO E DENUDAÇÃO .................................................................................................... 41 3.2 TIPOS E FORMAS DE EROSÃO ......................................................................................... 42 3.2.1 O trabalho erosivo das águas ............................................................................................. 43 3.2.1.1 Erosão pluvial .................................................................................................................... 43 3.2.1.2 Erosão fluvial ..................................................................................................................... 45 3.2.1.3 Erosão marinha ................................................................................................................. 46 3.2.2 Erosão glacial ........................................................................................................................ 47 3.2.3 A erosão eólica ..................................................................................................................... 48 3.2.3.1 Registros erosivos ............................................................................................................. 49 3.2.3.2 Registros deposicionais .................................................................................................... 50 VIII RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 52 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 53 TÓPICO 3 - ANÁLISE DE VERTENTES E OS MOVIMENTOS DE MASSA ......................... 55 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 55 2 VERTENTES ....................................................................................................................................... 55 2.1 MORFOGÊNESE DAS VERTENTES................................................................................. 56 2.2 EVOLUÇÃO DAS VERTENTES .......................................................................................... 61 2.3 A FORMA DAS VERTENTES .............................................................................................. 62 2.4 DINÂMICA DAS VERTENTES........................................................................................... 68 2.5 A IMPORTÂNCIA GEOLÓGICA DO ESTUDO DAS VERTENTES ..................... 70 3 MOVIMENTO DE MASSA ............................................................................................................. 70 3.1 FATORES CONDICIONANTES ......................................................................................... 72 3.2 TIPOS DE MOVIMENTO DE MASSA ............................................................................. 72 3.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE ESCORREGAMENTOS E DESLIZAMENTOS .................................................................................................................. 77 3.4 EXEMPLOS DE MOVIMENTOS DE MASSA OCORRIDOS NO BRASIL ......... 77 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 82 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 84 UNIDADE 2 - A GEOMORFOLOGIA FLUVIAL, GEOMORFOLOGIA LITORÂNEA E CÁRSTICA; A COMPARTIMENTAÇÃO DO RELEVO E A GEOMORFOLOGIA BRASILEIRA .................................................................................................. 87 TÓPICO 1 - A GEOMORFOLOGIA FLUVIAL .............................................................................. 89 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 89 2 A GEOMORFOLOGIA FLUVIAL .................................................................................................. 89 2.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS RIOS ........................................................ 90 2.2 OS PADRÕES DE DRENAGEM DOS RIOS .................................................................... 91 2.3 OS TIPOS DE LEITOS FLUVIAIS ...................................................................................... 94 2.4 OS TIPOS DE CANAIS FLUVIAIS .................................................................................... 95 2.4.1 Canais retilíneos ................................................................................................................... 95 2.4.2 Canais meandrantes ............................................................................................................ 96 2.4.3 Canais anastomosados ........................................................................................................ 98 2.4.4 Canais entrelaçados ou ramificados ................................................................................. 98 2.5 LEQUES ALUVIAIS E DELTAICOS ................................................................................. 98 2.6 OS DEPÓSITOS ALUVIAIS .................................................................................................. 100 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 103 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 105 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 106 TÓPICO 2 - GEOMORFOLOGIA LITORÂNEA E CÁRSTICA .................................................. 109 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 109 2 A GEOMORFOLOGIA LITORÂNEA ................................................................................... 109 2.1 DESCRIÇÃO DO PERFIL LITORÂNEO .......................................................................... 110 2.2 OS PROCESSOS MORFOGENÉTICOS RESPONSÁVEIS PELA MORFOGÊNESE LITORÂNEA .............................................................................................................................. 111 2.2.1 As forças marinhas atuantes na morfogênes litorânea .................................................. 113 2.3 ALGUMAS FEIÇÕES LITORÂNEAS ............................................................................... 115 2.3.1 As planícies costeiras ........................................................................................................... 115 2.3.2 As escarpas e as falésias ...................................................................................................... 116 2.3.3 Restinga ................................................................................................................................. 117 IX 2.3.4 Tômbolo ................................................................................................................................. 118 2.3.5 Pontal ..................................................................................................................................... 118 2.3.6 Baía ......................................................................................................................................... 119 2.3.7 Golfo ......................................................................................................................................120 2.3.8 Enseada ................................................................................................................................. 120 2.3.9 Recifes .................................................................................................................................... 121 2.3.10 Laguna ................................................................................................................................. 122 2.3.11 Atol ....................................................................................................................................... 122 2.3.12 Praia ..................................................................................................................................... 123 2.3.13 Dunas costeiras .................................................................................................................. 124 3 A GEOMORFOLOGIA CÁRSTICA .............................................................................................. 124 3.1 OS SISTEMAS CÁRSTICOS ................................................................................................. 125 3.2 DISSOLUÇÃO DE ROCHAS CARBONÁTICAS .......................................................... 126 3.3 DESENVOLVIMENTO DE SISTEMAS CÁRSTICOS ................................................. 127 3.4 AS CAVERNAS E OS CONDUTOS ................................................................................... 128 3.4.1 Sistemas de cavernas ........................................................................................................... 128 3.5 AS FORMAS DE RELEVO CÁRSTICO ............................................................................ 129 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 133 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 136 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 137 TÓPICO 3 - COMPARTIMENTAÇÃO DO RELEVO .................................................................... 141 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 141 2 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A .................................................................................. 141 COMPARTIMENTAÇÃO TOPOGRÁFICA DO RELEVO .......................................................... 141 3 CARACTERÍSTICAS MORFOESTRUTURAIS DAS BACIAS SEDIMENTARES .............. 142 3.1 RELEVO TABULAR OU TABULIFORME ...................................................................... 143 3.2 RELEVO DO TIPO CUESTA ................................................................................................ 146 4 CARACTERÍSTICAS MORFOESTRUTURAIS NAS ÁREAS DE DEFORMAÇÃO TECTÔNICA .......................................................................................................................................... 147 4.1 RELEVO DO TIPO HOG-BACK .......................................................................................... 147 4.2 DOMO ........................................................................................................................................... 148 4.3 ESTRUTURA APALACHIANA .......................................................................................... 149 4.4 RELEVO JURÁSSICO ............................................................................................................. 150 4.5 ESCARPAMENTO DE FALHA ........................................................................................... 151 4.6 GRABEN OU FOSSA TECTÔNICA ................................................................................... 152 4.7 HORST OU MURALHA ......................................................................................................... 152 5 ESCUDOS ANTIGOS OU MACIÇOS CRISTALINOS ............................................................. 152 6 AS PRINCIPAIS FORMAS DE RELEVO TERRESTRE ............................................................. 152 6.1 CADEIAS DE MONTANHAS ............................................................................................. 153 6.2 PLANALTOS .............................................................................................................................. 157 6.3 PLANÍCIES ................................................................................................................................. 158 6.4 DEPRESSÕES ............................................................................................................................. 160 7 A COMPARTIMENTAÇÃO DO RELEVO SUBMARINO ........................................................ 163 7.1 PLATAFORMA CONTINENTAL ...................................................................................... 163 7.2 TALUDE CONTINENTAL ................................................................................................... 164 7.3 REGIÃO E/OU PLANÍCIE ABISSAL ............................................................................... 164 7.4 OUTRAS FORMAS DO RELEVO BATIMÉTRICO ...................................................... 164 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 166 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 168 TÓPICO 4 - A GEOMORFOLOGIA BRASILEIRA ....................................................................... 171 X 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 171 2 A ESTRUTURAÇÃO DA GEOMORFOLOGIA NO BRASIL .................................................. 172 2.1 AS BASES CONCEITUAIS DA GEOMORFOLOGIA BRASILEIRA .................... 172 2.2 GEOMORFOLOGIA NO CONTEXTO DA GEOGRAFIA BRASILEIRA ............ 174 3 ESTRUTURA GEOLÓGICA DO RELEVO BRASILEIRO ........................................................ 180 3.1 ESCUDOS CRISTALINOS OU NÚCLEOS CRATÔNICOS ...................................... 181 3.2 BACIAS SEDIMENTARES ................................................................................................... 182 3.3 TERRENOS VULCÂNICOS ................................................................................................. 183 4 AS CLASSIFICAÇÕES DO RELEVO BRASILEIRO .................................................................. 184 4.1 CLASSIFICAÇÃO DE AROLDO DE AZEVEDO .......................................................... 184 4.2 CLASSIFICAÇÃO DE AZIZ AB’SABER .......................................................................... 186 4.3 CLASSIFICAÇÃO DE JURANDYR ROSS ....................................................................... 187 5 HIPSOMETRIA DO BRASIL ................................................................................................... 190 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 193 RESUMO DO TÓPICO 4..................................................................................................................... 195 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 197 UNIDADE 3 - INTEMPERISMO, PEDOGÊNESE E MEIO AMBIENTE .................................. 199 TÓPICO 1 - O INTEMPERISMO E A PEDOGÊNESE .................................................................. 201 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................201 2 INTEMPERISMO............................................................................................................................... 202 2.1 TIPOS DE INTEMPERISMO ................................................................................................ 202 2.2 FATORES QUE INFLUENCIAM NO INTEMPERISMO DOS MINERAIS ........ 205 3 A PEDOGÊNESE ................................................................................................................................ 206 3.1 COMPOSIÇÃO E FORMAÇÃO DOS SOLOS ................................................................. 206 3.2 CLASSIFICAÇÃO QUANTO À ORIGEM DOS SOLOS ............................................. 209 3.3 LIXIVIAÇÃO DO SOLO ......................................................................................................... 210 3.4 TIPOS DE SOLOS NO BRASIL ........................................................................................... 212 3.5 DEPÓSITOS LATERÍTICOS ................................................................................................. 214 4 COBERTURA VEGETAL - SUA IMPORTÂNCIA NA PRESERVAÇÃO DO SOLO, DA VIDA E DOS MANANCIAIS AQUÍFEROS ......................................................................... 215 RESUMO DO TÓPICO 1..................................................................................................................... 217 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 219 TÓPICO 2 - DEGRADAÇÃO AMBIENTAL: CAUSAS NATURAIS E ANTRÓPICAS ......... 221 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 221 2 ORIGEM E CONCEITOS DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL ................................................ 221 3 A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL NOS ESPAÇOS RURAIS E URBANOS .......................... 224 4 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL DE ÁGUAS SUPERFICIAIS E SUBTERRÂNEAS............. 227 5 DESERTIFICAÇÃO ........................................................................................................................... 231 5.1 CAUSAS DA DESERTIFICAÇÃO ...................................................................................... 232 5.2 CONSEQUÊNCIAS DA DESERTIFICAÇÃO ................................................................. 232 5.3 DESERTIFICAÇÃO NO BRASIL ........................................................................................ 233 RESUMO DO TÓPICO 2..................................................................................................................... 236 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 238 TÓPICO 3 - RECUPERAÇÃO AMBIENTAL: CONCEITOS E TÉCNICAS DE RECUPERAÇÃO .................................................................................................................................. 239 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 239 2 CONCEITO E LEGISLAÇÃO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREA DEGRADADA .................. 239 3 ATIVIDADES DE RECUPERAÇÃO .............................................................................................. 243 XI 3.1 MÉTODOS E TÉCNICAS DE RECUPERAÇÃO ............................................................ 243 3.1.1 Técnica de revegetação ....................................................................................................... 244 3.1.2 Técnicas da geotecnia .......................................................................................................... 245 3.1.3 Técnica de remediação ........................................................................................................ 245 4 EXEMPLOS DE RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS ............................................. 245 4.1 RECUPERAÇÃO DE MATAS CILIARES ........................................................................ 246 4.2 RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS PELA MINERAÇÃO.................... 248 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................ 252 RESUMO DO TÓPICO 3..................................................................................................................... 256 AUTOATIVIDADE .............................................................................................................................. 257 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................... 259 XII 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir desta unidade, você será capaz de: • conhecer os fundamentos teóricos e metodológicos da Geomorfologia; • compreender o contexto histórico e evolução da Geomorfologia; • identificar a importância do conhecimento do relevo para a humanidade; • entender de que forma as forças tectônicas como vulcões, terremotos, mo- vimento de placas tectônicas etc. atuaram ao longo de bilhões de anos, para dar a atual conformação do planeta Terra; • saber como as forças externas ou exógenas atuaram ao longo do tempo para esculpir as diferentes formas de relevo; • descobrir o que é uma vertente, sua dinâmica, tipos, importância, equilíbrio; • saber analisar um movimento de massa identificar a causa do mesmo. Esta unidade está organizada em três tópicos, sendo que em cada um deles você encontrará atividades para uma maior compreensão das informações apresentadas. TÓPICO 1 – GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMOR- FOLÓGICO TÓPICO 2 – PROCESSOS MORFOGENÉTICOS ATUANTES NA FORMA- ÇÃO E DESGASTE DO RELEVO TÓPICO 3 – ANÁLISE DE VERTENTES E OS MOVIMENTOS DE MASSA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 1 INTRODUÇÃO Ao analisarmos a origem da palavra geomorfologia e a dividirmos em três radicais gregos: geo-morfo-logia, ou seja, geo = Terra + morfo = forma + logia = estudo, chegamos à conclusão de que, literalmente falando, é o estudo das formas da Terra. Você poderia estar se perguntando: qual a necessidade de se criar uma ciência para estudar exclusivamente as formas da Terra? Pois bem, basta observar a variedade de formas de relevo existentes em nosso planeta, para perceber a complexidade que é estudar este assunto. Ao final deste tópico você entenderá a importância desta ciência, bem como sua aplicabilidade. Contudo, primeiramente, procuramos fazer um resgate da gênese e evolução do conhecimento geomorfológico. Convidamos você a conhecer e a compreender esta “fantástica” ciência. 2 DEFINIÇÃO E NATUREZA DA GEOMORFOLOGIA Segundo um dos geógrafos brasileiros mais respeitados no campo da Geomorfologia, Antonio Christofoletti (1980, p. 1): A Geomorfologia é a ciência que estuda as formas de relevo. As formas re- presentam a expressão espacial de uma superfície, compondo as diferentes configurações da paisagem morfológica. É o seu aspecto visível, a sua confi guração, que caracteriza o modelo topográfico de uma área. As formas de relevo constituem o objeto da Geomorfologia. Mas se as formas existem é porque elas foram esculpidas pela ação de determinado processo ou grupo de processos. Podemos definir processo como sendo uma sequência de ações regulares e contínuas que se desenvolvem de maneira relativamente bem especificada e levando a um resultado determinado. Dessa maneira, há um relacionamento muito grande entre as formas e processo. Para Christofoletti (1980), essa interação entre formas e os processos constitui o sistema geomorfológico. Este sistema é “aberto”, pois recebe influência e também atuasobre outros sistemas componentes de seu universo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 4 É importante ressaltar que o estudo das formas e dos processos fornece subsídios teóricos sobre a dinâmica topográfica atual, sob diversas condições climáticas, contribuindo na compreensão das formas esculpidas pelas forças endógenas e exógenas. Se analisarmos a escala do tempo geológico, vamos perceber que muitas topografias foram formadas, transformadas e destruídas pela erosão ou pelo recobrimento sedimentar. Segundo Christofoletti (1980), as camadas sedimentares, por exemplo, são importantes fontes de informação e registros preciosos na interpretação de processos atuantes no passado, bem como as condições ambientais reinantes naquela época. 3 A EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO Durante a Idade Média, período em que a Igreja dominava a cultura e o ensino, o dogma da origem da vida e criação do universo era atribuído como obra de Deus. Desse modo, a ciência permanecia estática. No Renascimento (difundido por toda a Europa nos séculos XV e XVI), muitas explicações e ideias discutidas durante a Idade Média foram refutadas e outras criadas, com ilustres pensadores como Leonardo da Vinci (1452 - 1519) e Bernard Palissy (1510-1590). Estes, segundo Christofoletti (1980, p.14), “chegaram a compreender a influência dos processos subaéreos, mormente o fluvial, na esculturação das paisagens”. Para Leonardo da Vinci, cada vale foi escavado pelo seu respectivo rio, e a relação entre os vales é a mesma que entre os rios, além de observar que os cursos fluviais carregavam materiais de uma parte de terra e os depositavam em outra parte (CHRISTOFOLETTI, 1980). Pode se dizer que Da Vinci e Palissy foram os primeiros a questionar e compreender os mecanismos da erosão fluvial. Apesar de surgirem observações isoladas entre os séculos XVI e XVII, foi no século XVIII que as observações tornaram-se mais numerosas e importantes, a exemplo do engenheiro hidráulico frânces L. G. de Buat, autor do Principes d’ hydraulique (1779); Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829); Targioni-Tozetti (1712- 1784); Desmarest (1725-1815) e do suíço Bénédict de Sausurre (1740-1799), dentre outros. (CHRISTOFOLETTI, 1980). No entanto, o reconhecimento como o primeiro grande fluvialista, bem como um dos fundadores da moderna Geomorfologia, foi atribuído a James Hutton (1726-1797). As concepções de Hutton baseavam-se nas observações dos fenômenos naturais. Para Hutton, “seriam as ações observáveis na superfície do globo que reduziriam o relevo e permitiriam o arrasamento das montanhas” (CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 14). A partir das causas atuais, fundamentou a teoria do atualismo (o presente é a chave do passado). As concepções de Hutton foram divulgadas por John Playfair (1748-1819) e principalmente e amplamente por Charles Leyll (1797-1875) (MARQUES, 2009). TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 5 No decorrer do século XIX, o conhecimento geomorfológico passa por uma grande transformação. Isso porque nos Estados Unidos e na Europa emergem vários autores com significativos trabalhos que contribuem no desenvolvimento da Geomorfologia, tais como: Abraham Werner (1750-1817); Albert Penck (1853- 1945); Andrew Ramsay (1814-1891); Clarence Eduardo Dutton (1841-1912); Ferdinand von Richthoffen (1833-1905); Grove Karl Gilbert (1843-1918); Jean Louis Agassiz (1807-1873); John Wesley Powell (1834-1902); Walter Penck (1888- 1923) e William Morris Davis (1850-1934) (MARQUES, 2009). Segundo Casseti (2005), as diferenças histórico-culturais europeias levaram à individualização de quadros nacionais contrastantes no que tange ao contexto político continental, contribuindo assim para que se desenvolvessem correntes filosóficas e relações escolásticas diferenciadas, levando ao discernimento duas correntes epistemológicas em geomorfologia. Uma delas, identificada como de natureza anglo-americana, na qual se evidenciou a aproximação da Inglaterra e França com os Estados Unidos. Nesta corrente temos as concepções de William Morris Davis, com sua teoria do ciclo geográfico. A outra corrente tinha raízes propriamente germânicas e, posteriormente, incorporou a produção publicada pelos russos e poloneses (CASSETI, 2005). Na geomorfologia alemã, ao contrário da geomorfologia anglo-americana, os componentes da climatologia ou da biogeografia eram amplamente integrados. Assim, no século XX, final da década de 1930, os norte- americanos passaram a se interessar pelas críticas de Penck em relação à teoria de Davis (teoria davisiana), ocasionando a criação de novos paradigmas. A influência da corrente alemã se alastrou nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. E Lester C. King (1953) foi um dos autores da corrente anglo- americana a utilizar os princípios de Penck, cujas pesquisas sobre o aplainamento caracterizavam o centro das atenções geomorfológicas da época (CASSETI, 2005). Autores que até então estavam vinculados à corrente anglo-americana, como Kirk Bryan, Jean Dresch e André Cholley, distanciam-se da teoria davisiana. Cholley (1950), por exemplo, introduz novos conceitos, como a dialética das forças em sistema aberto. Gradativamente, os autores americanos assumem uma postura mais crítica em relação à teoria davisiana, criando novos paradigmas, como o do espaço. De acordo com Casseti (2005), a partir da década de 1940 até a década de 1960 a quantificação, a teoria dos sistemas e fluxos, bem como o uso da cibernética assumem a vanguarda nos estudos geomorfológicos. Assim, passa a ser valorizada a análise espacial e o estudo das bacias de drenagem (STRAHLER, 1954; GREGORY e WALLING, 1973), ao mesmo tempo em que novas posturas começam a surgir, como a teoria do equilíbrio dinâmico de Gilbert (1880) e posteriormente Hack (1960) (CASSETI, 2005). Ainda conforme o mesmo autor, os estudos de Horton (1932, 1945), que já havia estabelecido leis básicas no estudo de bacias de drenagem utilizando propriedades matemáticas, assumem relevância no que tange ao estudo da hidrologia. É evidente que outros autores merecem ser destacados, como H. Baulig (1952), que admite a frequência dos movimentos crustais e as variações relativas ao nível dos mares, bem como P. Birot (1955), com sua conclusão de que a evolução geral do relevo encontra-se relacionada a uma modalidade de ciclo morfológico que ocorre em função do clima e da vegetação. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 6 Neste contexto, logo após a Segunda Guerra Mundial, devido às contribuições desenvolvidas na Polônia, Tchecoslováquia e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - Klimaszewski (1983); Demek (1976); Basenina e Trescov (1972) - emerge a cartografia geomorfológica como instrumento fundamental na analise do relevo (CASSETI, 2005). Pode-se dizer que o avanço do mapeamento geomorfológico e seu crescente emprego no que concerne ao planejamento regional conservam o caráter geográfico da ciência geomorfológica. Conforme Casseti (2005), apesar da convergência internacional do conhecimento geomorfológico, as duas vertentes e/ou tendências (anglo-americana e alemã) apresentam-se razoavelmente diferenciadas, mesmo com a incorporação gradativa da postura alemã à americana, evidenciada gradativamente a partir do Simpósio de Chicago (1939). Estudos integrados da paisagem, sob a ótica dos geossistemas, valorizando a perspectiva geomorfológica alemã, têm sido desenvolvidos por autores soviéticos e franceses, como Bertrand (1968); Tricart (1977) e Sochava (1972). A figura a seguir procura ilustrar esquematicamente a tendência anglo- americana e a tendência germânica, bem como seus precursores e seguidores. Observe-a. Prezado (a) acadêmico (a) No link material de apoio (AVA) desta disciplina, você poderá visualizar todasas figuras coloridas. IMPORTANT E TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 7 Basenina e Trescov (1972) Schumm e Licht (1965) Morley e Zunafer (1976) Thomas e Brunsden (1977) Tendência Anglo - Americana Tendência Germânica Ruptura Epistemológica A.N. Strahler (1954) L.C. King (1953) J. Budel (1948) Kügler (1976) C. Troll (1932) S. Passarge (1913) W. Penck (1924) Klimaszewski (1963) J. T. Hack (1960) R. J. Cholley (1962) N. J. Shrove (1975) Análise Morfométrica Teoria Probalística Teoria do Equilíbrio Dinâmico Teoria da Pediplanação Cartografia Geomorfológica Cartografia Climatogenètica ca Geoecologia e Ordenação Ambiental W. M. Davis (1899) C.A. Cotton (1942) F. V. Richthofen (1886) A. Penck (1894) FIGURA 1 – FILOGÊNESE DA TEORIA GEOMORFOLÓGICA FONTE: Casseti, 2005 (adaptada de ABREU, 1983) As críticas fundamentadas ao modelo davisiano respondem por uma verdadeira ruptura epistemológica na perspectiva anglo-americana, aproximando-se cada vez mais das bases que subsidiam a tendência germânica. 4 SISTEMAS EM GEOMORFOLOGIA Para facilitar seu entendimento é importante que fique clara a definição de um sistema. Este pode ser definido como “o conjunto dos elementos e das relações entre si e entre os seus atributos”. (CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 2). UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 8 A aplicação da teoria dos sistemas na geomorfologia tem auxiliado para melhor focalizar as pesquisas e também para delinear com maior exatidão o ramo de estudo desta ciência. Na geomorfologia, a teoria dos sistemas gerais foi introduzida com os trabalhos de Arthur N. Strahler (1950; 1952) e posteriormente utilizada, aprimorada e discutida por outros autores. Contudo, não podemos deixar de destacar as contribuições de John T. Hack (1960), Richard J. Chorley (1962) e Alan D. Howard (1965), com seus trabalhos básicos e essenciais. (CHRISTOFOLETTI, 1980). 4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMPOSIÇÃO DOS SISTEMAS Para Christofoletti (1980), no estudo da composição dos sistemas, vários aspectos importantes precisam ser considerados, tais como: a matéria, a energia e a estrutura. Matéria → corresponde ao material que vai ser mobilizado através do sistema. Ex.: no sistema hidrográfico, a matéria corresponde à água e aos detritos. Energia → corresponde às forças que fazem o sistema funcionar, gerando a capacidade de realizar o trabalho. Ex.: o escoamento das águas ao longo dos rios, a movimentação dos fragmentos detríticos ao longo das vertentes, o movimento das ondas. Estrutura → é constituída pelos elementos e suas relações, expressando- se através do arranjo de seus componentes. Ex.: um rio é o elemento no sistema hidrográfico, mas pode ser concebido como sistema em si mesmo. Você ficou confuso? Vejamos outro exemplo: um carro é elemento no sistema de trânsito, mas pode representar um sistema completo em sua unidade. De acordo com Chistofoletti (1980), na estrutura do sistema, três características principais precisam ser analisadas: • Tamanho → determinado pelo número de variáveis que o compõem. • Correlação → a correlação entre as variáveis em um sistema expressa o modo pelo qual elas se relacionam. • Causalidade → a direção da causalidade mostra qual é a variável independente, a variável que controla, e a dependente, aquela que é controlada, de modo que a última sofre modificação se a primeira se alterar. TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 9 4.2 CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS EM GEOMORFOLOGIA Os sistemas podem ser classificados de acordo com o critério funcional ou conforme a sua complexidade estrutural. No que concerne ao critério funcional, Forster, Rapoport e Trucco distinguem alguns tipos de sistemas. Vejamos quais são eles, conforme Christofoletti (1980, p. 3-6). • Sistemas isolados → são aqueles que, dadas as condições iniciais, não sofrem mais nenhuma perda nem recebem energia ou matéria do ambiente que os circundam. • Sistemas não isolados → mantêm relações com os demais sistemas do universo no qual funcionam, podendo ser subdivididos em: Fechados (quando há troca de energia, mas não de matéria) e Abertos (ocorrem constantes trocas de energia e matéria, tanto recebendo como perdendo). • Sistemas morfológicos → são compostos somente pela associação das propriedades físicas do fenômeno, constituindo os sistemas menos complexos das estruturas naturais. • Sistemas em sequência → são compostos por uma cadeia de subsistemas, possuindo tanto magnitude espacial quanto localização geográfica, que são dinamicamente relacionados por uma cascata de matéria ou energia. • Sistemas de processos-respostas → são formados pela combinação de sistemas morfológicos e sistemas em sequência. • Sistemas controlados → são aqueles que apresentam a atuação do homem sobre os sistemas de processos-respostas. 4.3 O SISTEMA GEOMORFOLÓGICO Vimos anteriormente que a geomorfologia estuda as formas de relevo. Assim, segundo Christofoletti (1980), podemos distinguir dentro do “universo” geomorfológico os seguintes sistemas antecedentes considerados os mais importantes para a compreensão das formas de relevo: sistema geológico, climático, biogeográfico e antrópico. Vejamos algumas características de cada um desses sistemas. Sistema geológico: é a base sobre a qual se desenvolvem todos os sistemas e atuam todos os processos, já que é o tipo de rocha, através da disposição e variação litológica, origem e formação geológica, que determinará o tipo de solo existente, e sua resistência ou não ao intemperismo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 10 Sistema climático: exerce forte influência sobre os demais, sendo um dos sistemas com maior poder de transformação sobre o relevo. É o clima que alimenta e mantém o dinamismo do processo, através da variação de temperatura, umidade e movimentos atmosféricos, elementos aos quais todos os sistemas vivos necessitam se adaptar ou migrar, sob pena de serem extintos. Sistema biogeográfico: é formado pela cobertura vegetal e pela vida animal, que atuam como fornecedores e consumidores de matéria, no qual vale a máxima de Lavoisier: “Na Natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.” O sistema exerce também forte influência na alteração das formas do relevo. Sistema antrópico: é o elemento responsável por alterar o equilíbrio entre todos os sistemas e por alterar a distribuição de energia e matéria dentro dos sistemas. Para Christofoletti (1980), estes sistemas são os controladores mais importantes do sistema geomorfológico. Contudo, o sistema geomorfológico também atua sobre estes sistemas, por meio do mecanismo de retroalimentação. Observe o esquema a seguir: FIGURA 2 – OS SISTEMAS ANTECEDENTES CONTROLADORES DO SISTEMA GEOMORFOLÓGICO CLIMA ANTRÓPICO GEOLOGIA PROCESSOS E FORMAS BIOGEOGRAFIA FONTE: Christofoletti (1980) 5 TEORIAS E MODELOS GEOMORFOLÓGICOS Para explicar a evolução do modelado terrestre foram criadas algumas teorias geomorfológicas. Cada teoria proposta procura elucidar os fatos, bem como, emprega uma linguagem composta de um vocabulário específico. (CHRISTOFOLETTI, 1980). É importante destacar que em virtude das muitas teorias, o mesmo termo pode, algumas vezes, designar um conceito diferenciado. TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 11 Desse modo, torna-se importante conhecer as teorias e terminologias geomorfológicas. Segundo Christofoletti (1980), na geomorfologia existem diferentes teorias evolutivas, associadas a bases teóricas que, por sua vez, expressam o conhecimento filosófico de uma determinada época. No caso das teorias geomorfológicas, uma mesma teoria pode possibilitar a construçãode vários modelos, que possuem uma função lógica dentro delas, isso porque são elaborados dedutivamente e permitem que as mesmas sejam testadas. (CHRISTOFOLETTI, 1980). Neste contexto, cada pesquisador deve adotar uma concepção filosófica clara, ou seja, adotar um modelo e/ou teoria que permita ao pesquisador estruturar seu trabalho e nortear seu modelo explicativo sobre a dinâmica evolutiva da paisagem. Vejamos as principais teorias e modelos que procuram explicar a evolução do modelado terrestre. Atente para o que difere um modelo do outro. 6 O MODELO DE WILLIAM MORRIS DAVIS: CICLO GEOGRÁFICO E PENEPLANO Segundo Marques (2009), para William Morris Davis (1899), o ciclo geográfico constitui o primeiro conjunto de concepções que poderia descrever e explicar, de modo coerente, a gênese e a sequência evolutiva das formas de relevo existentes na superfície terrestre. O ciclo iniciava-se com rápido soerguimento, oriundo pelas forças endógenas (internas), de superfícies aplainadas (peneplano) que se elevariam criando desnivelamento em relação ao nível do mar. A atuação da água corrente, bem como a da erosão normal sob o relevo, ocasionaria sua dissecação e, consequentemente, o desgaste de sua topografia, criando assim uma nova superfície aplainada. A ocorrência de um novo soerguimento daria lugar a um novo ciclo erosivo. Neste processo cíclico, gradativamente formas típicas foram sendo modeladas, caracterizando sucessivos momentos evolutivos. Assim, para Davis, os processos de denudação compreendem três estágios fundamentais: juventude, maturidade e senilidade. (BIGARELLA, 2003). A fase de juventude inicia-se quando uma região aplainada é uniformemente soerguida em relação ao nível de base (nível do mar) no qual desembocam os cursos fluviais. Nesta fase inicial há poucos tributários e amplos interflúvios. Na fase de maturidade os progressos de erosão já estão bem desenvolvidos para que a drenagem esteja perfeitamente organizada e o trabalho das forças harmoniosamente combinado. (CHRISTOFOLLETI, 1980). Nesta fase, ocorre o desenvolvimento completo das redes de drenagem. No que tange ao estágio de senilidade, na visão de Davis, a superfície do terreno seria reduzida quase que a um plano (peneplano) pelo processo de peneplanização. Para você ter uma ideia, nesse último estágio os vales seriam largos, com rios meandrantes, podendo ocasionar relevos residuais como monadnocks (BIGARELLA, 2003). Para Davis, a meandração significava a senilidade do sistema fluvial. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 12 “Peneplanização é o conjunto de processos ou sistema de erosão que degrada, ou melhor, regulariza, as asperezas de uma superfície” (GUERRA; GUERRA, 1997, p. 471). Segundo Guerra e Guerra (1997), Monadnock são consideradas elevações residuais que resistem mais à erosão, em áreas peneplanizadas. Este termo também é usado como sinônimo de testemunho (butte temoin). IMPORTANT E As figuras a seguir procuram ilustrar os três estágios responsáveis pelos processos de denudação do relevo segundo Davis. Observe-as. FIGURA 3 – OS TRÊS ESTÁGIOS RESPONSÁVEIS PELA DENUDAÇÃO DO RELEVO SEGUNDO DAVIS FONTE: Christofoletti (1980) A próxima figura procura sintetizar os três estágios (juventude, maturidade e senilidade). TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 13 FIGURA 4 – CICLO IDEAL COM UM RELEVO REAL MODERADO FONTE: Casseti (apud RICE, 1982) O relevo, ao atingir o estágio de senilidade segundo Davis, seria submetido a um novo e rápido soerguimento que implica ria em uma nova fase, denominada rejuvenescimento, dando sequência ao ciclo evolutivo da morfologia. (CASSETI, 2005). De acordo com as concepções de Davis, no decorrer da história do tempo geológico, os continentes seriam reduzidos a um peneplano, “se não fossem os levantamentos crustais diferenciais do terreno ocorridos, seja pelos movimentos orogênicos, arqueamento, falhamento ou pela epirogênese, além do vulcanismo responsável pelos derrames de lavas e pelos depósitos piroclásticos”. (BIGARELLA, 2003, p. 1125). Ainda conforme este mesmo autor, nessas condições os processos erosivos atuam sobre os diferentes tipos de rochas, originando distintas paisagens com montanhas de cristas agudas, destacando-se também as estruturas dobradas das sinclinais e anticiclinais, além de planaltos e chapadões com escarpas, bem como, colinas. Por várias décadas essa concepção de Davis permeou o conhecimento dos geólogos e geomorfólogos. Contudo, segundo Marques (2009), o modelo teórico de Davis, em alguns aspectos, gerou críticas, dentre elas cabe destacar: o fato de o modelo ser concebido para áreas de clima temperado; a necessidade de um rápido soerguimento do relevo, seguido por um período muito longo de estabilidade tectônica; a colocação das condições de equilíbrio, como resultado a ser obtido no final do ciclo. Apesar das críticas relativas ao modelo sugerido por Davis, muitos geomorfólogos o aceitam enquanto noção de um sistema evolucionário. Pode se dizer que o caráter cíclico utilizado por Davis como modelo evolutivo constitui, no conceito científico geral, estágio embrionário de qualquer natureza do conhecimento. (CASSETI, 2005). Você muito provavelmente ficou curioso em conhecer fotograficamente esse ilustre autor cuja teoria representou a primeira concepção desenvolvida, pode- se dizer, de modo mais completo. Isso porque, nas obras de seus antecessores, as formas de relevo eram explicadas pelos processos, mas nunca foram pontuadas em séries evolutivas coerentes, como demonstrou Davis. Juventude Senilidade Maturidade UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 14 FIGURA 5 – IMAGEM DE WILLIAM MORRIS DAVIS WILLIAM MORRIS DAVIS FONTE: Disponível em: <http://www.geog.niu.edu/images/Davis. gif>. Acesso em: 13 maio 2010. 6.1 MODELO DE WALTHER PENCK Walther Penck (1924) foi um dos principais críticos do sistema de Davis, principalmente ao discordar que a denudação só teria início após o término do soerguimento, como pensava Davis. Para Penck, a denudação acontecia concomitantemente ao soerguimento, com intensidade diferenciada pela ação do tectonismo. De acordo com Guerra e Guerra (1997, p. 187), “denudação ou desnudação é o trabalho gliptogenético de desbastamento das diversas rochas da superfície do globo”. Em outras palavras, a denudação é o desgaste das formas de relevo mais salientes devido à ação dos agentes erosivos. ATENCAO Segundo Casseti (2005), as críticas de Penck estão fundamentadas no método empregado por Davis e na ausência de conexão com a ciência geográfica, uma das principais preocupações da escola germânica. Penck propôs que, em caso de forte soerguimento da crosta, ocorreria uma correspondente incisão do talvegue (linha de maior profundidade no leito fluvial), que por sua vez implicaria na aceleração dos efeitos denudacionais em razão do aumento do gradiente da vertente. Caso o efeito denudacional não acompanhasse de imediato a intensidade do entalhamento do talvegue, ocorreria o desenvolvimento de vertentes convexas. Desse modo, conclui-se que Penck levou em consideração a correspondência entre soerguimento, incisão e denudação, valorizando a relação processual, própria da concepção germânica. (CASSETI, 2005). TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 15 FIGURA 6 – AS CONCEPÇÕES DE PENCK EM RELAÇÃO AO SOERGUIMENTO DA CROS- TA E À DENUDAÇÃO Ainda conforme Casseti (2005), outra situação proposta por Penck corresponde à existência de um soerguimento moderado da crosta, com proporcional incisão do talvegue, o que ocasionaria uma compensação equilibrada pelos efeitos denudacionais, resultando no desenvolvi mento de vertentes retilíneas. Ainda de acordo com o mesmo autor, Penck também propôs que, quandoa ascensão da crosta é relativamente pequena, ocorre um fraco entalhamento do talvegue, sendo a denudação superior o que propicia o desenvolvimento de vertentes côncavas. Diante do que foi exposto, para você melhor entender as propostas de Penck, observe atentamente as ilustrações 1, 2 e 3, a seguir. Predominância do entalhamento do talvegue em relação à denudação, responsável pelo desenvolvimento vertentes onvexas ( aumento do ângulo da vertente). Equilíbrio entre soerguimento - denudação, com formação de vertentes retilíneas (manutenção do ângulo da vertente). Soerguimento Entalhamento Intensidade Denudação Forte Moderada Fraca 1 3 2 Predomínio do entalhamento do talvegue, que implica na concavização da, vertente (redução do ângulo da vertente). FONTE: Casseti (2005) De acordo com Bigarella (2003), a repetição sucessiva desses ciclos de intensificação do soerguimento resultaria num modelado dômico, em cujas bordas se encontraria uma sucessão de planos erosivos escalonados, denominados por Penck como Piedmonttreppen (escada de Piemonte). Para Penck, não haveria a necessária estabilidade para o desenvolvimento completo de ciclos, pois estes constantemente são interrompidos. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 16 A) B) FIGURA 7 – CONTRASTE ENTRE A PROPOSTA DE PENCK (A) E A PRO- POSTA DE DAVIS (B). A FIGURA A ILUSTRA O RECUO PARALELO DAS VERTENTES PROPOSTO POR PENCK. A FIGURA B ILUSTRA A EVOLU- ÇÃO DO RELEVO DE CIMA PARA BAIXO, COMO AFIRMAVA DAVIS FONTE: Casseti (2005) Sem dúvida, a proposta de Penck (penckiana) foi um dos principais argumentos responsáveis pela ruptura epistemológica da geomorfologia registrada na concepção anglo-americana, no período da Segunda Guerra Mundial, até então fiel às ideias consagradas de Davis. 6.2 O MODELO DE LESTER CHARLES KING: PEDIPLANAÇÃO Lester Charles King (1953) propôs o modelo de pediplanação. O ponto principal do modelo apresentado por King corresponde a períodos rápidos e intermitentes de soerguimento da crosta, separados por longos períodos de estabilidade tectônica. Segundo Casseti (2005), essa teoria procura restabelecer o conceito de estabilidade tectônica considerado por Davis, mas admite o ajustamento por compensação isostática e considera o recuo paralelo das vertentes, como forma de evolução morfológica, conforme a proposta de Penck (1924). O que diferencia fundamentalmente os conceitos de Davis e King é o modo de evolução das vertentes. Na concepção de Penck, a fase que antecede o soerguimento dômico é caracterizada por uma ascensão regional extremamente lenta quando comparada com a intensidade erosiva. Sendo assim, não se percebe qualquer elevação da superfície do terreno, desenvolvendo- se, consequentemente, planície baixa, designada por Penck como superfície primária (Primärrumpf). Penck relacionava a origem das superfícies e dos patamares de Piemonte aos processos de ascensão dômica e de denudação, face às velocidades diferenciadas e aos ciclos de erosão. (BIGARELLA, 2003, p. 1130-1131). Pode-se dizer que enquanto Davis afirmava que o relevo evoluía de cima para baixo, para Penck o processo essencial consistia no recuo paralelo das vertentes ou no desgaste lateral das mesmas. (CASSETI, 2005). Observe na ilustração a seguir o contraste entre a proposta de Davis e a de Penck. TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 17 FIGURA 8 – MODELOS DE EVOLUÇÃO DA PAISAGEM PROPOSTOS POR W. M. DAVIS (A) E L. C. KING (B) Modelo de Davis Modelo de King FONTE: O autor Para King, o recuo ocorre a partir de determinado nível de base, iniciado pelo nível de base geral, correspondente ao oceano. O material resultante da erosão ocasionada pelo recuo promove o entalhamento das áreas depressionárias, originando os chamados pedimentos. A evolução do recuo por um período de tempo de relativa estabilidade tectônica resultaria no desenvolvimento de extensos pediplanos, razão pela qual a referida teoria ficou conhecida como pediplanação. (CASSETI, 2005). Enquanto Davis denominava de peneplanos as grandes extensões horizontalizadas na senilidade, King as considerava como pediplanos, com formas residuais denominadas de inselbergues. Observe, nas ilustrações a seguir, um comparativo do modelo de evolução da paisagem proposto por Davis para o desenvolvimento das vertentes, através de seu contínuo rebaixamento vertical, ocasionando a peneplanação, e o modelo proposto por King, cujo desenvolvimento das vertentes ocorre através do recuo paralelo das encostas. Observe-as. “A pediplanação é o processo mais eficaz de aplainamento de superfícies extensas do globo terrestre, submetidas a clima árido, quente ou semiárido. A pediplanação é capaz de elaborar superfícies extensas e planas”. (GUERRA; GUERRA, 1997, p. 466). IMPORTANT E UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 18 De acordo com Guerra e Guerra (1997), “os inselbergues são como que resíduos da pediplanação, em climas áridos quentes e semiáridos, à semelhança dos monadnocks, devido à peneplanação em regiões de clima úmido”. IMPORTANT E Apesar da teoria da pediplanação ter sido originalmente relacionada a um clima úmido, como as demais teorias apresentadas, partindo do princípio de que foram produzidas nas regiões temperadas, supõe-se que a horizontalização topográfica esteja relacionada a um clima seco, assim como o desenvol vimento vertical do relevo encontra-se vinculado a um clima úmido, levando em conta o corte vertical da drenagem. (CASSETI, 2005). Desse modo, o recuo paralelo das vertentes seria ocasionado principalmente pela desagregação mecânica. Os detritos das vertentes, a partir da base em evolução, se expandiriam em direção aos níveis de base, ocasionando entulhamento e, consequentemente, a elevação do nível de base local. O entulhamento se daria por processos torrenciais, originando as formas conhecidas como bajadas (acumulação de sedimentos). Estas, por sua vez, proporcionariam a alteração de toda irregularidade topográfica, caracterizando a morfologia dos pediplanos. A figura a seguir ilustra claramente a desagregação mecânica, ou seja, a destruição dos pontos mais altos e, consequentemente, o entulhamento de depressão, resultando na elevação do nível de base, ocasionando assim a pediplanação. Observe-a. FIGURA 9 – ILUSTRAÇÃO DA DESAGREGAÇÃO MECÂNICA E A OCORRÊNCIA DA PEDIMENTAÇÃO FONTE: Casseti (2005) Topo Knick Bolsão Bajada Cornija Inselberg Pedimento Relevo residualRecuo paralelo Detritos de vertente TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 19 6.3 O MODELO DE JOHN T. HACK: A TEORIA DO EQUILÍBRIO DINÂMICO Segundo Christofoletti (1980, p. 168), “a teoria do equilíbrio dinâmico considera o modelado terrestre como um sistema aberto, isto é, um sistema que mantém constante permuta de matéria e energia com os demais sistemas componentes de seu universo”. Para Johnt T. Hack, o relevo é um sistema aberto, mantendo constante troca de energia e matéria com os demais sistemas terrestres, estando relacionado à resistência litológica. Para ele o modelado é produto de uma competição entre a resistência dos materiais da crosta terrestre e o potencial das forças de denudação. De acordo com Christofoletti (1980, p. 168), a teoria do equilíbrio dinâmico [...] supõe que em um sistema erosivo todos os elementos da topografia estão mutuamente ajustados, de modo que eles se modificam na mesma proporção. As formas e os processos encontram-se em estado de estabilidade e podem ser considerados como independentes do tempo. Ela requer um comportamento balanceado entre forças opostas, de maneira que as influências sejam proporcionalmente iguais e que os efeitoscontrários se cancelem a fim de produzir o estado de estabilidade, no qual a energia está continuamente entrando e saindo do sistema. Embora Grove Karl Gilbert (1880) tenha sido o primeiro a expor uma concepção com base no equilíbrio dinâmico para tentar explicar a evolução do relevo, foi Hack (1957, 1960, 1965) quem buscou ampliar as ideias iniciais de Gilbert ao interpretar a topografia do vale do Shenandoah, na região dos Apalaches, levando em consideração as características das redes de drenagem e das vertentes. (CASSETI, 2005). A argumentação de Hack baseia-se no fato de que as formas de relevo e os depósitos superficiais têm uma complexa e íntima relação com a estrutura geológica. Hack verificou que a declividade dos canais fluviais diminui com o comprimento do rio, ou seja, com a distância a partir das divisas da bacia, de maneira específica conforme o tipo de rocha. (CHRISTOFOLETTI, 1980). As formas não são estáticas na teoria do equilíbrio dinâmico. A alteração no fluxo de energia incidente tende a responder por manifestações no comportamento da matéria, evidenciando alterações morfológicas. (CASSETI, 2005). Para Hack, a noção de equilíbrio, apesar de empregada por Davis para caracterizar uma condição de estabilidade erosiva, é considerada, numa perspectiva sistêmica, como o resultado do com portamento balanceado entre os processos morfogenéticos e a resistência das rochas, bem como, leva em consideração as influências diastróficas atuantes. (CHRISTOFOLETTI, 1973). Pode-se dizer que Hack, em relação às concepções de Gilbert, Davi e Penck, estrutura um encadeamento lógico na concepção sistêmica do modelado, em detrimento de uma visão fragmentada do relevo. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 20 6.4 SÍNTESE DOS MODELOS DE REFERÊNCIA EM GEOMORFOLOGIA Na tabela a seguir você terá uma síntese dos principais modelos ou teorias propostas por Davis, Penck, King e Hack e que servem de referência no estudo e evolução da geomorfologia. QUADRO 1 – MODELOS OU SISTEMAS DE REFERÊNCIAS EM GEOMORFOLOGIA CARACTERÍSTICAS DAVIS (1899) PENCK (1924) KING (1953) HACK (1960) Característica Geral do Sistema Rápido so er gui men- to com pos te rior es ta bi lida de tec tôni- ca e eus tática Ascensão de massa com intensidade e duração diferentes Longos períodos de estabilidade tectônica, separados por períodos rápidos e intermitentes de soerguimento da crosta Toda alternância de energia interna ou externa gera alteração no sistema atra vés da matéria Relação Soerguimento/ Denudação Início da de nu daç ão após esta bi li da de as cen sio nal Intensidade de denudação associada ao comportamento da crosta Denudação concomitante ao soerguimento Reação do sistema com alteração do fornecimento de energia (oscilações climáticas) Estágio Final ou Parcial da Morfologia Evolução mor fo ló- gica de cima para bai xo Evolução por recuo paralelo das ver- tentes Evolução morfológica por recuo paralelo Todos os elementos da topografia estão mutuamente ajustados. Modificam-se na mesma proporção Características Morfológicas Fases antropo- mórficas: juven- tude, ma tu ridade e senilidade (peneplano) Processos de declividade laterais das vertentes: convexas, retilíneas e côn cavas (relação incisão/denudação por ação crustal) Nível de pedimentação (pediplano) As formas não são estáticas e imutáveis. Íntima relação com a estrutura geológi- ca Estágio Final ou Parcial da Morfologia Peneplanização (formas residuais: monad nocks ) Superfície primária (lenta ascensão compensada pela denudação). Não haveria produção de elevação geral da superfície Pediplanação (formas residuais: inselbergs) Não evolui necessariamente para aplai- namento. O equilíbrio pode ocorrer sob os mais variados pa noramas topográficos TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 21 Noção de Nível de Base Processo evolu tivo comandado pelo nível de base geral Vertente evolui em função do nível de base local Pressupõe a generalização de níveis de base Ajustamento sequencial Variáveis que compõem os Sistemas Temporal/estru tural com subordinação da pro cessual Processo, tectônica e tempo Processo/forma, considerando o fator temporal, admitindo implicações isostásicas Relação formas/ processos independen tes do tempo (resis- tência das rochas - influências diastrófi cas). FONTE: Adaptado de Casseti (2005) Sem dúvida, outros autores merecem ser destacados, pois também contribuíram nos estudos da geomorfologia principalmente a partir dos modelos apresentados por Davis, Penck e King, a exemplo de A. N. Strahler (1954) com a análise morfométrica; N. J. Cholley (1962) e N. J. Shrove (1975) com a teoria probabilística da evolução do modelado; Klimaszewski (1963) com a cartografia geomorfológica; J. Budel (1948) com a geomorfologia climatogenética; C. Troll (1932) e Kügler (1976) com a geoecologia e ordenação ambiental. 7 CLASSIFICAÇÃO DAS FORMAS GEOMORFOLÓGICAS Classificar as formas de relevo não é algo tão simples. Aliás, existem sérias dúvidas sobre como o relevo pode ser classificado. No entanto, um critério muito utilizado para classificar as formas de relevo foi o da disposição das camadas rochosas, compondo a denominada geomorfologia estrutural. Desse modo, de acordo com Christofoletti (1980, p. 12), as formas de relevo pertenceriam às seguintes categorias: a) Morfologia das estruturas concordantes - relevo tabular - relevo de cuestas - contato entre maciços antigos e bacias sedimentares} b) Morfologia das estruturas dobradas - relevo dômico - relevo dobrado - relevo apalacheano} c) Morfologia relacionada com as litologias específicas - relevo carsico ou - cárstico - relevo granítico} UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 22 d) Morfologia em estruturas falhadas e) Morfologia relacionada com o vulcanismo Contudo, nesta classificação ficava difícil a colocação das categorias de formas relacionadas a processos morfogenéticos, como as formas litorâneas, fluviais, glaciais, dentre outras. Desse modo, no intuito de superar essa dificuldade surge a geomorfologia climática (J. Büdel (1963) A. Cailleux e J. Tricart (1965)), na qual as formas de relevo estavam relacionadas com a zonalidade climática, diferenciando-se em função das zonas morfoclimáticas. (CHRISTOFOLETTI, 1980). No entanto, nesta classificação o estudo das formas litorâneas e fluviais não tinha um posicionamento definido. Outras tentativas de classificação do relevo utilizando critérios espaço- temporais também não deram certo. Pesquisadores soviéticos também se preocuparam com o problema, embora procurassem elaborar uma classificação para as unidades componentes da superfície terrestre. De acordo com Christofoletti (1980), Gerasimov propôs subdividir todas as formas de relevo em três grandes categorias genéticas: a) unidades geotexturais: → compreendem as maiores unidades da superfície terrestre. Posteriormente, J. A. Mescerjakov propôs unidades morfotexturais. b) unidades morfoestruturais: → designam os elementos do relevo de ordem média que parecem complicar as unidades morfotecturais, tais como: as cadeias de montanhas, maciços, planaltos e depressões. c) unidades morfoesculturais: → estão relacionadas com a ação dos sistemas morfogenéticos. De acordo com Christofoletti (1980), em 1967, Bachenina e Zaroutskaya classificaram o relevo utilizando critérios baseados nas principais diferenças da tectogênese no decorrer da história geológica (elementos de primeira até quarta ordem)da Terra, caracterizando os megarrelevos. “Os elementos de ordem menores relacionam-se ao macro e mesorrelevo e classificam-se em função do controle e do regime tectônico atual”. (CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 13). Todas as classificações apresentadas procuram classificar o relevo e dividir a Geomorfologia utilizando critérios baseados nos fatores controlantes do sistema geomorfológico. TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 23 8 A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA E SUA APLICABILIDADE Como vimos anteriormente, a geomorfologia analisa as formas de relevo focalizando suas características morfológicas, os materiais componentes, os processos atuantes e os fatores controlantes, bem como, a dinâmica evolutiva. Segundo Christofoletti (2009, p. 415), “compreende os estudos voltados para os aspectos morfológicos da topografía e da dinâmica responsável pelo funcionamento e pela esculturação das paisagens topográficas”. Assim, a geomorfologia ganha importância, pois pode auxiliar na compreensão do modelado terrestre que surge como elemento do sistema ambiental físico e também condicionante no que tange às atividades humanas e organizações espaciais. O conhecimento geomorfológico surge como um instrumento utilizado e inserido na execução de diversas categorias setoriais de planejamento. É importante destacar que o planejamento sempre envolve a espacialidade, pois incide na implementação de atividades em determinado território. (CHRISTOFOLETTI, 2009). Ainda de acordo com o mesmo autor, constitui um proceso que repercute nas características, funcionamento e dinâmica das organizações espaciais. Desse modo, obrigatoriamente precisa levar em consideração os aspectos dos sistemas ambientais físicos (geossistemas) e dos sistemas socioeconômicos. É importante que fique claro para você o significado do termo planejamento. Vejamos: “O termo planejamento abrange ampla gama de atividades. Pode-se distinguir as categorias de planejamento estratégico e planejamento operacional, e usar outros critérios de grandeza espacial (planejamento local, planejamento regional, planejamento nacional etc.) ou de setores de atividades (planejamento urbano, planejamento rural, planejamento ambiental, planejamento econômico etc.)”. (CHRISTOFOLLETI, 2009, p. 417). IMPORTANT E Vários exemplos podem ser citados quanto à aplicabilidade do conhecimento geomorfológico. Assim, destacamos sua aplicabilidade no planejamento do uso do solo rural e urbano; no planejamento ambiental; nas obras de engenharia; nas pesquisas de recursos minerais e recuperação de áreas degradadas através da mineração e na classificação de terrenos. Vejamos, segundo Christofoletti (2009), o papel e/ou importância da geomorfologia em cada uma das aplicabilidades destacadas acima: UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA GEOMORFOLOGIA 24 Planejamento e uso do solo rural→ sem dúvida, as atividades agrícolas são responsáveis pela transformação paisagística em extensas áreas. Primeiramente, substituindo a cobertura vegetal e automaticamente alterando as relações entre as plantas e o solo. Posteriormente, as áreas exploradas avançam rapidamente pelos setores topográficos favoráveis, deixando intactas as áreas consideradas aparentemente inóspitas ou inapropriadas. Diante do exposto, o conhecimento dos processos geomorfológicos é de fundamental importância. Nesta situação, uma abordagem geomorfológica seria reconhecer a incidência espacial dos processos e as suas intensidades e mudanças ao longo das vertentes. Assim, para o controle da erosão dos solos e do escoamento superficial nas vertentes, seria interessante fazer a alocação das culturas desde o topo até o sopé, bem como a realização de obras frequentemente indicadas pelos especialistas no que concerne ao manejo do solo. Planejamento do uso do solo urbano → em função da grande densidade ocupacional nas áreas urbanizadas, a topografia surge como um dos principais elementos a orientar o processo de ocupação. Desse modo, o conhecimento geomorfológico pode ser aplicado no estudo específico das características morfológicas e dos processos morfogenéticos, abarcando uma análise dos componentes do sistema ambiental físico em áreas urbanizadas. Neste sentido, outros estudos setoriais também poderiam ser realizados, como os do clima, solo, vegetação e hidrografia. Outra aplicabilidade seria a análise da vulnerabilidade das áreas urbanas, principalmente no que se refere à ocorrência dos fenômenos naturais (furacão, tufões, enchentes, secas, movimentos de massa, terremotos, dentre outros), considerados por alguns autores como azares naturais. Obras de engenharia → esse tipo de obra procura melhorar e também ampliar a infraestrutura para os procesos de ocupação dos solos, e pode-se dizer que muitas das suas dificuldades estão em suplantar os empecilhos advindos da morfologia e dos processos morfogenéticos. Exemplo disso são as instalações em áreas costeiras, obras em canais fluviais e as ligações às redes de transporte. Assim, o conhecimento geomorfológico é importante para o manejo em áreas costeiras, fornecendo informações das condições do solo aplicáveis à engenharia, para o empreendimento do controle dos estuários e praias, o proceso erosivo das falésias e das praias, bem como, a intensificação dos procesos de sedimentação, normalmente nas áreas portuárias, estuários navegáveis e também áreas utilizadas para o lazer. Nas obras em canais fluviais que estão atreladas principalmente aos sistemas de canalização dos rios (obras de engenharia que consistem no alargamento, aprofundamento e a retificação dos canais dos rios, também envolve a proteção das margens, bem como a construção de novos canais). É evidente que, embora os trabalhos de engenharia tenham como objetivo criar melhores condições e vantagens ao fluxo e uso dos canais, existem também sérios impactos ambientais atrelados a estas obras, que precisam ser analisados. Quanto à participação da geomorfologia nas redes de transporte, destacamos que a ausência ou a avaliação inadequada dos condicionantes geomorfológicos resulta em dificuldades na hora da construção, prejuízos, bem como, obstáculos imprevistos para a manutenção e mesmo a própria alteração do traçado inicial. Exemplo disso foi a construção da Transamazônica. TÓPICO 1 | GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO GEOMORFOLÓGICO 25 Planejamento ambiental → vários são os exemplos da aplicabilidade do conhecimento geomorfológico no planejamento ambiental. Um deles consiste em analisar a grandeza integrativa na escala espacial, local ou regional. Nesta análise integrativa a aplicabilidade consiste em uma visão holística, ou seja, abrange a totalidade do sistema. Vejamos um exemplo que abarca esta concepção holística: No planejamento de bacias hidrográficas, a análise geomorfológica é essencial para compreender a diversidade topográfica correspondente às diversas subzonas da bacia hidrográfica. Assim, os estudos morfométricos oferecem vários tipos de indicadores que podem ser usados para avaliar o comportamento hidrológico. Outro exemplo de atuação do conhecimento geomorfológico no planejamento ambiental é a análise da ocorrência dos “azares naturais” (fenômenos naturais) e avaliação dos impactos ambientais. Pesquisas sobre recursos minerais e recuperação de áreas degradadas por mineração → o conhecimento geomorfológico é utilizado em vários setores de prospecção de jazidas minerais A exploração dos recursos minerais tem recuperação sensível na modificação do cenário topográfico. Pode-se dizer que essa transformação topográfica é irreversível. A exploração de minério de ferro, de jazidas carboníferas e de categorias rochosas, por exemplo, necessita obviamente da transformação da paisagem topográfica. Desse modo, alguns procedimentos podem e devem ser empregados
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