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Metodologia da Pesquisa em Estudos Literários UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS CONSELHO EDITORIAL Presidente Henrique dos Santos Pereira Membros Antônio Carlos Witkoski Domingos Sávio Nunes de Lima Edleno Silva de Moura Elizabeth Ferreira Cartaxo Spartaco Astolfi Filho Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel COMITÊ EDITORIAL DA EDUA Louis Marmoz Université de Versailles Antônio Cattani UFRGS Alfredo Bosi USP Arminda Mourão Botelho Ufam Spartacus Astolfi Ufam Boaventura Sousa Santos Universidade de Coimbra Bernard Emery Université Stendhal-Grenoble 3 Cesar Barreira UFC Conceição Almeira UFRN Edgard de Assis Carvalho PUC/SP Gabriel Conh USP Gerusa Ferreira PUC/SP José Vicente Tavares UFRGS José Paulo Netto UFRJ Paulo Emílio FGV/RJ Élide Rugai Bastos Unicamp Renan Freitas Pinto Ufam Renato Ortiz Unicamp Rosa Ester Rossini USP Renato Tribuzy Ufam Cássia Maria Bezerra do Nascimento Everton Vasconcelos Pinheiro Monike Rabelo da Silva Lira Tayse da Silva Serrão (Organizadores) Metodologia da Pesquisa em Estudos Literários Copyright© 2018 Universidade Federal do Amazonas Reitor Sylvio Mário Puga Ferreira Vice-Reitor Jacob Moysés Cohen Editor Sérgio Augusto Freire de Souza Revisão Gramatical Giêr Memória Revisão Técnica Rita Cintia Pinto Vieira Projeto Gráfico e Diagramação EDUA Editora filiada à Editora da Universidade Federal do Amazonas Avenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, n. 6200 - Coroado I, Manaus/AM Campus Universitário Senador Arthur Virgilio Filho, Centro de Convivência Fone: (92) 3305-4291 e 3305-4290 E-mail: edua@ufam.edu.br Catalogação na Fonte M593 Metodologia da pesquisa em estudos literários [recurso eletrônico] / Organizado por Cássia Maria Bezerra do Nascimento et al. – Manaus: FUA, 2018. 246 p.: il. Formato: PDF ISBN 978-85-526-0046-6 1. Metodologia da Pesquisa - Literatura. 2. Teoria literária. 3. Estudos literários. I. Nascimento, Cássia Maria Bezerra do (Org.). CDU 001.8:82.0 Cássia Maria Bezerra do Nascimento Everton Vasconcelos Pinheiro Monike Rabelo da Silva Lira Tayse da Silva Serrão (Organizadores) Metodologia da Pesquisa em Estudos Literários 13 15 27 41 Sumário 53 91 5 Caminhos da pesquisa em literatura fantástica Brenda Grazielle Silva Trindade Lileana Mourão Franco de Sá 6 Por uma epistemologia do método Fortuna Crítica Enderson de Souza Sampaio 7 Proposta de abordagem metodológica em análises literárias pela Teoria Pós-colonial Everton Vasconcelos Pinheiro 8 Metodologia para estudos do cotidiano Hervelyn Tayane dos Santos Ferreira 65 81 Apresentação 1 Percursos metodológicos para estudos comparativos entre literatura e cinema Aila Rodrigues Pantoja Valderiza de Almeida Alves 2 A literatura brasileira de expressão amazônica Alexandre da Silva Santos 3 Intertextualidade para pesquisa em literatura Ana Fabíola Silva dos Santos Monike Rabelo da Silva Lira 4 Literatura comparada: teoria e método Ana Fabíola Silva dos Santos Monike Rabelo da Silva Lira 103 117 127 139 151 16513 A expressão e cultura amazônica na literatura Márcio Fernandes Conceição 14 Estudos culturais: um método de abordagem para a análise de objetos literários Naiva Batista Ferreira 15 Fenomenologia-hermenêutica como método de pesquisa em literatura Pedro Thiago Santos de Souza 16 Um caminho possível para a pesquisa de poesia experimental com ênfase em poema-performance Priscila Vasques Castro Dantas 183 199 9 Residualidade literária e cultural Ingrid Karina Morales Pinilla 10 O aspecto do duplo na literatura fantástica Isabella Marques de Cervinho Martins 11 Apontamentos sobre o percurso do herói Izabely Barbosa Farias Neivana Rolim de Lima 12 História, literatura e trauma: a pesquisa literária sobre o contexto da ditadura civil-militar no Brasil Leandro Harisson da Silva Vasconcelos 211 17 Caminhos e saberes para pesquisa em ensino da literatura Rosa Maria Monteiro de Araújo 18 Identidade e identificação nos textos literários Tayse da Silva Serrão Os autores 225 231 241 13 Apresentação Cássia Maria Bezerra do Nascimento Este livro compreende a reflexão acerca do método nas aulas da discipli- na de Metodologia da Pesquisa - Estudos Literários - do Mestrado em Letras do Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Logo no início da disciplina, que durou quatro meses, os alunos foram desafiados à escrita de um capítulo para este livro, que refletisse as relações teoria - método - objeto da pesquisa que propuseram para o Mestrado. Foi ali então que, após aprovação para o Programa e, iniciadas as aulas, os alu- nos passaram a questionar aquilo que escreveram como Metodologia da Pesquisa em seus projetos para o processo seletivo. Os trabalhos aqui presentes trazem, portanto, o resultado das leituras, apresentações e debates realizados ao longo da disciplina, e se organizaram de modo a orientar futuros pesquisadores (os autores foram orientados a pensarem nos estudantes de graduação) sobre caminhos possíveis para os estudos literários. Reconhecemos (e aqui uso a primeira pessoa do plural por compreender o trabalho dos autores) que não estão traçados nestes capítulos roteiros in- falíveis: trata-se de uma perspectiva introdutória, de revisão acerca do que existe produzido a partir de determinadas teorias. Da leitura destas teorias e dos trabalhos acadêmicos nelas fundamentados, os autores pinçaram ter- mos operacionais, caminhos para as pesquisas e exemplificaram aplicações. Reconhecemos também, assim como trata Souza (2016, p. 69), em “Um pouco de método: nos estudos literários às humanidades em geral”, que os estudos literários ganharam na atualidade importante reforço no que diz respeito à Teoria mas que, quanto à reflexão metodológica, vivemos duas 14 posições, a metodofobia (para aqueles que refutam qualquer possibilidade de se tratar de método para a pesquisa literária: 1. por compreenderem que seja reducionismo incompatível com a grandeza incomensurável da literatu- ra, 2. por seu compromisso com a compartimentalização do conhecimento); e a metodofilia (posição de resistência, que rejeita categoricamente fórmulas sensacionalistas e inconsequentes). Estas duas posições explicam porque são raras as publicações que esbo- çam clareza acerca de métodos e metodologias para a pesquisa que tem por objeto o texto literário. Este é usado por pesquisadores de Letras e por dife- rentes áreas do conhecimento como terra de ninguém, ao qual cabe a apli- cação de diversas abordagens (diferentes disciplinas lançam mão do texto literário). Há, portanto, necessidade de um olhar da Literatura pela Literatu- ra, para a partir daí serem traçados caminhos (métodos disciplinares, inter- disciplinares e transdisciplinares), que podem até se encontrar com outros métodos, e os quais devam ser consultados por pesquisadores desta e de outras áreas quando se utilizarem da Literatura. 15 PERCURSOS METODOLÓGICOS PARA ESTUDOS COMPARATIVOS ENTRE LITERATURA E CINEMA Aila Rodrigues Pantoja Valderiza de Almeida Alves 1.1 Introdução O filme conta-nos histórias continuas; ‘diz-nos’ coisas que poderiam também ser transmiti- das na linguagem das palavras; mas di-las de modo diferente. Existe uma razão para a pos- sibilidade assim como para a necessidade das adaptações. Christian Metz Quando falamos em literatura e cinema, é comum criar uma atmosfera um tanto polêmica em torno dessa temática, principalmente ao referimo- nos a adaptações que tiveram sua origem na literatura. Talfato ocorre de- vido à ideia equivocada de que a obra literária se sobrepõe à sua adaptação fílmica. Desta feita é importante salientarmos que uma transposição fílmica possui uma matriz diferente daquela utilizada em uma obra literária, por exemplo. Conforme Barnwell (2013, p. 44), “[...] quando um romance é adaptado para as telas, várias mudanças serão necessárias; isto ocorre porque alguns aspectos do romance não podem ser alcançados na tela”. Assim, quando te- mos a literatura adaptada para o cinema, obtemos uma nova obra, e outros fatores são levados em consideração, pois enquanto o texto literário utiliza a linguagem verbal o cinema emprega a visual. 1 16 Desse modo, o objetivo deste trabalho é apontar metodologias para fins de análise em Literatura e Cinema. Assim, no decorrer da pesquisa elenca- mos alguns caminhos metodológicos que nos proporcionam esse percurso, como: tradução e adaptação intersemiótica, por Plaza (1959-2000) e Stam (2000); análise comparativa, por Carvalhal (1986). E, por fim, demonstra- mos uma análise comparativa entre Literatura e Cinema por meio do li- vro Êxodo da Bíblia Sagrada (1966), tradução João Ferreira de Almeida e a sua adaptação fílmica “Êxodo: Deuses e Reis”, com direção de Ridley Scott (2014). Tal análise se pautará nos seguintes aspectos: (1) os elementos do li- vro que permaneceram no filme; (2) os que foram modificados; e (3) os que foram acrescidos à adaptação. 1.2 Tradução e adaptação fílmica: algumas considerações Adaptar é trair por amor. Walter George Durst Adaptar deriva do latim adaptare e, segundo o dicionário Aurélio, consis- te em “[...] tornar apto; fazer com que uma coisa se combine conveniente- mente com outra; apropriar.” (FERREIRA, 2010, p. 31). O termo possui ain- da outros conceitos, tais como acomodar e transpor. No sentido de transpor, podemos relacionar à literatura com a finalidade de transposição do texto literário para outros modos de produção, como cinema e televisão. Jakobson foi o pioneiro nos estudos de tradução e adaptação fílmica ao propor três classificações de tradução: intralingual, “[...] utiliza outra pala- vra, mais ou menos sinônima, ou recorre a um circunlóquio”; interlingual “[...] o tradutor recodifica e transmite uma mensagem recebida de outra fon- te, assim, a tradução envolve duas mensagens equivalentes em dois códigos diferentes” e intersemiótica que “[...] consiste na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais”, como por exemplo “[...] da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura.” (JAKOBSON, 1970, p. 63-72). Apesar do pioneirismo de Jakobson, vale destacar que este não construiu 17 um padrão estritamente voltado para os estudos de tradução e adaptação; desse modo, para efeito dessa pesquisa, no que diz respeito à tradução inter- semiótica, utilizaremos os pressupostos de Plaza, que compreende que [...] numa tradução intersemiótica, os signos empregados têm tendência a formar novos objetos imediatos, novos sentidos, e novas estruturas, que pela sua própria característica diferen- cial tendem a se desvincular do original. (PLAZA, 2003, p. 30). Stam (2000) afirma que “[...] a ideia de adaptação como tradução suge- re um empenho baseado em princípios de transposição semiótica, com as inevitáveis perdas e ganhos, típicos de qualquer tradução.” (STAM, 2000, p. 62, tradução nossa1). Sendo assim, é natural que em uma adaptação encon- tremos elementos adicionados à obra já que se trata de uma recriação. De acordo com Hutcheon: A adaptação é uma forma de transcodificação de um sistema de comunicação para outro. Com as línguas, nós nos move- mos, por exemplo, do inglês para o português, e conforme vá- rios teóricos nos ensinaram, a tradução inevitavelmente altera não apenas o sentido literal, mas também certas nuances, asso- ciações e o próprio significado cultural do material traduzido. Com as adaptações, as complicações aumentam ainda mais, por as mudanças geralmente ocorre entre mídias, gêneros e, muitas vezes, idiomas e, portanto, culturas. (HUTCHEON 2013, p. 9). Conforme Plaza (2003, p. 32), os símbolos utilizados em uma tradução tendem a produzir novos sentidos, uma obra adaptada sempre será um novo objeto por se desvincular do original: “[...] assim, a tradução como signo en- 1 “The trope of adaptation as translation suggests a principled effort of semiotic transposition, with the inevitable losses and gains typical of any translation.” (STAM, 2000, p. 62). 18 raizado no icônico tem o princípio de similaridade a única responsabilidade de confecção com seu original”. Por falar em similaridade em adaptações, há uma polêmica que gira em torno da tão falada fidelidade ao texto “origi- nal”, ainda segundo o autor, “[...] é mais uma questão de ideologia, porque o signo não pode ser ‘fiel’ ou ‘infiel’ ao objeto, pois como substituto só pode apontar para ele.” (PLAZA, 2003, p. 32). Literatura e Cinema, por serem mídias diferentes, consequentemente, trabalharão de modos distintos. Dessa forma, toda essa questão de fidelida- de não cabe quando colocamos em pauta, pois, como já foi dito, no momen- to em que uma obra passa pelo processo de adaptação, torna-se um objeto novo, ou seja, uma nova criação e consequentemente não tem obrigatorie- dade de ser fiel ao texto que o inspirou, mas, sim similar. 1.3 Método comparativo Quando pensamos em método comparativo, imediatamente remetemos à ideia de comparar duas coisas, estabelecendo possíveis convergências e/ou divergências. Porém, ao associarmos a questão da comparação aos estudos literários, notamos que esse significado inicial ganha maior profundidade. “Em síntese, a comparação, mesmo nos estudos comparados, é um meio, não um fim.” (CARVALHAL, 1986, p. 7). Ainda de acordo com a autora, quando entramos em contato com trabalhos classificados como “estudos li- terários comparados”, por essa denominação, é perceptível a rotulação de in- vestigações variadas, com metodologias diferentes e, pela diversificação dos objetos de análise, dão um vasto campo de atuação à literatura comparada. Quando utilizamos o método comparativo para trabalhar determinada obra, desvelando pontos que se cruzam ou que se afastam, estamos fazen- do um estudo comparativo. É importante ressaltar que, para proceder aos estudos comparativos, não obrigatoriamente devemos avaliar os elementos que convergem, mas também podemos elucidar aqueles que divergem. Os estudos comparatistas entre literatura e cinema costumam apresentar a obra literária como ponto de partida, porém o contrário também ocorre, como no de caso de filmes que foram adaptados para a literatura. 19 1.4 Caminhos metodológicos para estudos comparativos entre Literatura e Cinema A partir de agora demonstraremos alguns caminhos metodológicos (pas- sos) para proceder a análise comparativa entre Literatura e Cinema. Para isso, faremos a análise comparativa do livro de Êxodo, da Bíblia Sagrada, e o filme Êxodo: Deuses e Reis. É relevante salientar que nos pautaremos nos pressupostos da intersemiótica, defendidos por Plaza. A seguir, para melhor entendimento do leitor, apresentamos o resumo das produções, precedido dos passos que podem ser utilizados a fim de se fazer a análise comparativa entre Literatura e Cinema. Trata-se de uma exemplificação de abordagem metodológica. 1.4.1 Resumo: Êxodo O livro de Êxodo, da Bíblia Sagrada (1966), conta a história da escravidão e posterior libertação do povo hebreu do jugo egípcio. O livro aborda ainda o nascimento e trajetória de Moisés, o escolhido por Deus para libertar os hebreus da escravidão que há mais de 400 anos estavam subjugados. A his- tória da escravização do povo hebreu tem raízes profundas no final do livro de Gêneses (BÍBLIA..., 1966) quando José torna-se governador do Egitoe, devido a uma forte seca que assolou a região de Canaã, permite a entrada de seus parentes naquela região. Mais tarde José e todos os seus irmãos morrem, e também todos os ou- tros daquela geração. Mas os seus descentes, os israelitas, têm muitos filhos, se tornam poderosos e espalham-se por todo o Egito. Depois o Egito tem um novo rei que não sabia nada a respeito de José e temia que o aumento dos israelitas pudesse ser uma ameaça para o seu poderio. A saída encontrada pelo rei foi maltratar os hebreus com trabalhos pesados. Nesse ínterim, fo- ram construídas as cidades de Pitom e Ramsés, porém quanto mais os filhos de Israel eram maltratados, mais eles aumentavam em número. Um outro meio encontrado pelo rei para solucionar essa grande questão foi ordenar 20 que as parteiras executassem todos os meninos que nasciam de mães israeli- tas, porém essas tementes à Deus não obedeceram tais ordens. Obstinado, o rei ordena toda a população que se jogue no rio Nilo todos os meninos israe- litas que nasciam. Moisés nasce, nesse contexto, filho de um casal da tribo de Levi, e foi cuidadosamente colocado em um cesto e lançado às margens do Rio Nilo, encontrado pela filha do rei, sendo criado por sua própria mãe, ao mando da princesa. Já adulto, Moisés se indigna por ver um egípcio maltratando um hebreu. Ao olhar para os lados e ver que não havia ninguém por perto, mata-o e esconde seu corpo na areia. Após saber do ato de Moisés, o rei quis matá-lo, porém o hebreu foge e vai morar na terra de Midiã, onde casa-se e tem fi- lhos. Alguns anos depois, o rei do Egito morre, mas os israelitas continuam a sofrer por causa da escravidão. Naquela penosa condição, as suas súplicas chegam aos ouvidos de Deus, que chamou a Moisés e se revelou a ele em Horebe, o “monte de Deus”, para lhe confiar a missão de libertar o povo e retornar a Terra Prometida, a Canaã. Com uma extraordinária demonstra- ção de sinais (as dez pragas), Deus, por meio de Moisés, obriga o faraó a conceder liberdade à multidão israelita. Esta, depois de celebrar a primeira Páscoa como sinal de salvação, empreende a marcha a caminho do mar e o atravessa a pé enxuto pelo mesmo ponto em que depois as águas cobriram o exército egípcio. O povo, então, junto com Moisés e Miriã, expressa a sua gratidão a Deus entoando um cântico, que é um dos testemunhos mais anti- gos da milagrosa libertação de Israel. O livro de Êxodo (BÍBLIA..., 1966), a partir do capítulo 15, é dedicado à peregrinação no deserto e à provisão milagrosa de Deus para o Seu povo. Mas apesar de Deus ter providenciado o pão do céu, água doce da amarga, água de uma rocha, vitória sobre aqueles que iriam destruí-los, Sua Lei es- crita em tábuas de pedra por Sua própria mão e a Sua presença na forma de nuvem e colunas de fogo, as pessoas continuamente resmungavam e se re- belaram contra Ele. Já na parte final do livro, descreve a construção da Arca da Aliança e o plano para o Tabernáculo com seus vários sacrifícios, altares, mobília, cerimônias e formas de adoração. 21 PASSO 1: Estabelecer os elementos remanescentes Os elementos remanescentes dizem respeito às informações que perma- necem após a adaptação para o meio fílmico. Exemplos: personagens (prin- cipais e/ou secundárias), lugares, fatos históricos, temáticas, entre outros. É claro que o pontapé inicial para proceder a análise fílmica de produções distintas requer o conhecimento prévio das obras em questão, caso contrário, não estaríamos falando de comparativismo. Dessa forma, é fundamental que o pesquisador conheça as obras que pretende fazer a comparação. No caso das obras comparadas, Êxodo, da Bíblia Sagrada, e o filme Êxodo: Deuses e Reis (resumo apresentado acima), nota-se que a essência da história de Moisés não sofre nenhuma alteração. É importante frisar que algumas alte- rações, de ordens técnicas, foram necessárias, comuns ao meio fílmico que busca por admiração do telespectador. A maioria das personagens centrais, pertencentes a obra literária, foi pre- servada na adaptação fílmica, como: Moisés, Arão, Mirian, o rei, Zípora, Gerson, Jetro e Deus. Outro aspecto que foi mantido foi a referência a luga- res: Pitom e Ramsés, Górsen, Midiã, Monte Sinai e o Mar Vermelho. Quando pensamos na história de Moisés, inevitavelmente lembramo-nos de dois fatos: o primeiro é a abertura do Mar Vermelho, muito bem retrata- da no filme, e que, inclusive foi utilizada como um elemento surpresa pelo cinema. A grande expectativa de quem assistia ao filme consistia na forma que esse episódio seria retratado, e Scott soube muito bem explorar esse momento, utilizando estratégias cinematográficas como os efeitos especiais. O segundo fato que nos remonta à trajetória do hebreu é o episódio das Dez Pragas que assolaram o povo egípcio, essa temática também foi trabalhada pelo cinema e assim aproximou, de certo modo, o expectador da história desse líder. Além desses elementos, percebemos que a temática também permaneceu inalterada, o enredo ainda demonstra ser um drama histórico que relata a fé religiosa do povo hebreu e sua escravidão no Egito. 22 PASSO 2: Estabelecer os elementos modificados Os elementos modificados são aquelas informações que sofrem altera- ções após a adaptação. Isso ocorre para que o texto se torne viável quando transposto para a mídia. O contrário também acontece. Vale ressaltar que é natural que alguns elementos sejam modificados, haja vista, que se trata de uma nova obra. No episódio do nascimento de Moisés, há uma referência a outro fato bíblico, o nascimento do menino Jesus, que em nada se relaciona com a origem de Moisés. Fazendo um breve paralelo com vistas a explanar melhor a questão: a profecia presente na Bíblia Sagrada (1966), no que se refere ao nascimento de Cristo, previa a chegada do Messias – O Rei do Universo. O então Rei Herodes, na tentativa de impedir isso, ordenou que matassem todas as crianças do sexo masculino. Já na adaptação fílmica, acerca da traje- tória de Moisés, foi feita uma intertextualidade desse episódio no sentido de transportá-lo para a história de Moisés. Ocorre que no ano do nascimento dessa personagem também houve um fato similar, matança de crianças, po- rém, tal evento deu-se por conta de o Faraó perceber que os hebreus estavam reproduzindo-se com rapidez e isso poderia acarretar, no futuro, uma con- fabulação e consequentemente a perda do seu poder e libertação do povo hebreu. Como já mencionamos, uma adaptação contém perdas e ganhos e esse episódio modificado certamente foi um ganho. Não podemos esquecer que em uma transmutação não há obrigatoriedade de fidelidade com a obra ponto de partida. Assim: O processo de adaptação, portanto, não se esgota na transpo- sição do texto literário para um outro veículo. Ele pode gerar uma cadeia quase infinita de referência a outros textos, consti- tuindo um fenômeno cultural que envolve processos dinâmi- cos de transferência, tradução e interpretação de significados e valores histórico-culturais. (GUIMARÃES, 2003, p. 91-92). 23 Outro elemento modificado diz respeito ao cajado usado por Moisés em vários momentos na narrativa bíblica. Tal objeto esteve com ele durante mo- mentos cruciais de sua história – quando Deus quis mostrar o seu poder a Faraó, transformando o utensílio em cobra e na abertura do Mar Vermelho –, foi substituído por uma espada. Essa alternativa, pode ser entendida por uma tentativa da direção do filme de “modernizar” o relato bíblico. De acor- do com Hutcheon (2006, p. 32), “[...] a obra fílmica, não se configura como replicação do original”. PASSO 3: Estabelecer os elementos adicionados Os elementos adicionados são aqueles fatos e/ou informações que foram acrescidos na narrativa fílmica. Exemplos: personagens novos, narrativas secundárias, dentre outros. Alguns fatos sobre a ascendênciade Moisés não são explicados na obra literária, enquanto que, na adaptação fílmica, o di- retor preocupou-se em dar uma linearidade à narrativa ao retratar enfatica- mente o momento da descoberta de sua origem, como podemos observar no diálogo que segue: – Como está seu pai? sei que não sabe o nome dele, apenas que era general do exército do Faraó, não mencionado por sua mãe, vejo que isso te deixa desconfortável, isso deve interessá -lo, nunca houve um general, sua mãe, a mulher a que chama de mãe nunca teve filhos, você nasceu escravo. (SCOTT, 2014). Outro elemento modificado é a ênfase dada na relação de rivalidade entre Moisés e Ramsés, que é apresentada em diversos momentos do filme. No texto bíblico, tal antagonismo não recebe tanto destaque. Também podemos citar como um acréscimo, a personagem Deus, que na adaptação fílmica manifesta-se em forma de um menino, enquanto que na Escritura Sagrada só nos é relatada que há uma “voz” que conversa com Moisés. 24 1.5 Considerações finais O presente artigo teve por finalidade mostrar alguns caminhos metodo- lógicos para se fazer uma análise comparativa entre a Literatura e o Cinema, considerando três categorias de análise: elementos remanescentes; elemen- tos modificados e elementos adicionados. Sabemos que literatura e cinema são dois sistemas semióticos distintos, mas também entendemos que, apesar disso, possuem inegáveis aproxima- ções que são notadamente comprovadas quando cotidianamente encontra- mos obras adaptadas para o cinema e o contrário também ocorre. Enquanto a literatura, por meio da narratividade, nos relata os acontecimentos, o ci- nema, através da imagem e efeitos visuais, nos mostra esse mesmo aconte- cimento de forma “mais próxima da nossa realidade”, assim uma narrativa pormenorizada de determinado acontecimento faz-se impossível em um filme, por meio de diálogos. Ao ser adaptada uma obra literária sofre, de certa forma, uma alteração, e temos então, conforme Stam (2000), “perdas e ganhos”. Na obra em ques- tão, observamos que houve um “corte” no que concerne à narrativa bíblica da história de Moisés e da libertação do povo hebreu da escravidão no Egi- to. A trajetória que é narrada na Bíblia Sagrada (1966) contempla desde o nascimento desta personagem até sua morte; já no filme é mostrado até a abertura do Mar Vermelho, desconsiderando a difícil peregrinação do povo hebreu no deserto. O que pode ser uma “deixa” para a continuação do filme, estratégia bastante utilizada pela indústria cinematográfica. Sobre a questão das modificações em adaptações, é de suma importância frisar que a noção de adaptação infere a existência de mudanças para com o texto fonte, afinal, como preceitua Azêredo (2012), a concepção de adaptação confere a admissão de fazer escolhas quanto a adicionar, retirar ou mesmo promover cortes nos elementos que serão apresentados na tela. Percebemos que, no processo de adaptação fílmica da obra literária, foi mantida a essência da narrativa literária. Mesmo sofrendo perdas, no que se refere aos cortes no enredo, e também recebendo, no que diz respeito aos elementos adicionados. Destacamos também que, no campo da análise da adaptação fílmica, esse trabalho não se encerra, pelo contrário, apenas se inicia. Esperamos, por fim, que este trabalho contribua com pesquisas 25 futuras tanto no plano da adaptação fílmica quanto à leitura cruzada da obra literária com a adaptação fílmica. Referências AZERÊDO, Genilda. Alguns pressupostos teórico-críticos do fenômeno da adaptação fílmica. In: GOUVEIA, Arturo; AZERÊDO, Genilda (Orgs.). Estudos comparados: análises de narrativas literárias e fílmicas. João Pessoa, PB: Editora Universitária/UFPB, 2012. BARNWELL, Jane. Fundamentos de Produção Cinematográfica. Porto Alegre, RS: Bookman, 2013. CARVALHAL, Tânia Franco. Literatura comparada. São Paulo: Ática, 1986. ÊXODO: deuses e reis. Direcão Ridley Scott. EUA: Fox Film do Brasil, 2014. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da Língua portuguesa. 5. ed. Curiti- ba: Positivo, 2010. GUIMARÃES, Josué Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 9. ed. São Paulo, SP: Contex- to, 2000. HUTCHEON, Linda. Uma teoria da adaptação. Tradução André Cechinel. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2013. JAKOBSON, Roman. Aspectos linguísticos da tradução. In: ______. Linguística e Comuni- cação. São Paulo: Cultrix, 1970. PLAZA, Julio. A Tradução Intersemiótica como Pensamento em Signos. In: ______. Tra- dução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003. STAM, Robert. Introduction: the theory and practice of adaptation. In: ______. Dispo- nível em: <http://adaptation391w.qwriting.qc.cuny.edu/files/2012/08/Stam-Intro-Theory -and-Practice-of-Adaptation.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2017. 27 A LITERATURA BRASILEIRA DE EXPRESSÃO AMAZÔNICA Alexandre da Silva Santos É através da literatura que a palavra escrita cria a representação de um mundo e mimetiza a realidade. O escritor se torna o portador de uma ex- pressão que reflete as mais variadas cenas da vida humana. Por meio do uso de recursos linguísticos que possibilitam a construção de diversas imagens, ele ressignifica a existência para que possamos sair da banalidade do ato de existir. Esse portador possibilita também pensar criticamente sobre os estudos realizados no Amazonas, cujas vozes ainda não são escutadas por alguns grupos de estudiosos que se propõem a realizar os estudos de expressão amazônica. Estes permitem a compreensão de uma região que morre pelos pecados de uma mentalidade atrofiada e isso é visto como um conflito que resiste em existir diariamente nas ruas das cidades, à medida que se desco- nhece as raízes históricas, culturais, políticas e sociais. Como afirma Souza (2003), em Expressão Amazonense, o olhar que se tem sobre essa realidade ainda é de abandono e, ao mesmo tempo, repleto de adjetivos falsos, por haver uma tradição do silêncio em uma sociedade cerceada pelo poder, desde os tempos áureos e ilusórios da borracha. Assim, quem decide estudar por esse caminho, o da expressão amazô- nica, deve compreender a existência de um cenário de ostentação, sonhos frustrados, marginalizações e vozes silenciadas, a partir da importação de modelos culturais ultrapassados que não refletem a mentalidade da região, tudo um fruto de práticas adotadas desde o período da colonização. A nossa proposta é contribuir no trilhar de um caminho investigação acadêmica que oportunize outros estudos no tocante ao imaginário, às cren- 2 28 ças, à condição de marginalização, ao silêncio, à identidade do rio, da flores- ta, das cantigas, da migração para o meio urbano e as dificuldades que por lá passam os ribeirinhos e os retirantes da seca. 2.1 As vozes O artista amazonense, segundo Souza (2003), será sempre um corpo es- tranho em um contexto de ornamento em que a classe dominante reside. A arte que ele produz será o adorno, mas para romper esse quadro, surgem aqueles que carregam a voz da resistência contra essa necrofilia, eles são os que irão mostrar uma sociedade de falsos letrados e analfabetos da estética. Farias (1990), em Romanceiro, e Sarmento (2007), em Uiara e outros poe- mas, são dois exemplos dessas vozes que comunicam o mundo amazônico. O primeiro por apresentar crenças, sonhos, esperanças e anseios dos ribeiri- nhos cuja vida está sob a tutela das águas. O segundo expõe o contato do re- tirante da seca em terras amazônicas; nelas esse indivíduo revela os mesmos sentimentos do ribeirinho e a transformação de identidade por qual passará ao ser hospedado pela floresta. Uma vez realizada a leitura dos livros mencionados, temos como pró- ximo passo amparar-nos no pensamento de Eco (2003), em A obra aberta, por entender que o teórico discorre sobre a Arte enquanto uma comunica- ção do imaginário que complementao mundo. Assim entendemos o texto literário. Para tanto, as vozes desses poetas ecoam outros sons, discursos que car- regam uma ideologia e valores culturais herdados de geração a outra gera- ção. Nesse sentido, para compreender essas características é preciso dire- cionar a abordagem para os Estudos Culturais cujas pesquisas da chamada Escola de Birmingham, sob a coordenação de Richard Hoggart, em The Uses of Literacy, de 1977, no Centro de Estudos Culturais da Universidade de Birmingham, disponibilizam o suporte que precisamos para entender uma parte do pluriculturalismo presente na região amazônica cujas organizações populares e as elites intelectuais têm colocado em prática ao longo da histó- ria desse local. 29 Consoante Júnior Pontes (2014), em Os estudos culturais e a crítica lite- rária no Brasil: Historicamente falando, o campo dos Estudos Culturais iden- tifica-se com a transformação no pensamento inglês do pós- guerra, onde fora iniciado graças a preocupações que deman- davam um tratamento distinto do que se podia com a herança oitocentista das ciências sociais. Raymond Williams, Richard Hoggart e E. P. Thompson, principalmente, trouxeram contri- buições com que os pesquisadores da New Left Review, como Stuart Hall e Paul Gilroy, reformularam o legado marxista a partir do pensamento de Gramsci. (PONTES, 2014, p. 18). Dessa forma, essa apreensão se faz necessária para avançar nos estudos de expressão amazônica, e, uma vez feita, podem ser realizadas as análises dos elementos da linguagem poética dos poetas Elson Farias e Octávio Sar- mento, tais como as ênfases, repetições, omissões, metáforas, ambiguidades, personagens, incidentes, símbolos, enredo e tema e demais traços relevantes para compreensão do imagético nos textos. Compreende-se, dessa maneira, que os Estudos Culturais na abordagem de expressão amazônica é uma investigação da produção contextual, mul- tidimensional do conhecimento cultural, cujo objetivo é refletir acerca da natureza complexa dos objetos em análises. Em outras palavras, é entender o fenômeno da expressão cultural não como algo isolado, mas inserido em práticas culturais de uma sociedade em um determinado período da histó- ria. Uma característica de trilhar esse caminho adotado é ser estimulado à investigação interdisciplinar dos estudos voltado às classes trabalhadoras, juventude, mulheres, feminismo, sexo e gênero, raça, etnicidade, políticas culturais, entre outros. Enfim, é a análise dos marginalizados, aqueles que não possuem voz, ou são silenciados, ou ainda, não possuem o direito de voz. Nesse ponto da abordagem é preciso realizar a delimitação do percurso, isto é, observar as linhas de pesquisas mais adotadas dentro dos Estudos 30 Culturais, para depois trilhar os caminhos dentro da abordagem de Expres- são Amazônica, são elas: a) fenômenos de mercantilização cultural contem- porânea, analisando as relações de poder e os mercados, articulando com as culturas populares, a partir de Bourdieu (1984) e Centeau (1984); b) noção de Estado nas sociedades capitalistas contemporâneas e relações de poder e micropoder, a partir de aparelhos ideológicos do Estado de Althusser (1980) e Foucault (2008); c) a luta de hegemonia e contra-hegemonia como pro- dução de sentido nas diversas representações do Estado, em concordância com Gramsci (1978) e o abandono das meta-narrativas culturais, de Lyotard (1987); d) modos de construção política e social das identidades, abordando as questões de raça, nação, etnicidade, diásporas, colonialismo e pós-colo- nialismo, sexo e gênero, entre outros; e) fenômenos culturais ligados à glo- balização, tais como desterritorialização cultural, movimentos transacionais de pessoas, bens e imagens, sociedade em rede, terrorismo cultural, choques culturais civis, crise ambiental, e outros. Realizadas as fundamentações para a compreensão da expressão cultu- ral, enquanto uma construção de significados que são expressos em signifi- cantes simbólicos, estabelecendo uma comunicação entre os homens, e por conseguinte, um efeito de sentido, o próximo passo é de percorrer as leituras dos objetos (obras dos poemas mencionados) a partir da exposição de Hall (2003). Este discorre sobre a produção de sentidos, ele entende esses como uma ligação entre o conhecimento tradicional e a mudança de mentalida- de presente no indivíduo e no coletivo. Essas ligações são transmitidas de geração a geração, inserindo o homem em um ciclo do devir em constante processo de formação cultural. Sendo assim, os Estudos de Expressão Amazônica estão inseridos nos Es- tudos Culturais, sendo estes os passos adotados de um caminho de análises que compreendem ser a cultura uma reação física e mental que caracterizam posturas dentro de uma coletividade e/ou individualidade em relação ao ambiente natural inserido, isto é, uma troca de experiências, formadoras de identidades, dentro de um sistema de dominação e jugos estéticos, morais e sociais, conforme expõem Williams (1969) e Boas (2011). Logo, essas abordagens possibilitam ao pesquisador o entendimento da atuação do campo da cultura, porque ele é um lugar importante para discutir 31 conflitos, contradições, papéis sociais, práticas culturais, costumes, modos de vivência, até mesmo a dinâmica econômica de determinadas sociedades, quer seja pela oralidade, memória e tradição, quer seja pelo patrimônio cul- tural e capital material. 2.2 A metodologia do estudos de Expressão Amazonense No intuito de colocar em prática as informações oriundas da linha de pesquisa dos Estudos Culturais, que se referem aos modos de produção de sentidos, e estes situados no alcance semântico que os poetas Farias (1990) e Sarmento (2007) podem atingir para realizar a expressão amazônica, como uma voz que realiza a representação da realidade amazônica, foi traçado um roteiro de leituras que visam compreender quais são as imagens existentes da região e os sentidos atribuídos a elas. O Amazonas da época de Octávio era o destino da chegada de estran- geiros, nordestinos, por estarem inseridos em políticas governamentais que visavam, através da produção agrária, o desenvolvimento do país. Um exem- plo disso ocorre em julho de 1878, quando, do porto de Fortaleza, o navio de guerra Purus levou um grande número de cearenses pobres que fugiam da profunda miséria a que se viram reduzidos. Muitas vezes eles partiam sem saber ao certo o que iriam encontrar pela frente. Eram trabalhadores con- tratados para as obras de construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Por sua vez, o ribeirinho presente da obra Romanceiro, de Farias (1990), em análise, é o contemporâneo a de Sarmento (2007). Por conta disso, a leitura de Meggers (1967), em Amazônia, a ilusão de um paraíso, é a etapa da pesquisa que oferece ao pesquisador da área de expressão amazonense o entendimento da região como um laboratório de estudo cujo palco tem sido o espetáculo da seleção natural trazido por ho- mens que a povoaram, antes da era cristã, depois, por exploradores que in- troduziram novas lógicas sociais. Nisso, o Estudo Cultural de Expressão Amazônica é aquele pavimento posto no caminho que não se permite fazer apenas análise de cultura etno- gráfica, curiosa apenas aos especialistas em folclore amazônico, conforme 32 expõe Souza (2003), mas é o passo do caminho feito por Raul Bopp, em Cobra Norato, Mário de Andrade, em Macunaíma, Nunes Pereira, em Mo- ronguetá, um decameron indígena, Sarmento (2007) e sua Uiara, e em Farias (1990), no Romanceiro, estes últimos objetos de nossa análise. No percorrer do trajeto, é preciso entender que a Expressão Amazônica, na literatura, é marcada desde os tempos coloniais pelo palco de importa- ções culturais desenfreadas, motivadas por práticas de trocas aqui nascente, fruto do mercantilismo português, sendomais tarde modificado para a cul- tura da ostentação, em contexto do ciclo da borracha. Dessa forma, é a ferramenta que o crítico possui para analisar o seu obje- to de estudo, sendo assim: [...] É importante destacar que as duas ideias são muito pertinentes quando se aborda a literatura produzida na ou a partir da Amazônia. Os valores regionais, hábitos, costumes, línguas, sempre estiveram em confronto com a busca de uma universalização da cultura. A aceitação das diferenças e da valorização dos diversos discursos que compõe as sociedades contemporâneas, as chamadas minorias: mulheres, etnias e os mais variados grupos e pessoas, vêm destacando-se a partir dos estudos culturais, iniciados nos anos sessenta. (BEZERRA, 2011, p. 2). Dessa maneira, para efeitos metodológicos, após o entendimento dos contextos, a seleção da linha de estudo dentro dos Estudos Culturais, a que se relaciona aos modos de construção política e social das identidades, foi a escolhida e adotada enquanto percurso metodológico, para o estudo tex- tual do poema “Uiara”, da obra Uiara e outros poemas, de Sarmento (2007), e dos poemas do Romanceiro, de Farias (1990) com base em uma análise bibliográfica, por meio de fichamentos, após o entendimento dos poetas no contexto histórico da literatura produzida no Amazonas. 33 2.2.1 Contexto Iniciar um procedimento de análise desse quadro requer compreender a marca do silêncio, isto é, o artista amazonense ainda é visto como um corpo estranho, frente ao ornamento construído pela classe dominante, para ela, erroneamente persiste a ideia de ser a Literatura Amazonense, Literatura Brasileira de Expressão Amazônica, termos correlatos, uma produção de adorno, de ostentação. Segundo Bezerra (2011, p. 4): A leitura das obras da literatura de expressão amazônica ainda continua centrada, restrita a certos grupos, no ciclo acadêmi- co, e nos grupos que exercem tal prática ainda com o objetivo de se afastarem da chamada cultura popular, e, principalmen- te, das práticas culturas de massa, na relação de poder, na dis- puta por uma hegemonia entre esses grupos. Assim, o artista amazonense é o resultado dessas práticas que Bezerra (2011) expõe. Nesse sentido, traçou-se um roteiro de viagem no trajeto per- corrido para não cair em achismos ou usar argumentações superficiais, logo, linhas de pesquisas em potencial foram observadas e traçadas a partir de períodos históricos da região, tais como: a) dos primeiros viajantes até os primeiros relatos dos cientistas da terra, b) ciclo da Borracha, c) depressão da borracha, d) Clube da Madrugada e, e) Pós-Clube da Madrugada. Ainda segundo Bezerra (2011, p. 3), a respeito de uma literatura de ex- pressão amazônica: 1) devemos entender que as produções culturais na região amazônica não estão apenas ligadas à ideia de uma cultu- ra letrada, das belas letras, das belas artes, buscando sempre elementos universalizantes, mas que as culturas amazônicas e, portanto, a sua produção e recepção artística são híbridas. Além disso, 2) é necessário ampliar as ações para a formação de um público leitor desta literatura, por acreditar que temos 34 os elementos do sistema literário produção, produto e tradição com mais força do que a recepção. Desse modo, o período de 1600 até 1860 corresponde à produção literá- ria entendida como de retrato, de relato de aventuras e curiosidades acer- ca da região amazônica. Ela é fruto da prática colonialista, principalmente portuguesa e de viajantes estrangeiros, decorrentes de relatos de Francisco Orellana, Gaspar de Carvajal e outros. Comportam-se, nesse eixo, autores, cronistas e curiosos que produziram a imagem das impressões desses, com uma linguagem própria, metaforizada da região, fantasiosa, marcada pela violência contra o índio. No pensamento de Souza (2003), é o reflexo da cosmogonia católica da conquista, porque também se escrevia para falar da conquista. No que tange ao momento da economia gomífera, do auge ao declínio que vai dos meados de 1860 até 1930, há marcas de uma literatura infernista e edenista, palco de uma produção do exótico, do adorno e da ostentação em que os valores sociais e políticos impuseram aos artistas. Agrega-se a esse contexto escritores que somente experimentavam a negatividade de uma maneira descompassada, ou seja, reproduziam escolas literárias importadas da Europa com a finalidade de fomentar a negatividade falsa, todas elas for- malistas. Nesse cenário, fala-se de uma cidade (Manaus ou Belém) decorativa, ce- nográfica e palco de pompas, um teatro de costumes dos coronéis da borra- cha que servia para a contemplação de uma urbe babilônica com um estilo frenético, ligeiro, fruto do delírio e do sonho, em um espaço microcósmico das doenças do espírito burguês. Era a época do “Vaudeville”. Por sua vez, o período marcado e chamado aqui como Depressão da bor- racha estende-se de 1930 até 1954 com o início do Clube da Madrugada apresentando como principal característica o combate ao marasmo, tédio e falta de produções de relevo da parte dos que se chamavam intelectuais na época. Até o momento, o que se tem de registrado por outros críticos desse período são impróprios para o consumo da leitura. Esse tempo é marcado também pelo aumento do êxodo rural e o gra- dativo processo de esvaziamento do interior do Amazonas para a capital 35 Manaus, por exemplo, e esta não possui a estrutura necessária para acolher tantas pessoas, provocando práticas de deslocamento dessa parte da popula- ção para as periferias ou, em maioria, condicionados a viverem em palafitas, à margem de igarapés e do Rio Negro. Vivencia-se a “Cidade Flutuante”. Somente a partir da Geração Madrugada, assim nomeada por Telles (2014), em “Clube da Madrugada, presença modernista no Amazonas”, que autores como Jorge Tufic, Luiz Bacellar, Thiago de Mello, Antísthenes Pinto, Astrid Cabral, Alencar e Silva, Farias de Carvalho, L. Ruas, Elson Farias, Alcides Werk, Ernesto Penafort, Max Carphentier, Guimarães de Paula, Ar- thur Engrácio, Carlos Gomes, Erasmo Linhares irão realizar a ruptura com o passado e a mentalidade acadêmica ultrapassada, bem como a ideologia extrativista. Sendo assim, os estudos dessa abordagem trabalham com essa inquieta- ção em que os autores citados estabeleceram, mediante as transformações sociais, políticas e culturais, incorporadas a um novo espírito crítico e olhar de renovação cultural em relação à região. Assim, escritores que reconhe- ciam toda essa realidade, suas respectivas aparências, mas diferente de seus antecessores, sabiam penetrar nessas superficialidades e romper com a tra- dição. Por fim, como roteiro traçado, o período conhecido como o Pós-Clube da Madrugada, estende-se dos anos de 1970 até a contemporaneidade, agre- ga autores variados e alguns já renomados, como Milton Haoutum, Aldisio Filgueiras, Efraim Amazonas, Doria Carvalho, Aníbal Beça, Adrino Aragão, Zemaria Pinto, João Bosco Botelho, Márcio Souza, Vera do Val, Simão Pes- soa, Tenório Telles, Claudio Fonseca, Alisou Leão, entre outros, que reali- zam produções de caráter experimental, crítica e lirismo de resistência, que abordam os mais variados temas. Logo, registram-se as ações culturais da Editora e Livraria Valer, respon- sável pela reedição de livros dessa plêiade, cuja dedicação ajudou a tornar conhecida a história da literatura produzida no Amazonas e de sua respec- tiva historicidade, também em contexto acadêmico. Como um dos frutos oriundos desse trabalho, Manaus dos finais dos anos de 1990 presenciou algumas atividades literárias que ainda estão em processo de análises, des- cobertas e estudos por parte da crítica. 36 Destaco a criação de espaços para debates na livraria mencionada, cha- mado de “Quarta Literária” e de ciclos de discussões aos sábados da Aca- demia Amazonensede Letras, voltada para jovens estudantes e amantes da literatura. Como um dos grupos que vieram nesse período como formador de novos escritores e meio de divulgação do fazer literário da cidade, cha- mo atenção para a “Caravana Literária” e o Clube Literário do Amazonas (CLAM). Este oferecendo ao quadro, o livro A quinta estação, de 2009. 2.2.2 A metodologia Mediante os resultados das etapas anteriores, que se prenderam a com- preender as linhas de abordagens dos Estudos Culturais, assim como a de selecionar a qual melhor se insere para os Estudos de Expressão Amazonen- se; conhecer os conceitos de um e de outro, os contextos; foi pesquisado uma definição relevante ao quadro teórico do que é cultura. E a este chegamos ao entendimento dado por Peter Burker em O que é História Cultural?, de 2005, citando Clifford Geertz em uma teoria interpretativa da cultura, ei-lo: “[...] ela é um padrão historicamente transmitido, de significados simbólicos e concepções herdadas que se perpetuam e desenvolvem sua comunicação entre os homens.” (BURKER, 2005, p. 52). Partimos do princípio de que os poetas escolhidos, Elson Farias e Octá- vio Sarmento, são duas vozes de uma literatura multifacetada e plurissigni- ficativa, carregada de símbolos que apresentam uma realidade cultural, uma identidade, esta é o resultado de uma produção de um povo que gosta de ouvir histórias, contar lendas; mas não há apenas o gosto pelo popular, há criticismo, denúncia e resistência. Nessa perspectiva, esse tipo de literatura é o estado de fruição da arte que complementa o mundo (ECO, 2003, p. 40). Logo, após a apreensão desse contexto multidimensional, histórico e cul- tural, a partir da escolha dos estudos culturais referentes aos modos de cons- trução política e social das identidades, os poemas da obra Romanceiro e o poema “Uiara”, do livro Uiara e outros poemas, respectivamente de Farias e Sarmento, foram selecionados para entender os mecanismos da expressão 37 dos poetas a partir de um dos três caminhos listados abaixo, como usual no tocante aos estudos culturais, de um modo geral, sob a ótica da Literatura: 1. etnográfica; 2. textual; 3. recepção. Uma vez escolhido o segundo caminho, os elementos que constituem o texto poético visam às leituras internas e externas aos poemas mencionados das metáforas que representam o imaginário amazônico na visão do ribeiri- nho de Farias (1990) e do retirante da seca de Sarmento (2007). Assim, delimitou-se o estudo pela jornada da expressão amazonense no eixo do período da economia gomífera, presente no contexto do poema mencionado de Sarmento (2007) a ser comparado com o ribeirinho apre- sentado em Elson Farias, em um mesmo momento histórico. 2.3 Considerações finais Nas últimas décadas do século XIX, entre os anos de 1870 e 1915, ocorreu o processo de expansão e apogeu da economia da borracha na Amazônia. Nesta época, a exploração da borracha silvestre, através do extrativismo, possibilitou uma crescente demanda pelo consumo da borracha nos países industrializados da Europa e Estados Unidos da América na época. Conse- quentemente, a borracha silvestre brasileira (Hevea Brasiliensis) possibilitou que a Amazônia, em pouco tempo, fosse o principal fornecedor de borracha em nível mundial, detendo indiscutível monopólio. Esse cenário gerou uma rápida riqueza e desenvolvimento de cidades como Belém e Manaus, visto em alargamento de ruas, preocupação com a estrutura sanitária e construção de edifícios que refletissem esse momento de crescimento e também de ilusão, conforme expõe Dias (2007), em Ilusão do Fausto. A literatura produzida em Manaus, nos meados de 1917, oscilava entre o culto ao exótico e à forma; em uma linguagem que busca o efeito parnaso da 38 perfeição da estética literária, isto é, existiam grupos que estavam divididos entre os “edenistas”, cujos temas poéticos têm como preferência a opulência da floresta, sintetizando uma visão exótica da região, conforme pensamento de Krüger (2001), em Amazônia: mito e literatura; e de outro, os “infernis- tas”, que em suas propostas, pintam a paisagem amazônica como um verda- deiro inferno verde, segundo Rangel (2008), em Inferno Verde. Logo, os poetas escolhidos nesse estudo são o reflexo de uma Amazônia que sempre desafiou a tecnologia imposta pelos colonizadores, coronéis da borracha e empresários que possuem apenas a visão do exótico em relação a essa biodiversidade da existência. Os escritores da Geração da Madrugada, por exemplo, produziram de outras formas o fazer literário, contribuindo para a mudança da mentalidade exposta. Diante disso, o trabalho com a linguagem literária impõe a reflexão acer- ca de uma realidade e o seu respectivo reflexo é medido pela inteirado de sua expressão. Nesse contexto, a Literatura assume o caráter humanizador e a aquisição do saber, a percepção da complexidade do mundo e dos seres que nele estão inseridos, isto é, ela nos torna compreensíveis e abertos para a natureza, eis a expressão amazônica. Referências BEZERRA, José Denis de Oliveira. Literatura amazônica: para que? In: CULTURAS, LIN- GUAGENSE INTERFACES CONTEMPORÂMEAS (CLIC), 1., 2011, BELÉM [Simpósio]. BOAS, Franz. 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São Paulo: Cosac & Nasfy, 2002. 41 INTERTEXTUALIDADE PARA PESQUISA EM LITERATURA Ana Fabíola Silva dos Santos Monike Rabelo da Silva Lira 3.1 Considerações iniciais Neste texto, nos propusemos a tratar das noções teóricas e metodológicas sobre a Intertextualidadecomo parte dos mecanismos da literatura compa- rada, mediante os pressupostos teóricos de Carvalhal (2006) em Literatu- ra comparada, Coutinho e Carvalhal (2011) na obra Literatura comparada: textos fundadores, Nitrini (2015) em Literatura comparada: história, teoria e crítica, Silva (2011) em Teoria da Literatura e Koch, Bentes e Cavalcante (2012) na obra Intertextualidade: diálogos possíveis, com o intuito de analisar as contribuições que os estudos comparatistas e intertextuais trazem para a pesquisa científica literária, sobretudo como método de pesquisa. A Intertextualidade surge como uma resposta aos estudos comparativis- tas de textos literários, com a teoria da intertextualidade desenvolvida por Julia Kristeva, que teve por base o dualismo de Bakhtin; o estudo intertextu- al não se prende somente ao texto escrito ou produzido, ou na simples inter -relação de um texto com outro(s) textos. Ao longo deste capítulo, intenta- mos apresentar a intertextualidade como uma ponte textual, em que o leitor fará relações de textos com outros textos, e dessas relações, se produzirá sempre novas leituras, abordagens e possibilidades de pesquisa. 3 42 3.2 Intertextualidade Para tratarmos de intertextualidade, é necessário que conheçamos os conceitos de literatura, texto e literatura comparada. Ao pensarmos sobre o conceito de literatura, o autor português Silva (2011, p. 2), em sua obra Teoria da Literatura, menciona sobre o lexema complexo que significa “[...] saber relativo à arte de escrever e ler, gramática, instrução, erudição”. A par- tir da segunda metade do século XVIII, a literatura adquiriu seus signifi- cados fundamentais, como descritos por Silva (2011, p. 10, grifo do autor): “O lexema literatura adquiriu os significados fundamentais que ainda hoje apresenta: uma arte particular, uma específica categoria da criação artística e um conjunto de textos resultantes desta atividade criadora”. O texto, conforme citado por Koch (2015, p. 29), usando os conceitos de Schimidt, é definido como todo componente verbalmente enunciado: Schmidt (1973), que propõe uma teoria sociologicamente ampliada da comunicação linguística, define texto como todo componente verbalmente enunciado de um ato de comunica- ção pertinente a um ‘jogo de atuação comunicativa’, caracteri- zado por uma orientação temática e cumprindo uma função comunicativa identificável, isto é, realizando um potencial ilo- cutório determinado. Para Koch e Elias (2015), o texto adquire sentido quando da participação do leitor: “Assim, o texto é um exemplo de que o autor pressupõe a partici- pação do leitor na construção do sentido, considerando a (re)orientação que lhe é dada.” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 37). Para visualização dos teóricos que tratam a respeito de literatura geral, literatura comparada e intertextualida- de, produzimos o que denominamos de “Funil teórico”, a título de definição da linha de análise, a partir dos estudos intertextuais: 43 Figura 1 - Funil teórico: literatura comparada e intertextualidade Fonte: As autoras (2017). A literatura comparada, para Nitrini (2015), surge com o próprio surgi- mento da literatura, pois, ao existirem duas literaturas, começou-se a com- paração entre as mesmas. A partir do século XIX, a visão intelectual propor- cionou a ascensão da literatura comparada como disciplina acadêmica na Europa, conforme cita Nitrini (2015, p. 20): Ao que tudo indica, a expressão ‘literatura comparada’ derivou de um processo metodológico aplicável às ciências, no qual compara ou contrastar servia como um meio para confirmar uma hipótese. Por outro lado, a visão cosmopolita do século XIX incentivou viagens e encontros entre grandes pensadores intelectuais da época, [...] entusiastas da necessidade de um contato frequente com as literaturas estrangeiras. O ponto de partida da literatura comparada é o manual do comparatis- ta francês Tieghem (1931), em La littérature comparée, citado por Nitrini (2015) que traz, pela primeira vez, a ideia de literatura comparada como disciplina e define-a como uma disciplina particular. 44 Para Nitrini (2015, p. 24), o objeto de estudo da literatura comparada é o estudo das diversas literaturas: E, como disciplina autônoma, a literatura comparada tem seu objeto e método próprios. O objeto é essencialmente o estudo das diversas literaturas nas suas relações entre si, isto é, em que medida umas estão ligadas às outras na inspiração, no conteú- do, na forma, no estilo. Nos textos fundadores organizados por Coutinho e Carvalhal (2011, p. 71), Croce (1949) define que a literatura comparada acompanha o desenvol- vimento de diferentes literaturas, pois: A literatura comparada busca as ideias ou temas literários ou acompanha os acontecimentos, as alterações, as agregações, os desenvolvimentos e as influências recíprocas entre as diferen- tes literaturas. Em relação aos conceitos da literatura comparada, sobressaem-se os de Cionarescu, citados por Nitrini (2015), de onde nascem as definições de in- fluência, imitação e originalidade; tais conceitos foram a base para o estu- do da intertextualidade: a) influência: Nitrini (2015, p. 127) define como a soma de relações de contato de qualquer espécie, ou resultado autônomo artístico, denunciando “[...] a presença de uma transmissão menos mate- rial”; b) imitação: detalhes materiais, de traços de composição, episódios, acontecimentos dados por Mimesis, Retórica do Renascimento, Processo de Adaptação e Comparatismo ou Equivalência entre Imitação e Influência (NITRINI, 2015, p. 127); e c) originalidade: o autor é original quando ig- noramos as transformações dos outros nele, ou seja, o grau de assimilação entre a substância dos outros é que define os limites da originalidade de uma obra (VALÉRY, 1974 apud NITRINI, 2015, p. 135). Sobre linguística textual e intertextualidade, Koch (2015, p. 11) inicia as considerações iniciais de sua obra “Introdução à Linguística Textual” afir- mando que a primeira é “[...] o ramo da Linguística que toma o texto como 45 objeto de estudo”. Como tal, há a expectativa do papel da linguística textual como uma “[...] ciência integrativa de várias outras ciências.” (KOCH, 2015, p. 11). A linguística textual iniciou em meados de 1960 a 1970; nessa primei- ra fase, houve a preocupação de se criar gramáticas textuais, particularmente por parte dos linguistas gerativistas; o texto passa a ser tomado como a uni- dade linguística mais alta. Vale ressaltar que um dos pioneiros da linguística textual, Teun van Dijk, também se dedicou a construir gramáticas textuais. A partir da virada pragmática, os textos passam a ser considerados “[...] elementos constitutivos de uma atividade complexa, como instrumento de realização de intenções comunicativas e sociais do falante” (HEINEMANN, 1982 apud KOCH, 2015, p. 27); a intenção é descobrir “para que” o texto foi estabelecido. A partir dos estudos do dualismo de Bakhtin, Kristeva (1974) concebeu a Teoria da Intertextualidade, na segunda metade do século XIX, que foi recebida “[...] como um instrumento eficaz para injetar sangue novo no estudo dos conceitos de ‘fonte’ e de ‘influência’. ” (NITRINI, 2015, p. 158). A intertextualidade vem sendo estudada ao longo do desenvolvimento da Literatura, como um campo fértil para pesquisas, novas abordagens, desco- bertas e confirmações teóricas dos fenômenos intertextuais observados no espaço de tempo em que o homem produz literatura. A literatura comparada, de onde nasce o conceito de intertextualidade, permite-nos visualizar que os textos não nascem de referências vazias: não existe um marco zero em que a obra literária é criada. Para Kristeva (1974, apud KOCH, 2012, p. 14), “[...] qualquer texto se constrói como um mosaico de citações e é a absorção e a transformação de um outro texto”. A teoria dodialogismo de Bakhtin opõe-se ao imutável, e esse conceito de mudança, de movimento, abre as portas para que Kristeva elabore os preceitos que pro- põem resolver o problema das relações entre textos: “Resolver os problemas das relações entre texto e processos semióticos que aí se articulam é explicar como se constitui o ‘sujeito’ ou a sua ausência.” (NITRINI, 2015, p. 158). Logo na apresentação da obra Intertextualidade, Koch, Bentes e Caval- cante (2012, p. 9) afirmam que a intertextualidade “[...] constitui um dos grandes temas a cujo estudo se tem dedicado [...], particularmente a Teoria Literária”. Conforme as autoras, tendo por base os postulados de Bakhtin e Kristeva, a intertextualidade ocorre quando “[...] em um texto, está inseri- 46 do outro texto (intertexto) anteriormente produzido, que faz parte de uma memória social de uma coletividade.” (KOCH; ELIAS, 2015, p. 86). Para fins de tipos de intertextualidade, este capítulo terá por base os conceitos ela- borados por Koch, Bentes e Cavalcante (2012). Há duas divisões ou grupos em que se pode classificar a intertextualidade; porém, como Koch, Bentes e Cavalcante (2012) assinalam, a intertextualidade não está restrita somente a esses grupos, visto que ela pode ser aprofundada ou estudada sob outras perspectivas: a) stricto sensu: ou apenas intertextualidade, quando em um texto, está inserido outro texto (intertexto) anteriormente produzido; esse texto anterior deve fazer parte da memória coletiva ou discursiva: “[...] é necessário que o texto remeta a outros textos ou fragmentos de textos efe- tivamente produzidos, com os quais se estabelece alguma relação” (KOCH; BENTES; CAVALCANTE, 2012, p. 17), e b) lato sensu: ocorre em relações de gênero, e não somente com textos isolados, mas tomando uma aborda- gem antropológica. Tal abordagem mais ampla não será aprofundada neste artigo, visto que o objeto de estudo reside em comparar obras literárias es- pecíficas. Dentro das definições de intertextualidade stricto sensu, ou somente in- tertextualidade, Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 18) destacam quatro tipos – intertextualidade temática, intertextualidade estilística, intertextua- lidade explícita e intertextualidade implícita, porém não somente limitados a tais; há ainda a intratextualidade ou autotextualidade, a intertextualidade das semelhanças ou das diferenças, a intertextualidade genérica e intertex- tualidade tipológica. A intertextualidade temática trata de obras ou textos com o mesmo tema, como em textos científicos de uma mesma área, temas com conceitos pró- prios, entre matérias de jornais, em textos produzidos dentro de certo perí- odo de tempo, entre textos literários da mesma escola ou do mesmo gênero etc. Koch, Bentes e Cavalcante (2012) citam ainda que a intertextualidade temática pode também ser encontrada em vários tipos de produções tex- tuais, dentre as quais, as histórias em quadrinhos de um mesmo autor e as várias encenações de uma peça teatral. A intertextualidade estilística é notada quando o texto copia o estilo ou variedades linguísticas de outro texto; esse tipo de intertextualidade é prin- 47 cipalmente evidenciado em textos bíblicos, jargões profissionais, grupos so- ciais, dialetos etc. Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 19, grifo das autoras) esclarecem que a emolduração do texto não deve ser descartada, pois “[...] defendemos a posição de que toda forma necessariamente emoldura, enfor- ma determinado conteúdo, de determinada maneira”. A intertextualidade explícita: tem-se a menção direta à fonte do intertex- to, isto é, quando fica claro que aquele texto foi produzido anteriormente por outro enunciador ou outros enunciadores; para citar mais completamente as diversas situações em que se pode usa a intertextualidade explícita, Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 29) mostram-nos os casos em que essa ocorre: É o caso das citações, referências, menções, resumos, resenhas e traduções; em textos argumentativos, quando se emprega o recurso à autoridade; e, em se tratando de situações de intera- ção face a face, nas retomadas do texto do parceiro, para en- cadear sobe ele ou contraditá-lo, ou mesmo para demonstrar atenção ou interesse na interação. A intertextualidade implícita: acontece quando o texto contém intertexto alheio, sem que este seja mencionado explicitamente. Quando da ocorrên- cia da intertextualidade implícita, há introdução dos textos de relação, sem que estes sejam explicitamente citados – o autor não deixa claro que ele está utilizando texto de um autor anterior; Koch; Bentes; Cavalcante (2012, p. 31, grifo nosso) explicam como essa modalidade intertextual será percebida: Nos casos de intertextualidade implícita, o produtor do texto espera que o leitor/ouvinte seja capaz de reconhecer a presen- ça do intertexto, pela ativação do texto-fonte em sua memória discursiva, visto que, se tal não ocorrer, estará prejudicada a construção do sentido, mais particularmente, é claro, no caso de subversão. As fontes para os intertextos que evidenciam a intertextualidade implíci- ta geralmente são de domínio público e se encontram na memória coletiva; 48 são elas: trechos de obras literárias, músicas populares, textos midiáticos, bordões, provérbios, ditos populares etc. Em Intertextualidade, as autoras Koch, Bentes e Cavalcante (2012) tam- bém apresentam outros conceitos de estudos intertextuais, como o Détour- nement, a diferença entre Intertextualidade e Polifonia e as estratégias de manipulação de intertextualidade genérica e intertextualidade tipológica, utilizadas na intertextualidade lato sensu, a intertextualidade de Genet- te (transtextualidade por intertextualidade restrita – citações, aspas, grifas etc.), paratextualidade, arquitextualidade, metatextualidade e hipertextua- lidade. Para exemplificar a aplicabilidade do método de comparação de obras literárias por Intertextualidade, escolhemos como objetos literários as obras homônimas a peça teatral A Tempestade, de Shakespeare (2016) e a His- tória em Quadrinhos (doravante, H.Q.) A Tempestade, de Gaiman (1998), destacando-se os seguintes aspectos: 1) escolha do método de comparação literário, intertextualidade Stricto Sensu, com pauta na definição de Intertex- tualidade Implícita; 2) estudo da obra: A Tempestade, de Shakespeare (2016), como texto-fonte e a obra literária em estilo de H.Q. A Tempestade, de Gai- man (1998), na qual se destaca a Intertextualidade Implícita, por não haver citação direta do intertexto ou texto-fonte no texto criado, ficando a cargo ou identificação do leitor a referência por captação da obra de Shakespeare, provocada por Gaiman; 3) temática: ambas as obras trazem a mesma temá- tica, que é a ganância, o desprezo pelas minorias, a ignorância científica, o mundo fantástico, a subjeção da figura feminina e a remissão da perso- nagem principal; 4) movimentos: Monarquia europeia, viagens marítimas, contextualização da época em que Shakespeare morava na Inglaterra, coe- xistência de três realidades físicas na obra de Gaiman: a época de Shakespe- are, a época da obra de Shakespeare e a época indefinida de Sandman; 5) em A Tempestade, de Shakespeare (2016), temos Miranda e Próspero, Caliban e o Espírito prisioneiro, os marinheiros, a realeza traiçoeira. Na H.Q. A Tem- pestade, de Gaiman (1998), temos Shakespeare e sua família, os habitantes do vilarejo, marinheiros, Sandman, as personagens de dentro da história de Shakespeare; e 6) gênero literário: A Tempestade, de Shakespeare, dramatur- gia. A H.Q. A Tempestade, de Gaiman, história em quadrinhos mídia adulta. 49 Koch, Bentes e Cavalcante (2012, p. 146) chamam a atenção para o ponto conclusivo de que a construção de relações entre os textos provoca adesão ao discurso proferido, revelando as semelhanças e diferenças abordadas nos estudos deintertextualidade; vale ressaltar aqui a relevância do tema inter- textualidade, com base nas autoras citadas: Por fim, também acreditamos que o tema da intertextualidade, abordados nos termos de um diálogo, como o que foi propos- to neste livro, é extremamente frutífero porque radicalmente intertextual, ao mesmo tempo em que explicita as diferenças, revela as semelhanças de pontos de vista, de trajetórias e, no dizer de Bakhtin, de personalidades (KOCH; BENTES; CA- VALCANTE, 2012, p. 147). 3.3 Considerações finais Os estudos literários mostram-se uma fonte de associação diversificada e infinita quando se relaciona a literatura com outras interfaces do conhe- cimento, igualmente ricas, que servem de transporte às relações humanas; a importância da análise literária no campo da intertextualidade faz-se pre- sente desde os postulados de Bakhtin, de onde vemos a linguística textual nascer, até os textos divulgados na internet, onde a intertextualidade acon- tece tão espontaneamente. Evidenciando a necessidade de se estudar a li- teratura comparada e a intertextualidade, que nasceu dentro dessa, temos inúmeras publicações com este tema. Da noção de “diálogo” estudada por Bakthin, Kristeva chegou à noção de “intertextualidade” com a finalidade de designar o processo de produtivida- de do texto literário. Segundo Kristeva (1979 apud CARVALHAL, 2006), a intertextualidade designa, sobretudo, o trabalho de transformação e assimi- lação de vários textos. Carvalhal (2006) encerra a questão sobre o “diálogo” afirmando a dificul- dade de relação entre os textos, a qual compete o comparatista investigá-los numa perspectiva sistemática de leitura intertextual. A autora apresenta, 50 como exemplo de intertextualidade, a obra poética de Drummond na qual observa a atualização de uma obra em outra. No mais: Todo texto é um intertexto; outros textos estão presentes nele, níveis variáveis, sob formas mais ou menos reconhecíveis; os textos da cultura anterior e os da cultura circundante, todo texto é um tecido novo de citações acabadas. Passam no tex- to, redistribuídos nele, pedaços de códigos, fórmulas, modelos rítmicos, fragmentados de linguagens sociais etc., pois, sempre há linguagens antes do texto e ao redor dele (BARTHES, 1985, p. 312 apud NITRINI, 2015, p. 165). Notamos assim, com base nos estudos acerca da intertextualidade, que todo texto permite que se verifique a presença de outros textos nele (inter- textos), pois a literatura é um rasgar-se e emendar-se, um sistema cíclico de infinitas possibilidades de leitura, pesquisa e ensino-aprendizagem. Referências CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. São Paulo: ática. Série Princípios, 2006. ______. Literatura comparada no mundo: questões e métodos. Porto Alegre: L&PM, 1997. COUTINHO, Eduardo F. Literatura Comparada na América Latina: ensaios. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 2003. ______; CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada: textos fundadores. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. GAIMAN, Neil; VESS, C. Sandman 75: a tempestade. Tradução de Estúdio Arcádia. São Paulo: Globo, 1998. 51 KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à Linguística Textual: trajetória e grandes temas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2015. ______; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Intertextualidade: diálogos possíveis. São Paulo: Cortez, 2012. ______; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2015. NITRINI, Sandra. Literatura comparada: história, teoria e crítica. 3. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2015. ______. Teoria literária e literatura comparada. Estudos Avançados, v. 8, n. 22, 1994. Dispo- nível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v8n22/68.pdf>. Acesso em: 1 maio 2017. PEREIRA, Maurício Gomes. Artigos científicos: como redigir, publicar e avaliar. Rio de Ja- neiro: Guanabara-Koogan, 2011. SHAKESPEARE, William. Obras escolhidas (a tempestade). Tradução de Beatriz Viégas- Faria. São Paulo: L&PM, 2016. SILVA, Vítor Manuel de Aguiar. Teoria da Literatura. 8 ed. Coimbra: Almedina, 2011. 53 LITERATURA COMPARADA: TEORIA E MÉTODO Ana Fabíola Silva dos Santos Monike Rabelo da Silva Lira 4.1 Considerações iniciais Neste texto, nos propusemos a tratar sobre os estudos de literatura com- parada, no que se refere a três aspectos: panorama histórico, teoria e mé- todo, mediante os pressupostos teóricos de Carvalhal (2006) em Literatu- ra comparada, Coutinho e Carvalhal (2011) na obra Literatura comparada: textos fundadores, Nitrini (2015) em Literatura comparada: história, teoria e crítica e Silva (2011) em Teoria da Literatura, com o intuito de analisar as contribuições que os estudos comparatistas trazem para a pesquisa científica literária, sobretudo como método de pesquisa. Quando pensamos num primeiro momento sobre o que consiste e estuda a literatura comparada, remetemo-nos à ideia de comparação. E esta respos- ta que nos damos é coerente, porém não é satisfatória, na medida em que esta perspectiva teórica e metodológica vai muito além de uma atividade mental de comparação de semelhanças e diferenças, de autores e obras, sem qualquer organização. Ao longo deste texto, intentamos responder a tais questionamentos e apresentar a literatura comparada como uma afirmação para se estudar literatura. 4.2 Literatura comparada: um estudo de afirmação e necessidade da pes- quisa literária A expressão “literatura comparada” surge no século XIX com o intuito de comparar estruturas, de modo a extrair delas leis gerais da literatura. No 4 54 entanto, é somente no começo do século XX que ela passa a ser reconhecida como disciplina, tornando-se assim, objeto de estudo na Europa e na Amé- rica do Norte. No Brasil, a partir dos anos 70, a pesquisa em literatura com- parada teve um relevante impulso, devido à introdução dos cursos regulares de pós-graduação e, desde então, a área vem despertando o interesse cres- cente entre professores e alunos, sobretudo pelo rico potencial investigatório que oferece, por sua natureza interdisciplinar. A literatura comparada é uma perspectiva teórico-literária que estuda a literatura por meio da comparação, no que concerne às diferentes perspec- tivas literárias, de forma multidisciplinar, dialogando com a história, socio- logia, psicologia, filosofia, bem como outras disciplinas afins. Além disso, o comparatismo consiste na confrontação literária de duas ou mais obras, em uma visão ampla, a qual investiga a construção de duas ou mais persona- gens, a biografia de seus autores, suas ressonâncias estéticas, suas referências para a produção de suas obras, o contexto histórico-social em que se encon- tram inseridas, o valor que possuem para a crítica literária, e outros aspectos estudados minuciosamente pela literatura comparada: É a arte metódica pela busca de laços de analogia, de parentesco e de influência, de aproximar a literatura dos outros domínios da expressão ou do conhecimento, ou então os fatos e os textos literários entre si, distantes ou não do tempo ou no espaço, desde que pertençam a várias línguas ou culturas, que façam parte de uma mesma tradição, para melhor descrevê-los, compreendê-los e saboreá-los (PICHOIS; ROUSSEAU, 1967, p. 173-185 apud COUTINHO; CARVALHAL, 2011, p. 233). Vale esclarecer que, conforme Carvalhal (2006, p. 7), a literatura com- parada não é apenas sinônimo de “comparação”, pois o que a caracteriza é o emprego sistemático da comparação, e não uma mera tentativa de estudo que utiliza da comparação como pretexto para fins diversos. Para os estudos comparatistas, a comparação converte-se em operação fundamental da aná- lise, tornando-se um método. 55 Ilustramos o entendimento a respeito das definições de literatura compa- rada, baseando-nos em Coutinho
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