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U FPI - FRANCISCA - TEOLOGIA - FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA A CERCA DA PARTICIPAÇÃO DE MARIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO A PARTIR DA DEVOÇÃO MARIANA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – UFPI
DIOCESE DE PARNAÍBA
CURSO DE BACHARELADO EM TEOLOGIA
FRANCISCA MARIA DE SOUZA BRITO CARVALHO
FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA A CERCA DA PARTICIPAÇÃO DE MARIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO A PARTIR DA DEVOÇÃO MARIANA
PARNAÍBA-PI
2010�
FRANCISCA MARIA DE SOUZA BRITO CARVALHO
FUNDAMENTAÇÃO TEOLÓGICA A CERCA DA PARTICIPAÇÃO DE MARIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO A PARTIR DA DEVOÇÃO MARIANA
Monografia apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharela em Teologia, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, Diocese de Parnaíba.
Orientador: Prof. M.Sc. Pe. Manoel Lucídio de Sousa. 
PARNAÍBA-PI
2010�
FRANCISCA MARIA DE SOUZA BRITO CARVALHO
FUNDAMENTAÇÃO TEOLOGICA A CERCA DA PARTICIPAÇÃO DE MARIA NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO A PARTIR DA DEVOÇÃO MARIANA
Monografia apresentada como parte dos requisitos para a obtenção do título de Bacharela em Teologia, pela Universidade Federal do Piauí – UFPI, Diocese de Parnaíba.
Orientador: Prof. M.Sc. Pe. Manoel Lucídio de Sousa. 
Aprovada em _____/_____/______
Banca Examinadora
___________________________________________
M.Sc. Pe. Manoel Lucídio de Sousa
Orientador
___________________________________________
Prof.ª Esp. Antonilda de Oliveira Leitão
___________________________________________
Prof. Dr. Pe. Vicente Gregório de Sousa Filho 
___________________________________________
Suplente�
Dedico este trabalho a duas pessoas muito importantes para mim que são o meu esposo Carlos e meu querido filho Júnior, pois estiveram em todos os momentos envolvidos diretamente, compartilhando comigo todas as atividades. Sempre me incentivando e às vezes renunciando a si mesmos para colaborar nesta longa caminhada de quatro anos, eles foram a motivação que me fez ir adiante. Mas não poderia deixar de citar meu orientador, Pe. Lucídio, que sempre esteve atencioso e disponível para dirimir todas as dúvidas decorrentes da temática.
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Agradeço primeiro a Deus que me deu forças para continuar, mesmo diante dos obstáculos. À minha mãe e minhas irmãs que me apoiaram incondicionalmente e, mesmo no silêncio, souberam expressar os mais belos sentimentos e a todas elas a minha gratidão e meu amor. Em nome de um anjo (R.Q.) quero agradecer todos os amigos (as), principalmente, as componentes de grupo, que compartilharam comigo os momentos de angústia, sofrimento, mas, também, de alegria e felicidade. Enfim, todos, que durante este quatro anos, estiveram comigo e me ajudaram a melhorar cada dia e a querer ser melhor, incluindo os professores.
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Maria “como mãe de tantos, fortalece os vínculos fraternos entre todos, estimula a reconciliação e o perdão e ajuda os discípulos de Jesus Cristo a se experimentarem como família de Deus. Em Maria, encontramo-nos com Cristo, com o Pai e com o Espírito Santo, e da mesma forma com os irmãos”
(DAp. 267)�
RESUMO
A devoção mariana é algo que nasce e adquire forma a partir da fé do povo, seja dos seus costumes familiares, seja de algumas raízes no campo social ou político. Em síntese, podemos dizer que se trata de um fenômeno que enriquece a esperança e leva o povo a expressar sua fé das mais variadas formas. Eis a razão pela qual a Igreja se manifesta, orientando seus fieis para uma autêntica e sólida prática da fé, instituindo documentos com as informações mais claras possíveis, além de dirigir suas recomendações que servem de referencial para os cristãos católicos. É relevante abordar a devoção que o povo de Deus tem para com a Bem-Aventurada Virgem Maria; devoção essa que é expressão espontânea, pois o povo reconhece Cristo como o Redentor do mundo e Maria, pela missão recebida e participação na vida do Cristo, como Mãe do Salvador, que na sua maternidade divina, acolhe, também, todos os homens nos seus braços e torna-se Mãe de todos, pela graça com que participa da realidade do seu Filho. Cabe, portanto, o reto ensinamento de que Maria, por ser a primeira que acreditou e se deixou ser evangelizada, é de uma fé insuperável; considerada a primeira redimida participante da glória de seu Filho. Por tal razão, conduz todos os cristãos a uma relação de amor filial e à imitação de suas virtudes. Por ela se aprende a contemplar a beleza do rosto de Cristo e a experimentar a profundidade do seu amor. Daí o esforço de tratar da devoção mariana, enquanto fé popular, com todo o seu valor que é reconhecido pela própria Igreja e suas admoestações, que regem esta fé, considerando como fundamento principal na Sagrada Escritura, na Tradição e no Magistério.
PALAVRAS-CHAVE: Devoção popular. Maria. Ensinamentos. Igreja. Salvação.
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ABSTRACT
The Marian devotion is something that born and takes its form from the people’s faith, it came from family customs or some roots in the social or political field. In summary we can say that this is a phenomenon that enriches the hope and leads the people to express their faith in different ways. That is why the Church is manifested by directing the faithful to an authentic and solid faith practice by establishing documents with clear information as possible, as well as directing their recommendations that serve as reference for Catholic Christians. It is important to consider that God’s people devotion has for the Blessed Virgin Mary, this devotion is spontaneous, because people recognize Christ as the world Redeemer and Mary, received by the mission and participation in the Christ’s life, as the Savior’s Mother, in her divine motherhood, welcomes all the men in her arms and became the mother of those who participated in the life of her son. Therefore, the Mary teaching, for being the first who believed and allowed being evangelized, with insuperable faith, she was considered the first redeemed in the glory of her Son. For this reason, she leads all Christians to a love filial relationship and the imitation of her virtues. Through her, we learn to admire the Christ beauty face and experience the depth of his love. We must deal the Marian devotion as popular faith with all its value that is recognized by the Church itself and its recommendations that governing this faith, seeing as the main foundation in the Holy Scriptures, Tradition and the Magisterium.
KEY WORDS: Popular devotion. Mary. Teaching. Church. Salvation.
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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Ap			Livro do Apocalipse.
At			Atos dos Apóstolos.
CICat			Catecismo da Igreja Católica.
CMRNM		Com Maria Rumo ao Novo Milênio.
DAp			Documento do V CELAM – Aparecida.
Ef			Carta de São Paulo aos Efésios.
Gl			Carta de São Paulo aos Gálatas.
Gn			Livro do Gênesis.
Hb			Carta aos Hebreus.
CELAM		Conferencia Episcopal Latino Americano
I Cor			1ª Carta de São Paulo aos Coríntios.
I Sm			1º Livro de Samuel.
I Tm			1ª Carta de São Paulo a Timóteo.
Jo			Evangelho segundo João.
Lc			Evangelho segundo Lucas.
LG			Constituição Dogmática “Lumen Gentium” sobre a Igreja – 				Vaticano II.
Mc			Evangelho segundo Marcos.
MC			Exortação Apostólica Marialis Cultus.
Mt			Evangelho segundo Mateus.
Rm			Carta de São Paulo aos Romanos.
RM			Carta Encíclica Redemptoris Mater.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	11
CAPÍTULO I – DESENVOLVIMENTO DA DEVOÇÃO MARIANA CONTEXTUALIZANDO COM A VIVÊNCIA DA FÉ POPULAR	14
1.1 Abordagem Histórica	16
1.2 Uma Aproximação à Questão dos Dogmas Marianos	20
1.3 Dogmas – Quanto ao Aspecto Histórico	20
1.4 Virgindade Perpétua de Maria	21
1.5 A Maternidade Divina	24
1.6 Uma Concepção sem a Mácula do Pecado	26
1.7 A Assunção de Maria – Nossa Senhora	28
CAPÍTULO II – MARIA – PRESENÇANO PROJETO SALVÍFICO, SEGUNDO 
AS ESCRITURAS	31
2.1 No Antigo Testamento	31
2.2 Nos Escritos do Novo Testamento	32
2.3 Mateus	32
2.4 Marcos	34
2.5 Lucas	34
2.6 Atos dos Apóstolos	36
2.7 João	37
2.8 Apocalipse – O Livro da Revelação de São João	38
CAPÍTULO III – BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE MARIA, A PARTIR DO MAGISTÉRIO	40
3.1 III CELAM – PUEBLA: Argumentos Obtidos a partir da América Latina	40
3.2 O Concílio Vaticano II: Uma Nova Visão sobre Maria	41
3.3 Maria e sua Maternal Relação com a Igreja	43
3.4 A Mensagem de João Paulo II – Redemptoris Mater	44
3.5 Doutrina do Catecismo da Igreja Católica	47
3.6 Maria no Hoje da História – Documento de Aparecida	48
CAPÍTULO IV – O CULTO À BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA	49�
CONCLUSÃO	53
REFERÊNCIAS	55
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INTRODUÇÃO
Ao refletir a devoção mariana, como expressão de fé do povo de Deus na Igreja Católica, faz-se necessário antes uma reflexão direcionada ao termo devoção/piedade popular, pois este é que expressa as atitudes de fé do povo e por muito tempo alimentou a fé por onde a Igreja ainda não havia atuado de modo sistemático.
A piedade popular, em alguns casos, parte das tradições cultuais e de grupos religiosos individuais como também de famílias religiosas. Pelo fato de provir de grupos particulares é que, na maioria das vezes, precisa ser orientada para a prática autêntica da fé e conduzida à liturgia, que é o momento mais significativo da vida do cristão.
Ela é rica em gestos e símbolos, seus textos devem ser inspirados na Palavra de Deus e estar plenamente de acordo com os ensinamentos oficiais da Igreja, o que manifesta o desejo de que estas expressões, na sua singularidade, não percam a unidade com toda a comunidade cristã.
Por isso, o documento de Aparecida trata a devoção popular como a esperança de manter viva a fé da igreja na América Latina; trata-se de um espaço onde se vive a experiência do encontro pessoal com Deus e acontecem inúmeros casos de conversões. O povo latino americano se identifica com o Cristo que sofreu morte de cruz e busca o aconchego e a ternura de Deus no rosto singelo de Maria – isto é, busca uma acolhida materna nos braços da Mãe de Deus e da comunidade cristã, como podemos ver no texto em que Maria e o discípulo amado, diante da cruz, acolhem-se mutuamente�.
Para tal, a Igreja que é depositária da fé, entende e orienta que a devoção popular, de modo especial a devoção mariana, deve ser praticada em função de Cristo, razão da própria fé, pois por Ele, no Espírito Santo, é que todos são conduzidos ao Pai.
Para que a fé seja alimentada constantemente a Igreja recomenda como prática da devoção mariana: a escuta orante da Bíblia, o Angelus Domini, o Regina Caeli, o rosário, a ladainha, a consagração a Nossa Senhora, o uso do escapulário e das medalhas marianas, bem como o hino à mãe de Deus (Tradição Bizantina).
Esta pesquisa é uma abordagem de cunho qualitativo, embora o trabalho não tenha uma função descritiva da realidade nas comunidades, pretende pesquisar a cerca do que a Igreja propõe como ensinamentos de fé a respeito da Virgem Maria e o que se propaga nas mais diversas comunidades que sofrem a influência política, social, do pluralismo religioso e da cultura secularista. Buscar-se-á evidenciar o que é pregado de fato pela Igreja a respeito d’Aquela que trouxe ao mundo o Cristo Salvador.
O método utilizado nesta pesquisa foi o bibliográfico que visa o aprofundamento do conhecimento do objeto de investigação, visto que este é um campo vasto; apesar de ser uma inovação no campo da teologia, a reflexão mariológica se expandiu abundante e rapidamente abrindo perspectivas de diversos aspectos no campo da pesquisa.
Tem como objetivo geral conhecer a partir do surgimento da Mariologia e seu contexto, a devoção mariana, a fim de identificar as concepções que fundamentam as práticas desta devoção.
Dentre os objetivos específicos que nortearam o trabalho podemos destacar: Compreender como os fieis absorvem a figura de Maria participante na Salvação e seu relação com o Deus Trino e analisar os fundamentos teológicos da devoção mariana a fim de compará-los com o que se propaga entre os fieis.
Por ser uma ampla área de estudo, o trabalho se distribuiu em quatro capítulos que se diferem pela sua temática.
O primeiro capítulo aborda, em primeiro lugar, o aspecto histórico no qual Maria está inserida com suas particularidades culturais e sociais e faz também um rápido aceno acerca dos dogmas, pois estes fazem parte da fé e da devoção dos que a veneram e a admiram.
O segundo capítulo trata dos textos bíblicos que fazem menção à Virgem, enfatizando sua relação subordinada ao Salvador, onde ela se faz escola de amor a fim de conquistar discípulos para o Filho. Vale recordar que, segundo as informações obtidas de alguns autores, o Antigo Testamento fala de Maria nas suas profecias a respeito da figura da “Filha de Sião”, enquanto que o NT descreve toda sua missão e participação no anúncio do Reino de Deus.
O terceiro capítulo apresenta informações colhidas nos documentos da Igreja, textos que trazem os ensinamentos que fundamentam o culto a Maria levando em conta a devoção popular, considerando os aspectos cristológicos e eclesiológicos, que devem ser o ponto basilar dessa devoção. Com relação aos documentos, procuramos pontualizar as informações a partir do Concílio Vaticano II, Puebla, a carta encíclica Redemptoris Mater de João Paulo II, o Catecismo da Igreja Católica e o recente documento do V CELAM – realizado em Aparecida – Brasil.
O quarto capítulo aborda o culto mariano de forma sistemática a ser experienciado no curso do ano, nas celebrações eucarísticas, levando em conta, principalmente, a dimensão devocional e o reconhecimento da participação de Maria na obra da Salvação.
Faz-se necessário, portanto, a difusão de tais documentos no seio da comunidade cristã para que esta tenha a reta compreensão e não ignore o lugar que Maria ocupa na Igreja, conservando uma posição equilibrada. É um esforço de evidenciar o que há de bom na devoção mariana, absorvendo o que é viável nas renovações, reconhecendo que ela, mesmo sendo criatura, é a que mais se aproxima do Salvador, sem perder sua essência, pois como Mãe do Redentor é, por consequência, Mãe da Igreja – já que esta é o “corpo místico de Cristo”.
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CAPÍTULO I
DESENVOLVIMENTO DA DEVOÇÃO MARIANA CONTEXTUALIZANDO COM A VIVÊNCIA DA FÉ POPULAR
A sociedade, no hoje assim como em outras épocas, vive um processo de transformações urgentes. Este fenômeno pode ser constatado tanto em nível econômico, sócio-cultural, quanto no campo religioso.
Entre os dados, por meio dos quais podemos constatar visivelmente estas mudanças sociais bruscas, indicamos as devoções populares1, que aos poucos foram, não somente sofrendo transformações, mas, também, se redefinindo e adquirindo uma nova configuração, um novo rosto.
Constata-se que em certos grupos de pessoas a fé devocional cresce, já em outros podemos perceber seu total desapego à devoção popular ou a qualquer elemento que venha a ter ligação com o fenômeno religioso.
Nesta perspectiva, faz-se necessário colocar como objeto de estudo as causas e consequências desta realidade tão pujante, especialmente, quando se trata do fenômeno católico Maria, onde se presencia, constantemente, uma oposição de opiniões: de um lado a resistência de uns que, por causa da influência reformista, não aceitam a participação ativa de Maria no plano salvífico, ignorando sua posição privilegiada de primeira participante da glória de Cristo; do outro podemos perceber certos “exageros” em relação à prática devocional. Isso se dá pela pouca instrução dos fieis católicos em relação à doutrina adotada pela Igreja, pois quando se trata da questão recai-se sempre num devocionismo exacerbado, sem uma devida explicitação e esclarecimento dos elementos da fé do povo.
Deve-se amar Maria, a Mãe de Jesus, pela força e esperança que ela apresenta no seu Filho; pelo incentivo que deu aos apóstolos2; pela suapresença atuante e animadora na Igreja; e pelo seu testemunho de fé que, com jeito dócil, mas muito firme, atrai as pessoas para uma vivência da fé no Cristo Jesus.
É esse testemunho que remete as pessoas ao compromisso com o Reino e evangeliza, simplesmente, com presença terna, por ser portadora do próprio Jesus em seu seio. Por ela se irradia a glória de seu Filho sem ofuscar sua divindade. Sua importância se dá, não pela condição de mãe, mas pela realidade de discípula fiel, como nos afirma de modo tão conciso e objetivo a constituição Lumen Gentium:
Na vida pública de Jesus sua mãe aparece significativamente [...] Ele proclamou bem aventurados os que ouvem e guardam a palavra de Deus tal como ela mesma o fazia [...] e com ânimo materno se associou ao seu sacrifício, consentindo com amor na imolação da vítima por ela mesma gerada. 3
Quando Jesus assume sua vida pública, Maria é a primeira a se fazer presente, ainda que de forma silenciosa. Ela foi a primeira a crer em Jesus e a segui-lo, pois é Ele mesmo que proclama “felizes os que ouvem e guardam a Palavra” (Lc 11,28), tal como ela mesma fazia. Com esse espírito materno se une ao Filho até mesmo no sacrifício, consentindo em obediência ao Pai e com desprendimento o sofrimento d’Aquele que saíra do seu ventre, a quem dedicou tanto amor. A fé sempre foi sua maior motivação, sempre se manteve mergulhada no silêncio contemplativo, vibrante e na espera da manifestação do próprio Deus.
Em Maria, Deus realiza sua promessa de salvação, quando a escolhe para ser o canal da Sua graça. Nela podemos contemplar o rosto maternal de Deus, que acolhe a cada um com ternura de u’a mãe. Por ser a Igreja a representante de Cristo no mundo, deve atualizar os mistérios da salvação na história do seu povo, buscando no seu íntimo o modelo de discípulo vivido por Maria e que deve ser vivenciado pelos cristãos.
O papel de Maria, dentro do contexto da salvação não pode ser ignorado, visto que de todas as criaturas, ela é a que tem mais proximidade com o Redentor, sem perder sua essência.
Maria é uma mulher de origem pobre para o povo de sua época, mas trouxe consigo a grande novidade: dela nasceu o Salvador; é uma mulher especial, mas continua sendo humana, pois mesmo sendo jovem se entrega inteiramente nas mãos do seu Senhor. Daí pode se perceber o quanto ela é grandiosa aos olhos de Deus. Mas acreditava que:
Se havia alguma coisa de grande nela, não era mérito seu, mas gratuidade e predileção da parte do Senhor. Ora, a sabedoria escolheu precisamente, entre as mulheres da terra, a criatura mais insignificante, para evidenciar e patentear que só Deus é o magnífico. Escolheu ela, carente de dons pessoais e carismas, para que ficasse evidente aos olhos de todo o mundo que as “Maravilhas” de salvação não são resultados de qualidades pessoais, mas graça de Deus. 4
Embora seja Maria uma jovem humilde, ela acredita no seu Criador porque é inspirada por Ele, se entrega na missão evangelizadora de conquistar todos os homens para seguirem seu Filho por gratuidade divina.
1.1 Abordagem Histórica
As motivações que estimulam escrever um trabalho sobre a pessoa de Maria, na realidade não são de cunho histórico. Mas tais motivações emergem mais em função do argumento da fé, procurando perceber deste esforço a importância de sua participação no evento da salvação.
Não se trata, evidentemente, de fazer um traçado biográfico procurando cada detalhe da sua vida, pois este não seria relevante para o aprofundamento da fé, mas de inseri-la no contexto global do mistério de Cristo e da Igreja. Não se faz necessário uma pesquisa histórica, até porque esta se tornaria impossível, e sim uma pesquisa de caráter mais espiritual amparado pelas argumentações mariológicas.
No Ocidente, a Mariologia foi promulgada a partir de Ambrósio de Milão e Agostinho de Hipona e serviu de embasamento para os demais autores cristãos que tratariam do assunto.
A devoção mariana se estendeu em todo o Ocidente, tendo como modelo, o romano, que no período das cruzadas fez com que a Mariologia alcançasse duas formas na sua devoção: a primeira, com uma tendência mais sóbria, fundamentada nos princípios da Igreja e a segunda, mais austera, inspira os devotos a se dedicarem e acreditarem, plenamente, na graça de Deus.
Com o aparecimento da reforma protestante, a devoção mariana foi a mais abalada, pois os reformadores temiam: “Os exageros e excessos, que eles atribuíam desde cedo aos católicos, pouco a pouco foi pondo fim entre os protestantes não só à invocação da Virgem, porém a todas as manifestações de amor filial para com ela” 5.
É a partir destes conceitos, a devoção mariana foi se fragmentando a ponto de ser totalmente suprimida da ala protestante.
Com a expansão das missões nos diversos continentes, foi divulgado e promovido com assiduidade o culto a Maria e foram aprimoradas as suas formas, evitando os exageros, tão criticados pelos protestantes.
No período que se estende do século XVIII ao séc. XX começaram a surgir os santuários e inúmeras peregrinações, motivadas a partir das aparições de Maria. Numa análise a partir de uma ótica mais otimista, este fato equivale a dizer que estamos vivendo uma espécie de transição ou “páscoa” (no sentido de uma verdadeira passagem), do racionalismo marcante e determinante do séc. XVIII para um clima de fé no séc. XIX, em que o pensamento concebe o ser humano como também dotado de sensibilidade, ou seja, através da figura amável de Maria, o mundo passa por uma nova fase de superação da crise de fé6.
Quanto à pessoa de Maria, podemos afirmar que se trata de uma jovem proveniente da pequena cidade de Nazaré; descende da linhagem do rei Davi. Prometida em casamento a José e, por força de muita fé, aceitou ser a Mãe do Salvador, antes mesmo de receber José por esposo.
Não se encontram dados exclusivamente históricos sobre ela, pois tudo que foi escrito a seu respeito foi em função do anúncio salvífico de Cristo. No entanto, podemos perceber sua concretude bem acentuada nos textos lucanos.
Até a década de 50, do século XX, não se encontram muitos tratados sobre Maria. E o que parece notável é que, a partir da definição e reconhecimento do dogma da Assunção7, abre-se espaço para este tipo de estudo, sendo inclusive tema de várias defesas de mestrados e doutorados em muitas universidades8.
Com o Concílio Vaticano II, a Igreja teve a preocupação de propagar a união constante de Maria com o Salvador e sua obra salvífica. Este esforço dos “Padres conciliares” resultou no surgimento da Constituição Lumem Gentium, o documento conciliar mais significativo e estruturado a respeito de Maria.
Apesar deste visível interesse favorável ao assunto, encontramos, também, os que se opõem, influenciados pela ala protestante, por receio de estudar Maria e desviar-se da importância do evangelho.
É numa cultura que despreza o feminino, associando-o ao pecado, que surge a figura desta mulher como uma espécie de quebra dos paradigmas. Nela se vislumbra um modelo que se impõe aos valores culturais, mesmo que para justificar tenham-na colocado como uma privilegiada de Deus e que sua função no mundo já estava designada: ser a Mãe do Deus encarnado.
Mas neste contexto é que Maria se supera, contemplando o silêncio. Não é um ser inerte, nem se preocupa com os detalhes do corpo para apresentar num pano de fundo da sagrada Escritura uma mulher dedicada à família.
Analisando os textos dos evangelistas, especialmente Mateus, quando narra a genealogia de Jesus, Maria aparece não só para quebrar a estrutura patriarcal que passava de pai para filho na cultura judaica, mas também para dar início a uma nova fase da história salvífica, onde surge a figura da mulher como partícipe deste plano divino que não pode contar somente com o homem.
Mas é o evangelista Lucas quem mais se preocupa e mais nos oferece informações acerca da participação desta jovem mãe na história do Cristo Jesus; o autor sagrado evidencia bem este seu interesse quando, no iníciodo seu texto, logo no primeiro capítulo, coloca o anúncio da vinda do Salvador, mas acentua acima de tudo a visita do anjo a uma jovem de nome Maria: “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré. Foi a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José, que era descendente de Davi. E o nome da virgem era Maria”9.
Não bastando a Lucas indicar o nome da jovem que recebera a visita do anjo, logo em seguida ele a coloca como protagonista de um outro episódio, rico de significados, que é a visita de Maria à sua prima Isabel: “Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às pressas, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias, e saudou Isabel”10.
Após o diálogo amistoso com Isabel, sua prima, Lucas coloca o canto de esperança do povo de Israel na boca de Maria:
Então Maria disse: “Minha alma proclama a grandeza do Senhor, meu espírito se alegra em Deus, meu salvador, porque olhou para a humilhação de sua serva. Doravante todas as gerações me felicitarão, porque o Todo-poderoso realizou grandes obras em meu favor: seu nome é santo, e sua memória chega aos que o temem, de geração em geração [...]”.11
No entanto, Maria não se resume apenas ao contemplativo. Lucas a apresenta ativa, narrando a viagem da família de Nazaré ao templo de Jerusalém, que é quando Jesus se desencontra dos seus pais e, Maria com sua ternura materna ao reencontrá-lo sente-se tomada pela emoção e mesmo sem entender não se opõe ao projeto do seu filho, mas dialoga de forma acolhedora.
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa. Quando o menino completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. Passados os dias da Páscoa, voltaram, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém sem que seus pais o notassem [...] Ao vê-lo, seus pais ficaram emocionados. Sua mãe lhe disse: “Meu filho, porque você fez isso conosco?”.12
Na mesma linha, também o evangelista João nos relata um episódio mais do que fundamental para entendermos a intercessão de Maria junto ao Filho, em favor do povo e daqueles que necessitam da atenção de Deus; trata-se do episódio de Caná:
No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também. Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento havia acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho.” Respondeu-lhe Jesus: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. Sua mãe disse aos serventes : “Fazei tudo o que ele vos disser”.13
A intercessão de Maria a faz atuante do ministério é ela quem o incentiva a dar a partida, não impõe, mas de forma sutil se faz participar, com seu jeito materno, e isso fortalece o vínculo de fé do povo com a virgem.
Vale ressaltar que a intenção de João é fortalecer na fé popular o papel de intercessão que Maria assume diante do filho.
1.2 Uma Aproximação à Questão dos Dogmas Marianos
Para estudar propriamente os dogmas marianos, é necessária uma ligeira compreensão da palavra Dogma14, pois a Revelação é a fonte destas verdades que nos foram indicadas por Cristo e cabe à Igreja, depositária da fé, saber discernir ao longo da historia, os outros aspectos desta revelação. Daí o valor e a importância de entender dogma não como uma criação dos papas e bispos, e sim como discernimento do conteúdo da Revelação para fundamentar a fé do povo, pois este é um assunto pouco refletido.
A concepção de um grande contingente dos batizados e mais visível nos não-batizados é que quando se fala em dogmas: “Parece algo que a gente não consegue entender, mas é obrigado a aceitar e não pode questionar”15.
No entanto, dogma tem sua primeira fundamentação na Teologia bíblica, quando é usado para significar leis e disposições que regem uma sociedade, talvez por isso, se tenha tido uma interpretação tão negativa em termos de obrigação. Em Atos dos Apóstolos encontra-se o tema referindo-se às decisões obtidas no diálogo dos apóstolos no Concílio de Jerusalém16.
Para o Concilio Vaticano I, o termo Dogma possui dois elementos constitutivos: “[...] Uma verdade contida na revelação, a este pode ser chamado elemento material e o outro deve ser uma verdade que a Igreja formulou e propôs expressamente como objeto de fé, a este é chamado elemento formal”17.
1.3 Dogmas – Quanto ao Aspecto Histórico
Os dogmas começaram a surgir já nos primeiros séculos do cristianismo com o intuito de combater as heresias e solidificar os elementos da fé na comunidade. Na Idade Média, estes foram definidos por meio dos concílios e sínodos.
Somente em séculos mais recentes é que começaram a ser proclamados os primeiros dogmas pelos papas, em reuniões da Cúria Romana. Mesmo nestas situações tais decisões vieram reforçadas e auxiliadas pela decisão obtida segundo consulta feita aos bispos.
Na teologia patrística há muitas manifestações a respeito dos dogmas que geraram diferentes opiniões; há os que consideram dogmas os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos e outros que os comparam aos costumes, sendo que os dogmas são bíblicos e os costumes são tradição.
O Concílio Vaticano II ajudou a esclarecer as dúvidas a respeito de dogmas, pois colocou a Bíblia para fundamentar, e esta vem interpretada pela Tradição da Igreja, que considera Dogma aquilo que é proclamado pelo Magistério como verdade de fé, revelada por Deus e aceita pelos fieis cristãos. Sua proclamação deve ser feita pelo papa ex-catedra18.
Com o aprofundamento das questões de fé a Igreja foi, aos poucos, definindo sua doutrina. A respeito da Virgem Maria, podemos apontar o início do século II como sendo o período em que começaram a se desenvolver os primeiros dogmas de caráter mariano.
1.4 Virgindade Perpétua de Maria
Este dogma teve sua primeira documentação oficial no Antigo Sínodo dos Apóstolos, redigido por Hipólito de Roma no começo do séc. III (215). Nesta formulação é distinguida a concepção-virginal do parto. 
Estas controvérsias só encontram sua resposta satisfatória quando no séc. IV o II Concílio de Constantinopla assume o Símbolo de Santo Epifânio19 com a expressão “sempre virgem Maria” que a perpetua virgem20. Esta é uma afirmação que encontra sua fundamentação nos textos dos evangelhos, quando São João afirma que o Cristo, por seu nascimento, é fruto do Espírito21.
Na Teologia Patrística é possível encontrar relatos dos “Santos Padres” referentes a esta questão. Um, entre os demais, é Santo Inácio de Antioquia que faz referências a Maria na sua profissão de fé: “Nosso Deus Jesus, o ungido foi levado por Maria em seu seio conforme a dispensação de Deus, da linhagem certamente de Davi; por obra, porém do Espírito Santo”22.
Também Tertuliano e Irineu se posicionaram afirmando a divindade de Jesus, gerado pelo Espírito no seio de uma Virgem.
É, portanto, neste contexto de afirmar a participação de Maria na “obra da salvação”, que surgem algumas posições heréticas que se contrapõem ao pensamento da Igreja. 
Entre os principais correntes heréticas podemos citar os ebionitas.
Segundo a concepção deste grupo, Jesus é Cristo, mas não O considera a segunda pessoa da Santíssima Trindade; neste caso, a maternidade é puramente humana e, por conseguinte, nega-se que Maria venha a ter concebido em condição virginal.
Na vertente contrária os gnósticos valentianos só reconhecem a concepção em sentido espiritual e afirmam que Maria lhe serviu unicamente de canal. 
Na visão deste grupo Jesus não tem nada de humano.
Essa situação preocupa os “Padres da Igreja” e divide opiniões: podemos citar alguns casos, como, por exemplo: Santo Inácio de Antioquia, que assim se expressa: “Sem a verdadeira carne do Filho de Deus (cujo sinal é a maternidade virginal) seria em vão a salvação do homem”23.
São Justino quer apresentar seus argumentos aos que não acreditam que Jesus nasceu da Virgem Maria pelo poder do Altíssimo, por isso, Maria o concebeu virginalmente, visto que ele é o primeiro a chamá-laVirgem.
São vários os padres que apresentam defesas a respeito da virgindade de Maria para combaterem as heresias que surgiam negando a divindade de Jesus; ao ser colocado como d’Ela nascido, os hereges afirmam que é impossível este ser o Messias. Nisto viu a Igreja a necessidade de defender esta verdade e, para isso usou os escritos de alguns padres:
A fé da Igreja universal encontra-se expressa através das Igrejas locais nos símbolos em que se confessa a encarnação do Filho por obra do Espírito Santo no seio de Maria Virgem. Essa profissão de fé é assumida no sínodo de Constantinopla I como indicação dogmática da divindade do Espírito Santo.24
Negar, portanto, a virgindade de Maria recai na negação da própria fé e, consequentemente, na negação da divindade de Jesus, que d’Ela nasceu, por meio do Espírito Santo. Esta afirmação trata de uma verdade pertencente à integridade de nossa fé, pois Maria, ao conceber virginalmente o Filho de Deus, permanece virgem até o fim de sua vida, dedicada totalmente à obra messiânica de Jesus.
Este dogma dificulta o diálogo com outras Igrejas cristãs que acreditam parcialmente no conteúdo nele expresso; uma parte aceita que Jesus nasceu do Espírito Santo, porém afirma que Maria teve outros filhos, baseando-se no pequeno trecho do evangelista São Marcos: “[...] E suas irmãs não moram aqui conosco?” 25.
Este texto cita os irmãos de Jesus, no entanto, na cena da cruz, citação do mesmo evangelista, explica que Tiago e José (os irmãos outrora citados) são filhos de Maria que não é a mãe de Jesus. Neste caso, é confirmado que Maria é virgem antes, durante e depois do parto.
Esse tema provoca reações adversas, sobretudo para os racionalistas que não conseguem conceber um mistério que ultrapasse as explicações científicas. São aqueles que concebem tudo segundo os ditames da razão: “Note-se que o contexto de todas estas declarações é eminentemente cristológico. É Cristo que está em questão, especialmente sua divindade, e que justamente a virgindade de Maria é sinal eloquente”26.
Contestar esse fato é afirmar que Jesus nada mais é do que um ser humano como qualquer outro e que nada há de extraordinário em sua vida, muito menos que tenha alguma relação com Deus Pai, o que permitiria vê-lo apenas como um homem extraordinário, jamais como portador do mistério da Salvação.
O caráter virginal de Maria assumiu uma postura totalmente compreensível dentro de sua época, pois vivia uma contextura fortemente patriarcal e Maria assume independentemente sua gravidez, entregando-se totalmente nas mãos de Deus e sendo submissa somente a Ele e não ao varão prometido como seu esposo. Esse fato, como afirma Boff: “[...] pode representar um desenvolvimento humano que ainda não amadureceu e até mesmo frustrado quanto a um desenvolvimento pleno e perfeito”27.
A virgindade de Maria, além de significar disponibilidade e produzir frutos de excelente grandeza, como o Salvador, tem sua participação na obra messiânica e, por conseguinte, a filiação de toda a humanidade.
1.5 A Maternidade Divina
O Dogma da Maternidade Divina foi definido e proclamado no Concílio de Éfeso, por volta do ano 431; mas já era professado desde quando se discutia a unicidade da pessoa de Jesus humano e divino. Segundo o processo de seu desenvolvimento, concluiu-se que: Maria sendo a Mãe do humano,������������������������������������������������������������������������������������������������ era também Mãe do Filho de Deus encarnado.
Pode se perceber com que firmeza o Papa João Paulo II justifica o dogma, ao escrever: “Se, portanto, o Filho de Deus nela se encarnou, própria e verdadeiramente, e dela nasceu, por esta mesma razão confessamos que ela é, própria e verdadeiramente, Mãe de Deus, que nela se encarnou e dela nasceu”28.
Se afirmarmos que Deus é o Criador e escolheu Maria para ser sua Mãe, e sendo a Igreja o seu corpo místico, Ela é por consequência a mãe da Igreja e não pode ser refutada, pois é o próprio Cristo Deus-Filho que se fez parte desta relação quando na cruz a entrega como Mãe por meio do discípulo amado29.
Desse dogma surgem algumas heresias como a dos gnósticos, que aceitam Maria como sendo a mãe de Jesus, mas somente na sua manifestação como o “homem histórico”, porém não a considera mãe do Cristo; assim se recairia num absurdo uma vez que estariam afirmando a existência de duas pessoas distintas sem nenhuma relação entre si.
Outra expressão de uma compreensão limitada acerca da Maternidade Divina é o caso dos ebionitas. Estes não aceitam Jesus como o Filho de Deus, mas somente como um ser inspirado por Deus. Por isso, era dotado de uma inteligência rara. Neste caso Maria não poderia ser a mãe do Filho de Deus, e sim de um jovem com qualidades especiais.
Diante de tantas negações consideradas heréticas, os “Padres da Igreja” desenvolveram as afirmações apologéticas, das quais podemos destacar de modo enfático um termo sintético, mas muito rico de significado para a época em que foi cunhado como para o hoje, escreve Santo Irineu: “Fez-se carne [...]”30.
O título “Mãe de Deus” começou a ser definido em todas as regiões do Ocidente e do Oriente, mas é a partir do Concílio de Éfeso (realizado por volta do ano 431) que o mesmo se tornou universal. Por causar algumas polêmicas, fruto de uma má interpretação, a Igreja se mantém o seu conceito em constante afirmação.
Pode ser encontrado, também, aliada a esse tema, uma frequente comparação entre os “Padres da Igreja”. Trata-se da comparação de Maria com a figura da Eva, para justificar a presença de uma mulher na obra da salvação; a mulher Maria, que participa ativamente, “[...] não apenas como redimida, mas também de modo dinâmico, livre e objetivamente, ao lado de Cristo como colaboradora [...]”31. 
No parecer de muitos estudiosos das Sagradas Escrituras, compreende-se que: se por uma mulher o pecado entrou no mundo, pela participação de uma mulher o mundo recebe o dom da salvação.
Maria aceita sua missão de participar da obra redentora sem reservas, e esse amor-doação faz com que Mãe se mantenha ao lado do Filho em todas as circunstâncias. Maria é, por vezes, invocada pela fé do povo, porque é vista como um ser real, presente no seu meio, pelo menos historicamente, pois viveu a cultura de sua época com todas as reais implicações, “[...] sobretudo, porque é mãe, e que como tal, se preocupa com a sorte dos seus filhos e filhas”32.
É sob a invocação de “Mãe”, por reconhecer nela a Mãe de Deus, que a fé do povo se manifesta tão convictamente, por acreditar que Aquela que gera o Filho de Deus está viva e bem próxima do Altíssimo, por isso é capaz de interceder, como tão bem fizera em Caná:
No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também. Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento havia acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho.” Respondeu-lhe Jesus: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. Sua mãe disse aos serventes: “Fazei tudo o que ele vos disser”.33
Maria era uma mulher humilde e insignificante, segundo os cânones de sua época, no entanto foi escolhida por Deus; essa atitude da preferência de Deus pelos mais fracos continua presente nos nossos povos contemporâneos, pois é sob o signo da dor que Ele age; assim como as dores do parto geram algo novo, que a realidade da salvação os faz protagonistas de sua história.
Deus dá dignidade aos marginalizados em Maria, na figura da mulher que vivia numa sociedade profundamente machista. Ela se torna não só colaboradora na criação, mas partícipe da geração do Salvador.
Deus escolhe a mulher Maria para participar do seu mistério, dando a oportunidade para as mulheres de sua época superarem as marcas da submissão e alcançarem o ápice de sua dignidade, não como situação de conflito, mas como uma exigência do respeito para com o feminino tantas vezes desprezado na história da humanidade34.
1.6 Uma Concepçãosem a Mácula do Pecado
O Dogma da Imaculada Conceição surgiu num período de controvérsias por volta do séc. II, quando a Igreja estava profundamente empenhada em afirmar o caráter absoluto da divindade de Cristo.
Dentro destas condições surge o discurso da concepção Imaculada de Maria. Inúmeras eram as dificuldades de se apresentar Maria como Imaculada, pois sendo esta santa, como poderia alguém ter sido redimida do pecado original desde a concepção, se a graça da Redenção está somente em Jesus Cristo, que é posterior à concepção?
A Igreja esperou pelo Concilio de Trento no qual o Papa Pio IX, por meio da Bulla Ineffabilis Deus (ano de 1854), declara solenemente o dogma da Imaculada Conceição. O conteúdo da bula afirma não ter encontrado na Sagrada Escritura e nem na Tradição textos que se contraponham à exceção da Bem-aventurada Virgem Maria do pecado original desde o momento em que foi concebida35.
Foi o dogma de mais difícil aceitação, mas com o avançar dos estudos, embora às vezes desgastantes, foi-se aos poucos superando as dificuldades de aceitação e compreensão e se expandindo no Oriente e Ocidente. Optou-se pelo dia 8 de dezembro para sua celebração. Passou à Igreja universal, não obstante sofresse oposição de alguns teólogos.
Para além das controvérsias que giraram em torno da afirmação de fé, o que deve ser compreendido desse dogma é que Maria recebeu de Deus uma graça única, pelo mérito de ser a Mãe de Cristo, o Salvador. Dizer que Maria é livre do pecado, não significa que ela é imune das consequências dele, porque nem o próprio Cristo o foi, mas que, em função do Filho, a Mãe vem preservada da mancha do pecado que nos alcança como herança de nossa origem.
Ao enunciar que Maria sofreu os efeitos do pecado, pretende-se afirmar que Ela passou pela dor, cansaço e fadiga. Esta visão de que a Mãe de Cristo experimentou a condição humana em todas as suas dimensões, pode ser percebida no discurso do próprio Papa Pio IX que, ao definir o dogma, não considerou essa isenção para Maria:
Devemos entender que Maria é a filha de Adão. Por si mesma, deixada a sua natureza como todo ser humano, teria nascido sujeita ao pecado original. Se foi concebida de maneira diversa, é por um dom do Pai, em virtude da graça redentora do Filho, e em função da missão tão especial que livremente queria encomendar-lhe dentro da obra salvadora do Filho, em favor de toda a raça humana. 36
Com isso, pode se perceber que a graça recebida por Maria não é mérito próprio, é muito mais uma missão que deveria desenvolver ao lado do Filho, em favor da humanidade. O foco principal não é ela mesma, mas, sim, Jesus e sua obra em favor da humanidade, afinal sendo a primeira criatura a participar da glória de Cristo, o foi porque sempre esteve no padrão ideal exigido por Deus de servir na humildade sem reservas e sem exigir retribuição.
Portanto, não acreditar no dogma da Imaculada Conceição é negar a benevolência de Deus para com a humanidade, cujo sinal e expressão mais concreta são a própria encarnação do seu Filho.
Constata-se como sendo um dos títulos mais invocados, especialmente, no Ocidente. Definido em período bastante conflituoso entre os membros da Igreja e do Estado. Mas o papa Pio IX enxerga essa realidade e sua conclusão, como prova da eficácia que a Virgem alcançou diante do Pai, para derrotar o mal que ameaçava a Igreja nessa época.
Por viver uma época que reacendia o racionalismo e materialismo, impostos pela modernidade, é que a Igreja se vê na obrigação de se manter firme nos elementos de sua fé, embora, por inúmeras vezes, seja considerada intransigente e repressiva.
Nesta contextura, a própria imagem de Maria representa e inspira seu povo, pois vê nela o ícone apresentado no Apocalipse como símbolo de esperança, resistência e coragem diante dos momentos difíceis da vida: “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés, e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas. Estava grávida e gritava, entre as dores do parto, atormentada para dar à luz”37.
1.7 A Assunção de Maria – Nossa Senhora
É o mais recente dos dogmas. Não se encontra nenhum texto bíblico que o embase, no entanto, encontram-se fortes argumentos na Tradição da Igreja que associam “Maria à obra de Cristo e tendo vencido o pecado pelos méritos do Filho, teria permanecido parcial e incompleta se não tivesse havido a glorificação corporal”, ou seja, como se explicaria a participação de Maria nos mistérios de Cristo somente em parte?
Por isso o mesmo protagonista, o Papa Pio IX, que definira o dogma da Imaculada Conceição na data de 01/11/1950 optou por consultar os bispos sobre a possibilidade de se proclamar como dogma de fé a Assunção de Maria e obteve quase que absoluta e unânime a resposta afirmativa.
Ao definir o dogma, a Igreja reconhece e declara que Maria após sua morte corporal, em comunhão com o próprio Cristo, teve seu corpo glorificado para vencer a morte como afirma São Paulo na sua primeira carta à comunidade de Corinto: “Portanto, quando este ser corruptível for revestido de incorruptibilidade e este ser mortal for revestido da imortalidade, então se cumprirá a palavra da Escritura: ‘A morte foi engolida pela vitória’”38.
Por considerar a participação de Maria ativa no plano da salvação, a Igreja reconhece em Cristo a honra pelo mérito de sua participação também na glória:
[...] Não se entende o mistério de Maria senão em razão do amor eterno do Pai que a escolheu como instrumento de seu designo de salvação; não se entende o mistério de Maria senão em razão do Filho Unigênito, que do corpo dela tomou seu próprio Corpo, do qual a Igreja é o prolongamento [corpo místico de Cristo]. Não se entende o mistério de Maria senão em razão do Espírito Santo que operou a nova criação do Redentor em seu seio virginal. 39
Daí pode-se perceber claramente que toda a ação de Maria foi em função d’Aquele a quem dedicou a própria vida, ao Cristo ela doou não somente seu corpo para a gestação, mas para dar testemunho da grandeza de Deus, fez-se instrumento nas mãos de seu Senhor.
Nos primeiros séculos o tema da Assunção aparece apenas no Oriente e só por volta do século VII alcança também o Ocidente. Todavia não aparecem ou não foram conservados textos alusivos ao tema, exceto o breve texto de São Gregório de Tours, no século VI:
Maria, a gloriosa geradora de Cristo, que como se acredita virgem antes do parto assim também se confessa depois do parto, como dissemos acima, foi levada ao paraíso em meio dos couros angélicos que a glorificavam com seus cantos, precedidos pelo Senhor.40
Contra esse dogma ninguém se manifestou e alguns padres da época acreditam que o próprio testemunho de Maria foi aceito com mais facilidade. Pela sua coragem diante de uma carga cultural carregada de preconceitos contra a mulher, ela se mantém fiel ao lado do Filho em todas as circunstâncias, inclusive as mais dolorosas. Por isso teve o corpo incorruptível ao pecado até o fim.
Os dogmas da Assunção bem como o da Imaculada Conceição estão mais preocupados com a realidade humana que respirava o materialismo e buscava explicações quanto ao seu fim. Para tal, consistia este destino como consequência das ações praticadas. Esse dogma influenciou beneficamente sobre a ordem social na época de sua declaração, pois todos entenderam como sendo um esforço de “afirmação da Redenção total do ser humano”.
A época é marcada por conflitos políticos, em que o comunismo era visto como uma praga que exigia pressa no seu combate e a tendência secularista. Nesse contexto a devoção mariana passa a ser vista como um grande aliado da Igreja para trazer o povo de volta à fé, por meio das peregrinações e consagrações. Boff, ainda diz que: “Em plena segunda guerra mundial no dia 31/10/1942, Pio XII consagrava o mundo inteiro ao Coração Imaculado de Maria”41, com a intenção de conter o clima animoso e promover a paz como prova de vitória do Reino de Deus.
A essência do dogma da Assunção está na grandezada ressurreição de Cristo, que resplandece em Maria, pela gratuidade de Deus, para dar a garantia concreta da ressurreição de toda a humanidade em Cristo.
Para o Papa Pio XII, declarar a elevação de Maria ao céu em corpo e alma serve para valorizar e dignificar a vida humana que é destinada à glória com Cristo, ora tão massacrada pelas guerras, e afirmar a integridade do corpo e da alma do ser humano criado de modo admirável por Deus.
A perspectiva de valorização do corpo que a Assunção inspira leva a promover todas as formas que estimulam uma correta relação com o corpo, às vezes desprezado e desvalorizado até mesmo na concepção cristã.
Reconhecendo o corpo como templo de Deus, como afirma São Paulo em um de seus escritos aos Coríntios “[...] ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo que está em vós e que recebeste de Deus [...]”42, supõe-se a sua valorização, dignificando-o para a sua finalidade principal, que é a sua ressurreição. No entanto, essa realidade distancia-se a cada dia no continente latino-americano, onde os corpos são profanados dos modos mais diversos e nas mais diferentes etapas da vida.
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CAPÍTULO II 
MARIA – PRESENÇA NO PROJETO SALVÍFICO, 
SEGUNDO AS ESCRITURAS
Constitui-se um dado de grande valor, para a compreensão de toda e qualquer afirmação dos dogmas marianos, indicar informações bíblicas que nos ajudem a perceber a participação ativa de Maria dentro de todo o processo de salvação, cujo protagonista primeiro é o seu filho: Cristo Jesus.
Não se pretende elencar aqui tudo o que foi dito a respeito de Maria na Sagrada Escritura, mas recorrer a alguns trechos que evidenciam a sua colaboração e participação ativa.
2.1 No Antigo Testamento
A Sagrada Escritura é resultado da inspiração de Deus para se auto-revelar ao homem, fornecida através de símbolos e códigos que indicam os passos necessários para a salvação.
Considerada a principal fonte de todos os estudos teológicos, nela está contida uma Mariologia profunda e atraente sempre apresentando a participação de Maria no projeto da salvação. Mesmo tendo como esforço a descrição de como a mulher Maria colabora no projeto salvífico, não esquece jamais de sua inserção na história de seu povo.
É através de um aprofundamento nessa fonte que se pode assegurar ou renegar questionamentos outrora evidenciados, relacionando a pessoa de Maria e sua importância para a realidade salvífica.
Por isso, torna-se impossível traçar um perfil de Maria sem contextualizá-la de acordo com os dados das Sagradas Escrituras. Embora sua atuação se inicie no Novo Testamento, podemos encontrar traços marcantes de uma Mariologia futurística presente já no Antigo Testamento.
Quando se acena à questão da figura indicada pela profecia é necessário ter certo cuidado com o conteúdo das afirmações, mas sobre o fato de que textos do Antigo Testamento fazem menção a Maria nos confirma o livro de Isaías que escreve: “Eis que a jovem está grávida e dará à luz um filho e dar-lhe-á o nome de Emanuel”1, aqui percebe-se uma profecia clara a respeito de sua participação na realidade da salvação.
Todo o Novo Testamento gira em torno da pessoa de Jesus Cristo, mas percebe-se que de modo muito discreto o conteúdo neo-testamentário vai apresentando, conjuntamente com o Filho, aquela que doou o seu corpo para a geração do Cristo, Filho de Deus, e não somente apresenta-a na condição de mãe que gera, mas de discípula que o seguiu por toda a sua vida.
Na carta enviada à comunidade dos Gálatas, São Paulo faz uma conexão entre a realidade e a realização da promessa para apresentar o núcleo da Mariologia atual, mas não se esqueceu de contextualizá-lo destacando a condição de submissão à lei de sua época: “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção filial”2.
Neste texto pode-se perceber a importância de Maria para que Deus pudesse concretizar sua promessa e é essa participação de Maria, enquanto mulher, que dá dignidade a toda a humanidade, pois: “O Filho de Deus tornou-se Filho do homem para que nós em toda a liberdade chegássemos a ser filhos de Deus”3.
2.2 Nos Escritos do Novo Testamento
2.3 Mateus
O Evangelho de Mateus foi escrito para uma comunidade de judeus convertidos ao cristianismo que, possivelmente, já tinham conhecimento dos textos de Marcos (supõe-se que o evangelho de Marcos tenha sido escrito anteriormente). Esta comunidade, por ter aceitado a nova realidade de crer em Jesus como o Cristo, foi rejeitada e desprezada pelos judeus e, até mesmo, pelos pagãos. 
Portanto, pode-se perceber que os textos de Mateus são escritos num momento em que a religião judaica é fortemente vivida e numa prática cultural em que o homem é mais importante do que a mulher.
Compreendendo essa posição é que se pode buscar entender a participação silenciosa de Maria. No primeiro capítulo o autor dá destaque à participação de José, que recebe sua missão através de um sonho: “Enquanto assim decidia, eis que o anjo do Senhor manifestou-se a ele em sonho, dizendo: Filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo”4.
O evangelista inicia sua narração com a genealogia de Jesus citando nomes já conhecidos para certificar a todos que Jesus é de fato a realização da promessa feita ao povo de Israel. É bom lembrar que toda a genealogia é, predominantemente, masculina, porém vem interrompida quatro vezes para inserir quatro mulheres que dão origens a outras pessoas fora do padrão da sua época, preparando o leitor para o caráter extraordinário do nascimento de Jesus, através de Maria�.
O que Mateus quer dizer é que Jesus Cristo nasceu de forma excepcional, por obra do Espírito Santo, no entanto, este nascimento ocorre com a participação de Maria, da linhagem de Davi para explicar e confirmar a natureza humana de Jesus Cristo. Este mesmo esforço encontra-se presente em Paulo quando escreve suas cartas, de forma mais concisa na carta aos Romanos, quando diz: “[...] nascido da estirpe de Davi, segundo a carne[...]”�.
O evangelista Mateus, no seu primeiro capítulo, se preocupou em mostrar: em primeiro lugar, a descendência humana de Jesus; em seguida, quando escreve os versículos 16.21.23.25, enfatiza a participação de Maria para a vinda do Salvador sem esquecer de indicar o modo como este mistério acontece: “[...] por obra do Espírito Santo”.
Assim, pode-se dizer que Mateus trabalha com a objetividade, enfatiza aquilo que considera mais importante na cena do nascimento de Jesus, que se dá pela ação do Espírito Santo, sem esquecer-se de considerar o humano e o divino que há na pessoa de Jesus. Quanto à pessoa de Maria, esta “aparece mesmo sem palavras, como testemunha da graça abundante de Deus para com o seu povo, mas também como mãe que cuida e acompanha o Filho de suas entranhas”�.
Com isso, é possível perceber que o evangelista se preocupou em falar de Jesus, integralizando-o à cultura judaica, para que o seu receptor compreendesse sua mensagem.
2.4 Marcos
Segundo a tradição, este é tido como o mais antigo dos evangelhos. Usa uma linguagem simples e curta. Em suas narrações, o evangelista fala dos lugares conhecidos, onde o povo vive e trabalha; preocupa-se em falar de Jesus que convoca a todos para segui-lo.
Quanto à referência a Maria, somente no capítulo 3 faz duas menções rápidas, com um texto conciso e sintético. Marcos não está preocupado em traçar a biografia de Jesus Cristo. Sua meta primeira é apresentar a mensagem trazida pelo Cristo, que se constitui instrumento de salvação.
O texto que acena discretamente para a família de Jesus apresenta a preocupação que esta tinha para com ele e a relação com a sua própria pátria: “E voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou, de tal modo que eles não podiam se alimentar. Quando os seus tomaram conhecimento disso, saíram para detê-lo, porque diziam: enlouqueceu!”�.Ao continuar o capítulo o evangelista se preocupou em tratar da divindade de Jesus. Nesse Evangelho evidencia-se claramente que para ter parte com o Cristo é preciso fazer-se seu discípulo e segui-lo, inclusive sua mãe�.
Somente Marcos usa a expressão “o filho de Maria”. Assim, percebe-se que o evangelista quer enfatizar a identidade humana de Jesus e aproximá-lo do povo de sua terra. Evidentemente, ele se depara com a reação dos que não compreendem que, aquele que é o Rei e Mestre, é o mesmo carpinteiro de origem humilde. Dentro desta situação, Maria, verdadeira discípula de seu Filho, sofre rejeição por parte de sua própria gente.
2.5 Lucas
Os textos lucanos relativos a Maria trazem uma nova perspectiva em torno dessa personagem. Se, em Mateus, Maria é silenciosa e, em Marcos, é pouco mencionada, nos textos de Lucas ela passa a ser alguém com participação “ativa, comprometida, que se oferece livremente para colaborar com o plano divino de salvação”�.
É o evangelho que mais enfatiza a figura de Maria, apresenta-a com uma participação mais ativa, iniciando sua atuação desde a infância de Jesus. Ela percorre toda a sua vida ministerial, seguindo-o após a ressurreição com o surgimento da Igreja: “Todos estes, unânimes, perseveraram na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus, e com seus irmãos”�.
O evangelho costuma fazer um paralelo entre João Batista e Jesus para que o leitor entenda a ligação do povo de Deus (do Antigo Testamento) com a Nova Aliança que, em Jesus se realiza de maneira plena. Assim, fica fácil perceber a atitude de humildade com a qual João Batista se reconhece menor que Jesus.
Os trechos em que Lucas faz referência a Maria sempre evocam algum paralelo de conteúdo semelhante no Antigo Testamento. A perspectiva é fazer o leitor perceber que em Jesus se cumpre a promessa. Embora se perceba que os evangelhos são puramente cristológicos, em Lucas pode-se ver uma conotação mariana mais profunda. Por exemplo, a principal noticia é a respeito de Jesus, mas é “Maria que é chamada para que entregue a sua vida toda a serviço da missão do seu Filho”�.
Na anunciação, mais precisamente no excerto a seguir, se observado de acordo com a sua cultura, ele parece paradoxal: “No sexto mês, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré. Foi a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José [...]”�.
O fato de ela ser virgem e noiva era comum nas moças da época, exceto na concepção virginal que se difere totalmente das demais, pois é capaz de gerar sem a participação de um homem; daí vê-se que é Deus realizando seu mistério de tornar-se homem fazendo morada no ventre de uma mulher.
Maria é, então o novo santuário onde habita a glória divina encarnada em Jesus [...] Na Encarnação, Deus abandona o templo de Jerusalém para habitar na humildade de Nazaré, na Galileia dos gentios; a partir de agora, a morada de Deus é universal.�
Jesus quer mostrar que veio em prol de toda a humanidade e não somente de um povo particular. Ao habitar um novo templo, o ventre de Maria, a “humilde serva”, dá a entender que é de todos, inclusive dos humildes.
Maria, em contrapartida, aceita sua missão de maneira livre e responsável doando-se por completo em função do evento Jesus. Deste modo, além de se colocar à disposição de Deus, entrega-se sem reservas, mostrando na expressão: “Faça-se em mim segundo sua palavra”�, sua total confiança, sendo a primeira a crer que Jesus é a realização da promessa do Pai.
Começa seu trabalho de anunciar o Salvador, ainda que seja com sua simples, mas disponível presença quando visitou Isabel. “No entanto para Lucas, o primeiro evangelizador é Deus”�, pois é Ele quem avisa Zacarias e os pastores da chegada do Salvador, para nos fazer lembrar da relação entre Deus e o homem. Neste caso é sempre Deus quem toma a iniciativa. Aceitar ou não é uma opção humana.
Se ouvir a palavra de Deus e pô-la em prática é a condição para ter parte com Jesus, Maria foi quem primeiro o fez, e o fez sem ressalvas. Por isso é bem aventurada.
2.6 Atos dos Apóstolos
O livro dos Atos dos Apóstolos, dando continuidade aos textos lucanos, faz uma conexão entre os que seguiam Jesus e os que O seguem através da Igreja que nasce com Ele.
Do paralelo pode-se perceber:
Nascimento de Jesus (cf. Lc 1) x nascimento da Igreja (cf. At 2,1-13).
Maria, cheia do Espírito Santo, anuncia a Boa nova (cf. Lc 1,39-45) x A comunidade que, encorajada pelo Espírito Santo, anuncia a plenitude da salvação (cf At 2, 1-36)�.
Note-se, ainda, que Maria recebeu o anúncio do nascimento do Salvador e no momento em que nasce a Igreja ela também se faz presente: “Todos eles perseveravam na oração, com um mesmo espírito, em companhia de algumas mulheres e de Maria, a mãe de Jesus, e de seus irmãos”�.
Maria, que pelo seu “sim”, aceitou ser a Mãe do Salvador, continua sua missão de acompanhar os filhos que prosseguem no seguimento de Jesus com a comunidade ora nascida. Ela mantém sua função maternal de acompanhar e dar continuidade à obra messiânica.
2.7 João
O Evangelho de João não faz um relato a respeito do nascimento de Jesus, mas chama a atenção para as suas realizações, que as denomina de sinais. Ao tratar da identidade do Messias, faz memória aos escritos de Marcos, para falar do pão da vida que é o próprio Jesus, impondo questionamentos: “Não é este o filho de José, cujo pai e mãe conhecemos? Como pode dizer agora: eu desci do céu?”�.
O que João quer mostrar é que Jesus ainda não é visto como filho de Deus pela sua condição também humana. Sua maior preocupação é mostrar que Jesus é, de fato, o Cristo. Portanto, sua ênfase é na fé.
Maria, neste evangelho, aparece somente em duas ocasiões, porém, muito significativas para que possa se compreender sua atuação ao lado do filho. Em ambos os casos é chamada a mãe de Jesus, a perceber no relato das bodas de Caná.
No terceiro dia, houve um casamento em Caná da Galileia e a mãe de Jesus estava lá. Jesus foi convidado para o casamento e os seus discípulos também. Ora, não havia mais vinho, pois o vinho do casamento havia acabado. Então a mãe de Jesus lhe disse: “Eles não tem mais vinho.” Respondeu-lhe Jesus: “Que queres de mim, mulher? Minha hora ainda não chegou”. Sua mãe disse aos serventes : “Fazei tudo o que ele vos disser”.�
Nestes versículos do evangelho é possível perceber a presença atuante de Maria no ministério de Jesus e o autor acentua o termo “Mãe de Jesus”. Embora os textos joaninos sejam puramente cristológicos, o que se pode perceber é que neles também se valoriza a participação mariana neste ministério, pois é o único evangelho a relatar o episódio do casamento.
Mais adiante, ao final do livro, Maria é chamada de “mulher” pelo próprio Jesus. Alguns teólogos, ao estudar este termo, fazem referência ao prólogo de João que inicia com “no princípio”, o que faz lembrar o livro de Gênesis. Logo Maria é associada à Eva, sendo que Maria está ligada ao novo Adão e com ele começa o novo mundo.
Percebe-se a presença de Maria atuando diretamente no projeto salvífico (pode ser visto claramente no início dos sinais realizados por Jesus e no final do evangelho com o episódio da cruz), assim o texto joanino quer indicar que sua atuação na economia da salvação adquire dois sentidos distintos e importantes: intercessora e evangelizadora.
Como intercessora é ela quem percebe, mostra e pede que o Filho interfira de modo providencial quando exclama: “não há mais vinho”�.
Como evangelizadora Maria leva os demais a crerem e obedecerem ao mandato do seu Filho quando diz: “Fazei o que ele disser”�.
O texto joanino apresenta o momento profundo sobre Maria quando a coloca diante da cruz. Deste modo, o autor quer mostrar sua coragem e sua força, como também companheirismo e disponibilidade para estar junto do Filho, inclusive nos momentos difíceis: 
Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena.Jesus então, vendo sua mãe e, perto dela, o discípulo, a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis tua mãe”!.�
É importante observar que a nova comunidade representada pelo discípulo amado é entregue aos cuidados de Maria. A ela Jesus repassa a missão de levar ao mundo os sinais do Reino e da salvação, pois a primeira evocação é dirigida a ela quando afirmou: “Eis o teu filho”. É o momento em que a filiação de Jesus adquire um novo sentido nas mãos de Maria: tornar-se a mãe espiritual de todos os crentes, ou seja, “Mãe da Igreja”.
2.8 Apocalipse – O Livro da Revelação de São João
João continua no seu segundo livro, falando de uma mulher� e a relaciona com o Messias, agora com um teor acentuadamente escatológico, através da qual vem a salvação:
Um sinal grandioso apareceu no céu: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas; estava grávida, entre as dores de parto, atormentada para dar à luz. Apareceu então outro sinal no céu: um grande dragão, cor de fogo, com sete cabeças e dez chifres e sobre as cabeças sete diademas; sua cauda arrastava um terço das estrelas do céu, lançando-as para a terra. O dragão postou-se diante da mulher que estava para dar à luz, a fim de lhe devorar o filho, tão logo nascesse. Ela deu à luz um filho, um varão, que regerá todas as nações com cetro de ferro. Seu filho, porém, foi arrebatado para junto de Deus e de seu trono, e a mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe havia preparado um lugar em que fosse alimentada por mil duzentos e sessenta dias [...].�
Nos seus escritos vem novamente ressaltado o sim corajoso desta mulher capaz de travar uma luta para defender a humanidade, assim como fizera Maria ao enfrentar os vales tenebrosos para fugir com o filho e defendê-lo do rei Herodes: “José levantou de noite, pegou o menino e a mãe dele, e partiu para o Egito”�.
Os dois relatos também fazem ver que a perseguição acentua a coragem de Maria. Como consequência do seu sim o Reino de Deus se instalou no meio do povo e é como resultado deste mesmo sim que Deus agiu em favor da mulher a quem chamou “cheia de graça”.
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CAPÍTULO III 
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE MARIA, 
A PARTIR DO MAGISTÉRIO
Na tentativa de oferecer informações mais ricas sobre a devoção mariana para os nossos dias, servir-nos-emos de alguns documentos eclesiais, cuja inspiração do Espírito Santo para a Igreja faz-se notar na riqueza com que os mesmos apresentam perspectivas novas e abrangentes. Os mesmos são citados para melhor fundamentar o caminho traçado na busca de uma maior clareza acerca da devoção cristã e, de modo especial, a devoção mariana, a fim de que este modelo de experiência religiosa não seja fundado em dados superficiais ou sem uma argumentação mais racional.
3.1 III CELAM – PUEBLA: Argumentos Obtidos a partir da América Latina
Na III Conferência Episcopal da América Latina (III CELAM) – Puebla a Igreja, pela primeira vez, se manifestou e expôs, de forma organizada e significativa, a respeito de Maria, e esta exposição jamais foi superada pelas conferências que a sucederam, como Medellín e Santo Domingo. Em Puebla, assim como no Concílio Vaticano II, a pessoa de Maria é associada à vida da Igreja sob uma perspectiva eclesiológica.
A partir do Magnificat (Cântico de Maria), o documento faz uma projeção de sua atuação na realidade do seu povo, e por esta projeção é capaz de afirmar que no cântico, a Virgem se revela ao seu Criador.
É possível vê que Ela trouxe ao mundo o Salvador, a liberdade concretizada como cantou no Magnificat, pois Deus havia realizado sua promessa: “Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou”1.
O Documento é singular, pois propõe uma imagem da Virgem vibrante, participativa, livre e dinâmica, capaz de cooperar ativamente na ação redentora, tendo como ponto de partida esta nova visão da mulher Maria. Puebla introduz um novo título a Maria a “grande protagonista da história”, para o qual Clodovis Boff dá duas designações: uma no campo natural e outra no campo espiritual.
Do ponto de vista sobrenatural ou divino, Maria deu o sim ao anjo que proporcionou a encarnação do verbo e continua durante toda a história da humanidade intercedendo pelos seus filhos.
Já do ponto de vista natural ou humano, Maria atuou ao lado do filho na sua vida humana, conquistando discípulos para Jesus e continua até hoje com sua figura popular movendo multidões para o encontro com o Salvador2.
3.2 O Concílio Vaticano II: Uma Nova Visão sobre Maria
Por ser considerado um Concílio Ecumênico foi visto como o de maior expressão para a atualidade, pois além de trazer grandes renovações para o seio da Igreja, foi também o que apresentou uma estrutura bem sistematizada a respeito da pessoa de Maria.
O Capítulo VIII da Lumem Gentium traz na sua estrutura o proêmio, duas partes estruturais e uma conclusão.
Se o documento todo se refere à Igreja e seu mistério, tendo Maria uma estreita relação entre Cristo e sua Igreja, é justificável um capítulo que trate dessa relação que parece independente na sua contextura, e é intitulado “sobre a bem-aventurada virgem Maria, Mãe de Deus no mistério de Cristo e da Igreja”3.
O texto em si apresenta em toda a sua composição as razões da participação de Maria na economia da salvação, como justifica Meo: “O Concílio tenciona [...] esclarecer atentamente a missão de Maria no mistério do verbo encarnado e redentor e da sua Igreja, sacramento de salvação, e indicar os deveres da Igreja para com Maria” 4.
Com o conteúdo do Concílio Vaticano II, a Igreja teve a preocupação de propagar a união constante de Maria com o Salvador e sua obra salvífica. Esta preocupação é visível quando em diversos pontos do texto do compêndio encontramos referências à mãe de Jesus:
Sacrossanctum Concilium – na celebração dos mistérios de Cristo, a Igreja venera Maria pela sua íntima relação com a obra salvífica do Filho. Por isso celebra, ao longo do ano, essa participação de Maria no mistério de Cristo que se atualiza em cada celebração Eucarística, para tornar presente a graça de Salvação na vida dos fieis 5.
Decreto Ad Gentes – a Igreja convoca seus membros que, a exemplo de Maria e sob sua intercessão, possam evangelizar todas as nações, sair de seu comodismo e ir anunciar o Evangelho de Jesus Cristo assim como ela foi ao encontro de Isabel; afinal propagar a Boa Nova é dever de todo cristão batizado 6.
Decreto Presbiterorum Ordinis – exorta os sacerdotes para que tenham no exemplo de Maria o modelo a ser seguido e que sua fé seja alimentada a cada dia pela Palavra de Deus, para observar os sinais da graça presentes no cotidiano e tornar mais dócil a missão que cada um possa assumir com mais fidelidade 7.
Decreto Optatam Totius – direcionada aos seminaristas para que a formação os leve a amar e venerar Maria, como o próprio Cristo no-la deu por mãe, e seu exemplo de acolhida, dedicação, amor filial fortaleçam os nossos sacerdotes na vida ministerial8.
Decreto Perfectae Caritatis – para os religiosos, Maria, pelo seu exemplo e intercessão, seja um ideal - de características “virginal, pobre e obediente” - a ser seguido, pois por toda a sua vida Ela foi dedicada à obra do Reino. Assim, os religiosos, por seu modo de vida, possam testemunhar Jesus Cristo a todo o mundo9.
Apesar deste visível interesse favorável ao assunto, encontramos, também, os que se opõem, influenciados pela ala protestante, por receio de estudar Maria e desviar-se da importância do evangelho.
O que o Concílio deseja é fazer esta relação de união progressiva e perfeita da serva do Senhor durante todo o percurso que se encaminha para a salvação e a Igreja-comunidade, presente visível e atuante do mistério de Cristo no mundo.
Para tal destacam-se três aspectos relevantes da atuação de Maria: Mãe do Salvador; Sócia do Redentor; Serva do Senhor.
Como Mãe do Salvador, sendoMaria mãe do verbo encarnado, concebido por obra do Espírito Santo: neste aspecto é óbvia sua colaboração para a salvação realizada pelo próprio Jesus, seu Filho.
Como Sócia do Redentor, Para participar efetivamente, na obra messiânica, necessitou ser remida do pecado original tornando-se a primeira e única dos humanos a participar do mistério de Cristo. Por isso, livre do pecado, pode desempenhar não só a função de mãe, mas associa-se a Ele na obra da redenção, como cooperadora, sem diminuir a divindade de Jesus:
[...] Assim de modo inteiramente singular, pela obediência, fé, esperança e ardente caridade, ela cooperou na obra do Salvador para a restauração da vida sobrenatural das almas. Por tal motivo ela se tornou para nós mãe na ordem da graça.10
Como a Serva do Senhor, Apesar de ter a graça de tornar-se imaculada desde a sua concepção, no entanto, não se fez passiva nas mãos de Deus e, ao seu chamado, respondeu livre e consciente à missão que lhe fora confiada.
3.3 Maria e sua Maternal Relação com a Igreja
Sendo Maria um membro da Igreja pela graça da maternidade divina assume um lugar especial: “Depois de Cristo ocupa na Santa Igreja o lugar mais alto e ao mesmo tempo mais próximo de nós” 11.
Não é somente por esta aproximação entre Cristo e seu povo que Maria se faz modelo, mas por sua participação ativa no mistério do Salvador. Ela é o modelo mais perfeito do Filho, todavia depende da sua graça, é também a figura da pessoa redimida de tal modo que chega a participar, antecipadamente, das demais criaturas, da ressurreição gloriosa e plena de Cristo12.
A atuação de Maria na sua associação com o Redentor continua se atualizando, pois já alcançou a glorificação que é para onde se encaminha à humanidade. Por isso, é o membro mais excelente da Igreja, pois a graça de Cristo atua e a torna colaboradora de sua obra.
Sua missão é totalmente dependente da de Cristo, no entanto, esta tem aspecto singular entre os demais membros da Igreja pela sua proximidade ao Salvador e sua participação ativa na obra salvífica.
3.4 A Mensagem de João Paulo II – Redemptoris Mater
Na carta encíclica Redemptoris Mater, o Papa João Paulo II faz uma reflexão baseada na Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre o significado que Maria tem no ministério de Cristo e sobre sua presença ativa e exemplar na vida da Igreja que celebra o amor do Pai, a missão do Filho, e o dom do Espírito” 13. As intuições do Papa buscam reforçar o papel da mulher que gerou o Filho de Deus para a realização do plano divino que é a vida plena para todos no seu amor: “Eu vim para que todos tenham vida e vida plena”14.
Dessa plenitude Maria participa, pois em seu seio virginal acolheu a “plenitude da Graça” que é o próprio Cristo que se fez humano, e pelo sim corajoso de Maria, a virgem de Nazaré, a realidade Cristo se tornou possível entre os homens. O seu sim encoraja a Igreja a assumir a mesma missão de Cristo, de anunciar a Boa Nova aos pobres15.
Toda a reflexão de Redemptoris Mater exorta para a missão da Igreja atual a partir do exemplo de Maria que caminha junto ao seu Filho. Seu testemunho de fé deve mover os cristãos para uma caminhada “na fé, esperança e caridade”.
Com o Advento dos dois mil anos do nascimento de Cristo e toda a comemoração em torno de tal evento é que o Papa julga necessário, também, uma alusão àquela que foi tão importante para a vinda do Salvador ao seio da humanidade. Nela e por ela a promessa que Deus fizera à humanidade tomou forma e se concretizou.
Em meio a seu povo, Maria se faz passar despercebida. Seu brilho era aos olhos do Criador, que almejava nela a culminância do seu plano salvífico para todos os homens.
Maria, em seu testemunho de fé, precede até o Filho, pois acreditou na graça de Deus antes mesmo de sua íntima relação com Cristo. Neste intento, é recomendado aos fieis seguirem o seu exemplo: “Os fiéis ainda têm de envidar esforços para debelar o pecado e crescer na santidade; e, por isso, eles levantam os olhos para Maria, que brilha como modelo de virtudes sobre toda a comunidade dos eleitos” 16.
Maria, mesmo estando junto do Pai, deixou no mundo seu legado de fé, para os que se encaminham buscando a santidade. Junto ao seu exemplo, tem ainda a carga do amor materno que colabora para o resgate ao Pai. Deste modo pode, pela graça recebida, promover a graça da Redenção atuando em todos os seres humanos, pois ela “está unida a Cristo, de um modo absolutamente especial e excepcional”17. Ela é o sinal imutável da eleição de Deus no seio da humanidade, como afirma São Paulo na carta dirigida a comunidade de Éfeso: “Nele nos escolheu antes da fundação do mundo para sermos santos e irrepreensíveis diante dele no amor. Ele nos predestinou para sermos seus filhos adotivos por Jesus Cristo, conforme o beneplácito da sua vontade”18.
Em Maria estabelecem-se os paralelos entre Israel, com sua caminhada desértica, e a Igreja atual, que caminha para a nova realidade, que é o próprio Cristo19. Sua caminhada de fé é em função do Ressuscitado. Ela participa de forma singular do mistério de Cristo nesta caminhada que iniciou no momento de Pentecostes.
Seu ministério não foi recebido junto aos Apóstolos. Quando Jesus os enviou ela os precedera na recepção da sua missão quando respondeu ao anjo: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”20. Apenas confirma sua missão quando, no cenáculo, recebe o Espírito, juntamente com os apóstolos, como a garantia de que o próprio Cristo prometeu o consolo invisível: “Mas o paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará tudo o que vos disser”21.
É Maria o modelo mais concreto e perfeito para o qual a humanidade deve olhar e compreender sua total dependência de Deus, ponto final da caminhada do gênero humano.
A Igreja entende e ensina que o único mediador entre as criaturas e o Criador é, sem dúvida, Jesus Cristo, como afirma São Paulo na I Carta a Timóteo: “Pois há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens: Jesus Cristo, o homem que se entregou para resgatar a todos”22.
No entanto, faz-se perceber a magnitude superabundante de Cristo que, por sua íntima ligação, resplandece em Maria e a envolveu com a sua sombra, dando-lhe o mérito da maternidade divina, que é o princípio de toda a sua graça diante do Salvador. No caso da mediação ela assume a função de intercessora junto ao Filho.
Sua relação é excepcional porque se dá pela aceitação à subordinação quando se faz sua serva e ao mesmo tempo torna-se a primeira crente da sua graça: “A cooperação de Maria participa, com o seu caráter subordinado, na universalidade da mediação do Redentor, único mediador”23.
Na encíclica mencionada, o Papa faz uma analogia entre a mulher e a serpente, presente nos livros do Gênesis e do Apocalipse. Em ambos trava-se uma batalha entre o bem e o mal, na qual Maria se associa e se faz presente nas lutas, sofrimentos e necessidades de todos os seus filhos: “Maria é vista e tratada como uma pessoa viva, que vem em ‘auxílio do povo cristão’ e para o qual não só as pessoas, mas, também, as nações e povos podem se voltar para ‘não cair’ e para ‘erguer-se’”24.
Tal afirmação faz lembrar que toda a sua vida foi dedicada em favor da obra messiânica. Como virgem aceitou e acreditou ser a Mãe do Filho de Deus; como serva sempre se manteve fiel à missão do Filho; como Filha acreditou e, em obediência ao Pai, gerou o Filho de Deus por obra e graça do Espírito Santo. Por isso, vale dizer que Maria não é somente o modelo perfeito que encaminha para a salvação, mas é uma cooperadora ativa da própria obra salvífica.
A graça de Cristo não é individual, ela faz uso dos homens e mulheres capazes de cumprir uma missão particular, que é mediar a redenção entre os homens: “Essas mediações humanas, longe de obscurecer a unicidade da fonte da salvação, nos fazem cair na realidade de quanto o Senhor levou a sério sua criatura, pois associou livre e amorosamente a sua obra”25.
Os homens têm a função de favorecer a salvação

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