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ARTIGO: A moral como pressuposto, fundamento e finalidade do contrato social rosseauniano - Revista Âmbito Jurídico

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Revista Âmbito JurídicoRevista Âmbito Jurídico
Nº 149 - Ano XIX - JUNHO/2016 - ISSN - 1518-0360
S E P A R A T A
		A moral como pressuposto, fundamento e
finalidade do contrato social rosseauniano
		
		Emerson Charlley da Fonseca Fraga
		
Revista Âmbito Jurídico
A moral como pressuposto, fundamento e finalidade
do contrato social rosseauniano
Emerson Charlley da Fonseca Fraga
 	
 		 Resumo: A intenção deste artigo é analisar o lugar da moral no contrato social, e
especialmente em sua manifestação de poder suprema, a volonté générale (vontade geral),
que para Jean-Jacques Rosseau não é um recipiente estéril à decisão das maiorias ou à
imposição por meio da força, é a concretização política da moral. A ideia é percorrer as bases
filosóficas e as principais garantias do contrato social para identificar como a ideia de moral
permeia toda a estrutura do contratualismo rosseauniano.[1] 	
 		 Palavras-chave: Moral. Ética. Contrato Social. Sociedade Civil. Rosseau. 	
 		 Abstract: The purpose of this paper consists on the analisis of the moral's place in the social
contract, specifically on its supreme expression of power, reffered as the volonté générale
(general will), which for Rousseau is not a sterile holder to the majority decisions or any kind of
imposition by force, but instead it resumes the political substantiation of the moral. The ideia is
to review the philosofical basis and the main warranties of the social contract in order to
identify how the concept of the moral permeates all the structure of the Rosseaunian
contractualism. 	
 		 Keywords: Moral. Ethics. Social Contract. Civil Society. Rosseau. 	
 		 Sumário:Introdução. 1. O advento da moral como condição para o estabelecimento do
contrato social. 2. A liberdade fundada na moral como objetivo do contrato social. 3. A
igualdade como freio moral da liberdade. 4. A “vontade geral” como expressão política da
moral. Conclusão. Referências. 	
 		 Introdução 	
 		A emergência de uma moral que caminhe para congruir coletivamente pode ser considerada
a característica fundadora e fundamentadora do pacto coletivo vislumbrado pelo francês
Jean-Jacques Rousseau na obra “Do contrato social”, publicada em 1762, um dos textos de
referência da Revolução Francesa e da concepção de Estado liberal. 	
 		Para o autor, a progressão para um “estado civil” em oposição ao “estado de natureza”,
situação de selvageria caótica, só é possível a partir de uma situação em que a moral seja a
motivadora da conduta dos indivíduos. Essa moral, entretanto, não é meramente individual,
pois tem sua força máxima exercida socialmente, por meio da “vontade geral”, que seria sua
concretização coletiva. 	
 		Este texto começa investigando como a moral serve de base para o estabelecimento da
própria ideia de contrato social. Em seguida, aborda como a liberdade conforme concebida
por Rosseau pode ser obtida unicamente a partir do exercício da moral, funcionando como
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Revista Âmbito Jurídico
seu suporte, ao mesmo tempo em que é sua fronteira. Por fim, demonstra como o filósofo
francês torna inseparáveis as ideias de vontade geral e moral, fundando toda a sua teoria com
base em tais conceitos e vinculando a eles a legitimidade estatal. 	
 		 1. O advento da moral como condição para o estabelecimento do contrato social 	
 		De acordo com Jean-Jacques Rosseau, a pactuação do contrato social, necessária para o
surgimento de uma sociedade civil, advém de uma situação-limite histórico-ficcional em que
os indivíduos não conseguem mais manter, em graus aceitáveis, a vida e a liberdade em um
sistema primitivo – um “estado de natureza”, estágio “[...] de selvageria fundamentalmente
insatisfatório, onde os aspectos negativos dificultavam demasiadamente – quando não
inviabilizavam - a vida em coletividade” (LEOPOLDI, 2002, p. 159). 	
 		No “estado de natureza”, cada ser tem “um direito ilimitado a tudo o que lhe diz respeito e
pode alcançar” (ROSSEAU, 2011, p. 34) e, como dever, apenas o instinto natural de
autopreservação. Não há qualquer empecilho social que o detenha de adotar uma conduta
radicalmente selvagem, sem qualquer pretensão valorativa. 	
 		Nesse contexto, não existe vício ou virtude, lícito ou ilícito, bom ou mau (ROSSEAU, 1991,
p. 251). Não há laços sociais ou obrigações coletivas de qualquer espécie. Isso porque,
segundo Rousseau, o único vínculo realmente natural é entre genitor e filho, e apenas até que
tenha as mínimas condições de sobrevivência. Os demais inexistem nessa condição
selvagem – inexiste, aliás, a própria noção de coletividade. O que caracteriza o “estado de
natureza”, portanto, é a completa ausência da moral – não uma condição oposta à moralidade
(a imoralidade), mas sua inexistência plena: a amoralidade. 	
 		É importante ressaltar que essa “[...] caracterização de um estado primevo da humanidade,
no qual o homem se apresentaria tal como saído das mãos da natureza, é antes um [...] um
marco teórico, a partir do qual se avalia e se julga determinada realidade historicamente
presente” (CARDOSO, 2006, p. 13). Esse “estado primitivo” é suplantado quando os
indivíduos abrem mão do ímpeto natural “pleno” a tudo o que puderem alcançar pela
preservação coletiva. Segundo o autor, “[...] como os homens não podem engendrar novas
forças, senão somente unir e dirigir as existentes, não têm outro recurso para sua
conservação além de formar por agregação de uma soma de forças que possa sobrepujar a
resistência, pô-las em jogo para um só móvel e fazê-las agir conjuntamente” (ROSSEAU,
2011, p. 30). 	
 		Nesse momento abstrato de pactuação do contrato social, a liberdade irrestrita se
transforma em liberdade convencional, que pressupõe um ajuntamento coletivo centrado na
manutenção das condições que a propiciem. O modo como se organiza esse ajuntamento é o
objeto do contrato social: “Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja a
pessoa e os bens de cada associação de qualquer força comum, e pela qual, cada um,
unindo-se a todos, não obedeça, portanto, senão a si mesmo, ficando assim tão livre quanto
dantes” (ROSSEAU, 2011, p. 30). 	
 		O estabelecimento de um contrato social conduz o indivíduo ao que o autor chama “estado
civil”, “[...] substituindo em sua conduta a justiça ao instinto e dando aos seus atos a
moralidade de que antes careciam” (ROSSEAU, 2011, p. 32). É, portanto, a emergência da
moral que permite ao ser humano deixar a situação insustentável do “estado de natureza”. Na
pactuação do contrato social, a moralidade ganha lugar de destaque, tornando-se, para
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Rousseau, o selo fundamental das condutas regidas no contexto do “estado civil”. 	
 		A existência da moral, desse modo, é requisito para que seja firmado o contrato social e, ao
mesmo tempo, sua prática é entendida pelo autor como consequência da pactuação. É
importante ressaltar que a moral a que se refere Rosseau deve entendida como uma moral
compartilhada coletiva, da qual o contrato social é inalienável. 	
 		 2. A liberdade fundada na moral como objetivo do contrato social 	
 		“[...] A ruptura entre um estado primeiro, chamado de natureza ( status naturae), e um estado
segundo, chamado cívico (status civilitatis), se dá com a cessão das liberdades individuais ao
Estado, o que é feito por meio do contrato social” (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 244). 	
 		Para Rosseau, apesar disso, “é preciso, todavia, garantir ao homem a sua liberdade, uma
vez que admitir a sua perda seria a negação de si próprio” (SILVA, 2011, p. 65). Essa
liberdade, portanto, não é suprimida pelo Estado. Pelo contrário: deve ser garantida e
ampliada, mas não em prol do indivíduo em si mesmo, e sim do cidadão – ou seja, a partir de
uma perspectiva coletivado ser. 	
 		A liberdade deixa então de ser irrestrita e passa a ser liberdade civil ao ser balizada pela
moral. Isso por que somente a liberdade combinada com a moral “[...] faz do homem
verdadeiramente dono de si próprio, porque o impulso dos apetites é a escravidão, e a
obediência à lei que cada um de nós prescreve constitui a liberdade” (ROSSEAU, 2011, p.
34). É importante enfatizar que tal conceito de moral não admite flexibilidade para se voltar
contra o “bem comum” em nenhuma hipótese. Desse modo, o direito natural à liberdade
proeminente no “estado de natureza”, no “estado civil” torna-se vinculado ao conteúdo do
contrato social. 	
 		Desenvolvido o conceito de “liberdade civil”, é possível apontar duas principais garantias
básicas pressupostas por ele. A primeira é o direito à vida, porque carrega em si a essência
da noção de autoconservação, cuja impossibilidade fez sucumbir o “estado de natureza”. A
garantia de sobrevivência, portanto, constitui premissa básica para qualquer caracterização
de liberdade. Rosseau é taxativo quanto ao fato de que a manutenção do indivíduo é a
intenção primária a ser perseguida no “estado civil”: “O contrato social tem por fim a
conservação dos contratantes” (ROSSEAU, 2011, p. 49). 	
 		A segunda garantia decorrente da liberdade civil é a propriedade. “Todo homem tem
naturalmente direito a tudo quanto necessita, porém, o ato positivo que o faz proprietário de
algum bem o exclui do resto” (ROSSEAU, 2011, p. 35). Rousseau delimita o conceito de
propriedade, desse modo, divergindo energicamente da ideia de posse, para ele típica do
estado de natureza. Primitivamente, tudo o que o homem pudesse tomar para si ou alcançar
era dele. Já no “estado civil”, a propriedade requer concessão do soberano (personificado
pelo Estado e pelas leis) ao cidadão, levando em consideração sempre o “bem comum”
norteador da moral coletiva. Isso porque “[...] os possuidores são considerados depositários
dos bens públicos, respeitados os seus direitos por todos os membros do Estado e
defendidos com todas as forças contra estrangeiros [...]” (ROSSEAU, 2011, p. 36). 	
 		 3. A igualdade como freio moral da liberdade 	
 		Para que seja possível o exercício da liberdade e das garantias por ela pressupostas, há
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que se considerar um fundamento diretamente vinculado: a igualdade, assim entendida em
sentido estrito – como igualdade jurídica, política e civil. Para Rousseau, “a igualdade por si
mesma não constitui um valor, mas é buscada porque a existência de grandes disparidades
[...] faz com que a vontade de grupos particulares termine por se impor à vontade geral,
destruindo assim as condições para o exercício da liberdade” (MARQUES, 2010, p. 112). “A
verdadeira liberdade reside no conceito de legalidade que garante a igualdade. Fora do pacto
inexiste igualdade, apenas dominação. A contribuição das leis civis, dentre outras, resultaria
na moralização dos atos vingativos, instintivos e brutais, construindo uma liberdade apoiada
nas leis” (MEDEIROS, 2004, p. 25). 	
 		Igualdade, portanto, significa submissão equânime ao contrato social e ao soberano. “[...]
No contrato está imanente a noção de que se trata de uma relação em que prevalece a
paridade de direitos e deveres, pois em contrapartida à adesão dos particulares e a sua
obediência às leis proclamadas como comuns, está o imperativo de que o soberano deve se
condicionar à observância delas e deve obedecer à finalidade do pacto, o interesse comum”
(BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 241). 	
 		Igualdade, portanto, é a noção de que não há hierarquias prévias entre os cidadãos
enquanto cidadãos. Esse referencial inicialmente já elimina qualquer possibilidade de
dominação ou escravidão. Para Rousseau, o “[...] direito de escravidão é nulo, não somente
porque é ilegítimo, senão porque é absurdo e nada significa. As palavras escravatura e direito
são contraditórias, e, por conseguinte, excluem-se mutuamente” (ROUSSEAU, 2011, p. 28). 	
 		O princípio da igualdade impede ainda qualquer outro tipo de subjugo pela força. Rousseau
afirma enfaticamente: “[...] a força é um poder físico; não imagino que moralidade possa
resultar de seus efeitos [...]” (ROUSSEAU, 1991, p. 25). O autor classifica reiteradamente a lei
do mais forte como característica do estado de natureza incompatível com o “estado civil”.
Para o francês, “a passagem do estado pré-cívico ao cívico deu-se exatamente em função
dessa necessidade de transformar o poder físico em poder moral” (BITTAR; ALMEIDA, 2005,
p. 246) – reafirmando, portanto, o lugar central da moral no contrato social. 	
 		É importante notar que o afastamento do poder do mais forte em prol da igualdade civil
implica aos cidadãos o direito e o dever de participarem de todas deliberações políticas, assim
como a responsabilidade por elas. Para Rosseau, esse exercício político se dá por meio de
uma democracia direta baseada no sufrágio – em que as decisões são tomadas por meio do
voto dos cidadãos. 	
 		 4. A “vontade geral” como expressão política da moral 	
 		De acordo com Rousseau, o exercício da democracia faz com que, no “estado civil”, cada
indivíduo seja, ao mesmo tempo, cidadão e parte do soberano. Isso significa que ao mesmo
tempo que serve ao Estado e às leis, é parte do corpo que as produz e promulga. Para o
autor, os indivíduos devem votar habitualmente para decidir sobre a maneira correta de
manter o contrato social (ROUSSEAU, 2011, p. 50). 	
 		Esse processo deliberativo, entretanto, está vinculado, assim como todos os conceitos que
envolvem o contrato social, a um forte pressuposto moral. Para Rousseau, as decisões dos
cidadãos devem se basear na “vontade geral”, uma espécie de expressão política da moral
coletiva, conceito que permeia toda a argumentação do contratualista francês. Segundo o
autor, no contrato social, em síntese, “cada um de nós põe sua pessoa e poder sobre uma
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suprema direção da vontade geral, e recebe ainda cada membro como parte indivisível do
todo” (ROUSSEAU, 2011, p. 31). 	
 		Rousseau entende que, sem a moral, a deliberação da maioria ou mesmo da unanimidade
deixa de ser “vontade geral” e passa a ser “vontade de todos”, desviante e incompatível com o
contrato social. Desse modo, a vontade geral pode ser entendida como a "vontade moral
interna à vontade de cada um” (MEDEIROS, 2004, p. 30). Para o contratualista francês, “há
[...] diferença entre a vontade de todos e a vontade geral: esta atende só ao interesse privado,
e não é senão uma soma de vontades particulares [...]” (ROUSSEAU, 2011, p. 44). 	
 		Na visão do autor, nas sociedades onde impera a vontade de todos não há direito e,
portanto, não existe contrato social legítimo. Seria uma situação similar ao despotismo ou ao
absolutismo – a diferença é que, em vez do predomínio da vontade individual, se sobressairia
o interesse de um conjunto de particulares, mesmo que representem a maioria dominante ou
a totalidade da sociedade. Isso porque “a vontade geral é mais que simplesmente a vontade
de todos (somatória dos interesses particulares), pois aquela visa à realização do interesse
comum e público, e esta visa o interesse dos particulares”. (BITTAR; ALMEIDA, 2005, p. 241).
	
 		É importante destacar que não há espaço para o exercício de vontade individual conflitante
com a “vontade geral” no âmbito do contrato social. O pacto requer “[...] a doação da vontade
própria em prol do todo, uma espécie de “imperativo categórico coletivo”, tendo como
hipotética formulação: “queiras somente aquilo que possa ser querido pela vontade geral”. Eis
o que fundamenta um pacto social em prol da cidadania e da garantia de uma sociedade
política legítima” (SILVA, 2011, p. 68). 	
 		Fica claro,portanto, que a deliberação democrática só atende e constitui o contrato social
se conduzida por esse critério moral último que Jean-Jacques Rousseau denomina “vontade
geral”. Para o autor, “[...] o homem abre mão de sua liberdade natural, mas não para se
submeter a uma lei vazia, tal como a de um estado social corrompido, que de forma alguma
deveria receber o nome de lei, pois que não passaria então de mero decreto de uma vontade
particular” (CARDOSO, 2006, p. 19). 	
 		A “vontade geral”, entretanto, está apenas no plano ideal e deontológico. Tal situação fica
evidente quando Rousseau defende que ela jamais falha: “[...] é sempre reta e tende
constantemente à utilidade pública” (ROUSSEAU, 2011, p. 44). Desse modo, não poderia de
modo algum gerar injustiças – vinculando-se, portanto, à própria ideia de justiça. O que falha,
para o contratualista, é a deliberação do povo, que pode ser enganado, mal informado ou
equivocado (ROUSSEAU, 2011, p. 44-45). Sendo assim, Rosseau aloca o desvio moral: ele
pode se manifestar no exercício da vontade individual, isoladamente, ou da vontade de todos,
coletivamente. O autor reconhece que, “De fato, cada indivíduo pode, como homem, ter uma
vontade própria, contrária ou diferente da vontade geral que tem como cidadão. Seu interesse
particular pode orientá-lo em modo diferente do interesse comum” (ROUSSEAU, 2011, p. 33).
	
 		A intenção de Rousseau ao discutir o desvio moral é incompatibilizar definitivamente
qualquer incongruência entre a moral coletiva e o contrato social. Para o autor, o indivíduo
desviante perde inclusive o vínculo com o contrato, “[...] sendo aquele que recusar obedecer à
vontade geral compelido a isso por todos, o que não significa outra coisa senão que lhe
obrigará a ser livre” (ROUSSEAU, 2011, p. 33). Tal posição significa claramente que,
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desviante da conduta moral considerada “vontade geral”, o indivíduo fica sujeito a perder a
liberdade civil conferida a ele pelo contrato social, a igualdade perante os cidadãos e, em
última instância, os direitos básicos decorrentes dela: a vida e a propriedade. 	
 		Ao defender que quando deixa de agir pela “vontade geral” o indivíduo passa a ser “externo”
ao corpo indivisível constituído pelo contrato social, Rosseau define claramente os limites da
própria deliberação coletiva e do contrato social em si: eles estão firmados na pedra fundante
da moral. 	
 		Ao analisar o contrato social de Rousseau, Cristiano Medeiros sintetiza a questão do ponto
de vista do autor: “[...] a noção de contrato social representaria um verdadeiro instrumento de
harmonização dos interesses dos agentes morais (indivíduos concretos que fazem parte de
uma comunidade)” (MEDEIROS, 2004, p. 29). 	
 		 Conclusão 	
 		Para Rosseau, a deliberação política democrática não é um recipiente estéril à vontade da
maioria, já que é guiada pela “vontade geral”. O autor incorre, ao desenvolver essa ideia, em
uma utopia típica dos jusnaturalistas: a de considerar a moral um conceito perene,
imobilizado, ao qual resta apenas ser descoberto pelas sociedades. Ele recusa o que ela de
fato é: uma construção social, relativa, mutável ao longo da história. 	
 		Decorre disso uma total impossibilidade de identificar se há um contrato social legítimo em
qualquer sociedade por meio da observação, já que tal conclusão dependeria de uma análise
da vigência ou não da “vontade geral”. Isso implicaria, invariavelmente, no conhecimento da
verdadeira moral coletiva. Nesse plano, o contrato social de Rosseau deixa de ser verificável
ou aplicável e passa a ser uma ficção deontológica, um ideal. 	
 		Ao vincular a noção de direito e Estado à moral coletiva e, por conseguinte, à justiça,
Rosseau atende a um anseio social de sua época, se voltando contra a dominação pela força
e contra o Estado e o direito ensimesmados e autoritários. Não é à toa que “Do contrato
social” foi um dos principais manuais da Revolução Francesa, deflagrada em 1789, onze anos
após sua morte (STRECK, 2008, p. 90). 	
 		“O pensamento de Rousseau contribuiu para repelir as concepções totalitárias de poder. A
noção de injustiça transparece quando o poder é exercido fora das finalidades da vontade
geral. Portanto, e possível verificar a existência de uma Ética coletivista, popular, democrática
na perspectiva filosófica de Rousseau” (MEDEIROS, 2004, p. 33). 	
 		Desse modo, o pacto proposto por Jean-Jacques Rosseau em “Do contrato social” é
intrinsecamente vinculado a uma convergência moral cuja exteriorização política é
denominada pelo autor como “vontade geral”. O desdobramento dessa concepção impede
qualquer exercício de poder, especialmente o político, sem a análise e identificação dessa
moral coletiva – isto é, sem a prática da ética, se entendida como estudo e sistematização da
moral social. Rosseau, por meio dessa postura, deslegitima ainda qualquer Estado fundado
na força e qualquer ordem jurídica que não tenha como fim absoluto o ideal moral de justiça. 	
 		 Referências 	
 		BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis. Curso de Filosofia do Direito. 5ª ed. São
Paulo: Editora Atlas, 2005. 	
 		CARDOSO, Edgard Cabral. Liberdade natural e liberdade civil no pensamento de J.-J.
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17312
Revista Âmbito Jurídico
Rousseau. Controvérsia, São Leopoldo, v. 2, n. 2, p. 12-21, jan./jun. 2006. Disponível em:
<http://revistas.unisinos.br/index.php/controversia/article/view/7065/3917>. Acesso em 20
novembro 2015. 	
 		LEOPOLDI, José Sávio. Rousseau - estado de natureza, o “bom selvagem” e as sociedades
indígenas. Revista Alceu, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 158-172, jan./jun. 2002. Disponível em:
<http://revistaalceu.com.puc-rio.br/media/alceu_n4_Leopoldi.pdf>. Acesso em 22 novembro
2015. 	
 		MARQUES, Jose. Forçar-nos a ser livres? O paradoxo da liberdade no contrato social de
Jean-Jacques Rousseau. Cadernos de Ética e Filosofia Política, São Paulo, v. 8, n. 16, p.
99-114, jan. 2010. Disponível em: <https://www.ufpe.br/ppgfilosofia/images/pdf/pf22_artigo 	
 		10001.pdf>. Acesso em: 15 novembro 2015. 	
 		MEDEIROS, Cristiano Carrilho. A perspectiva filosófica de Jean-Jacques Rousseau na
esfera do Direito Natural. Perspectiva Filosófica, Recife, v. 2, n. 22, p. 15-35, jul./dez. 2004.
Disponível em: <https://www.ufpe.br/ppgfilosofia/images/pdf/pf22_artigo10001.pdf>. Acesso
em: 16 novembro 2015. 	
 		ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade
entre os homens. Tradução Lourdes Santos Machado. 5ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
p. 215-320 (Coleção "Os pensadores", Volume 6). 	
 		______________________. Do contrato social. Tradução de Antônio P. Machado. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2011. 	
 		SILVA, Vital Ataíde da. Rousseau: Da liberdade natural à liberdade civil. Saberes em
Perspectiva, Jequié, v. 1, n. 1, p. 51-77, set./dez. 2011. Disponível em: <http://www. 	
 		saberesemperspectiva.com.br/index.php/saberesemperspectiva/article/view/4/4>. Acesso
em: 26 novembro 2015. 	
 		STREK, Danilo. Rosseau & a educação. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
 		 	
 		 Nota: 
 	
 		
 			 [1] Trabalho orientado pelo Prof. Pablo Reja Sánchez – Professor Substituto de Ética e
Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), mestre em Relações
Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), doutorando em Direito pela
Universidade de Brasília (UnB) 	 
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Revista Âmbito Jurídico
C E R T I D Ã O
 Certificamos para os devidos fins de direito e a quem interessar possa que
Emerson Charlley da Fonseca Fraga teve o trabalho intitulado: A moral como
pressuposto, fundamento e finalidade do contrato socialrosseauniano, publicado na
Revista Âmbito Jurídico, Revista Jurídica Eletrônica Nº 149 - Ano XIX -
JUNHO/2016 - ISSN - 1518-0360, de 01/06/2016, editada por Âmbito Jurídico - O seu
portal na Internet, em:
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17
312.
Rio Grande, RS, 30 de Maio de 2016
http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=17312

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