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APOSTILA REVISADA PSICOPATOLOGIA

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APOSTILA DE PSICOPATOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROF. ELIANE MUSSEL 
 
 
2008 
 
 
 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
2
 
 
HISTÓRIA DA LOUCURA 
1. INTRODUÇÃO 
As diferentes concepções sobre a conduta anormal só podem ser compreendidas 
tendo como referência o contexto em que se desenvolveram. 
Os fatos históricos estão condicionados por restos de fenômenos que se produziram 
ao seu redor, desde os mais complexos (exemplo, a estrutura política) até os mais 
simples (exemplo, o espaço físico de que a família dispunha para o cuidado de um 
enfermo mental) e a psicopatologia não se isenta disto, o que faz com que uma 
referência histórica descritiva da época em que se produziram seus conhecimentos 
seja imprescindível. 
Alexander (1970) em sua obra póstuma “Historia de la psiquiatría” estabelece uma das 
poucas noções das quais todos os historiadores da psicopatologia estão de acordo, 
que são as três tendências do pensamento psicopatológico de todos os tempos: 
a) a tentativa de explicar o comportamento através da magia e/ou sobrenatural, 
denominado genericamente “conceito mágico”; 
b) explicar o comportamento em termos físicos – os biologistas – gerando o “conceito 
organicista”; 
c) buscar uma explicação psicológica – o que hoje em dia se definiria melhor como 
psicossocial – gerando o “conceito psicogênico”. 
 
2. MODELOS DE PENSAMENTO 
2.1 Séculos XVI e metade do século XVII: modelo mágico 
A Mania, loucura profética, foi descrita por Homero, na Grécia Antiga, atribuindo-se a 
ela um sentido de sabedoria oracular e mística. A loucura ritual ou dionisíaca é outra 
manifestação de loucura entre os gregos, a qual deu origem aos carnavais, que trazia 
a idéia de que é necessário se liberar das forças “subterrâneas, instintivas” da 
natureza para não enlouquecer. 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
3
“A loucura no modelo mágico denotava o caráter exterior deste saber que 
se expressava pelo sujeito, ora pela manifestação do daimon, ora por 
oráculos, ora por inspiração das musas. Essa manifestação do ‘outro’, que 
constituiria a fonte da loucura, por ser detentora de uma verdade que se 
revelaria desta maneira, seria, por isso, considerada sagrada” 1. 
 O cristianismo radicalizou o caráter de exterioridade da loucura, atribuindo sua causa 
ao daimon cristianizado, o demônio, valorizando-a negativamente como fruto do 
pecado, responsabilizando moralmente o sujeito por ela acometido. Foi assim que 
fenômenos como os das epidemias de feitiçaria, ocorridos na Idade Média, 
transformaram-se na origem da Inquisição, que foi o “tratamento” indicado pela Igreja 
para curar esta “doença” espiritual. 
2.2 Renascimento: Loucura anexada à razão 
Na metade do século XVII, com a chegada do Renascimento (mundo moderno) houve 
um grande avanço da ciência e da tecnologia ocasionando o desenvolvimento da 
burocracia, da formalização da lei, da difusão das letras e da instrução, e o 
florescimento da economia de mercado levando à valorização da Racionalidade. A 
loucura passa a ser anexada à razão sofrendo sua mais radical modificação. 
Foucault foi o primeiro a estudar profundamente esta questão em sua tese de 
doutorado, “História da loucura na idade clássica”. Mais do que se excluírem, loucura e 
razão aparecem em sua obra animadas por forças que as integram, complementam e 
se fecundam reciprocamente. Loucura e sensatez, razão e desrazão se aliam na 
experiência humana. Diz Foucault que “a loucura é um momento duro porém essencial 
no trabalho da razão; através dela, e ainda em suas vitórias aparentes, a razão se 
manifesta e triunfa” 2. 
Relata Foucault que no auge do racionalismo, favorecida pelos escritos de Hegel, a 
razão surgiu como soberana. Foi, todavia, com Descartes que Foucault e outros 
encontraram, já na modernidade, o primeiro corte radical entre a loucura e a razão. Na 
“Primeira” das Meditações Metafísicas, que tem o título “Das coisas que se podem 
duvidar”, escreve Descartes: 
“Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes, em relação a coisas 
mal percebidas ou remotas, encontraremos outras, muitas das quais 
poderemos razoavelmente duvidar, ainda que as conheçamos pouco; 
como, por exemplo, que estou aqui, sentado junto ao fogo, vestido com um 
 
1 LEITE, M.P.S. Psicanálise lacaniana – Cinco seminários para analistas kleinianos. São Paulo: 
Iluminuras, 2000, p. 157 
2 Historia de la loucura en la época clásica. T.I. México: F.C.E., 1976 [1974], p. 61. 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
4
roupão e este papel em minhas mãos, e outras coisas mais. E, como negar 
que estas mãos e este corpo são meus, se não é colocando-me à altura 
desses insensatos cujo cérebro está turvo e ofuscado pelos vapores da 
bílis, que asseguram ser reis, sendo pobres, estarem vestidos de ouro e 
púrpura, estando desnudos, ou que imaginam ser cães ou terem o corpo 
de vidro? Mas os tais são loucos, e eu não seria menos se me regesse por 
seu exemplo“ 3. 
 Com este “são loucos”, Descartes expulsou de cada um a possibilidade do outro da 
loucura e inaugurou a visão moderna, base para a nosografia psiquiátrica. 
Na nascente sociedade burguesa, começava a despontar o privilégio pela razão. Foi a 
"dúvida" de Descartes que encerrou a vitória definitiva à razão (a partir do momento 
em que se antepôs à dialética desatino/razão). O sujeito que duvida, duvida, logo, não 
pode estar louco. "O eu que conhece não pode estar louco, assim como o eu que não 
pensa não existe. Excluída pelo sujeito que duvida, a loucura é a condição de 
impossibilidade do pensamento".4 A razão é o meio pelo qual o sujeito acessa a 
verdade. 
O encerramento dos loucos estava franqueado e a partir do século XVII. O aparato 
legal encontrava formas de afastar todos que alteravam a ordem social, forma 
inovadora de tratar da questão como uma medida econômica e precaução social. No 
entanto, não são apenas os loucos (como os conhecemos hoje) aqueles que serão 
internados. Mendigos, vagabundos, libertinos, bandidos e os próprios loucos fazem 
parte desse espaço que era único. Não havia um juízo que diferenciasse qualquer das 
categorias acima. Elas simplesmente faziam parte do erro, da não-tentativa à verdade. 
Assim, o Hospital Geral nessa época não possui um caráter médico. 
2.3 Século XVIII: Loucura como enfermidade mental: Nascimento da clínica 
psiquiátrica 
Ao final do século XVIII, em vários países da Europa aconteceu um movimento de 
cunho filantrópico que revolucionou a assistência dos alienados e nele encontramos a 
figura de Philippe Pinel (1745-1826). Sintonizado com a sua época, leitor dos grandes 
médicos modernos como Cullen, e dos filósofos Locke, Condillac, não agiu em seu 
tempo aleatoriamente ou intuitivamente. 
 
3 Discurso del método. Meditaciones metafísicas. Correspondencia. Barcelona: Biblioteca 
Universal del Vírculo de Lectores, 1995, p. 130. 
4 Discurso del método. Meditaciones metafísicas. Correspondencia. Barcelona: Biblioteca 
Universal del Vírculo de Lectores, 1995, p. 61. 
 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
5
Pinel estabeleceu os fundamentos da clínica psiquiátrica, estruturando-a como 
experiência (que privilegia o olhar), um método (a análise, apropriada de Condillac) e 
linguagem (privilegia os signos), numa formalização que ficou conhecida como método 
clínico. Suas obras principais foram: Nosografia Filosófica ou o Método da Análise, 
aplicado à medicina de 1798, e Medicina Clínica ou a Medicina tornada mais precisa e 
mais exata pela aplicaçãoda análise de 1802. 
Influenciado por Locke, Pinel via o conhecimento como um processo cuja base é a 
observação empírica dos fenômenos que constituem a realidade, ou seja, o 
conhecimento tem origem na experiência, nas percepções dos sentidos. Ao introduzir 
o método de análise, ele estrutura a clínica: experiência que privilegia o olhar que 
observa e procura traduzir o visível no enunciável. 
Para Pinel, as alienações mentais seriam devidas a distúrbio funcional do sistema 
nervoso central, as lesões poderiam ou não existir, seriam apenas contingentes. 
Dentro desta concepção, surgem os asilos especializados na custódia e tratamento 
dos alienados, promovendo o chamado “tratamento moral”. A pretensão de tal 
tratamento era moderar as paixões e destruir os delírios a partir do trato amável, da 
persuasão e respeito pela autoridade do médico. O desejo era fazer do louco um bom 
cidadão, um sujeito produtivo e autodisciplinado. Isto podia ser apenas pensado, pois, 
ainda que ancorado na antiga noção de paixões, o processo mórbido, nos ideais 
pinelianos, mantinha o germe da razão. A idéia básica era que o alienado, ainda que 
muito enfermo ou desprovido de sua identidade e liberdade moral, conservava um pé 
no mundo dos civilizados e então, reconduzindo-se as paixões a um novo estado de 
harmonia, ele recobraria a ordem e a clareza que havia perdido. 
 Hegel foi quem captou o vestígio de razão que seguia coabitando com a loucura e fez 
até um elogio a Pinel. Disse ele: 
 “... o verdadeiro tratamento psíquico mantém firme o ponto de vista de que 
a alienação não é a perda abstrata da razão, ... é somente contradição da 
razão que ainda existe, ... Tal tratamento humano, isto é, racional e 
benévolo ao mesmo tempo – é preciso reconhecer os grandes méritos 
adquiridos neste campo por Pinel –, supõe o enfermo como racional” 5. 
Deve-se destacar, não obstante, que esta idéia de Hegel a respeito de Pinel não é 
compartilhada por muitos autores atuais. Como exemplo cita-se o próprio Foucault, o 
 
5 Enciclopedia de las ciencias filosóficas. México: Porrúa, 1990 [1817], p. 220. 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
6
qual considera que o trabalho de Pinel libertou os pacientes de suas jaulas e algemas, 
mas os sujeitou à noção de enfermidade, ao asilo e à disciplina psiquiátrica. 
A loucura reduzida quase completamente à enfermidade (nosologia), a criação de 
asilo (institucionalização), a promoção do tratamento moral (caráter terapêutico) e a lei 
de 30 de junho de 1838 (caráter legal) são expressões do trabalho deste homem que 
propunha erradicar o termo “folie” e substituí-lo por “alienation mentale”, no rigoroso 
intento de fazer entrar a loucura no discurso médico. 
Alienação era definida por ele e seus seguidores como um processo único que 
aglutinava não somente as possíveis e profundas variedades mórbidas, mas também 
os estados de afetação moral que induzem a uma perda de liberdade em 
conseqüência das lesões do entendimento. Todavia, como qualquer outra 
enfermidade, a alienação deve ser examinada em todas as suas variedades e o 
alienado, enquanto enfermo, requer tratamento específico e estabelecimento 
adequado para o tratamento. 
Deste movimento, que aproxima a loucura da medicina, origina-se a psiquiatria. Ao 
aproximá-la do modelo médico acaba por delimitar sua exclusão desse modelo: a 
nosografia contrastava com aquela apresentada pela medicina; havia dúvidas, até 
mesmo pelos médicos alienistas, de que seu substrato etiológico se encontrava em 
uma alteração anátomo-patológica e que as variadas terapêuticas dos plantonistas do 
hospital servissem aos alienados já que a todos se aplicavam o mesmo tratamento 
moral; o hospital geral acaba por ser considerado inapropriado para acolher os 
alienados. 
Segundo Teixeira (1997), as noções introduzidas por Pinel consolidaram novos 
conceitos operatórios: 
“(1) uma semiologia psiquiátrica, a partir do olhar do alienista que convive, 
observa e descreve minuciosamente o comportamento dos doentes; (2) 
uma nosografia, com a conhecida divisão pineliana em quatro grandes 
classes, a saber: a mania, a melancolia, a demência e o idiotismo; (3) uma 
abordagem clínica, que parte dos sintomas para chegar aos quadros 
clínicos; e (4) uma terapêutica específica da loucura, voltada para o 
tratamento das causas corporais e, principalmente, das chamadas causas 
morais, isto é, das paixões descontroladas, ardentes ou pervertidas que 
estariam na base da insanidade” 6. 
 
6 TEIXEIRA, M. O. (1997). Nascimento da psiquiatria no Brasil. Cadernos IPUB, 8, p.46. 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
7
Jean-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840) foi o grande continuador das idéias de 
Pinel, aprofundando-as, enriquecendo-as, mantendo, porém, a concepção unitária da 
patologia mental grave, seguindo um modelo paralelo ao da “psicose única” dos 
clínicos de língua alemã da época (como Griesinger). Complementando Pinel, amplia 
a sua noção de loucura quando a descreve também como uma “aberração profunda 
dos sentimentos morais” 7, e, assim, reafirma a importância do asilo enquanto o único 
local apropriado para o tratamento moral dos alienados. A partir de Esquirol, o 
afastamento social do louco passa a ser considerado terapêutico por si só, e o 
hospício passa a ser visto definitivamente como um instrumento necessário para a 
intervenção médica na loucura, do qual, portanto, o alienista não poderia prescindir. 
Na sua tese, apresentada em 1805, “As paixões consideradas como causas, sintomas 
e meios curativos da alienação mental” adverte que, se as paixões acarretavam as 
alienações, elas também deviam servir para o tratamento. Seguindo uma orientação 
mais moderada, ele advogava pelo equilíbrio das paixões ao invés de sua supressão, 
levando o louco ao estado em que se encontrava antes de precipitar-se na 
enfermidade. Busca Esquirol a descrição e classificação dos transtornos mentais 
utilizando o método clínico descritivo. 
Esquirol também foi um dos excelentes colaboradores na área médico-legal. Em 1818 
propôs a criação de dezenas de asilos regionais e teve uma participação ativa nos 
prolongados debates que terminaram na criação da lei de 30 de junho de 1838, 
conhecida como “Lei sobre os alienados”, em vigor até 1990. Quando se depara com o 
texto de lei escrito naquela época se vê sua riqueza. Nele constavam três títulos: 
1. Sobre os estabelecimentos para alienados; 2. Sobre as reclusões nos 
estabelecimentos para alienados (abarcando as internações voluntárias, aquelas 
ordenadas pela autoridade pública, gastos dos serviços e disposições comuns a todos 
os internados); 3. Disposições gerais. 
A preocupação principal das abordagens científicas tanto de Pinel como Esquirol era 
de primeiro descrever os fatos, bem organizá-los em categorias; se isso era ou não 
era uma doença, era o menos importante de se tratar. Era isso que se discutia nas 
ciências naturais da época: quais são as ordens, quais são as espécies, como uma 
ordem se relaciona com outra ordem e como delimitar essas grandes categorias. Na 
 
7 CASTEL, R. (1978). A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Rio de Janeiro: 
Graal, p. 270. 
 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
8
verdade, o procedimento racional que Pinel e Esquirol colocam dentro do campo, 
fundando o campo da psiquiatria contemporânea, é o de bem descrever, bem 
classificar, bem ordenar os quadros clínicos, muito mais que supor tratar-se de 
doenças. 
Em 1822 Bayle (1799-1858) apresentou uma tese (“Pesquisassobre as doenças 
mentais”) em que descreveu uma forma de alienação mental acompanhada de 
perturbações motoras e que evoluía em três fases: a) delírio monomaníaco com 
exaltação; b) delírio maníaco geral e; c) demência com amnésia. Bayle correlacionou a 
referida alienação mental, que denominou de paralisia geral, com uma lesão 
determinada, uma meningite crônica tendo como agente etiológico o treponema 
pallium. Construiu com sua tese o paradigma neuropsiquiátrico que fascinou as 
gerações seguintes, orientando a investigação psicopatológica em direção à 
neuropatologia e transformando definitivamente a loucura clássica em uma 
enfermidade do cérebro e de suas membranas. Ao publicar sua tese em Medicina 
arrasou as idéias da nosologia sindrômica forjada por Pinel e Esquirol. Tudo o que 
estes haviam postulado (mania, melancolia, monomania, demência e idiotia) ficou 
reunido em uma única enfermidade cuja evolução se articulava formando uma 
seqüência. Propõe assim uma teoria globalista, unitarista, com dimensão evolutiva, 
muito distinta da de Pinel e Esquirol (nosologia sindrômica edificada sobre a 
fenomenologia mais chamativa do quadro clínico). Trabalhando em um hospital onde 
se internavam muitos oficiais do exército, contaminados por sífilis, ele descobriu que 
determinados delírios megalomaníacos e comportamentos motores estavam 
associados à inflamação das meninges, comprovada na mesa de dissecação de 
cadáveres. Isto o levou a escrever e publicar muitos artigos importantes sobre a 
origem das enfermidades mentais no cérebro enfermo organicamente, o que estava 
bem de acordo com o modelo médico. Parecia haver encontrado a organogênese das 
enfermidades mentais e, se no princípio era um pouco discreto em suas publicações, à 
medida que sentia seus efeitos, foi se tornando orgulhoso, generalizando suas 
descobertas que não passaram disto. Com o passar dos tempos, sua etiologia 
cerebral, originada na paralisia cerebral, se evidenciou incorreta, foi muito criticada, e 
muitos acreditam que esta foi uma das causas de seu abandono da clínica mental. 
Enquanto vimos nos clássicos franceses vários nomes como Pinel, Esquirol, Bayle 
entre outros, na escola alemã um nome sobressaiu e dominou amplamente o cenário, 
o de Kraepelin. Publicou em 1883 seu Compêndio de Psiquiatria, com 380 páginas, 
que foi revisado e reeditado várias vezes, sendo que na oitava edição, em 1913, seu 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
9
Compêndio continha 4 volumes com 2.500 páginas. Influenciado por Griesinger, o 
fundador da escola alemã que entendia serem as doenças mentais, antes de tudo, 
afecções cerebrais, Kraepelin se orienta na busca do suposto curso natural das 
enfermidades mentais e, mais especificamente, nas manifestações de suas formas 
terminais. Desaparece quase por completo a reflexão sobre a loucura, o interesse pelo 
louco se torna inexistente. O enfermo mental tem valor enquanto uma mácula no bom 
funcionamento social na medida em que supõe uma carga para a família, sociedade e 
Estado. 
Podemos sublinhar que a psiquiatria clássica conheceu duas teorias no que se refere 
à natureza da doença mental: com Pinel temos a hipótese funcionalista radical (as 
alienações mentais seriam devidas a distúrbio funcional do sistema nervoso); com 
Griesinger temos a hipótese organicista (a doença mental seria antes de tudo uma 
afecção cerebral). Com a escola francesa vimos o surgimento do método clínico 
descritivo; já na Alemanha surge o método anátomo-clínico (vertente mecanicista com 
sua concepção atomística do organismo concebido como soma de órgãos). 
2.4 Século XIX: Teoria da degenerescência 
Da metade do século XIX em diante o otimismo em relação à cura dos doentes 
mentais pela psiquiatria deixou de existir. A própria psiquiatria se deu conta de que o 
que era capaz de oferecer não operava curas. Surge um novo avanço nas teorias 
médicas da insanidade mental enquanto doença física, agora dentro de uma proposta 
da teoria da degenerescência. A loucura era incurável por ser hereditária, 
constitucional. 
A Teoria da Degenerescência, desenvolvida por Bénédict-Augustin Morel (1809-1873), 
foi uma das grandes influências no meio médico brasileiro da segunda metade do 
século XIX e início do século XX. Essa teoria defende a idéia da transmissão de uma 
predisposição do organismo à degenerescência, que pode ser identificada pela 
ocorrência de traços físicos e morais característicos aos degenerados. Leonel Gomes 
Velho, em sua tese “Do degenerado e sua capacidade civil”, de 1905, apresenta as 
idéias de Morel e de alguns de seus seguidores, procurando inicialmente apontar as 
diferentes definições de “degenerado” e de como este se encontra presente em todos 
os recantos da vida – não existem só os degenerados débeis, pouco aptos para as 
lutas pela existência, mas também os superiores, aqueles indivíduos 
“originais, bizarros e excêntricos que, apesar de serem triunfantes na vida 
e até ocuparem elevadas posições sociais, são tão anormais sob o ponto 
Instituto de Psicologia – PUC Minas 
Prof. Eliane Mussel 
10
de vista cerebral quanto os idiotas. Devido a este fato, os débeis, por 
serem impotentes, são menos prejudiciais à sociedade que os 
degenerados superiores” (s/esp). 
Assim, a degenerescência não estaria ligada somente à alienação mental, mas à idéia 
de desvio de modo geral. As causas da degeneração são pensadas como podendo 
ser tanto físicas quanto morais. Como possíveis causas físicas são apontadas a 
insalubridade dos climas, a má higiene e a insuficiência das moradias e da nutrição, 
sendo atribuída especial importância ao meio enquanto produtor de condições 
propícias à instalação de processos degenerativos. Como causas morais, por outro 
lado, figuram a ignorância, a avareza, a sede de prazeres, a prostituição, os 
fanatismos, entre muitas outras.8 No entanto, também são apontadas com freqüência 
lesões físicas, morais e intelectuais como sendo conseqüências do processo de 
degeneração, o que demonstra o caráter paradoxal deste processo, onde causa e 
efeito são muitas vezes confundidos, num processo de retroalimentação. 
Uma das formas encontradas pela medicina para intervenção neste processo foi a 
higiene, mencionada por Morel como possibilidade de tratamento para a 
degenerescência. A higiene moral empenhava-se na moralização dos hábitos e 
costumes do degenerado, a partir da disseminação de uma lei moral que, sendo 
universal, seria o principal fator de união da espécie humana. À higiene física não é 
atribuída a menor importância, pois se proclamava uma interdependência do físico e 
do moral, já que somente em um organismo saudável a moral poderia desenvolver-se 
adequadamente. 
2.5 Século XX: Movimentos críticos à tradição psiquiátrica 9 
Começaremos por mencionar brevemente alguns dos principais movimentos críticos à 
tradição psiquiátrica ao longo do século XX. A experiência de Bion é uma referência a 
ser assinalada neste percurso: na Inglaterra do pós-guerra, cria-se como possível 
saída para a grave situação dos hospitais psiquiátricos: a prática da psicoterapia 
grupal. No início dos anos 50, nasce a análise institucional francesa, buscando “tratar 
o doente pela instituição e tratar a instituição como um doente”; na mesma época, na 
Inglaterra, se desenvolvem as comunidades terapêuticas. Em todas estas tendências, 
podemos constatar uma preocupação com a pobreza dos laços e da produção 
humana no interior das instituições, e uma tentativa de resgatar este empobrecimento 
 
8 SERPA Jr., O. D. (1998). Mal-estar na natureza. Rio de Janeiro: TeCorá Editora, p. 18 
9 Texto extraído do livro Experiências da loucura,de Ana Marta Lobosque. Rio de Janeiro: 
Garamond, 2001. 
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11
subjetivo pelo viés do grupo, da análise das relações intergrupais, institucionais, etc. 
Logo a seguir surge a antipsiquiatria inglesa: envolvendo também a dimensão da 
reconstrução das relações entre as pessoas na instituição, ela acaba por assumir uma 
posição crítica mais incisiva no seio da contracultura dos anos 60. 
Nesta história, temos tido também projetos gerenciais de reestruturação de modelos, 
visando a uma nova política de organização de serviços, como a psiquiatria de setor 
francesa, que se organiza segundo a hierarquização e a regionalização de serviços, e 
a ênfase na prestação de cuidados extra-hospitalares, com a criação de ambulatórios, 
oficinas terapêuticas, visitas domiciliares, etc. Um outro exemplo é a psiquiatria 
preventiva ou comunitária norte-americana, na qual os cuidados se organizam com 
base nos graus de complexidade primário-secundário-terciário, enfatizando-se a 
chamada atenção básica como espaço de prevenção do adoecer psíquico. 
Nos anos 70, ocorre na Itália a experiência da psiquiatria democrática, que caracteriza 
uma ruptura com as práticas baseadas numa reforma estritamente institucional: 
levando ao seu limite e evidenciando os impasses das experiências do tipo 
comunidade terapêutica, os italianos optam por uma desconstrução das instituições 
psiquiátricas, cujas características principais são a desmontagem do mito da doença 
mental e a criação de novas formas de convívio entre a sociedade e a loucura. 
Reforma Psiquiátrica Brasileira: Após a política assistencial da primeira metade do 
século, que priorizava a construção de grandes hospícios públicos como referência 
para a população, temos, a partir dos anos 60, uma enorme proliferação de hospitais 
psiquiátricos privados conveniados com o poder público, de acordo com a política 
fortemente privatista que caracterizou o governo militar. No final dos anos 70, 
terminada a ditadura militar, num movimento muito vivo de reorganização de forças 
democráticas do país, alguns dos trabalhadores de Saúde Mental de vários estados 
brasileiros se reúnem em torno de propostas de reforma. No final dos anos 80, o então 
chamado Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental politizou decididamente a 
questão da Reforma, e levou às suas últimas implicações a crítica ao modelo 
representado pelo hospital psiquiátrico. Em um manifesto histórico, afirma “marcar 
uma ruptura” ao definir que “não basta racionalizar e modernizar os serviços nos quais 
trabalhamos”. Sustenta a necessidade de promover a extinção dos manicômios, 
compreendidos como “mecanismo de opressão”. Emprega-se já então a expressão 
“luta antimanicomial”, e afirma-se a aliança dessa luta com o movimento popular e a 
classe trabalhadora organizada. 
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Ainda no final dos anos 80, acontecem no Brasil importantes eventos relativos à saúde 
pública. A saúde é afirmada como direito do cidadão e dever do Estado, e concebida 
em sua determinação pela organização social e política, em seus laços com a 
qualidade de vida, o trabalho, o lazer; cria-se o Sistema Único de Saúde – o SUS – 
com garantia da universalidade do acesso, da eqüidade, da descentralização de 
recursos e decisões, priorizando-se o nível local; garante-se o controle social, onde a 
Saúde se torna desde então uma área pioneira. 
No início dos anos 90, o movimento dos trabalhadores da Saúde Mental, que já se 
intitulava como antimanicomial, procede à sua organização, em nível nacional, como 
movimento social autônomo, independente de serviços, administradores ou partidos. 
Experiências como a psiquiatria democrática, textos como os de Foucault, têm sido 
referências importantes para esse movimento: Basaglia e Foucault, cada qual à sua 
maneira, mostram que o processo histórico de exclusão da loucura não tem suas 
raízes na natureza da loucura, não são características inerentes ao sujeito louco que 
geram tal exclusão; esse processo resulta de uma série de embates, enfrentamentos, 
correlações de força, no âmbito de uma cultura que acredita demasiadamente em sua 
própria razão. 
Os princípios do movimento antimanicomial são: 
1. a consideração da dimensão da subjetividade nas experiências da loucura em 
particular, e na luta política em geral; 
2. a extinção do hospital psiquiátrico e sua substituição por um modelo assistencial 
radicalmente diverso; 
3. a abordagem das experiências da loucura deve apontar para a sua presença e 
produção no campo da cultura; 
4. o movimento antimanicomial é um movimento social, que organiza trabalhadores, 
famílias e usuários de Saúde Mental no combate às diferentes formas de exclusão 
da loucura; 
5. o movimento antimanicomial, em aliança com outros segmentos da sociedade civil 
organizada, participa de uma luta política por transformações estruturais da 
sociedade. 
3. Para concluir 
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13
Depois de dois séculos do nascimento oficial da psiquiatria, na sua forma mais 
rudimentar – o alienismo –, o mundo contemporâneo ainda não se pode dizer 
confortável naquilo que respeita ao que o positivismo cunhou como “enfermidades 
mentais”. Amparada nas conquistas semiológicas e nosográficas da clínica clássica, 
nos modernos tratamentos farmacológicos, nas técnicas psicoterapêuticas e nas 
contribuições advindas da Psicanálise, a comunidade de especialistas em saúde 
mental acaba por encontrar, em sua trajetória histórica, a edificação das enfermidades 
mentais como um efeito induzido pelo discurso científico sobre a loucura, uma maneira 
de formalizar a loucura dentro da patologia médica. 
Frente à loucura e aos loucos, os estudiosos e praticantes da área se dividiram em 
duas posições, mantidas até hoje: 
a) organicistas: apegados ao discurso eminentemente médico, atribuem a aparição 
da loucura ao substrato material que dá suporte à afetividade, vontade e ideação, 
o que lhes possibilita aprimorar tratamentos e remédios para a enfermidade que 
coabita a loucura; 
b) psicologistas: com suportes conceituais mais relacionados com a Filosofia, seus 
valores preponderantes na causa da loucura – a alma ou psiquismo – e seus 
tratamentos possibilitam a harmonização dos excessos passionais, os 
desequilíbrios morais e os desvarios da razão. 
De um lado são assim encontrados o corpo, o cérebro, a matéria e o 
neurotransmissor. Do outro, em correspondência a alma, a mente, o pensamento, o 
significante. Disto resultam os pares que sempre fizeram questão aos pesquisadores: 
corpo/alma; cérebro/mente; matéria/pensamento; neurotransmissor/significante. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
1. CASTEL, R. A ordem psiquiátrica: a idade de ouro do alienismo. Rio Janeiro: 
Graal, 1978. 
2. Discurso del método. Meditaciones metafísicas. Correspondencia. Barcelona: 
Biblioteca Universal del Vírculo de Lectores, 1995. 
3. GUTIÉRREZ. Manual de psicopatologia clínica. Barcelona, 2000. 
4. LEITE, M.P.S. Psicanálise lacaniana – cinco seminários para analistas kleinianos. 
São Paulo: Iluminuras, 2000. 
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14
5. LOBOSQUE, A M. Experiências da loucura. Rio de Janeiro: Garamond, 2001. 
6. SÁ JÚNIOR, L.S.M. Compêndio de psicopatologia e semiologia psiquiátrica. Porto 
Alegre: Artmed, 2001. 
7. SERPA Jr., O. D. Mal-estar na natureza. Rio de Janeiro: TeCorá Editora, 1998. 
8. SIMS, A. Sintomas da mente – Introdução à psicopatologia descritiva. Porto 
Alegre: Artmed, 2001. 
9. TEIXEIRA, M.O. Nascimento da psiquiatria no Brasil. Cadernos IPUB, 8, 1997. 
 
HISTÓRIA DA PSICOPATOLOGIA1. INTRODUÇÃO 
A psicopatologia percorreu um caminho extremamente difícil até se tornar uma ciência 
autônoma. Psicopatologia e Psicologia científica se iniciaram através de Wundt, 
Kraepelin e Pavlov, os quais começaram seus caminhos juntos nos mesmos 
laboratórios. Muito rápido, seguiram rumos diferentes. Não encontrando na Psicologia 
recursos descritivos e explicativos suficientes para o comportamento anormal, a 
psicopatologia foi buscá-los na Filosofia, na Retórica e na Literatura, tentando 
encontrar uma linguagem que a Psicologia não proporcionava. 
Segundo Isaías Paim, “não é fácil descobrir a origem do termo psicopatologia. É 
possível que o seu criador tenha sido Jeremy Bentham, filósofo inglês (Londres, 1748-
1832), que, ao preparar uma lista das motivações humanas, reconheceu a 
necessidade da organização de uma psychological pathology (1817)” 10. 
Cheniaux (2002) refere que Esquirol e Griesinger, com seus trabalhos publicados, 
respectivamente na França (em 1837) e na Alemanha (em 1845), é que seriam 
considerados os criadores da psicopatologia 11. 
Para Hervé Beauchesne, a psicopatologia teria surgido no século XX, na França, no 
momento em que a psicologia, enquanto disciplina científica, começou a se separar da 
filosofia. “Com algumas raras exceções, os psicólogos de meu país (França) deixaram 
aos alemães as pesquisas psicofísicas, aos ingleses o estudo da psicologia 
 
10 PAIM, I. História da psicopatologia. São Paulo: EPU, 1993, p.01. 
11 CHENIAUX, E. Manual de psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002, p.01. 
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comparada. Eles consagraram-se quase exclusivamente ao estudo da psicologia 
patológica”12, escreveu Alfred Binet em 1889, definindo a posição da psicologia 
científica francesa. Com efeito, na Alemanha, onde a psiquiatria era marcada pelo 
organicismo, a psicologia baseada na fisiologia era experimental; e na Inglaterra, num 
espírito empírico, a psicologia estava fortemente impregnada de estatísticas. Na 
França, onde a clínica, embora sendo profundamente racionalista, era menos marcada 
pela fisiologia, Ribot iria efetuar, num espírito científico, a síntese das diferentes 
correntes e criar a psicologia patológica. 
Utilizaram-se e se utilizam de várias denominações para designar esse novo campo 
de estudos como patopsicologia, psicopatologia geral, psicopatologia clínica, 
psicologia patológica, psicologia do patológico, patologia do psicológico, psicologia 
anormal. Isto se deve aos diferentes marcos teóricos de referência, a distintas 
metodologias, momento histórico etc. É evidente que ela foi utilizada com diferentes 
enfoques, como os biomédicos e psicológicos, mas, principalmente, na psicologia 
norte-americana e inglesa a expressão psicologia anormal – marcando que a disciplina 
se ocupa da influência dos estados ou condições patológicas, seja qual for a origem, 
sobre os processos psíquicos – foi o que preponderou. O termo psicopatologia, ao 
contrário, sugere mais o estudo das influências das variáveis psicológicas sobre a 
enfermidade. 
O termo psicopatologia é de origem grega – psyché, alma e pathos, que não se 
confunde com nosos. Nosos diz respeito à doença enquanto realidade objetiva inscrita 
no real do corpo. De acordo com Pereira (2000) pathos, se refere antes de tudo a um 
estado anímico e não se reduz ao espectro das emoções. Segundo o mesmo autor: 
“O pathos diz respeito à condição de se estar passivamente afetado por 
algo da ordem da paixão. Esta movimenta o sujeito em uma busca e dá 
sentido a suas ações. Daí decorre a outra dimensão semântica de pathos: 
um estado de sofrimento, de padecimento, de mobilização que dá sentido 
e orientação aos atos humanos”. Assim, ”passividade’ (no sentido dado ao 
termo de ‘passivo’, ‘paciente’) e ‘paixão’ (no sentido de um grande 
sofrimento, como na ‘paixão de Cristo’) correspondem ao campo 
semântico recoberto pelo termo pathos. A idéia de ‘doença’ não está aí 
descartada, mas a ele se refere apenas por sua capacidade de acometer 
‘um indivíduo e conduzi-lo passivamente a uma certa forma de 
padecimento’ ”.13 
 
12 BEAUCHESNE, H. História da psicopatologia. São Paulo: Martins Fontes, 1989, p. 41. 
13 PEREIRA, M.E.C. A paixão nos tempos do DSM: sobre o recorte operacional do campo da 
psicopatologia. In; Ciência, pesquisa, representação e realidade em psicanálise. São Paulo: 
Casa do Psicólogo: EDUC, 2000, p.142. 
 
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16
Podemos definir de forma ampla a psicopatologia como a disciplina que se ocupa do 
sofrimento psíquico. Sims (2001) refere que a psicopatologia é 
“o estudo sistemático do comportamento, da cognição e da experiência 
anormais; o estudo dos produtos de uma mente com um transtorno mental. 
Isto inclui as psicopatologias explicativas, nas quais existem supostas 
explicações, de acordo com conceitos teóricos (p. ex., a partir de uma base 
psicodinâmica, comportamental ou existencial, e assim por diante), e a 
psicopatologia descritiva, que consiste da descrição e da categorização 
precisas de experiências anormais, como informadas pelo paciente e 
observadas em seu comportamento” 14. 
Didaticamente podemos então dividir as psicopatologias em dois grupos: as 
psicopatologias explicativas, baseadas em modelos teóricos ou achados 
experimentais, que buscam esclarecimentos quanto à etiologia de uma enfermidade, e 
as psicopatologias descritivas, que, por sua vez, consistem na descrição e na 
categorização precisas das experiências patológicas, como informadas pelo paciente e 
observadas em seu comportamento. 
O Webster’s New Internacional Dictionary define o termo como “o estudo científico das 
alterações mentais do ponto de vista psicológico”. Outras definições são: “Investigação 
sistemática de estados mentais mórbidos” e “o ramo da ciência que trata da morbidade 
e patologia da psique ou mente” 15. 
Pelas definições apontadas podemos ver que permanece em nossos tempos, não 
obstante, uma certa confusão quanto ao objeto de estudo da psicopatologia: é a 
enfermidade mental ou a conduta anormal? É a conduta anormal ou a desadaptada?. 
Isto se deve às diferenças de enfoques existentes na área ainda que se saiba que a 
variedade de estabelecimentos de critérios não é característica peculiar da 
psicopatologia. Como aponta Pereira (2000), 
 “há um problema teórico e ético que acompanha toda a história da 
psicopatologia: qual a relação do sujeito com o seu próprio sofrimento, com 
sua própria loucura? Seria ele vítima do acaso, do acidental, daquilo sobre 
o que ele não tem como interferir enquanto existente? Ou, ao contrário, 
seria o homem, de alguma forma, o paradoxal sujeito de seu próprio 
sofrimento?” 16. 
 
14 SIMS, A. Sintomas da mente. Introdução à psicopatologia descritiva. Porto Alegre: Artmed, 
2001, p. 16. 
15 PAIM, I. História da psicopatologia. São Paulo: EPU,1993, p.01. 
16 PEREIRA, M.E.C. A paixão nos tempos do DSM: sobre o recorte operacional do campo da 
psicopatologia. In: Ciência, pesquisa, representação e realidade em psicanálise. São Paulo: 
Casa do Psicólogo: EDUC, 2000, p.144. 
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17
Existem alguns fatos importantes que marcam a psicopatologia desde o final da 
Segunda Guerra Mundial até o momento atual: 
a) a relação da psicopatologia com a prática da psicologia clínica – isto contribuiu 
para a extensão da idéia de um contínuo entre o estudo do comportamento normal 
e patológico, ambos sendo regidos por leis idênticas. A psicologia experimental 
tem tido até o momentouma dificuldade enorme para gerar explicações e modelos 
que tenham aplicação nos problemas específicos da psicologia clínica e, desta 
maneira, pode-se falar de duas psicopatologias: uma clínica, basicamente 
descritiva e fenomenológica, e outra experimental, basicamente especulativa e 
com pouca capacidade de explicação dos fenômenos clínicos; 
b) a fragmentação em modelos e escolas; 
c) o estabelecimento de nosologias e sistemas diagnósticos reconhecidos; 
d) a Segunda revolução terapêutica (transformação dos hospitais psiquiátricos, 
atenção comunitária, avanços da farmacologia); 
e) os aportes das neurociências, sem dúvida, muito importantes. 
 
2. PRINCIPAIS MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO 
A psicopatologia está relacionada a múltiplas abordagens e referências teóricas. 
Destacamos seus principais métodos de investigação: 
- Fenomenológica: apreende os dados imediatos da consciência tais como eles 
se apresentam; utiliza a compreensão empática. O fenomenólogo busca 
colocar-se no lugar do paciente, a fim de sentir como ele se sente, em sintonia 
e consonância com ele. Transcreve as vivências patológicas e descreve as 
condutas anormais do doente, indagando sempre a essência dos fenômenos 
apresentados. 
- Psicodinâmica: valoriza o papel do Ics buscando o significado do sintoma, e 
levando em conta os fenômenos da transferência. 
- Analítico-existencial: retira o foco da essência dos fenômenos para a existência 
dos pacientes em obediência aos preceitos da filosofia existencial (Heidegger, 
Sartre, Merleau-Ponty) e também do método psicanalítico. Confere especial 
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importância às formas de existências patológicas, às noções de tempo e 
espaço em nossa vida psíquica e aos modos de adoecer mentalmente. 
(Biswanger, Minkowski). 
- Neurociências: buscam aporte da psicofarmacologia para possibilitar-lhes 
melhor conhecimento bioquímico dos transtornos mentais. 
 
3. DIFERENTES ABORDAGENS NA PSICOPATOLOGIA 
Ainda que na tendência atual algo pareça estar mudando, até hoje são encontrados 
dois grupos claros na psicopatologia: aqueles que se interessam pela investigação 
básica dos processos psicopatológicos subjetivos e aqueles interessados na prática 
clínica, que procura evitar os modelos etiológicos e se interessa mais pelas técnicas e 
procedimentos diagnóstico a partir de uma posição próxima da fenomenologia. 
De fato, cada disciplina que se ocupa do sofrimento psíquico produz modelos 
específicos de psicopatologia, coerentes no interior do referencial teórico em que se 
inscrevem e respondendo a certos problemas inerentes à clínica. Os diferentes 
enfoques ou abordagens atuais na psicopatologia, de acordo com Ionescu (1997), são: 
1. Psicopatologia experimental: Pavlov utiliza pela primeira vez este termo em 1903. 
É a abordagem dedicada ao estudo do comportamento patológico experimental ou 
ao estudo experimental do comportamento patológico. 
2. Psicopatologia behaviorista: os comportamentos anormais e normais são 
adquiridos e mantidos por mecanismos idênticos e segundo leis gerais de 
aprendizagem. Rejeita toda causa interna como causa última do comportamento e 
liga o aparecimento de todo comportamento ao ambiente do sujeito. Por esta 
razão, o clínico busca precisar as condições específicas ambientais que precedem, 
acompanham ou seguem os comportamentos estudados. Trata-se de uma análise 
destinada a precisar as variáveis ambientais que estão em relação com os 
comportamentos respectivos. 
3. Psicopatologia cognitivista: visa explicar os transtornos mentais levando em conta 
os processos pelos quais uma pessoa adquire informações sobre ela e seu meio e 
as assimila para pautar seu comportamento. Assim, os determinantes principais do 
comportamento anormal são construtores cognitivos. A mente é entendida como 
um sistema de processamento de informação, o qual, como os computadores, 
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recebe, seleciona, transforma, armazena e recupera dados. Os transtornos podem 
ser explicados a partir de um mau funcionamento de alguns componentes desse 
sistema. 
4. Psicopatologia biológica: a ênfase é colocada na influência das modificações 
morfológicas ou funcionais do sistema nervoso sobre a gênese dos transtornos 
mentais. A tese de que as afecções mentais possuem um substrato orgânico é 
antiga, e a obra de Kraepelin é considerada como o apogeu da psiquiatria 
organicista. A evolução posterior implica o aparecimento de duas correntes: a 
psicobiologia de Adolf Meyer (que considerava a patologia como uma patologia 
funcional da adaptação) e o organodinamismo de Henry Ey. Nesta abordagem os 
transtornos mentais são enfermidades cerebrais, que podem ser, de acordo com 
Buss (1962), causadas por um agente externo (por exemplo, um vírus) que ataca o 
organismo (enfermidade infecciosa), um mau funcionamento de algum órgão 
(enfermidade sistêmica) ou trauma (enfermidade traumática). 
5. Psicopatologia existencialista: procura ver o paciente tal como é realmente, 
descobri-lo enquanto ser humano, enquanto ser no mundo e não como uma 
simples projeção de nossas teorias sobre ele. Interessados pela decisão e vontade 
humana, os existencialistas insistem sobre o fato de que o ser humano pode influir 
na sua relação com o próprio destino. Coloca em questão a fronteira entre a 
normalidade e a patologia, fazendo-nos descobrir uma psicopatologia da média. 
6. Psicopatologia fenomenológica: apresenta origens da filosofia alemã nas obras de 
Husserl e de Heidegger. Temos dois métodos: o primeiro que se pode qualificar de 
descritivo (Biswanger) e o de Karl Jaspers. Nesse caso, a psicopatologia ocupa-se, 
sobretudo, do que os doentes vivem, estuda seus estados de espíritos, visa a 
desvelar significações. 
7. Psicopatologia psicanalítica: leva em conta os conceitos fundamentais da 
psicanálise, a saber, o inconsciente, a transferência, a pulsão e a repetição. 
8. Psicopatologia social ou Psiquiatria social: estudo do papel dos fatores sociais na 
etiologia das manifestações psicopatológicas (ou a sociogênese destas) e as 
repercussões da doença mental sobre as relações do paciente com seu meio 
ambiente. 
 
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
1. BEAUCHESNE, H. História da psicopatologia. São Paulo: Martins Fontes, 
1989. 
2. CHENIAUX, E. Manual de psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 
2002. 
3. IONESCU, S. Quatorze abordagens de psicopatologia. Porto Alegre: Artes 
Médicas, 1977. 
4. PAIM, I. História da psicopatologia. São Paulo: EPU, 1993. 
5. PEREIRA, M.E.C. A paixão nos tempos do DSM: sobre o recorte operacional 
do campo da psicopatologia. In; Ciência, pesquisa, representação e realidade 
em psicanálise. São Paulo: Casa do Psicólogo: EDUC, 2000. 
6. SIMS, A. Sintomas da mente – Introdução à psicopatologia descritiva. Porto 
Alegre: Artmed, 2001. 
 
PSICOPATOLOGIA FENOMENOLÓGICA JASPERSIANA 17 
 
A palavra fenomenologia apareceu no século XVIII, criada pelo filósofo alemão Johan 
Heinrich Lambert. O fenômeno é o que aparece, o que é visível. Assim, Lambert utilizou 
a palavra fenomenologia para designar a ciência da aparência, na verdade, uma 
psicologia empírica e uma descrição das aparências. 
Em 1807, na "Fenomenologia do Espírito", Hegel utiliza o mesmo termo, porém com uma 
nova dimensão: ela "apresenta-se, então, como a história da descoberta da consciência 
por si mesma mediante a experiência do mundo e a existência de outras consciências; 
trata-se de uma história no sentido de que a consciência deve conquistar sua própria 
significação". 
Tem-se em EdmundHusserl os fundamentos da fenomenologia como um novo modo de 
conceber e abordar os problemas filosóficos. Descobre a noção de intencionalidade da 
consciência, sempre dirigida para alguma coisa. Para Husserl, a psicologia não podia ser 
 
17 Texto escrito em co-autoria com a professora Ilka Franco Ferrarri 
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uma psicologia positivista e experimental: ela seria um projeto de compreensão do 
homem, que não poderia ser reduzido à mera resultante de fatores; o homem seria um 
indivíduo em relação com seu mundo, o qual seria, para ele, que o pensa, um objeto 
intencional. A psicologia não deveria ser uma especulação baseada na introspecção. 
A abordagem dos fatos exigiria uma eliminação radical de todo pressuposto e um retorno 
às próprias coisas. O fenomenólogo suspenderia seu julgamento. Por uma redução 
fenomenológica, não poria em dúvida as diversas realidades que poderia julgar, mas 
considerá-las-ia correlatos em direção aos quais a consciência se encaminharia. O 
interesse incidiria sobre os fenômenos, tendo a fenomenologia por domínio a consciência 
pura com seus estados de consciência, suas vivências. O importante seria destacar o 
sentido e não explicar, quer reduzindo a um sistema de causas e efeitos, quer a um 
sistema conceptual. O interesse estaria na experiência do Ser, no mundo vivenciado, 
com sua rede de significados, a relação do sujeito com seus objetos. 
Karl Jaspers (1883-1969), filósofo, psiquiatra, nascido em Olderburg na Alemanha, 
inaugura a Fenomenologia na investigação psiquiátrica. Publica em 1913 sua grande 
obra Psicopatologia Geral, posteriormente reeditada, ampliada e revisada por sugestões 
de Kurt Schneider e outros. Emprega a palavra "fenomenologia" numa acepção diversa 
daquela de Hegel e Husserl. Diz Jaspers: "Nós a empregamos para o domínio muito 
mais estreito da vivência psíquica individual". Sua fenomenologia é predominantemente 
subjetiva e empírica e aparece conceituada em sua obra "como o estudo dos estados da 
alma tal como os enfermos os experimentam". 
"O objeto da psicopatologia é a atividade psíquica real e consciente. 
Queremos saber o que os homens vivem e sentem e como fazem; queremos 
conhecer a extensão das realidades da alma. Queremos examinar não só a 
vida dos homens, mas as circunstâncias e as causas que a condicionam, 
aquilo a que se vincula, todos os aspectos que apresenta. Mas não se trata 
de toda a atividade psíquica: só a patológica constitui nosso objeto de 
estudo" (Jaspers). 
A partir daí a tarefa do fenomenólogo é especificamente delimitar, distinguir, precisar, 
apresentar com exatidão, de maneira concreta, precisa, os fenômenos experimentados 
pelo enfermo. Para tal é necessário registrar os dados subjetivos e objetivos obtidos pela 
"observação" e pela "escuta" e colocar-se conscientemente em jogo, confrontando pela 
ressonância empática (ou interpenetração afetiva) o que é revelado pelo paciente com o 
que ele de si próprio sabe por intuição ou experiência. 
Seus objetivos são os de apreender o "compreensível" dos fenômenos mórbidos, suas 
variações de qualidade e quantidade, seus parentescos e derivações, demarcando o 
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limite da penetrabilidade dos mesmos, para além do qual caberão só explicações 
causais. Os fenômenos observados servem assim de materiais para representar o 
mundo de um indivíduo, sua representação do mundo e sua concepção do mundo. 
Para alcançar esses objetivos, seria necessário "desprender-se dos a priori e dos 
preconceitos: preconceito somático segundo o qual tudo o que fosse psíquico seria 
objetivo; preconceitos filosóficos que explicariam tudo sem recorrer à experiência; 
preconceito psicológico que quereria compreender tudo, sob o pretexto de que a 
compreensão por interpenetração seria importante”. 
A Fenomenologia suscitou três grandes problemas para a Psicopatologia, fazendo com 
que Jaspers desenvolvesse conceitos importantes, visando ao estudo do homem 
enfermo, em seu todo e em seu mundo. São eles: 
1. Captação e apreensão da vivência 
Base de toda Fenomenologia psicopatológica, pois captar a vivência é ir à subjetividade, 
à estrutura total da enfermidade psíquica. Isto porque as vivências são os conteúdos 
imediatos da consciência de cada um. 
Examinar-se-iam sucessivamente as qualidades subjetivas da alma realmente vividas, 
por exemplo, uma experiência delirante, uma transformação da consciência, depois as 
manifestações exteriores da vida mental (psicopatologia objetiva), fenômenos objetivos 
materialmente observáveis (como os distúrbios da memória, distúrbios motores etc.) e, 
finalmente, a expressão da alma, ou seja, a psicologia da expressão, seria apreendida 
diretamente pelo observador no corpo, no movimento, na atitude ou indiretamente 
através da linguagem, dos pensamentos, da ação e das obras. 
A captação das vivências supõe uma atitude de redução fenomenológica e uma atitude 
neutra, ateórica do investigador. 
Críticas foram feitas e surgiram perguntas. É possível a compreensão do que o outro 
vivencia, já que não podemos vivenciar em nós tudo o que ele nos relata? O método é 
válido por suas raízes filosóficas? É exato o que o paciente relata? Ao fazer a redução do 
fenômeno, a subjetividade do psicopatólogo interfere nos dados tirando-lhe a pureza? Ao 
fazer a descrição do fenômeno o psicopatólogo não interfere? Jaspers não ficava 
indiferente nem neutro diante de tais indagações. Dizia da necessidade de se descrever 
as vivências captadas de maneira estática, ou seja, com as mesmas palavras do 
paciente. 
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2. Compreensão e explicação 
A partir das vivências relatadas busca-se compreender o vivido. O termo compreensão é 
usado para a visão do psíquico obtida por dentro (figurar-se, imaginar-se). É uma atitude 
metodológica consciente. Jaspers estuda e descreve vários tipos de compreensão. 
Julga-se que sejam as mais significativas para o método: 
a) compreensão estática ou fenomenológica que capta as qualidades de vivência num 
dado momento a partir da autodescrição do paciente; 
b) compreensão dinâmica ou genética aplicada após a estática visando estabelecer 
relações de sentido entre as diversas vivências, ou seja, o motivo, uma vez que o 
psíquico surge do psíquico de uma maneira compreensível. Desta forma, o sintoma tem 
um sentido e cabe ao psicopatólogo buscá-lo. 
Segundo Jaspers, "todo limite à compreensão é um novo estímulo à interrogação causal, 
cria o anseio à descoberta, o impulso à explicação. O homem propende a explicar tudo 
aquilo que não lhe é facultado compreender". 
A explicação visa buscar a causa dos fenômenos mórbidos. São duas as modalidades de 
explicação: a psicológica e a fisiológica. 
Criam-se hipóteses ou teorias visando "interpretar" os fenômenos incompreensíveis. 
Uma vivência incompreensível psicologicamente é aquilo que não deriva de nenhum 
dado anterior, aparece sem relação alguma com a cadeia de acontecimentos conhecidos 
ou que não somos capazes de experimentar como nossos, através da empatia. 
3. Processo, desenvolvimento e reação: formas do adoecer psíquico 
Escreve Jaspers: "Quando, frente ao desenvolvimento vital que teve lugar até então, 
surge algo inteiramente novo, por uma alteração da vida psíquica, denominamos fase. 
Porém quando se trata de uma alteração duradoura da vida psíquica, chamamos de 
processo". 
Assim, o transtorno processual diz respeito a um desvio psicologicamente 
incompreensível e irreversível (pelo menos parcialmente) do desenvolvimento da 
personalidade, que irrompe mais oumenos abruptamente o desenvolvimento da vida 
psíquica, introduzindo uma mudança psíquica inteiramente nova. 
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A personalidade portadora de um processo psíquico, diz Jaspers, se altera, muda e sua 
vida se quebra, mostrando-se nesta, em uma determinada etapa, profunda cisura, 
tornando-se incompreensível. 
Distinguem-se, dentro dos processos mórbidos, dois tipos fundamentais: 
a) processo orgânico: cujo modelo seria a Paralisia Geral, Psicose Demencial; 
b) processo psíquico: cujo modelo seria a Esquizofrenia. 
O processo orgânico se deve a alterações orgânicas conhecidas. O processo psíquico a 
alterações somáticas postuladas e não conhecidas. Jaspers, entretanto, não admitia uma 
evidente separação entre ambas as classes de processos. Se podemos marcar uma 
diferença entre ambas, esta não seria a partir da causalidade e sim nas características 
específicas da alteração da personalidade. No processo psíquico ocorre uma alteração 
na vida psíquica. Ele é transformador, podendo ter uma série de relações 
compreensíveis, ainda que a causalidade seja desconhecida. Já os processos orgânicos 
são destruidores da vida psíquica, e têm caráter irreversível. Tais noções devem tornar-
se noções limites e não noções definidoras de espécies distintas. 
Na evolução de um processo psíquico observamos, em alguns casos, a possibilidade de 
sua remissão, sendo então, por vezes, difícil comprovar a quebra da personalidade. Por 
outro lado, nos deparamos com casos onde tal remissão processual não é tão completa, 
deixando resíduos da atividade processual, aos quais denominamos de estados 
residuais, em cujo caso a personalidade pode vir se alterando, cada vez mais 
profundamente, com a reaparição de novos brotos (processos que aparecem 
posteriormente). Num dado momento de evolução do processo, ele pode se inativar, 
deixando uma alteração permanente na personalidade, que se mostra modificada pelo 
estabelecimento de uma nova concepção do mundo, pelo enfermo, e aí está o 
denominado estado final ou terminal. 
As vivências mórbidas de natureza processual expressam diretamente o transtorno 
fundamental, processual, sendo assim irredutíveis e primárias, denominadas vivências ou 
sintomas primários; são sempre incompreensíveis geneticamente e, na maioria das 
vezes, não podem também ser compreendidas fenomenologicamente. São explicáveis 
geneticamente através de uma causalidade certa ou de uma causalidade hipotetizada, 
teorizada. Trata-se de alterações "qualitativas" da vida psíquica. 
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No conceito de desenvolvimento da personalidade incluem-se tanto a continuidade 
psicologicamente compreensível da personalidade normal quanto o desenvolvimento da 
personalidade anormal. São anomalias psíquicas "quantitativas", acessíveis à 
compreensão psicológica. O desenvolvimento de uma personalidade tem por origem 
somente as disposições individuais que evoluem através das épocas da vida, sem uma 
descontinuidade incompreensível que venha acrescentar algo inteiramente novo. 
Evoluem no tempo, em constante interação com o meio. Temos a Paranóia de Kraepelin 
como modelo. 
Definimos reação como sendo uma resposta do psiquismo a uma vivência. Em princípio 
há dois tipos de reações patológicas: 
a) psicoses desencadeadas por uma vivência – o conteúdo do delírio não tem nenhuma 
relação compreensível com a vivência. Por exemplo, o caso de uma morte que provoca 
um processo mórbido catatônico. Uma psicose é desencadeada por uma vivência, mas 
desenvolve-se segundo suas próprias leis, com plena independência do motivo psíquico, 
que também aconteceria sem a vivência que a desencadeou, e sem nenhum motivo. 
b) reações verdadeiras – nestas o conteúdo da reação tem uma relação compreensível 
com a vivência original: tais reações não surgiriam sem essa vivência e a evolução da 
reação depende do evento e de sua relação com ele. Desta forma a reação seria 
passageira, o que aponta para o prognóstico de tais quadros, com estreita vinculação a 
nível temporal, de motivo e compreensibilidade com a vivência que a gerou. 
Devemos distinguir a reação vivencial normal da reação vivencial patológica: as reações 
normais a uma vivência são sempre compreensíveis – por exemplo, resulta 
perfeitamente compreensível que um homem reaja violentamente diante de uma vivência 
de grave ofensa por parte de outra pessoa, ou que reaja com profunda tristeza e pranto à 
morte de um ente querido. As reações vivenciais são consideradas anormais se a reação 
psicológica correspondente for inadequada, quantitativa e qualitativamente, ou à vivência 
ou à duração da resposta (reação se prolonga por um tempo desproporcional). Nesse 
caso, a reação vivencial patológica é compreensível devido à existência de uma relação 
entre a vivência e o conteúdo da reação, mas resulta incompreensível em relação à sua 
gênese, quanto à essência da reação em si, em decorrência de sua inadequação 
(quantitativa, qualitativa ou em sua duração). Isto nos permite dizer que as reações são 
em parte compreensíveis (vivência e conteúdo) e em parte explicáveis (sua gênese 
residiria em fatores de ordem biológica susceptíveis de seres explicados). Por exemplo, 
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diante de uma situação catastrófica uma pessoa pode reagir com um comportamento 
inadequado, de grande euforia. 
Tais conceitos desenvolvidos por Jaspers não deixam de trazer problemas para a clínica. 
Estudando-os, parte da origem dos autênticos delírios, incompreensíveis geneticamente, 
nasce de vivências delirantes primárias, portanto sem motivação compreensível para o 
tema e o conteúdo da percepção sobre o qual se monta o sistema delirante. Procurando 
conhecer profundamente a história do sujeito, percebemos que permanecerá sempre 
incompreensível o transtorno qualitativo primário da função perceptiva, ou seja, a 
percepção delirante. Nota-se, todavia, que o conteúdo de um delírio pode ter relação com 
a vivência desencadeante, principalmente no início. Aí vem a pergunta: É processo 
desencadeado ou reação patológica? Visando sair do enigma, o recurso é recorrer à 
história pessoal, anterior do sujeito. 
Não restam dúvidas de que Jaspers desempenhou papel importante na história das 
patologias. Com seu método profundamente filosófico, fez questões à Psicologia do 
condutivismo laboratorial dos Estados Unidos, ao associacionismo e à Psicologia 
fisiológica européia. 
Ainda hoje, muitos lhe atribuem os maiores avanços nos estudos da esquizofrenia; a 
partir dele encontramos as posições antropológicas de Biswanger, Zut e Minkowski; as 
posições topológicas ou situacionais de Lewin e Kisker: gestáltica de Conrad e 
psiquiátrica como as de Kurt Schneider, Matussek, Lopez Ibor, Henri Ey, Goas e tantos 
outros. 
A Psicopatologia é a parte da Psiquiatria que estuda os fenômenos psíquicos e mórbidos 
do homem. Dar conta do homem e seu adoecer psíquico significa, antes de tudo, não 
prescindir da Filosofia. 
Aparece no cenário a Fenomenologia, com sua metodologia de captação e compreensão 
das vivências do homem enfermo psíquico, colocando uma certa ordem nos conceitos 
psiquiátricos. 
 
 
 
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 ENTREVISTA PARA O ESTABELECIMENTO DO DIAGNÓSTICO 
FENOMENOLÓGICO 
 
A entrevista é o procedimento através do qual obtemos os elementos que nos permitem 
alcançar o conhecimento dos problemas do paciente e da maneira pela qual eles 
interferem com sua satisfação ou adaptação social. Esse conhecimento é obtido através 
da escuta, da observação e do exame das funções psíquicas.Ao falarmos em entrevista, falamos do encontro de duas pessoas, como diz Sullivan: "A 
entrevista é um caso particular de relação interpessoal". Logo os dados a serem 
analisados e compreendidos devem derivar sempre da observação daquilo que ocorre 
entre os seus participantes, isto é, no campo de interação profissional-paciente. É do 
campo dessa interação que emerge a história clínica; logo, a relação constituída pelo 
comportamento do profissional e do paciente durante o encontro afeta a entrevista de 
vários modos. Em primeiro lugar, influi no conteúdo da comunicação do paciente; assim, 
o que um diz não depende somente do que deseja dizer, mas também daquilo que pensa 
do outro. Outra decorrência da qualidade dessa relação diz respeito àquilo que nós 
falamos, fazemos e perguntamos nesse encontro. Onde reside o nosso interesse? Seria 
conhecer o sintoma, a doença? Esperamos que o paciente fale abertamente de suas 
relações e pensamentos íntimos? Esperamos revelações completas na primeira 
entrevista? Uma vez que o paciente não nos forneça tais dados, submetemo-lo a um 
interrogatório? Acusamo-lo de sonegar informações vitais para a compreensão de seu 
caso? Acusamos ser o próprio paciente o responsável por seu estado? 
A entrevista implica sempre em duas abordagens: 
a) um sentido de investigação: estabelecer informações completas sobre a biografia do 
paciente, sua situação geral perante o mundo e diante de si, seu estado profissional, 
suas condições de vida em geral. O registro dos sintomas visa menos catalogá-los do 
que compreender o lugar deles na economia psíquica do indivíduo. Com este objetivo 
esperamos identificar o transtorno mental e os padrões de comportamento; 
b) um sentido de encontro compreensivo: enfatizamos aqui o discurso, o relato do 
paciente no encontro de pessoa a pessoa, duas histórias, dois caminhos na tentativa de 
reconstruir e compreender a enfermidade em questão. 
Sem dúvida, a entrevista pode e deve ser considerada como parte do processo 
terapêutico. Ela é terapêutica no sentido de que permite que o paciente se expresse – o 
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que significa dar espaço à sua angústia e, sobretudo, que ele ordene suas idéias de uma 
maneira coerente. Daí que alguns pacientes ao final da entrevista nos dizem: "Já estou 
melhor, me sentindo melhor só de ter conversado com o senhor". 
A técnica da entrevista 
É preferível entrevistar sempre primeiro o paciente antes de falar com qualquer outro 
membro da família ou amigo que esteja acompanhando-o. Se for necessário 
entrevistarmos os familiares, o paciente deve ser informado e, sempre que possível, 
deve-se obter sua concordância. É importante que a entrevista se desenrole sob 
condições que permitam um contato privado com o paciente. 
A técnica de condução da entrevista é de difícil aprendizado, sendo a prática, o fazer, o 
meio mais seguro de se obter a destreza necessária, entretanto destacamos alguns 
pontos: 
a) a entrevista deve ocorrer de uma forma espontânea, tendo como objetivo 
conhecermos primeiramente o homem que tem/pode ter uma doença. Assim a conversa 
não deve ser necessariamente no sentido de “procurar algo", mas de deixar o paciente 
desenvolver o seu discurso, de deixar a história fluir e evoluir gradualmente; 
b) o interrogatório deve ser evitado a qualquer preço, afinal, nos diz Ballint: "Se fazemos 
perguntas, não obtemos senão respostas e nada mais, ou o máximo que se obtém com 
uma pergunta é uma resposta”. As perguntas devem ser feitas com o objetivo único de 
complementarmos os dados fornecidos pelo paciente e sempre com intuito de uma 
abertura no discurso do paciente. Deve-se ter cuidado de não fazer perguntas de 
maneira a favorecer interpretações equivocadas por parte do paciente, como também 
temos que ser hábeis ao tocar nos aspectos mais delicados da vida do paciente sem 
provocar angústia excessiva. Enfim, se permitirmos ao paciente contar sua história, 
faremos apenas perguntas ocasionais que lhe sirvam de guia; assim o paciente sente 
que está sendo compreendido e que seus pontos de vista são valorizados. A entrevista é 
conduzida de uma maneira flexível, entretanto, é necessário que os dados se organizem 
na mente do entrevistador seguindo um plano definido. Não podemos cometer o erro de 
seguir um roteiro de maneira rígida, forçando o paciente a dar informações sobre cada 
ponto de nosso roteiro. Tal esforço está condenado ao fracasso, porque os pacientes 
mostram-se desejosos ou ansiosos de relatar determinado material a que atribuem 
importância e tendem a responder com irritação às perguntas que não lhes parecem 
incidir sobre seus problemas atuais. 
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Paulo Dalgalarrondo enuncia as três regras de ouro da entrevista: 
1. com o paciente mais organizado, com inteligência normal, boa escolaridade e fora de 
um estado psicótico recomenda que a entrevista seja mais aberta, que seja usada como 
forma de catarse pelo paciente; 
2. com pacientes desorganizados, ansiosos, paranóides e deprimidos a entrevista deverá 
ser mais estruturada, não permitindo longos silêncios; 
3. com pacientes muito tímidos, paranóides, as perguntas iniciais da entrevista devem ser 
mais neutras e apenas gradualmente formularemos perguntas mais específicas. 
A anamnese 
A entrevista é realizada de forma flexível, entretanto, devemos organizar os dados 
obtidos do paciente seguindo um plano definido do roteiro da anamnese. O relato escrito 
de um caso tem um importante valor legal. É um documento que, sendo bem redigido, 
poderá ser decisivo em questões legais futuras. A história clínica deve ser redigida 
com uma linguagem simples, precisa e compreensível. O relato deve ser 
pormenorizado, mas não prolixo, e detalhado naquilo que é essencial ao caso, conciso 
naquilo que é secundário. A caligrafia deve ser legível e o estilo claro, preciso, com 
frases e parágrafos curtos. Deve-se evitar terminologia por demais tecnicista, como 
também deve o entrevistador evitar a interpretação precoce dos dados. 
A anamnese inclui: 
1. Identificação do paciente: nome, sexo, idade, estado civil, escolaridade, cor, 
procedência/endereço, naturalidade, profissão, ocupação atual, religião, nível socio-
econômico (tipo de residência, quantas pessoas moram em casa, etc.), quem 
acompanha o paciente, que instituição o encaminha. 
2. Queixa principal: o motivo da consulta, registrado segundo as palavras do paciente. 
3. História da moléstia atual: descrição do aparecimento dos sintomas segundo a 
cronologia, atenção à natureza, modo de início e sua evolução no tempo. Fatores 
precipitantes e ambientais que tiveram papel importante no desenvolvimento ou na 
patoplastia da moléstia. Tipos de ajuda ou tratamento eventualmente realizados, sua 
natureza ou efeito. Complicação e impacto da moléstia no funcionamento do paciente. 
Sempre que possível usar as próprias palavras do paciente. 
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4. Antecedentes pessoais: nascimento, infância (desenvolvimento neuropsicomotor, 
socialização, etc.), adolescência (rendimento escolar, atos delinqüentes, uso de droga, 
etc.), fase adulta (socialização, lazer, hábitos, ocupação, etc.), sexualidade, 
personalidade pré-mórbida. 
5. Antecedentes familiares: moléstias mentais na família, passado convulsivo, 
alcoolismo, suicídio. Descrição do relacionamento e dinâmica familiar, ambiente geral 
da família. 
Enfim, não devemos esquecer que a anamnese tem por objetivo estabelecer um roteiro, 
de forma a organizar os dados nos permitindo uma compreensão do enfermo. 
6. Exame das funções psíquicas: visa verificar, estudar, investigaras funções psíquicas, 
o seu padrão e suas alterações. Embora na redação o exame venha descrito logo após a 
anamnese, na realidade o exame das funções psíquicas se dá em grande parte durante 
a entrevista com o paciente. Assim, ele se inicia no momento em que nos defrontamos 
com o paciente e se estende durante toda a entrevista. 
A exploração psicopatológica usada no exame é aquela que podemos realizar sem ajuda 
de instrumental. Temos vários roteiros de exame que podemos trabalhar em nossa 
prática. Veremos aqui o roteiro preconizado pelo Prof. Leme Lopes, amplamente usado 
na clínica. 
6.1 Impressão geral: descrição da maneira como o paciente se apresenta na 
entrevista, vestuário, condições de higiene, fácies, mímica, atitude durante a 
entrevista, atitude para com o entrevistador, postura e maneirismos, contato, 
linguagem falada (tonalidade de voz, velocidade do discurso, coerência, para-
respostas, vocabulário, prolixidade, mutismo), presença de alterações na marcha, 
presença de movimentos involuntários, etc. 
6.2 Consciência: vigil, coma, obnubilação, confusão mental, estados crepusculares, 
flutuação do nível da consciência. 
6.3 Orientação: autopsíquica (em relação a sua própria pessoa) e alopsíquica (em 
relação ao tempo e ao espaço). 
6.4 Atenção: espontânea (ou vigilância) e voluntária (ou tenacidade). 
6.5 Memória: alterações quantitativas na memória de fixação e evocação, alterações 
qualitativas da memória. 
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6.6 Sensopercepção: presença de ilusões, alucinações, pseudo-alucinações e 
alucinoses. 
6.7 Pensamento: curso, forma e conteúdo do pensamento. 
6.8 Linguagem: tonalidade da voz, velocidade do discurso, para-respostas, 
vocabulário, solilóquio, mutismo, ecolalia, logoclonia, estereotipias verbais, etc. 
6.9 Juízo de realidade: presença de percepção delirante, representação delirante, 
intuição delirante, idéias delirantes primárias, idéias deliróides, delírio, delirium 
(descrever conteúdo, natureza e sistematização). 
6.10 Consciência do Eu: unidade, identidade, atividade e quanto à oposição ao mundo 
externo. 
6.11 Afetividade: tônus afetivo, embotamento afetivo, ambivalência afetiva, 
estabilidade e modulação afetiva, ressonância afetiva, humor (depressão, euforia e 
mania, irritabilidade, angústia, medo e cólera). 
6.12 Inteligência: capacidade de abstração, conceituação, elaboração e raciocínio, 
nível geral. 
6.13 Vontade ou conação: abúlico, hipobúlico, hiperbúlico, negativista, obediência 
automática, flexibilidade cérea. 
6.14 Psicomotricidade: estupor, excitação, agitação psicomotora, ecopraxias, tique. 
6.15 Juízo crítico: crítica sobre o próprio estado mórbido, qual a atitude em relação ao 
seu estado. Acha que sua doença necessita de tratamento? Seu julgamento é bom? 
7. Súmula psicopatológica: resumir, valorizando ou discutindo os dados mais 
importantes da observação. Aparência, atitude, orientação, atenção, sensopercepção - 
ilusão, alucinação, memória, pensamento (forma, curso e conteúdo), idéias delirantes, 
afetividade, vontade e ação, psicomotilidade. 
8. Formulação psicodinâmica do caso: relatar o padrão relacional do paciente (como 
estabelece as relações interpessoais), conflitos afetivos mais significativos, dinâmica 
afetiva e de papéis na família, padrões transferenciais que estabelece, mecanismos de 
defesa inconscientes, etc. 
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9. Hipótese diagnóstica: se fosse suficiente distinguir entre estar doente/estar sadio, a 
clínica não teria razão de ser; e o que justifica a existência da semiologia – ciência e arte 
de evidenciar sinais pertinentes – é que o diagnóstico é sempre diferencial. 
Faz-se necessário, para um planejamento terapêutico, distinguir as maneiras de estar 
doente umas das outras. Assim, o diagnóstico é sempre uma operação de escolhas 
diferenciais entre diversas ocorrências e não um rótulo que se aplica ao doente. Temos 
aqui uma descrição sucinta e precisa de um quadro mórbido e, ao mesmo tempo, o 
levantamento da estrutura de uma personalidade, que reage ao conjunto das coisas em 
ação. 
O diagnóstico é sempre baseado nos dados clínicos, na história dos sintomas e no 
exame psíquico atual. O que orienta é a observação, ou seja, os aspectos 
fenomenológicos e a evolução temporal do quadro clínico. Desta forma, o diagnóstico é 
sempre descritivo fenomenológico e nunca um diagnóstico baseado em supostos 
mecanismos causais. 
10. Planejamento terapêutico: atingida a essência do diagnóstico, o reconhecimento da 
forma mórbida, é estabelecido o ponto de referência para o prognóstico, a terapêutica e a 
profilaxia. Descrever a medicação que vem usando, medicação prescrita, tratamento 
psicoterapêutico indicado, procedimentos socioterapêuticos indicados, modos 
sugeridos de manejo do caso. 
 
PSICOPATOLOGIA DAS FUNÇÕES PSÍQUICAS 
 
Propomos o estudo analítico das funções psíquicas isoladas e suas alterações enquanto 
construto teórico da psicopatologia que nos permitem um melhor entendimento dos 
fenômenos psicopatológicos; entretanto, é necessário não esquecer que ao fazermos isto 
estamos apenas utilizando um procedimento essencialmente artificial. Como ressalta 
Paulo Dalgalarrondo: “Que fique claro para o aluno: não existem funções psíquicas 
isoladas e alterações psicopatológicas compartimentalizadas desta ou daquela função”. 
“É sempre a pessoa na sua totalidade que adoece” 18. As funções psíquicas alteradas 
 
18 DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: 
Artmed, 2000, p. 61 
 
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desta forma fazem pressentir transtornos subjacentes, ligados à personalidade inteira, a 
pessoa na sua totalidade e em seu modo de existir. 
Eugen Bleuler, citado por Dalgalarrondo, adverte sobre o perigo de se estudar cada 
função psíquica de forma isolada. Refere: 
“Em um ato psíquico apenas pode ocorrer uma separação teórica, não uma 
separação real, entre as distintas qualidades psíquicas de que se trata. Da 
mesma forma que em qualquer sensação luminosa, inclusive a mais simples, 
podemos diferenciar entre qualidade (cor, matriz), intensidade e saturação, 
podemos falar de processos de conhecimento (inteligência), de sentimento e 
de vontade, mesmo que saibamos que não existe nenhum processo psíquico 
ao qual não correspondam as três qualidades, embora se apresente em 
primeiro plano ora uma, ora outra delas. Dessa forma, portanto, se 
qualificamos um processo como afetivo, sabemos que estamos procedendo 
a uma abstração, precisamente como se considerássemos uma cor 
independentemente de sua intensidade” 19. 
Lembramos, ainda, Lain Entralgo que define pathos/illness como a experiência subjetiva 
ou objetiva de mal-estar, tensão, dor ou sofrimento, ou seja, pathos diz respeito à 
experiência do homem de sentir-se doente. Este autor marca uma diferença do temo 
pathos para o termo morbus/disease, que seria um estado de desarmonia e desequilíbrio 
entre as funções ou estruturas do organismo vivo (estar doente). Dentro desta 
perspectiva, o contrário do termo psicopatológico não é a normalidade psíquica. A idéia 
de “doença” se refere ao termo pathos apenas por sua capacidade de “acometer” um 
indivíduo e conduzi-lo a uma forma de padecimento, de sofrimento psíquico. A ligação do 
termo psicopatologia à noção de doença mental já implica num recorte e numa leitura do 
fenômeno psicopatológico marcado pela perspectiva médica. 
 
ESTUDO DA SENSOPERCEPÇÃO 
 
1. INTRODUÇÃO 
Toma-se conhecimento dos objetos como percepções ou como representações. Para

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